Tem que ser Você Rent-a-friend Valerie Kirkwood Julia 980 Resumo PARA QUE SERVEM OS AMIGOS? 1) PARA ROUBAR O SEU MARIDO? Carina Mann não tem amigos. Ela não podia mais aventurar-se a tê-los. Não depois de sua melhor amiga ter-lhe roubado o marido na noite do casamento. 2) PARA QUE ESTEJAM LÁ, QUANDO LHES PAGAMOS? Infeliz e sozinha, Carina resolve alugar um amigo, diretamente de uma agência. Mas quando conhece Max Evangelist, sabe que começa a correr um grande risco: o homem é charmoso demais! 3) PARA NOS APAIXONARMOS PERDIDAMENTE POR ELES? Sem perceber, Carina começa a desejar que Max seja mais que um amigo .. Mas como, se ele parece não estar nem um pouco interessado nela? Digitalizado por:Joyce Revisado por: Cris Veiga PRÓLOGO Carina Mann Dokter se encontrava dentro da banheira pensando na vida. As bolhas perfumadas que sensualmente haviam lhe envolvido o corpo, tinham desaparecido e delas só restara uma pequena superfície espumosa e a água quase fria. Não dava para negar: ela se casara com o homem mais paciente que existia sobre a face da Terra. Caso contrário, Race já teria entrado no banheiro e interrompido aqueles momentos de relaxamento. Carina deu um profundo suspiro. Bem, talvez Race estivesse apenas pensando no que tinha acabado de acontecer na cerimônia, quando ela pedira ao padre que repetisse a pergunta que acabara de lhe fazer, por não tê-la entendido direito. - Carina, minha filha - o padre Nick De Grasso a fitara meio desentendido, - qual exatamente a parte da pergunta que você não entendeu? Aquela que diz até que a morte os separe? - Me desculpe, padre, eu me expressei de maneira errada. Claro que entendi a pergunta, eu só não a escutei direito e me atrapalhei um pouco. - Naquele momento, ela ajeitara a grinalda. - Acho que colocaram muito tule nesse véu. - Tem certeza, Carina? - o padre duvidou. - Claro que tenho, padre. Agora que tirei o tule dos meus ouvidos, posso escutá-lo perfeitamente. - E então? - Então, o quê? - Eu lhe fiz uma pergunta, será que se - Eu sei, eu sei que o senhor me fez uma pergunta... Mas daria para o senhor fazer o favor de repeti-la? O padre De Grasso, depois de um longo suspiro de impaciência havia repetido a pergunta. Carina, consciente da gafe que tinha cometido, dera um belo sorriso e respondera com uma veemência não muito usual: - Mas é claro que sim! O padre, então, se dera por satisfeito e convencido da sinceridade de Carina e terminara a cerimônia. Mas, e Race? Será que ele havia se convencido? Depois da gafe que acontecera em plena cerimônia de casamento, os pensamentos de Carina a levaram para aquele mesmo dia, pela manhã, quando tinha sido acordada por um telefonema de Race. Depois de cumprimentá-la com muito afeto, ele havia perguntando: - Querida, está certa de que é isso mesmo o que quer? Carina, como vice-presidente de uma multinacional tinha fama de jamais voltar atrás em uma decisão. Justamente por causa disso, ao ouvir a pergunta de Race, ficara bastante preocupada. Claro que era aquilo que queria. A menos que... - E você, Race? Está certo de que é isso mesmo o que quer? - Ela precisava saber o que se passava pela cabeça do noivo. - Assim não vale! - Race riu. - O que é que não vale? - Carina ficou muito preocupada. - Não vale responder a uma pergunta com uma outra. - Não brinque, Race. - Não estou brincando. - Ele voltou a rir. - Mas eu fiz a pergunta primeiro. - Será que está duvidando de mim? - Não, não é isso, mas você sabe que tudo o que eu quero na vida é a sua felicidade. Portanto, se houver alguma dúvida, se houve alguma mudança nos seus sentimentos por mim, você é livre para fazer o que bem entender. Carina olhou para a água da banheira. Como Race era um homem especial: nada egoísta, muito cuidadoso, sensível... Ela balançou a cabeça em negativa. Mas se Race era tão especial assim, por que estava ali, naquela água gelada, em plena noite do seu casamento, ponderando se fizera bem ou não em se casar com ele? Até sua melhor amiga, Jilian, a alertara que Race era perfeito demais para ser considerado real: rico, bonito e um dos cirurgiões plásticos mais respeitados de Nova York. - Não dá para acreditar que possa existir um homem tão perfeito, isso não é natural - Jilian lhe dissera. - Por outro lado, se um dia ele resolver me fazer uma lipoaspiração, me entrego inteirinha àquele pedaço do paraíso. Ao ouvir o comentário de Jilian, Carina tinha rido muito, exatamente como estava fazendo naquele momento ali na banheira. A amizade das duas, que vinha desde umas férias em Roma, onde haviam se conhecido na rua, lhes permitia aquele tipo de brincadeira. A empatia entre as duas tinha sido imediata e, no mesmo dia, estavam dividindo o quarto de uma pensão em Roma. Logo uma legião de italianos começou a assediá-las. E não foi fácil para Carina resistir ao charme latino do belo Giorgio. Um mês depois, acreditando-se apaixonadíssima, decidiu que iria, sim, saber por que os italianos eram considerados os melhores amantes do mundo. Por sorte, Jilian, apesar de muito constrangida a alertara de que Giorgio estava saindo com duas outras americanas e que também estava querendo se encontrar com ela. Carina, ao ouvir aquilo, se sentira devastada, arrasada e com muita vontade de dizer umas boas verdades ao italiano. E foi exatamente o que fez. Giorgio, após ter negado todas as evidências, viu-se obrigado a confessar que, no fundo, adorava todas as mulheres do mundo. O episódio, ao invés de prejudicar aquela amizade tão recente, fez com que ela se fortalecesse. Desde então, Carina e Jilian tinham aprendido a confiar e contar sempre uma com a outra. Com frio, Carina resolveu sair da água - Não preciso ficar me preocupando tanto, vai dar tudo certo - ela disse baixinho, enquanto se enxugava. - Race e eu somos inteligentes, temos carreiras muito bem-sucedidas e uma vida inteirinha pela frente. E uma semana inteirinha em Aruba vai ser maravilhoso. Carina penteou os longos cabelos ruivos e, de repente, resolveu enrolá-los em uma toalha. Sem pressa, pegou o frasco de hidratante e, lentamente, começou a espalhá-lo pelo corpo. - Vai dar certo... Esse casamento tem tudo para dar certo - ela comentou com a própria imagem que o espelho refletia. Apesar da tensão, Carina tentava não deixar a insegurança dominá-la. Andou até a cama e pegou a camisola de cetim, branca, comprada especialmente para aquela noite. O contato com o tecido macio, trouxe-lhe à mente, em sequência, imagens do seu relacionamento com Race... Lembrou-se da mágoa que sentira quando Race se esquecera de que eles haviam combinado de almoçar no Restaurante do Lago... De quando ela estava assistindo a um clássico do cinema, na tevê, e ele, sem mais nem menos, mudou de canal... Do jantar romântico que programara para comemorar seu aniversário, cancelado por causa de uma partida de tênis... Mas não adiantava ficar remoendo o passado. Se fosse corajosa teria terminado o noivado, só não o fez porque achava que a vice-presidente de uma empresa tão importante não devia ficar mudando suas decisões. Quando recebeu o telefonema de Race, pela manhã, seu primeiro pensamento foi de que ele queria cancelar a cerimônia... Bem, o fato é que agora estava casada com Race. O bom e velho Race! Com um sorriso nos lábios, Carina ajeitou a toalha na cabeça, ergueu os ombros e abriu a porta. Porém, ao entrar no quarto da suíte maravilhosa em que estava hospedada, parou aterrorizada e gritou: - Jilian! Race! O que está acontecendo aqui dentro? A melhor amiga e o marido, que trocavam um beijo apaixonado a fitaram assustados. - Será que não ouviram o que eu perguntei: o que está acontecendo aqui dentro? - Bem, eu posso explicar... - Race disse, bastante sem jeito. - E acho bom me explicar logo. Em plena noite do meu casamento, eu o encontro beijando a minha melhor amiga! Será que isso é normal, Race Dokter? Vamos, eu exijo uma explicação! E tem de ser uma excelente explicação! Race se aproximou de Carina e tentou segurá-la pelos ombros. Ela, porém, voltou a gritar: - Não encoste essas suas mãos sujas em mim. Essa camisola me custou seiscentos dólares! - Seiscentos dólares? - Jilian perguntou, espantada. - Você teve coragem de gastar tanto dinheiro com apenas uma camisola? - Tive. O dinheiro é meu. - Mas eu vi uma igualzinha a essa num shopping por apenas trezentos e setenta dólares. E eu a avisei. - Como você se preocupa comigo, Jilian Wild. Se preocupa tanto que resolveu vir para essa suíte, passar a minha lua-de-mel como o meu marido! - Não precisa me ofender. - Ah, quer dizer então que eu estou ofendendo você? Race, resolveu interferir na conversa das duas: - Carina, essas coisas acontecem. - É mesmo? - Carina deu uma gargalhada nervosa. - Essas coisas acontecem, é? Quer dizer que está achando muito normal eu encontrar o meu marido beijando a minha melhor amiga na noite do meu casamento? - Foi inevitável. - Race fez um gesto de impotência. - Eu deveria ter desconfiado. Vocês dois sempre se trataram de um jeito meio estranho. E a minha amiguinha nunca fez questão de esconder que o achava o homem mais charmoso de toda Nova York. - De todo o planeta - Jilian a corrigiu. - É a isso que eu chamo de traição! Essa é a traição de maior requinte que já tive notícia: a minha melhor amiga seduzindo o meu marido. - Ela não estava me seduzindo. - Não? E ela estava fazendo o quê? Acha mesmo que vai dar para negar as evidências, dr. Race Dokter? - Não estou a fim de negar as evidências. Mas não foi a Jilian quem me seduziu. Nós dois somos responsáveis pelo que está acontecendo. Não conseguimos nos controlar. - E esperaram que o casamento fosse realizado para me contarem essa grande novidade? O que estão pretendendo? Acabar com a minha sanidade mental? - Nós não planejamos nada. Simplesmente aconteceu. - E mesmo, Race? Simplesmente aconteceu? - Carina colocou as mãos na cintura. - Não seja cínico! - A mente humana é algo muito complicado, Carina. - Pelo que eu sei você é um cirurgião plástico e sempre detestou psiquiatria. Portanto, abstenha-se de analisar a mente humana! - Eu estou desconhecendo você. Onde está o seu autocontrole? - Ele se foi pelo ralo, com a água da banheira. Eu exijo uma explicação! - Nós não temos explicação para lhe dar, Carina, acredite. Simplesmente aconteceu quando nós dois estávamos dançando na nossa festa de casamento. - E mesmo, dr. Race Dokter? E quer que eu acredite numa mentira desse tamanho? Por favor, não subestime a minha inteligência. - É verdade - Jilian disse, baixinho. - Nós dois estávamos dançando e de repente... - ...o amor aconteceu - Carina terminou a frase da amiga. - Vocês são dois canalhas! - Se quiser me ofender, tudo bem! Mas exijo que respeite a Jilian. - Vá para o inferno, Race Dokter! Quem está sendo desrespeitada aqui dentro sou eu! - Nós não queríamos desrespeitá-la. - Como você são bonzinhos... Não queriam me desrespeitar... Aí, então, enquanto eu tomava o meu banho, me preparando para a grande noite da minha vida, resolveram se fazer alguns carinhos... - Eu bebi demais, Carina. E a Jilian também. Depois que descobrimos o que estava acontecendo conosco, resolvemos beber para tentar esquecer o absurdo da situação. - Daqui a pouco você vai me dizer que essa cafajestada toda é fruto de uma bebedeira louca! Vou repetir: não subestime a minha inteligência! - Sei que está sendo difícil para você, Carina, mas entenda, tente ser razoável. - Entender? Ser razoável? Vocês dois ultrapassaram todos os limites da decência humana! - Carina estava inconsolável. - Fora! - Seja razoável, Carina - Race voltou a pedir. - Fora! Quero vocês dois fora do meu quarto e da minha vida. Agora! - Mas nós... - Se vocês não saírem, vou fazer o maior escândalo que esta cidade já teve notícia. - Ainda acho que devemos conversar. Um bom diálogo sempre é essencial. - Fora! - Mas a minha mala, eu... Carina não teve dúvidas: pegou a mala de Race que ainda se encontrava fechada sobre uma cadeira e a jogou no corredor no hotel. Trêmula, ela segurava a maçaneta da porta da suíte que estava escancarada e esbravejou: - Caiam fora da minha vida! E esqueçam que algum dia me conheceram! Race e Jilian deixaram a suíte sem mais nada dizer. No instante seguinte, Carina bateu a porta com força e se jogou na cama. Depois de alguns minutos de estupefação, tomou a resolução que daí por diante nortearia sua vida. - Nunca mais vou acreditar em ninguém, muito menos nas amigas! - exclamou. - E não vou chorar... nem por mim - completou. CAPÍTULO I A psiquiatra Júlia Barret Brown olhava com muita atenção para a sua nova paciente. - Bem, Carina, pelo que acabou de me dizer, logo fará um ano que se casou. - Exatamente. - E como está se sentindo? - Péssima. Como acha que eu deveria estar me sentindo? - Isso eu não posso lhe responder. - Mas é claro que pode. Quero saber a sua opinião, Júlia. - A minha opinião não tem a menor importância. Com o tempo vai acabar entendendo que numa sessão como essa o que importa é apenas o que você sente. - Quer dizer que tudo o que me resta é ficar falando, falando... Não acho justo que só eu fale. Você também tem de falar alguma coisa. - Você me paga para ouvi-la, Carina. - Mas você também tem de dar algumas opiniões, Júlia. Pelo menos de vez em quando. - Isso eu só farei quando for extremamente necessário. - Pelo que estou podendo perceber, poderia ficar falando com a poltrona lá de casa. Sairia muito mais barato. Afinal, estou pagando cento e cinquenta dólares por uma hora do seu precioso tempo. A psiquiatra ficou em silêncio. - Não vai me dizer nada? - O que quer que eu diga? Que você esta resistindo à terapia? Isso é muito normal. Qualquer um resiste. - Se estivesse resistindo, não estaria aqui sentada nesta poltrona, me sentindo uma grande idiota. - Mas você nem de longe me lembra uma grande idiota. Muito pelo contrário. Você é uma mulher inteligente, acostumada a tomar decisões importantíssimas. É impossível que esteja acreditando que o episódio da noite do seu casamento tenha a ver com uma praga que rogaram sobre a sua família. Ou será que estou enganada? Antes de responder, Carina olhou para os lados e fixou o olhar num pequeno arranjo de flores sobre uma mesinha. - É novo? - Sobre o quê está se referindo, Carina? - Estou me referindo ao arranjo de flores sobre a mesinha. Da primeira vez que vim aqui conversar com você, para ver se podia ou não trabalhar comigo, ele não se encontrava lá. - E verdade. Eu o coloquei ali ontem. - Eu sabia. Você deve ser uma mulher muito romântica, Júlia. - E você? - A psiquiatra a olhava fixamente. - Você é uma mulher romântica, Carina? - O que você acha? - Preferia que respondesse a minha pergunta. - Qual delas? - O tom de voz de Carina era de desafio. - Aquela que você preferir. "Essa mulher não é nada fácil!", Carina concluiu em pensamento. "Não acho justo que numa sessão de terapia o paciente fique falando a maior parte do tempo. Pois eu também não vou responder mais nada!" Sentindo-se com muito medo e profundamente desamparada, Carina permaneceu em silêncio. Júlia Barret Brown, que já vivera um sem número de situações semelhantes àquela, também permaneceu em silêncio. "Não, não dá para eu ficar aqui parada, sem dizer nada. Afinal, vim procurar esta mulher para me tratar. Cada segundo que passo aqui dentro custa uma fortuna. Mas qual das perguntas eu devo responder primeiro? Bem, quanto a ser uma romântica, isso é mais do que evidente. Portanto, é melhor eu responder a pergunta da praga que acredito que um dia rogaram sobre a minha família." - Bem, Júlia, em sã consciência eu posso lhe dizer que deve existir, sim, algum feitiço, ou alguma energia muito pesada pairando sobre a minha família há anos. - Como pode me afirmar uma coisa desse tipo? - Basta ver o álbum de fotografia que pertenceu ao meu bisavô. Nele está escrito: ela prometeu que nenhum descente dos Mann seria feliz. - Ela? E quem é ela? - Morgana, a bruxa que se apaixonou pelo meu bisavô. Ela o seguiu até aqui na América. E quando o meu bisavô se casou com a minha bisavó, a bruxa lhe rogou uma praga. - E essa praga atingiu o seu avô e todos os seus descentes... - Júlia, pensativa, balançou a cabeça em afirmativa. - Não é incrível? - Incrível é você acreditar num absurdo tão grande como esse, Carina. Está se deixando levar por superstições. Você acha mesmo que alguém tem tanto poder assim? - Mas o meu bisavô vivia afirmando que Morgana era capaz de tudo. Mas de tudo mesmo. Júlia se manteve calada. - Está achando que tudo isso é fantasia da minha cabeça, não é, Júlia? - Para mim não seria surpresa nenhuma. Nosso cérebro é capaz de criar coisas boas e más. - Na minha família sempre aconteceram situações muito estranhas. E sempre em dias de festa. Posso jurar porque eu estava na sala de jantar. - Me desculpe, Carina, mas não acompanhei o seu raciocínio. - Estava lembrando do dia que meu pai e minha mãe me contaram que iriam se divorciar. Tenho certeza de que era Natal e de que eu estava na sala de jantar. - Quantos anos você tinha? - Nove. - Bem, posso admitir que seus pais não eram pessoas lá muito sensíveis. Mas daí a dizer que existe uma conspiração cósmica contra a sua família, seria um grande delírio. - E o que você me diz a respeito do Tuffy? - Não sei quem é Tuffy, Carina. - Tuffy era um cachorrinho que eu adorava. Sabe quando foi que ele morreu atropelado por um carro? No dia que completei doze anos. Com muita calma a psiquiatra disse: - Dois episódios tristes acontecidos em datas importantes, ao longo de uma vida, só podem ser mesmo coincidência. - Coincidência... Você encara tudo de uma maneira muito racional, Júlia. Mas eu ainda não contei sobre a minha formatura na faculdade. - Pois então conte, sou toda ouvidos. - Não posso contar nada sobre a minha formatura. - Por quê? - A psiquiatra a fitou com curiosidade. - Simplesmente porque não participei dela. Estava com catapora. - Sei... - Foi horrível. Eu ia ser a oradora da turma. - E esse fato você acha que também está associado à praga da Morgana? - Não tenho a menor dúvida que está, sim. Resisti, fiz de tudo para não acreditar em feitiço, praga, bruxaria. Mas depois do que aconteceu no dia do meu casamento... - Carina resolveu ir mais devagar, não podia exigir tanto da psiquiatra. Na certa era a primeira vez que Júlia Barret Brown tinha uma paciente como ela, vítima de energias as quais a Ciência ainda era incapaz de explicar. Se não tomasse cuidado, a psiquiatra poderia pensar que estava lidando com uma louca. E aí... "Aí, não terei a ajuda de que tanto estou necessitando." Carina voltou a ficar em silêncio. Porém, a vontade de falar o que estava lhe passando agora pela cabeça foi mais forte: - E sabe quem fez o discurso no meu lugar? - Quem? - Cynthia Zimmer. Logo ela, uma pessoa que eu detestava. Acredita que vivia dizendo aos meus colegas que a cor do meu cabelo não era natural e que os meus olhos eram verdes por causa de lentes de contato? - E você usa lentes de contato? - Claro que não! E antes que me pergunte: meus cabelos são naturais. - Carina deu um profundo suspiro. - Realmente eu tenho muito azar, Júlia. No dia da formatura, Cynthia Zimmer acabou tirando uma fotografia ao lado do governador, que a convidou para ir conhecer o seu gabinete de trabalho. Para resumir a história: Cynthia acabou conhecendo Steven e se casou com ele. - E quem é Steven? - O filho do governador. Hoje ela é embaixatriz de um pequeno país onde não existe pobreza, crimes, nem impostos. E pelo que fiquei sabendo, lá só chove das dez da noite até às duas da manhã. A psiquiatra se ajeitou na cadeira e, com um olhar preocupado, ficou olhando para Carina. - Júlia, algum problema? Você está bem? - Após um longo suspiro, Júlia respondeu: - Estou, estou, sim. - A psiquiatra voltou a suspirar. - Mas estou muito preocupada com você. - Daria para me explicar o motivo da sua preocupação? - Claro que sim... Bem, eu consigo entender os mecanismos que a levaram a imaginar que sua vida hoje seria bem diferente se não tivesse tido aquela catapora. Mas como uma cientista, devo assegurar que você não é e nunca foi vítima de nenhuma praga, maldição, feitiço, ou seja lá que nome queira dar a tudo de ruim lhe aconteceu. Cynthia Zimmer simplesmente estava no lugar certo, na hora certa. - Sei exatamente o que está dizendo. - Sabe? - Júlia perguntou, espantada. - Sei, sim. Uma vez, por estar no lugar certo, na hora certa, não morri queimada. - O que foi que aconteceu? - Bem, o prédio onde eu morava pegou fogo e foi inteirinho destruído. Exatamente no dia em que era promovida a vice-presidente da empresa. Como você vê, eu estava no lugar certo e na hora certa. - Seu apartamento pegou fogo no dia em que você estava sendo promovida a vice-presidente da empresa? - Mas eu, graças a Deus, me salvei. Perdi tudo, mas, felizmente, tinha seguro contra incêndio. - Quer dizer que o seu apartamento pegou fogo no dia em que você estava sendo promovida a vice-presidente? - Júlia Barret Brown voltou a perguntar. - Como eu disse, para mim sempre acontece alguma desgraça nos dias mais importantes da minha vida. - Carina olhou para a psiquiatra e só então percebeu que lágrimas rolavam-lhe pelo rosto. - Júlia... O que está acontecendo? - Eu não sei. - A psiquiatra caiu num pranto convulso. "Acho que acabei de enlouquecer. Era eu quem deveria estar chorando. Afinal, eu sou a paciente aqui!" - Me desculpe - Júlia disse baixinho. Naquele instante, de pé, Carina já lhe estendia um lenço de papel. - Você não tem do que se desculpar. - Não sei o que aconteceu comigo. Nunca tinha perdido o controle antes. - Não se sinta tão constrangida, Júlia. Isso acontece. Deve ser terrível ficar aí sentada, ouvindo as desgraças dos pacientes. Você me parece ser uma mulher muito forte. Mas chorar é muito bom. - Mas eu não podia chorar. Não aqui, diante de você. - Como eu disse, isso acontece. Quem dera eu também pudesse chorar um pouquinho. Tenho certeza de que iria me sentir mais aliviada. - E você não chora? - Não. - Nunca? - Júlia perguntou, após ter assoado o nariz. - Bem, na verdade eu sempre fui uma grande chorona. - Carina voltou a se sentar. - Qualquer filme romântico me fazia perder o controle. Quando assisti Ghost, saí do cinema com o rosto inchado. Mas depois do que aconteceu no dia do meu casamento, nunca mais derramei uma lágrima sequer. - Você, o quê? - Júlia Barret perguntou alarmada e voltou a assoar o nariz. - Nunca mais chorei. Minhas lágrimas secaram. Todas. - Não acredito no que estou ouvindo. - Pois pode acreditar. É a mais pura verdade. - Mas isso é terrível. Está me dizendo que não derramou uma lágrima sequer depois da cachorrada que sua melhor amiga e o seu marido fizeram para você? - E acha que eu iria dar esse gostinho à Morgana? Mas de jeito nenhum! - É inacreditável. - Para você ver... - Carina, durante esses meses todos tem certeza de que não chorou? - Tenho. - E nunca sentiu vontade de chorar? - Para lhe dizer a verdade, um dia eu bati o mindinho com toda força no pé do guarda-roupa e morri de dor. Mas quando percebi que ia chorar, me concentrei e a vontade de chorar passou. De novo a Morgana foi vencida! - Mas você deve ter expressado a dor que estava sentindo de uma outra maneira. Algo deve ter substituído as lágrimas que você se recusou a derramar. - Havia uma certa crítica na voz da psiquiatra e Carina não gostou. Afinal, quem era aquela mulher? Num momento fazia questão de se mostrar toda cerebral, toda analítica. De repente, começava a chorar como um ser totalmente desprotegido. E agora, sem mais nem menos, passava a fitá-la como se não houvesse existido as lágrimas, o descontrole. - Eu acendi um cigarro. - Eu sabia. - Daria para ser mais clara, doutora? - Na maneira de fazer a pergunta, Carina fez questão de evidenciar que não estava gostando nada da maneira que Júlia passara a tratá-la. Júlia Barret olhou para um quadro expressionista na parede e, em seguida, voltou a olhar para Carina. - Acho que depois do trauma que viveu com a atitude da sua melhor amiga e do seu noivo, você passou a sublimar as suas emoções. - Continuo sem entender. - Está tendo atitudes compensatórias, Carina. Ao invés de chorar, gritar de dor, depois que bateu o dedinho no pé no guarda-roupa, simplesmente acendeu um cigarro. O cigarro está funcionando como uma muleta para você. - Sei... - E por que acha que anda sublimando as suas emoções? - Simplesmente para enfrentar a Morgana. Ela não há mais de me ver infeliz. - Morgana não existe, Carina. - Não existe para você, mas para mim ela está muito viva. - Acho que nesses últimos meses você vem fazendo de tudo para se convencer de que não precisa das pessoas, que não precisa de amigos. - Mas eu realmente não preciso de amigos. - Todos nós precisamos de amigos, de pessoas que se preocupem conosco, pessoas com as quais podemos compartilhar os momentos de felicidade e de tristeza. - E você acha que posso acreditar em amizade? Só se eu fosse uma grande imbecil. - O que aconteceu com você foi uma fatalidade, Carina. - Jilian não era uma fatalidade mas, sim, minha amiga. E Race era o meu marido. - Pelo que posso deduzir, você está morrendo de medo de se relacionar com as pessoas. - E como pode ter deduzido uma coisa tão disparatada? - Simplesmente pela sua atitude. - E como deduziu que estou usando o cigarro como uma muleta? - E só olhar para a sua mão. Desde que havia se sentado para o início da sessão, Carina tinha pego um cigarro e o mantivera nas mãos sem acendê-lo. - Não entendi de novo. - Carina olhava para o cigarro. - Esse cigarro é o símbolo da hostilidade que você passou a sentir pelo ser humano. - Será? Eu acho que não. Na verdade, eu detesto fumar. Mas devo admitir que quando estou muito estressada chego a fumar dois maços por dia. - É a isso que estou chamando de sublimação. Você está usando o cigarro para sublimar o ódio que traz dentro de si. - Eu não odeio ninguém, Júlia. - Por que você resolveu negar o óbvio, Carina? Afinal, você é uma mulher sensível e muito inteligente. - Se eu fosse uma mulher sensível e inteligente, iria perceber tudo o que acontece ao meu redor. - E você não consegue perceber tudo que está ao seu redor? - Mas é claro que não. Se eu tivesse a capacidade de enxergar tudo ao meu redor, iria perceber a traição de Race e Jilian. - Talvez você não estivesse querendo enxergar a traição. - Mas é claro que eu queria. Não gosto de ser passada por boba e... - Termine a frase, por favor. - Pensando melhor, os dois poderiam não estar me traindo. - Você me disse que viu os dois se beijando? - Pois é... Mas pelo que me disseram, tudo entre eles começou a acontecer durante a festa do meu casamento. - Você acha que isso é possível? Acha possível que um romance entre duas pessoas comece assim, de repente? - Comigo seria totalmente improvável, mas não sei o que se passa na cabeça dos outros. Mas, se não fosse pela Morgana, a minha vida hoje seria bem diferente. - Apesar de não acreditar nessa história da praga rogada pela Morgana, vou lhe fazer uma pergunta: acha que se não fosse por essa maldição, hoje continuaria casada com o Race? - Talvez eu nem o tivesse conhecido. - Como assim? - Bem, se não fosse a praga da Morgana, talvez a minha vida tivesse se encaminhado para um outro rumo. Mas ela, definitivamente, é a causadora de tudo de ruim que aconteceu comigo. - Carina, se continuar insistindo nessa história da Morgana, simplesmente continuará escondendo e negando a si própria que só você é responsável por tudo o que lhe aconteceu até hoje. - Eu não quero continuar negando nada. - Mas está, sim, negando. Será possível que não consegue ver o que está fazendo com você? - Mas eu, definitivamente, não estou negando absolutamente nada. - Assim não vai dar para continuar. - A psiquiatra começava a perder a paciência. - Posso lhe fazer uma pergunta pessoal, Júlia? - Se isso for fazer com que sinta mais confiança em mim, pode perguntar o que quiser. - Você tem filhos? Júlia Barret Brawn se surpreendeu com a pergunta, mas mesmo assim respondeu: - Não, eu não tenho filhos. - E por que resolveu não ter filhos? - Meu marido e eu decidimos nos dedicar inteiramente as nossas carreiras. Nossos pacientes são os nossos filhos. - Isso é muito bonito - Carina ironizou. - Agora é a mim que está hostilizando, Carina - Júlia comentou num tom suave de voz. - Não, eu não estou hostilizando você. Acontece que não é nada agradável ficar aqui sentada vendo uma total desconhecida analisando os meus sentimentos. - Com o tempo a gente vai se conhecer melhor. - Talvez com o tempo você me conheça melhor, mas eu jamais vou conhecê-la. Essa relação que se estabelece dentro de um consultório entre o psiquiatra e o paciente é muito falsa, muito unilateral. - Acredite em mim: a relação que se estabelece em um consultório não tem nada de falsa. - De repente meus pensamentos ficaram todos embaralhados e nem sei mais o que me trouxe até aqui. - Você me procurou por causa da sua insônia. - Justamente: eu a procurei por causa da minha insônia. Aí, de repente, você resolve falar sobre hostilidade, sublimação.., Eu não sinto nada disso. - Carina balançou a cabeça em negativa. - Bem, se não pode encontrar um meio que me faça dormir tranqüila a noite inteira, só me resta ir embora. - Você é livre para fazer o que bem entender, Carina. Mas devo avisá-la que o seu tempo de consulta se esgota só daqui a dez minutos. Por que não aproveita e me fala mais um pouco sobre a sua insônia? - O que quer que eu lhe fale? Simplesmente não consigo mais dormir. Aí, resolvi consultar um médico e ele me pediu que viesse procurá-la. Isso é tudo. - Você achou que eu, de um dia para o outro, pudesse voltar a fazer com que dormisse? - Essa era exatamente a minha expectativa. - Infelizmente, não sou mágica e só em circunstâncias raríssimas prescrevo remédios para os meus pacientes. - Por quê? - Porque os remédios, na minha opinião, simplesmente mascaram a raiz do problema causador da insônia que, no seu caso, é uma solidão muito grande. - Solidão? - Carina perguntou, espantadíssima. - Acha que vivo numa solidão muito grande? - Eu não acho, Carina, tenho absoluta certeza. - Mas eu passo o dia inteiro rodeada por pessoas. Tenho um sem número de funcionários sob a minha responsabilidade aqui e no exterior e todos se sentem muito a vontade comigo. Sou muito liberal e eles me dizem exatamente o que lhes passa pela cabeça. - É muito difícil acreditar que uma coisa como essa aconteça. Algo me diz que você, como qualquer outro grande executivo, não tem absolutamente ninguém em quem possa confiar de verdade. - Você está totalmente equivocada. Se não confio em um funcionário, não posso mantê-lo na empresa. Todos que trabalham comigo são pessoas de extrema confiança. - Carina, eles são profissionais como você. Estou me referindo a amigos de verdade, pessoas com as quais podemos ser nós mesmos, sem nenhum tipo de artifício ou máscara. - Olha, Júlia, posso estar resistindo a ser analisada, mas não dá para concordar que eu seja uma pessoa que esteja sofrendo de solidão. Moro em um excelente apartamento, tenho um salário fabuloso e, se olhar para o meu futuro, posso me ver velhinha, vivendo muito bem com uma aposentadoria muito boa e... - Sozinha - a psiquiatra completou-lhe a frase. - Não era isso que eu ia dizer. - Mas é isso que vai acontecer com você se continuar usando o trabalho para se esconder. - Se tiver de terminar os meus dias sozinha, é exatamente o que vai acontecer. - Carina, eu insisto: você precisa de amigos. - Eu não quero mais saber de amigos. - Carina pensou um pouco e depois disse: - Mas se resolver mesmo continuar fazendo terapia com você, vou ter alguém com quem conversar. - Uma terapia, Carina, não é a mesma coisa que uma conversa entre amigos. - Bem, se é assim, terei de me acostumar com a minha insônia, - Decidida, Carina se levantou. - Vou embora, Júlia, e já decidi: não vou voltar mais. - Espere um pouco, por favor. - A psiquiatra pegou uma folha de papel, fez algumas anotações e a entregou a Carina. - Isso não é uma receita. - Não? O que é, então? - O endereço da Amigos & Amigos. - Amigos & Amigos? Mas o que é isso? O nome de alguma nova vitamina lançada recentemente no mercado? - Não, a Amigos & Amigos é uma agência onde pessoas solitárias podem encontrar solução para os seus problemas. Talvez possa lhe interessar. - Acha que tenho cara de alguém que vai para esse tipo de local para ficar jogando baralho até às três da manhã? Você realmente não me conhece. - Carina riu e fez menção de devolver o papel à médica. - Não, por favor, guarde o endereço. Talvez, um dia, você mude de ideia. A gente nunca sabe, não é? - Tudo bem. - Carina colocou o papel no bolso do casaco. Júlia Barret a acompanhou até a porta e perguntou: - Você realmente desistiu de continuar com as nossas sessões? Carina não respondeu de imediato. Mas, quando o fez, estava com um leve sorriso nos lábios: - Talvez eu volte. Quem sabe... - Então vou esperá-la na próxima semana, no mesmo dia e no mesmo horário. - E se deu decidir desistir? - Aí, é só ligar e deixar o recado com a minha secretária. CAPITULO II Parado junto à janela da sala de reunião, vendo a neve cair sobre a cidade de Nova York, Max Evangelist aguardava pelo sócio Tony Dario que, como sempre, estava atrasado. Após três anos, tinha mais do que certeza de que sociedade com um amigo não poderia mesmo dar certo, ainda mais quando o amigo também era seu cunhado. Após a tragédia familiar que vivera com os pais, fora Max quem havia cuidado da única irmã. Hoje ele continuava se relacionando muito bem com Sarah e tinha uma ligação muito forte com o sobrinho, Mike. Antes Max cuidava só da irmã. Hoje, além da irmã, tinha de se preocupar com a família toda. Definitivamente, aquela sociedade não tinha sido um bom negócio, exceto pelo fato de Tony ser um homem honestíssimo. Porém, os atrasos e a maneira tranqüila de Tony encarar a vida prejudicava muito o andamento dos trabalhos. Max deu uma olhadela para os funcionários que se encontravam sentados à mesa esperando o início da reunião e, em seguida, voltou a olhar para a neve que continuava a cair. A ideia de fundar a Amigos & Amigos, surgira quando Max, ainda alto executivo de uma grande empresa, constatara que, quanto mais elevado o cargo ocupado por um homem, mais ele se sentia sozinho. E Max vivera na pele aquela solidão. Dentro de uma empresa, as amizades raramente aconteciam, devido o alto grau de competitividade existente entre as pessoas. A porta da sala de reunião se abriu e Tony Dario entrou. Muito sorridente, usando jeans e um grosso casaco de couro com gola de pele, Tony foi logo ocupando seu lugar em uma das cabeceiras da mesa e se desculpando: - Como sempre o trânsito estava terrível. Mas, felizmente, consegui chegar a tempo. Max teve muita vontade de dizer umas boas verdades ao cunhado, mas resolveu se calar. A conversa teria de ser particular. Tony não poderia se dar ao luxo de continuar se atrasando. Ele, como um dos proprietários da Amigos precisava se comportar de maneira exemplar. - Acho que podemos começar a reunião - Max disse ao se sentar à outra cabeceira da mesa. - Algum problema com você, Max? - Tony quis saber. - Não. - A resposta foi dada num tom seco de voz. - Mas você me parece um pouco tenso demais. Será que ficou bravo comigo por causa do meu atraso de quinze minutos? Os funcionários, calados, olhavam ora para um, ora para outro. De repente, Max viu que o melhor a fazer seria abrir o jogo e dizer ao cunhado exatamente o que estava pensando: - Esses seus atrasos não podem continuar. - Eu sabia! - Muito à vontade, Tony deu uma sonora gargalhada. - Você não me engana, cunhado. - Para mim, uma pessoa responsável sempre cumpre os horários estabelecidos. Não é justo deixar que fiquem nos esperando. - Mas eu estava trabalhando. - Mesmo assim deveria ter chegado no horário marcado para a reunião. - Saí com uma de nossas clientes, Max. - Mas isso não faz parte das suas atribuições. - Acontece que Jodie está com uma gripe terrível e precisei substituí-la no compromisso que tinha marcado. - Mas ontem eu falei com a Jodie e ela me assegurou que estava bem melhor. - Ela teve uma recaída. - E onde exatamente você foi para se atrasar tanto? - Bem, na minha opinião eu não me atrasei tanto. Mas, mesmo assim, vou satisfazer a sua curiosidade: fui até uma casa de repouso. - Jodie está internada numa casa de repouso? - Max perguntou, preocupado. - Não, quem está internada numa casa de repouso é a mãe de uma cliente nossa. - Essa história toda está muito confusa, Tony. - A história está confusa porque você me parece um tanto ausente. Mas vou tentar lhe explicar melhor: a mãe de Mary Smith está internada numa casa de repouso e Jodie tinha ficado de ir visitá-la. Aí, como Jodie não podia acompanhar a nossa cliente... - Acho que agora eu entendi. - Você teve uma atitude muito humana, Tony - Sylvia, uma das funcionárias, que tinha mais de sessenta anos, comentou. - Eu faço tudo para zelar pelo bom nome da Amigos & Amigos. - Mas agindo dessa maneira nem você nem a Jodie estão zelando pelo bom nome da Amigos. - Por quê? - um outro funcionário quis saber. - Porque esse tipo de serviço não faz parte das atribuições da nossa agência. E foi justamente para isso que pedi para que fizéssemos essa reunião. Precisamos estabelecer uma maneira única de agir com os nossos clientes. Resumindo: na minha opinião, não podemos nos envolver com os problemas dele. Mas quero ouvir a opinião de vocês. - Olhando para Larry, um outro funcionário, Max perguntou: - O que você acha? - Acho que você tem plena razão, Max. Não somos pagos para nos envolvermos emocionalmente com os nossos clientes. Quando saio daqui da agência, esqueço os clientes e só quero saber da minha família. - Sua atitude é muito saudável. Jodie, por exemplo, não podia prometer a Mary Smith que iria acompanhá-la na visita que faria à mãe. Eu... - Não concordo, sob hipótese alguma, com você, Max - Sylvia o interrompeu. - O distanciamento que está querendo que tenhamos é impossível. Na semana passada uma cliente, que está conosco há dois anos, a sra. Caparelli, foi transferida para Londres. Eu fiquei muito chateada, tive a sensação de que estava perdendo uma pessoa da minha própria família. A sra. Caparelli... - Muito emocionada, Sylvia não terminou a frase. - É isso. É isso que não pode, acontecer. Os clientes procuram os nossos serviços porque são pessoas que não têm tempo, nem disposição, para fazerem amigos. E temos de nos comportar como outro profissional qualquer. Nunca ouvi dizer, por exemplo, que um psiquiatra, um dentista, ou mesmo um cabeleireiro, chore porque uma de suas clientes se mudou para Londres. - Acontece, Max - Sylvia agora soluçava, - que eu não sou nem psiquiatra, nem dentista, nem cabeleireira. Sou uma boa amiga para os nossos clientes, sempre tão carentes, sempre tão desconfiados de todo mundo. - Insisto que nós não podemos nos envolver com os problemas dos nossos clientes. - Isso é impossível - Sylvia afirmou. - Mas tem gente aqui dentro que consegue. - Quem consegue se manter distante, para mim não tem coração. - Nada disso, Sylvia - Carol, uma funcionária bem mais nova, reclamou. - Eu tenho coração, mas não me envolvo com os nossos clientes. Trabalho é trabalho, - Eu não sou uma pessoa desalmada. - Nem eu, Sylvia, nem eu! - Carol, acho que você morre de ciúme da Sylvia - Jonah, um rapaz com cerca de trinta e cinco anos, desferiu. - Eu? E por que eu teria ciúme dela? - Porque Sylvia é a acompanhante mais requisitada da nossa agência. Acho que você tem muito a aprender com ela. - Olha aqui, Jonah, não admito que fale comigo com tanta arrogância. - Não estou sendo arrogante. Estou sendo apenas realista. Todo mundo adora a Sylvia. Ontem mesmo uma das nossas clientes queria que ela a acompanhasse até Paris, não é mesmo, Sylvia? - Pobrezinha da Leslie, a coitada está se sentindo tão insegura... Mas também não é para menos: o marido resolveu abandoná-la. Imagine, um homem da idade dele se apaixonar por uma menininha de dezoito anos... - E quantos anos tem a Leslie? - Tony, que estava se mantendo meio distante da conversa, quis saber. - Trinta anos. - E quantos anos tem o marido dela? - Completou setenta na semana passada. - Não acredito! - Tony balançou a cabeça em negativa. - Como uma mulher de trinta anos pode se relacionar com um homem de setenta? - Da mesma maneira que um homem de setenta pode se relacionar com uma mulher de trinta! - Sylvia tinha ficado muito contrariada com o comentário do seu patrão preferido. - O que foi, Tony? De repente resolveu expor os preconceitos? - Não é uma questão de preconceito. Só acho que, com tanta diferença de idade, nenhum relacionamento pode dar certo. - Esse tipo de discussão está totalmente fora de hora - Max disse. - Precisamos, de uma vez por todas, definir uma maneira única da Amigos agir com os clientes. - Eu acho que temos de nos envolver, sim, com os clientes. - E eu concordo com Tony - Sylvia afirmou. - Como já deu para perceber há muito tempo, sou totalmente contra envolvimentos - Max foi taxativo. - Isso porque você nunca teve de se relacionar realmente com um dos nossos clientes. Garanto que se tivesse tido essa oportunidade, também acabaria se envolvendo. Max pensou um pouco no comentário que o cunhado acabara de fazer e depois disse: - Pelo que estou vendo, Tony, um de nós dois está errado. E a nossa agência não pode ter dois tipos diferentes de conduta. - Concordo com você, Max - Tony disse, balançando a cabeça em afirmativa. - Bem, isto posto, só resta a um de nós dois abandonar a agência. Ela precisa de apenas uma cabeça que a dirija. - Isso para mim é uma solução drástica demais, Max. - Mas, infelizmente, é o que terá de acontecer. - Cunhado, acredite em mim: esse tipo de serviço que oferecemos é impossível sem envolvimento. - Quer apostar que não? - Max, o que está passando pela sua cabeça? - Vamos fazer uma aposta, Tony. - Que tipo de aposta? - Vou começar a atender um dos nossos clientes. Se eu não ficar preocupado com o filho que não está indo bem na escola, com a esposa que não pára de engordar, ou sei lá o quê, compro a sua parte da agência. Se eu achar que você tem razão... - Você me vende a sua parte. E isso? - Exatamente. - Por que você tem tanto medo de se envolver com as pessoas? - Sylvia quis saber. - Não tenho medo de me envolver com ninguém, Sylvia. Simplesmente não quero que a Amigos & Amigos seja confundida com outros tipos de agências que prestam serviços com os quais eu não concordo. - E você acha que corremos este risco? - Sylvia estava assustada. - Com toda certeza - Max afirmou. - Mas com a minha idade... Quem iria pensar que eu... Imagine, imagine se iriam pensar um coisa dessas! - Bem, está decidido: vou trabalhar com o primeiro cliente novo que nos procurar. - Max olhou para o cunhado: -Você aceita a minha aposta? - Quanto tempo vou ter de esperar para vê-lo totalmente preocupado e envolvido na vida de um dos nossos clientes? - Um mês. Se em um mês eu tiver conseguido me relacionar com um cliente sem me envolver com a vida dele, compro sua parte. Caso contrário... - Tem certeza do que está fazendo, Max? - Certeza absoluta. - Pois então, eu aceito a aposta. E estou me sentindo o homem mais sortudo do mundo. - Por quê? - Max quis saber. - Porque, logo, logo serei o único dono da Amigos & Amigos! Vestindo uma saia vermelha bem curta e muito justa, um bustiê laranja e amarelo, sandálias verdes de saltos altos, Carina olhava-se no espelho do banheiro do seu escritório. - Agora vou fazer o teste! Gosto de roupas coloridas, mas este conjunto que estou usando é exagerado demais! Imagine que alguém iria ter a coragem de usar algo tão extravagante - ela disse para sua imagem refletida no espelho e saiu do banheiro. No escritório, acionou o botão do interfone e pediu que Liz Elliot, sua secretária, que fosse até lá. Ao entrar no escritório, Liz levou o maior susto. Por que sua chefe resolvera colocar uma roupa como aquela? - Pois não, srta. Mann - Liz disse, sem deixar transparecer o que sentia. - Quero saber a sua opinião, Liz. - Sobre o quê, srta. Mann? - Sobre a roupa que estou usando. Estava louca para comprar algo diferente, e fiz isso na hora do almoço. Vamos, Liz, me dê a sua opinião. - E essa roupa é, sim, bastante diferente, srta. Mann. "Só isso? Ela vai dizer só isso? Por que Liz não diz exatamente o que está lhe passando pela cabeça? Por que não diz que esse tipo de roupa é totalmente inadequada, incompatível como o cargo que ocupo? Por que não diz que estou com uma aparência vulgar? E eu que assegurei à psiquiatra que os meus subordinados me diziam exatamente o que lhes passava pela cabeça! Bem, mas se talvez eu der uma ajudazinha para a Liz..." - Essa roupa não é fabulosa? Já viu algo semelhante em sua vida? - Não, srta. Mann. Honestamente, nunca vi nada semelhante. Não estava funcionando! - Quer dizer que você gostou? Não está achando essa roupa um pouco exagerada, colorida demais? - Bem, srta. Mann... Para lhe dizer a verdade, tenho um problema muito sério com as cores. Não consigo distingui-las direito. Talvez devesse fazer essa pergunta a uma outra pessoa. Instantes mais tarde, era Kim MacCauley, a assistente administrativa quem entrava no escritório. - E então, Kim - Carina deu uma rodada, - o que acha da minha roupa? Não é fantástica? Kim, ainda perplexa com que tinha diante de si, não conseguia articular uma palavra sequer. - Essa roupa não é incrível, Kim? - Carina insistiu. - Incrível. Ela é incrível, sim, srta. Mann. - Incrível e inacreditável, não é? - Não tenho palavras para descrevê-la! E não consigo imaginar onde conseguiu arrumar uma roupa como essa! "Kim também não vai dizer que essa roupa é ridícula! Será que a Júlia tinha razão?" - Estou pensando em usar essa roupa na festa que a nossa empresa dará ao nossos clientes de Hong Kong. Fiquei sabendo que os orientais adoram roupas coloridas. - Carina estava com muita vontade de rir. Jamais ouvira dizer que os orientais gostassem de roupas coloridas. Não como aquelas! Kim engoliu em seco e olhou disfarçadamente para Liz, que ainda permanecia no escritório. - Mas o que está acontecendo com você duas? - Carina perguntou. - Se acham que não devo usar essa roupa na festa, é só me dizer. - Pessoalmente, srta. Mann, acho uma atitude bastante louvável da sua parte, se preocupar em agradar os nossos clientes de Hong Kong. Essas cores... - Essas cores... Continue, Kim, continue por favor. - Acho mesmo que os nossos clientes vão adorar essa roupa. - Por quê? - Elas me fazem lembrar os dragões. - Dragões? A quais dragões exatamente está se referindo? - Aos dragões coloridos que a gente vê pelas ruas do bairro oriental, por ocasião da comemoração do ano-novo chinês. Carina não sabia o que dizer. Pelo jeito, a psiquiatra tinha mesmo razão. - Quer dizer que as cores dessa roupa a fazem lembrar-se de dragões coloridos, Kim? - Exatamente, srta. Mann. - E isso é bom ou ruim? - Bem... Bem, eu acho diferente. - Sei... Diferente... "Você teria se saído bem melhor se usasse a palavra ridícula. Coitados dos chineses! Aqueles dragões são tão lindos!", Carina concluiu em pensamento. - Tudo bem, Kim, pode ir. E agradeço muito a sua sinceridade - Carina disse com um toque de ironia na voz. Kim deixou o escritório e Liz, imediatamente, perguntou: - Vai precisar de mim para alguma coisa, srta. Mann? - Neste momento, não. Mas o que está pretendendo fazer após o expediente? - Nada, eu vou para casa. Está querendo que eu fique no escritório? - Não, só estou pensando em ir ao cinema e gostaria que fosse comigo. - Bem, eu... - Você acabou de me dizer que não tinha nenhum compromisso para esta noite, Liz. Depois do filme a gente poderia ir jantar. Mas se você quiser, podemos jantar antes de irmos ao cinema. Liz hesitava, o que deixou Carina espantadíssima. Será que era tão difícil aceitar o convite de uma pessoa hierarquicamente superior? - Certo, srta. Mann- Liz finalmente se decidiu, - a gente pode ir ao cinema depois do expediente. Porém, no meio da tarde, Liz desfez o compromisso, alegando que teria de visitar uma tia que estava doente. Carina logo percebeu que aquilo não passava de uma desculpa, mas se calou. Não poderia obrigar a ninguém a lhe fazer companhia. - E eu que pensei que todos os funcionários se sentissem muito à vontade comigo... - ela disse baixinho, bastante decepcionada. "Agora você tem de admitir que a psiquiatra está certíssima", pensou, sorrindo ironicamente. "Mas a minha situação é muito delicada. Como posso confiar em alguém, depois do que me aconteceu?" O telefone tocou. Era um telefonema internacional. Num francês perfeito, ela resolveu alguns problemas que estavam acontecendo na filial de Paris. Depois, foi a vez de resolver outros na filial de Toronto. Às seis horas da tarde, Carina se aproximou da janela e ficou olhando a neve caindo lá fora. Profundamente preocupada, resolveu pegar a agenda e ver se encontrava o nome de algum conhecido antigo, alguém que conhecesse desde a época da universidade. Porém, ao abrir a agenda, a imagem de Jilian Wild tomou-lhe a mente por inteiro. - Traidora - ela disse baixinho, fechou a agenda com força e a colocou dentro da gaveta. - O jeito é ir para casa. Mas o duro é saber que passarei mais uma noite sem dormir direito. Carina vestiu o casaco. Quando estava decidida a deixar o escritório, mais uma vez a neve caindo sobre a cidade de Nova York lhe chamou a atenção. Com as mãos nos bolsos, voltou para junto da janela. De repente, sentiu que suas mãos se fechavam sobre algo. - O que é isso? - Ela retirou a mão do bolso e se deparou com o papel que Júlia havia lhe entregue. - Ah, o telefone e o endereço da tal agência chamada Amigos & Amigos. E desde quando eu preciso pagar para conseguir um amigo? Aquela pergunta, feita de uma maneira espontânea, mas impregnada de revolta, a fez sentir uma tristeza imensa. Carina voltou a sentar-se à escrivaninha e durante longos minutos ficou olhando para o papel. Por fim, pegou o telefone e discou o número da agência. Quando a atenderam, foi logo dizendo: - Meu nome é Carina Mann e preciso urgentemente de um amigo. No dia seguinte, no final da tarde, Carina ficou muito surpresa quando Kim lhe interfonou dizendo que Max Evangelist, da Amigo & Amigos, estava querendo falar com ela. - O homem está ao telefone? - Carina quis saber. - Não. Ele está aqui na minha sala. - Na sua sala? - perguntou, alarmada. Afinal, Tony Dario, o homem com quem havia falado no dia anterior lhe dissera que talvez demorasse uma semana para encontrar alguém que pudesse se tornar seu amigo. De acordo com o dono da agência, era muito difícil arrumar um homem, pois Carina fizera questão de que a pessoa à qual iria pagar pela amizade fosse do sexo masculino, com a aparência de um alto executivo de uma empresa. - Tem certeza de que ele é da Amigos & Amigos? - Tenho certeza absoluta. - E me responda apenas sim ou não para a pergunta que eu vou lhe fazer: ele é alto, magro, moreno, elegante e se veste de maneira impecável? - Carina deu uma risadinha. - Sim. - E ele tem olhos azuis? - Me parece que sim. - E tem cara de mau? - Sim. - Ótimo. Peça que ele entre daqui a cinco minutos. Ao desligar o telefone, Carina correu para o banheiro e pegou uma caixa que havia colocado dentro do armário na hora do almoço. Não podia receber o seu novo amigo vestida interinha de preto. O que ele iria pensar? Da caixa ela retirou uma calça comprida azul-claro e um suéter lilás, comprados na hora do almoço, que ficariam perfeitos com o blazer preto que usaria na hora de sair. Em menos de um minuto Carina se trocou e, ao olhar-se no espelho, ficou muito satisfeita com o que viu. - Roupas claras me deixam com o aspecto bem mais suave. Só espero que esse meu visual agrade ao meu novo amigo. Carina correu para o escritório, sentou-se à escrivaninha e fez de tudo pra desanuviar as feições. Segundos mais tarde a porta se abria e Liz dava entrada a Max. - Srta. Mann? "Meu Deus! Que homem magnífico. Será que mereço um amigo tão charmoso assim? E que voz mais sensual!" - Srta. Mann - ele voltou a repetir. - Por favor, entre e sente-se. - E um prazer conhecê-la, srta. Mann - Max estendeu-lhe a mão, - sou o seu amigo. - O meu amigo... - Ela apertou-lhe a mão, embasbacada. - Mas claro... O senhor é o meu amigo... Tem certeza de que não entrou em porta errada sr. Evangelist? - De maneira alguma. Não foi a senhorita quem ligou ontem para a Amigos & Amigos? - Fui eu, sim. Mas por favor, sente-se - ela voltou a pedir. Max, impressionadíssimo com Carina, sentou-se e não sabia o que dizer. Bem que poderia ter tido uma conversinha com Sylvia antes de vir procurá-la. Ela sabia tudo sobre a arte de se cultivar amizades. - O senhor é um homem... - Carina se ouviu dizendo em voz alta e logo se arrependeu. - Sou um homem, sim. A senhorita preferia que uma mulher tivesse vindo no meu lugar? Se quiser, posso ir embora. - Não, imagine... Não tenho nada contra os homens. Ontem, quando conversei com o sr. Tony Dario, disse brincando que ele deveria me mandar um homem alto, magro, elegante, de olhos azuis e que se vestisse de maneira impecável. Pelo jeito ele levou o meu pedido a sério. - Se tiver algo contra a minha aparência... - Na verdade, Max estava querendo arrumar um boa desculpa para sumir daquela sala. Ia ser muito difícil não se envolver com uma mulher como Carina Mann. - Muito pelo contrário, a sua aparência é excelente. - Muito obrigado. - Mas é muito estranho para mim ter recorrido a uma agência para encontrar um amigo. - Estranho? Por quê? - Bem, as amizades acontecem, ou deveriam acontecer, de uma maneira espontânea. Aí, de repente, tive de recorrer a estranhos. - Não se sinta incomodada, nem constrangida, srta. Mann. Um sem número de pessoas lançam mão dos serviços prestados pela Amigos. - Um sem número de pessoas? - Garina estava fascinada por aquele par de olhos azuis. - A solidão paira sobre essa nossa imensa cidade. - A solidão... - Exatamente. - E o senhor tem muitos amigos? Max hesitou um pouco antes de responder: - Alguns, tenho apenas alguns amigos. - E conseguiu esses amigos através da agência? - Bem, na verdade... - Se não quiser me responder, não tem importância. Mas é muito estranho o senhor entrar aqui no meu escritório e dizer que é meu amigo. - O que acha que eu deveria ter dito? - Não sei - Carina balançou a cabeça em negativa, - não sei mesmo. - No mundo moderno de hoje, senhorita, existe qualquer tipo de prestação de serviços. A Amigos & Amigos simplesmente oferece mais um deles. - Como assim? - Bem, existem agências de empregos, agências matrimoniais, agências que oferecem babás, domésticas... - E verdade. Mas uma agência que oferece amigos para mim é uma grande novidade. - Trabalho nesta agência há três anos. - Bem, pelo jeito sou eu quem está desatualizada. - Pelo que posso perceber, a senhorita ainda resiste em aceitar os serviços oferecidos pela a nossa agência. "Só falta agora ele dizer que eu o estou hostilizando!" - O senhor já fez análise? - Não, nunca senti necessidade, por quê? - Por nada. O seu jeito de falar fez com que me lembrasse de uma conhecida. - E essa mulher de quem se lembrou é sua amiga? - Mais ou menos... - Sei... Um pesado e estranho silêncio pairou entre os dois. Ansiosa, foi Carina a quebrá-lo: - O senhor é casado? "Por quê? Por que eu tive de fazer essa pergunta agora?" Max, que não esperava por tal pergunta, hesitava em respondê-la. Mas sob tais circunstâncias aquela deveria ser um pergunta normal. - Não, eu não sou casado, - Mas tem algum relacionamento sério, é claro. Max ficou pensando nas palavras de Carina. Nos últimos tempos andara tão preocupado com a agência que não tivera tempo de pensar em nada, muito menos em relacionamentos sérios. Mas, na verdade, ele tinha, sim, relacionamentos sérios. Com a irmã, por exemplo. Será que a devoção e o afeto que tinha por Sarah entrava no rol do que aquela linda ruiva chamava de relacionamentos sérios? Mas era claro que sim! Carina, por sua vez, se perguntava se não fora longe demais. Por que tivera de perguntar se ele era casado? E por que, logo em seguida, quisera saber se Max Evangelist se relacionava de maneira séria com alguém, se já sabia a resposta. Nenhum homem como aquele ficaria livre e desimpedido numa cidade como Nova York! - Digamos que sim- ele finalmente respondeu. - Digamos que sim, o quê? - Carina perguntou, meio desentendida. - Sim, eu me relaciono seriamente com alguém. "Viu só? Eu sabia! Mas é claro que esse homem, esse pedaço tortuoso de mau caminho, já foi fisgado por alguma loira do tipo da Jilian!" - E a senhorita? - Eu, o quê? - Carina sentiu seu coração disparar dentro do peito. - A senhorita se relaciona seriamente com alguém? "Claro: com a minha consciência, com a minha coleção de bichinhos de cristal, com a minha insônia... Mas não posso confessar isso a ele, de maneira alguma!" - Digamos que sim - ela se sentiu vitoriosa e vingada ao proferir as mesmas palavras ditas por Max. - Foi exatamente o que eu pensei... "Pensou, não é? Pois pensou errado! Eu não tenho ninguém, sr. Evangelist. Ninguém. Mas também não estou lá com muita vontade de me tornar sua amiga. Se me conheço, posso acabar me ferindo. E tudo o que eu menos quero da vida é me ferir de novo. Acho melhor o senhor ir embora. Vou ligar para o sr. Tony Dario e pedir que ele me mande uma outra pessoa, que de preferência seja do sexo feminino e tenha cara de uma tia bem bondosa, dessas tias que sabem mimar bastante e dar muito carinho a um sobrinho." - Disse alguma coisa, senhorita? - Não, eu... Carina foi interrompida pelo interfone. Era Liz que estava tendo alguns problemas com o relatório que seria remetido para Roma. Após ter conversado algum tempo com a secretária, ela disse: -Tudo bem, eu vou até aí. - Carina desligou o interfone e se levantou. "Ela é bem mais alta do que eu imaginava", Max observou em pensamento. - Sr. Evangelist, preciso ir dar um palavrinha com a minha secretária. Se importa em me esperar? - Claro que não. - Posso usar o seu telefone, srta. Mann? - Sinta-se à vontade. Para conseguir uma linha, disque o número nove primeiro. - Muito obrigado. Apesar de manter uma postura profissional, Max adorou a maneira de Carina caminhar, o jeito de ela lhe sorrir. "Que mulher! E que voz!" Assim que ficou sozinho, Max discou o número da casa da irmã. Foi Mike, o sobrinho, quem atendeu a chamada. - Oi, querido, estou ligando justamente para falar com você. - Mas eu não quero falar com você - o garoto respondeu. - Por quê? - Você prometeu que ia me levar jantar e não cumpriu a promessa. - Acontece que tenho andado muito ocupado. - Você não gosta mais de mim. Naquele instante, Carina entrou no escritório e não pôde deixar de ouvir a conversa. - Mas é claro que eu gosto de você. Eu te amo e sempre vou te amar. - Você só pensa no trabalho, tio. - Mas eu tenho de pensar no trabalho, Mike. É dele que eu vivo. - Você não me levou para jantar porque não quer que eu engorde. Pensa que eu não sei disso? - Isso não é verdade, meu amor. Você tem um corpo perfeito. "Quer dizer, então, que o apelido da loira que fisgou essa linda espécime de homem é Mike! E o belo Max Evangelist acabou de chamá-la de meu amor, e também disse que a ama." - Mas a mamãe disse que eu estou gordo. - Acredite em mim, meu amor, você tem o corpo perfeito. - Mas eu acho que estou gordo! - o garotinho exclamou, num tom de voz muito choroso. - De maneira alguma! - Mas eu quero ficar com o corpo como o seu, titio. - Então eu vou lhe ensinar alguns exercícios para que você desenvolva melhor a sua musculatura torácica e abdominal, certo? - E exercícios para as minhas pernas? - Também vou lhe ensinar exercícios para as suas pernas. Elas vão ficar bem musculosas. "Mas que história é essa?", Carina se perguntou, assustada. - Eu adoro as suas pernas titio, elas são fortes. As do meu pai são muito gordas. Max riu e respondeu: - Que bom que você gosta das minhas pernas. Se você fizer bastante exercício, suas pernas ficarão iguais a minha. Ao ouvir aquilo, Carina, que ainda se encontrava parada junto à porta, deixou o escritório. - O que aconteceu, srta. Mann? - Liz perguntou ao vê-la. - Nada. - Carina sentou-se numa poltrona e começou a racionar rapidamente: "E eu achei que ele estivesse falando com um loira cujo apelado era Mike. Eu deveria ter desconfiado! Mas desconfiar como? Max Evangelist não tem nada que lembre um gay!" Ela deu um profundo suspiro. "Bem, sendo assim, não acho que vá correr nenhum risco ao lado dele. Os gays são pessoas amigas, sensíveis e muito inteligentes. Não, não vou dispensar o sr. Max Evangelist. Acho que me darei muito bem com ele!" Aliviada, Carina se levantou e voltou para o escritório. Max continuava sentado e não falava mais com Mike. - Bem, acho que podemos ir. - Já? - Antes vou colocar um casaco. - Carina se dirigiu ao banheiro e, ao invés de colocar o blazer preto, optou por um casaco longo, de um vermelho brilhante. - Que roupa é essa? - Max perguntou, assustado. - Comprei esse casaco na última vez que estive em Honk Kong. - Pois eu acho que ele não tem nada a ver com a senhorita. "Meu Deus, encontrei uma pessoa sincera! Quem diria?" Mesmo assim, Carina resistiu: - Mas eu acho esse casaco o máximo. - Sinto muito, srta. Mann, mas ele tem um corte muito feio e a deixa com cara de espantalho. - Tem certeza? - Absoluta. Você poderia colocar algo mais discreto. - O quê, por exemplo? - Um blazer escuro. - Mas eu acho que fico melhor com roupas coloridas. - Até pode ser, mas temos de dosar um pouco as cores, srta. Mann. - Você é muito implicante. - Sou, sim. - Tudo bem. - Ela voltou para o banheiro e vestiu o blazer preto. Ao entrar de novo no escritório, perguntou: - Que tal? - Perfeito. Essa calça azul, esse suéter lilás e esse blazer preto a deixam fantástica. - Podemos ir agora? - Antes quero ter uma conversinha com a senhorita. Tenho a sensação de que não sou o amigo que estava procurando. - Muito pelo contrário, sr. Evangelist. O senhor é exatamente o que eu estava procurando. Pode dizer ao sr. Tony Dario que eu o aprovei. "O que deu nessa mulher? Antes de sair daqui tinha certeza absoluta de que não iria me aprovar. E de repente... Será que ela está brincando comigo? E o fato de eu ter confessado que sou implicante? Não estou entendendo mais nada!" - Vamos, sr. Evangelist? - Tem certeza que quer mesmo que eu seja seu amigo? -Tenho. Estou certíssima. - Mas, e o fato de eu ser... - Para mim não tem a menor importância - Carina o interrompeu, antes que Max pudesse pronunciar a palavra implicante. - Tem certeza mesmo? - Claro que sim. O senhor vai suprir direitinho as minhas necessidades. - Srta. Mann, eu... - Por favor? agora nós somos amigos. Pode me chamar de Carina. - Certo. Mas, Carina, tem certeza de que não quer mais uns dias para pensar no assunto? - Não, de maneira alguma. Quando decido algo, não volto atrás. De agora em diante você é o meu melhor amigo, Max Evangelist! CAPITULO III Naquela noite, após ter conhecido Max Evangelist, Carina dormiu como um anjo. Naquela e nas cinco outras que se seguiram. - Estou me sentindo como uma nova mulher - ela disse feliz, quando após a quinta noite de sono ininterrupto, se encaminhava até a cozinha para preparar o café da manhã. Carina sentia o corpo e a alma leves. Afinal, tanto preconceito para quê? A Amigos & Amigos era uma firma séria e exigia muita disciplina dos seus funcionários. Era maravilhoso poder contar com uma pessoa que estava sempre disposta a ouvir e ajudar. Se Carina tivesse ficado sabendo antes da existência da agência, com toda certeza já seria uma de suas clientes há muito tempo. Na primeira noite Carina e Max tinham ido jantar juntos. Na segunda, os dois foram assistir ao maior sucesso de bilheteria do momento: Titanic. "Nada como uma pessoa culta, boa ouvinte, conhecedora da vida e das necessidades das pessoas. Max é o máximo. Um pouco implicante, mas o máximo!" Na noite em que os dois tinham ido ao cinema, Max resolvera implicar com o cabelo de Carina. Ele insistiu que, de maneira alguma, deveria usar gel nos cabelos. Ao chegar do cinema, Carina não teve a menor dúvida: jogou o frasco de gel no lixo. - Ele tem toda razão. Gel fica bem em pessoas que têm os cabelos curtos, não tão compridos como os meus. Carina preparou o café, as torradas e sentou-se à mesa. E pensar que durante anos a fio ouvira as conversas maçantes dos seus colegas executivos! "Para eles a vida se resume em dinheiro, dinheiro e mais dinheiro. É a quebra da bolsa no país tal, é a queda do preço do dólar não sei onde. Com Max a coisa é bem diferente. Ele também sabe falar sobre a economia mundial. Mas tem muitos outros assuntos. Max Evangelista é o homem mais interessante que encontrei em toda a minha vida." Enquanto fazia a refeição matinal, Carina lembrava-se dos detalhes dos encontros e das conversas que havia tido com Max, tanto pessoalmente, quanto ao telefone. E teve de admitir que a mensalidade que pagava à agência era uma bagatela, se comparada às despesas que teria com a psiquiatra. "E por falar nela, vou ligar para Júlia Barret Brawn hoje mesmo, agradecê-la por ter me fornecido o endereço da Amigos & Amigos e dizer que não continuarei com as sessões de análise. Tenho certeza de que Freud não pode me ajudar mais do que Max Evangelist está me ajudando. E qual foi o motivo que me levou a procurá-la? A insônia, claro! E, no que me diz respeito, minha insônia acabou. Nunca dormi tão bem em toda a minha vida!" Vinte minutos mais tarde, pronta para ir trabalhar, Carina olhou-se no espelho e gostou do que viu: - Max tem toda razão! A sobriedade é tudo numa pessoa! - exclamou, lembrando-se do inquietante sonho que tivera com Max e aquela ilha deserta... Max, um pouco antes da uma da tarde, entrou no restaurante onde almoçaria com Carina. Preocupado, ele se dizia que estava muito perto de perder a aposta que havia feito com o cunhado. Como não se envolver com Carina Mann? Ela, além de belíssima, era a mulher mais espontânea que havia encontrado em toda a sua vida: um humor raro e uma sensibilidade incrível. Só não havia entendido como ela não chorara durante a exibição do filme Titanic. Até ele tivera que se segurar para não chorar, o que se dizer, então, de uma pessoa tão especial quanto Carina! O garçom se aproximou da mesa para que Max fizesse o pedido, mas ele logo disse que estava à espera de uma amiga. Quando o garçom se afastou surgiu na mente de Max a figura da mulher que tanto o estava perturbando. E aquela noite não tinha sido nada fácil. Um sonho de erotismo explícito o levara à loucura. Porém, quando havia acordado, infelizmente, estava abraçando o travesseiro, não Carina Mann. Detalhes do sonho começaram a se impor a Max. E ele, com um autodomínio a toda prova, afastou os pensamentos comprometedores, que poderiam fazê-lo perder a agência. Max de repente se lembrou de Mike. Precisava arrumar uma maneira de se dedicar mais ao sobrinho. Assim que tivesse um tem pinho, levaria o garoto até a academia de ginástica que freqüentava para lhe ensinar alguns exercícios apropriados para uma criança. Depois os dois iriam almoçar e, quem sabe, até poderiam ir ao cinema, assistir a um desenho animado. Max sorriu enternecido. O que não faria por Mike e por Sarah, a menina que cuidara com tanto carinho e agora se tornara uma mãe de família muito responsável? Carina, ao chegar no escritório, se esforçara para desviar o curso dos seus pensamentos de Max Evangelist. E tinha conseguido: fechara inúmeros contratos e, quando deu por si, já era meio-dia e meia. Apressada, fora ao banheiro e, do armário, retirara um casaco amarelo. Só na rua ela se deu conta de que aquele casaco amarelo nada tinha a ver com a calça vermelha que usava. Mas não poderia voltar ao escritório, se fizesse isso chegaria atrasada ao almoço. E, sob hipótese alguma, Carina admitia chegar atrasada para algum compromisso. Assim que ela entrou no restaurante, viu Max sentado em uma mesa de canto. "Realmente ele é um pedaço tortuoso de mau caminho", ela pensava enquanto se aproximava da mesa. Ao vê-la, Max se levantou e, depois de cumprimentá-la, puxou a cadeira para que ela se sentasse. - Você é um homem muito gentil, Max Evangelist. - Muito obrigado, Carina Mann. - Ele voltou a se sentar. - Estou atrasada? - Não, pontualíssima como sempre. Mas me diga: por que está usando esse casaco amarelo? - Como eu já lhe disse, sou um tanto distraída, sabe? Quando dei por mim, estava na rua usando calça vermelha e o casaco neste tom berrante de amarelo. - Sabe o que eu pude observar, Carina? - Não. O quê? - Você usa roupas de cores berrantes quando está preocupada, ou quando está querendo se sentir animada. - E mesmo? - Pode acreditar em mim. - Você estudou psicologia? - Não. Por quê? - Por nada. Vamos pedir o almoço? Estou faminta. - E nós vamos comer o quê? - Estava pensando em comer peixe. - Sabe que eu estava pensando na mesma coisa? - Peixe tem muito fósforo. E eu preciso manter o meu cérebro em ordem. - Você se preocupa muito com a alimentação, Carina? - Muito. Faço de tudo para manter uma dieta balanceada. - Isso é muito bom. Então, podemos pedir peixe e uma salada verde. Que tal? - Maravilhoso. Max fez um sinal para o garçom e, depois de determinar o pedido, perguntou a Carina: - E exercícios físicos? Você se dedica a eles? - Hoje já nem tanto. - Hoje? Como assim? - Até há cerca de um ano eu me exercitava todas as manhãs. Corria uns cinco quilômetros, com chuva ou com sol. - E por que você parou? "Porque me desiludi com a vida, me desiludi com tudo...", ela teve vontade de falar. Mas, no momento, uma mentirinha era mais conveniente: - Falta de tempo. - Essa é desculpa que todo mundo usa quando não quer fazer exercícios, ou qualquer outra coisa. - Acho que você tem razão. - Como foi o seu trabalho hoje? Pronto! Aquele era um assunto onde Carina se sentia totalmente segura. Orgulhosa, ela lhe contou sobre os contratos que havia conseguido para a empresa naquela manhã, E, durante todo o almoço, praticamente foi só Carina quem falou. Ao chegar no escritório, ela se sentia exausta. . "Será que essa exaustão tinha alguma coisa a ver com o dono daquele par de olhos azuis", perguntou-se. No final da tarde, Max foi pegar Carina no escritório. Os dois tinham ficado de ir assistir a uma peça de teatro. Porém, ao chegarem na bilheteria, os ingressos tinham se esgotado. - O que você gostaria de fazer? - ele quis saber. - Bem, eu gostaria muito de ir jantar. Meu apetite sempre aumenta muito no inverno. - O seu e o de todo mundo. Tem uma cantina aqui perto que é uma delícia. Você já comeu cappelletti ao pesto? - Cappelletti ao... - Ao pesto: é um molho muito gostoso feito à base de manjericão. - Nunca tinha ouvido falar nesta comida. - Você vai gostar, venha! Ao entrarem na cantina, Carina logo se encantou como a decoração do local. - E um lugar bastante aconchegante. - Aconchegante e com preços muito bons. - E a comida? É boa? - Excelente. Tenho certeza de que você vai adorar. Já sentados, enquanto esperavam pelo jantar, os dois falavam sobre a decoração do local. Max, porém, temia cada vez mais se envolver com Carina. E se isso viesse a acontecer, teria de dar adeus à agência: Só existia uma maneira de solucionar aquele problema e iria enfrentá-lo antes que fosse tarde demais: - Como você se sente? - Bem. O local é muito gostoso e você me assegurou que a comida é muito boa. - Não é sobre isso que estou falando. Quero saber como você se sente a respeito da nossa amizade. Pega de surpresa, Carina não sabia o que responder. - Eu não estou me saindo bem? - Max perguntou. - Não, muito pelo contrário. - Se eu estivesse me saindo bem, você não teria hesitado para responder a minha pergunta. Eu sabia. - O quê? O que você sabia, Max? - Acho que exagerei. Sou implicante demais. - Não, você não é implicante demais. Apenas tem sido sincero comigo. Além do quê todas as vezes que externou a sua opinião, eu a acatei. Era disso mesmo que eu estava precisando. - Você está tentando ser gentil comigo, Carina. E eu agradeço. Acontece que essa é a primeira vez. - Primeira vez? Sobre o quê, exatamente, você está se referindo? - E a primeira vez que estou me relacionando com uma pessoa que procura a Amigos & Amigos. - Quer dizer, então, que sou o seu primeiro cliente? - Exatamente. Espero que você não se importe. "Me importar? Mas eu estou adorando, Max Evangelist. Você é o homem mais sensível, mais inteligente e gentil que encontrei em toda a minha vida." - Viu só? Você está hesitando de novo. Se eu fosse a pessoa que estava procurando, tenho certeza absoluta de que o seu comportamento seria outro. - Estou muito satisfeita com você. - Olhe, Carina, se quiser, você pode entrar em contato com a agência e pedir que uma outra pessoa faça o meu trabalho. - Max, o que é isso? Resolveu ter uma crise de insegurança? Eu não quero uma outra pessoa. Vou repetir o que acabei de lhe dizer: estou muito satisfeita com você. E, além do mais, se eu pedir para que outra pessoa ocupe o seu lugar, fatalmente você perderá o seu emprego. - Quanto a isso não precisa se preocupar. - Não? - Carina perguntou, espantada. Max resolveu lhe dizer parte da verdade: - Sou um dos sócios da Amigos. - Quer dizer que você é sócio da agência... - Ela deu um profundo suspiro. - Exatamente. Portanto, se quiser que outra pessoa ocupe o meu lugar, por favor, sinta-se à vontade. - Mas você acabou de me dizer que é a primeira vez que se relaciona com um cliente da Amigos & Amigos. Como pode? - É a primeira vez, sim. Meu serviço é mais burocrático. Por isso, acredito que não esteja cumprindo bem o meu papel. Portanto, você não tem com o quê se preocupar: se resolver me rejeitar, continuarei sobrevivendo. - Max, por cima da mesa, segurou a mão de Carina com delicadeza. Ela, ao sentir o toque delicado, estremeceu. O que significaria aquele gesto? Max, naquele instante, fitava Carina nos olhos e se dizia em pensamento: "Tenho de convencê-la de que deve arrumar uma outra pessoa para tomar o meu lugar. Carina é uma mulher muito envolvente. Se continuar me encontrando com ela, vou acabar perdendo a aposta e aí..." - Por que você resolveu começar a trabalhar com os clientes da Amigos? - Porque... - Max sentiu o coração bater mais forte dentro do peito. Precisava se cuidar direitinho. Ele nunca se dera bem com mentiras. - Porque há muito tempo venho adiando essa minha decisão de ver realmente como se desenvolve, como é de fato o trabalho com um cliente. - E que tipo de cliente procura a Amigos? - Clientes de todos os tipos. Mas a grande maioria, cerca de noventa e nove por cento, são homens e mulheres que ocupam altos cargos em empresas. Portanto, não têm. tempo para encontrar amigos. - Será que não encontram tempo, ou apenas as pessoas se afastam deles, intimidadas pelo cargo que ocupam? - É essa a sua situação, Carina? As pessoas se intimidam com o cargo que você ocupa? - Até bem pouco tempo, achava que não. Aí, um dia, comprei roupas bem ridículas e, depois de vesti-las, perguntei a opinião de duas funcionárias. Elas, apesar de eu notar que tinham plena consciência do absurdo daquelas roupas, não foram honestas comigo. - Então é por isso que não se importa com o fato de eu implicar com algumas das roupas que você usa? - Eu sei que às vezes exagero um pouco. Mas como você mesmo já constatou, depende do meu estado de espírito. - Sou sempre pela discrição, pela sobriedade. - Pelas roupas que usa, deu para notar. - Então é isso Carina, se quiser que uma outra pessoa ocupe o meu lugar... Ela deu um profundo suspiro e resolveu enfrentar de vez a dúvida que a estava atormentando: - Posso lhe fazer uma pergunta, Max? - Claro que pode. - Bem, não se sinta obrigado a respondê-la. - Eu não me sentirei. - Max sorriu. - Gostaria de saber se você é... - Aqui está! - O garçom, com um forte sotaque italiano a interrompeu. - Cappelletti ao pesto! - Que cheirinho delicioso! - Carina adorou a aparência esverdeada da comida. - Espero que o sabor também esteja bom, senhorita. - Tenho certeza absoluta de que está, sim. O garçom colocou a travessa sobre a mesa e os serviu. Antes de experimentar a comida, Carina comentou: - Ainda bem que os cappelletti estão quietinhos aí no prato. Se eles resolvessem dar uma voltinha por Nova York, tenho certeza de que você implicaria com o visual deles. - Como assim? - Max não tinha entendido o comentário brincalhão. - Você diria que o verde do molho é uma cor muito estranha. Que eles deveriam, pelo menos sair à alho é óleo, que é uma cor mais discreta. Max deu uma sonora gargalhada e disse: - Você não existe, Carina Marm. O seu humor é incrível. - Sabe que às vezes também acho que não existo? A maneira que as pessoas agem, o tipo de coisa com que se preocupam, nada parece fazer parte do meu mundo. - E como é o seu mundo? - No meu mundo não existiria lugar para brigas, para competições e muito menos para as traições. - Carina, percebendo que havia falado de mais, resolveu experimentar a comida. E logo exclamava: - Que maravilha! - Eu sabia que você iria gostar. - A comida italiana é mesmo fantástica. - Que tal pedirmos um vinho? - Acho a ideia excelente. Os dois continuaram conversando animadamente. Porém, em um dado momento, Max avistou um homem em outra mesa e temeu ser visto. O homem, há muitos anos, o acusara de ser o responsável pelo abandono repentino da esposa. E, na certa, ainda acreditava naquela inverdade. Max, então, abaixou a cabeça e, disfarçadamente, levou a mão ao rosto. Carina começou a achar estranha aquela atitude, mas não se achou no direito de fazer qualquer tipo de comentário. Sob hipótese alguma queria deixá-lo embaraçado. No entanto, percebendo que, a cada instante que passava, Max ficava mais e mais agoniado, intuiu que ele estava fazendo de tudo para não ser visto por alguém que, na certa, poderia comprometê-lo. Aí, então, resolveu comentar: - Está tudo bem, Max. Não vou tomar atitude alguma. Não tenho nada a ver com a sua vida. - O que está querendo dizer, Carina? Eu não entendi. - Você está entendendo direitinho, sim, a quê estou me referindo. Se não estivesse entendendo, não estaria com esse olhar baixo, não estaria... - Só estou tentando passar desapercebido. - E acha que não sei disso? - Tem uma certa pessoa aqui neste restaurante que não quero que me veja. - Sou meio avoada, mas não sou boba, Max. - Não quero falar com ele. - E quem é ele, Max? Naquele instante, um homem baixinho, calvo e com uma barriga bastante pronunciada se aproximou da mesa e disse: - Max Evangelist! Tem certeza que é mesmo você? - Absoluta - Max respondeu num tom de voz meio alterado. - Quem diria! Quem diria que eu iria encontrá-lo por aqui! Afinal, esse era o nosso lugar preferido. Pelo jeito a sua vida continua de vento em popa, enquanto a minha... - Não vai me apresentar o seu amigo, Max? - Carina perguntou. - Vou. Vou, sim. Carina Mann, esse é Mike Preston. - Muito prazer. - Carina estendeu a mão e só então atinou para o nome do homem. "Mike? Então é esse o Mike... Meu Deus, quanta coincidência..." Max, temendo que Mike fizesse o escândalo que um dia havia prometido, resolveu dizer: - Bem, foi muito bom reencontrá-lo. - Resolveu me dispensar, Max? Mas eu tenho certeza de que a srta. Mann adoraria ouvir a nossa história. "Meu Deus, e agora? Coitado do Max...", Carina queria muito fazer alguma coisa para ajudar o amigo a sair daquela situação embaraçosa, mas não tinha a menor noção do que atitude tomar. - Srta. Mann, houve uma época que Max e eu éramos muito unidos. Na verdade fazíamos uma dupla dinâmica, não é, Max? Aí, sem mais nem menos, ele resolveu me trair com alguém que eu confiava plenamente. Estou dizendo alguma inverdade, Max Evangelist? - Acabou, Mike. Por favor, esqueça o passado. Já é mais do que tempo de você aprender a viver com os seus fantasmas. - O meu fantasma é você, Max Evangelist. Um fantasma que tem nome, endereço e uma tremenda cara de cínico. - Esqueça o passado, Mike. Eu não tive a menor culpa do que aconteceu. - Não vou esquecer o passado, Max. Mas não vou mesmo. Fui feliz no passado e hoje a minha vida é um inferno. E esse inferno eu devo a você. E também tenha certeza de uma coisa: vou atormentá-lo pelo resto dos meus dias! - Mike Preston, se não sair daqui em três segundos, vou me levantar, agarrá-lo pelo colarinho e jogá-lo na rua! - Max esbravejou e começou a contar: - Um, dois... Mike Preston ergueu a cabeça e disse antes de ir embora: - Cuidado, srta. Mann, muito cuidado com esse homem. Ele é um traidor. Carina não sabia o que fazer. Por mais que Max tivesse sido desonesto, Mike Preston não devia dar-se ao direito de fazer aquele escândalo em público. Ainda bem que o restaurante se encontrava quase vazio. Max, muito atormentado, pigarreou e disse: - Me desculpe, por favor. Esse homem está completamente maluco. Ele me acusa de ter participado de um triângulo amoroso. E não é verdade. Não é verdade mesmo. Não sou homem de trair os meus amigos. - E vocês realmente foram amigos? - Fomos, sim. Houve uma época que Mike Preston foi o meu melhor amigo. Carina teve muita vontade de perguntar se fazia muito tempo que aquela relação havia terminado, mas não ousou. Para ela, ficara mais do que claro que aquele rompimento era muito recente. Max tomou-lhe as mãos e perguntou: - Você acredita que não participei desse triângulo ao qual ele me acusa? - Acredito... Acredito, sim. - Muito obrigado pelo voto de confiança. - Max deu um profundo suspiro. - Mas você, antes que o garçom nos trouxesse a comida disse que queria me fazer uma pergunta. - É verdade... - Carina deu um sorrisinho meio sem graça. - Pode fazer a pergunta, então. "Bem, para a pergunta que eu iria fazer, já tenho a resposta. Mas posso arrumar uma outra!" - Só queria saber se você pode ir qualquer dia ao shopping comigo. Preciso fazer algumas compras e gostaria muito da sua opinião. - Claro que posso. É só marcar. Faremos as compras juntos. CAPÍTULO IV - Max, quer fazer o favor de prestar mais atenção no jogo? - O padre Nick De Grasso pediu e correu para pegar a bola de basquete. - E a quinta vez, em menos de cinco minutos, que você se distrai. O que está acontecendo? Max sentou-se no chão do imenso estádio e ficou olhando para a cesta de basquete. Depois seu olhar se perdeu nas arquibancadas vazias. - O que está acontecendo com você? - o padre De Grasso se aproximou com a bola nas mãos e sentou-se ao lado de Max. - Estou precisando dos seus conselhos. - Algum problema com a sua irmã, ou com o seu sobrinho Mike? - Não, graças a Deus os dois estão muito bem. O problema é com o meu coração. - O quê? Você está sofrendo do coração? E por que não me disse isso antes? E muita irresponsabilidade da sua parte se propor a bater uma bolinha comigo no seu estado. - Pode ficar tranqüilo, Nick, o meu coração está muito bem. - Mas você acabou de me dizer que está com problemas no coração. - O tipo de problema que estou tendo é outro, Nick. É uma mulher: preciso muito dos seus conselhos. O padre Nick De Grasso balançou a cabeça em negativa e disse: - Você está falando com a pessoa errada. Acha que entendo alguma coisa sobre mulheres? Pois se enganou. Quem entende de mulher aqui é você. Mas se quiser discutir comigo a respeito de anjos, arcanjos, santos, não tem o menor problema. Podemos também conversar sobre o motivo que o fez afastar-se da igreja desde o casamento da sua irmã, Max sentiu uma pontada na coxa esquerda e fez uma careta de dor. - O que está acontecendo? - o padre quis saber. - Acho que distendi a musculatura da coxa esquerda. - Você não está mesmo em sua melhor forma. - Não tenho dormido direito. Estou vivendo um problema muito sério com uma mulher. - O que posso concluir é que não está querendo se casar com ela. - Acertou em cheio! Você sabe exatamente o que penso a respeito de casamentos. Padre Nick De Grasso, um homem bem jovem, alto, cabelos negros, corpo atlético sorriu para o velho amigo e disse: - Sei. Ou melhor, sempre soube o que pensa a respeito de casamento, mas nunca concordei com você. E nem vou concordar. - E nem poderia ser diferente, não é? Mas a situação que estou vivendo vem me tirando o sono. Não sei o porquê, mas me sinto responsável por essa mulher. - Responsável? - E, responsável. - Max levou a mão até ao peito. - Algo aqui dentro me diz que eu devo protegê-la e, por isso, me sinto muito confuso. Padre Nick De Grasso pensou um pouco e disse: - Max, Max... Sob hipótese alguma devemos pensar em tirar a vida de um ser que já vive dentro do ventre da mãe. Conheço pelo menos uns três casais que se sentirão muito felizes em adotar esta criança. - Criança? - Max fitou o amigo, espantado. - A mulher sobre a qual estou falando deve ter um vinte e sete anos. - Mas ela carrega uma criança no ventre. Uma criança que também é sua. - Espera aí, Nick, você não entendeu absolutamente nada do que eu disse. - Mas é claro que entendi. Você engravidou uma mulher e... - Eu? Eu engravidei uma mulher? - Max deu uma risada. - De jeito nenhum! - Quer dizer que você não vai ser pai? - Não, eu não vou ser pai. - Graças a Deus! - Padre Nick De Grasso respirou aliviado. - Quer dizer que a moça não está grávida? - Isso eu não posso lhe afirmar. Mas se ela estiver grávida, o filho com certeza não é meu. - Tem certeza? - o padre perguntou, preocupado. - Absoluta. Nunca tive nada com ela. - Se você está dizendo... - Pode acreditar em mim. - Ainda sentindo a musculatura da perna esquerda doendo, Max se levantou. - Bem, por hoje chega de jogo. - Que tal a gente comer alguma coisa? Saí da cama e vim direto para cá. Não comi nada até agora. - Excelente ideia. Eu também levantei e vim direto para cá. - Enquanto tomamos o café da manhã, você poderá me contar tudo sobre essa mulher que está mexendo com o seu coração. - Certo. Mas antes quero tomar um bom banho. - Eu também. Meia hora mais tarde, Max e o padre Nick De Grasso estavam sentados à mesa de uma lanchonete comendo sanduíche de atum, acompanhado por chocolate quente. - Posso lhe fazer uma pergunta, Max? - Claro. Afinal, somos amigos desde a infância. - Essa mulher é casada? - Não que eu saiba... - Ótimo. - E eu? Eu posso lhe fazer uma pergunta bastante pessoal? - Em nome da nossa velha amizade, sinta-se à vontade. Max pigarreou e foi direto no ponto que tanto o estava atormentando: - Nick, você é um homem muito atraente, jovem e convive muito com mulheres. Como faz para se manter afastado delas? - Bem, não é nada fácil, mas até hoje não quebrei o meu voto de celibato. - Você acha que um homem pode ser apenas amigo de uma mulher? - Acredito que sim. Disso eu não tenho a menor dúvida. Afinal, não fui padre a minha vida inteira e já tive muitas amigas. Uma delas vive hoje na Flórida e a gente sempre se fala por telefone. - Eu a conheço? - Não, eu a conheci quando morava em Boston. O nome dela é Jane. É casada, tem quatro filhos e adora o marido. - Isso é muito bom de se ouvir, mas acho que com essa mulher eu não conseguiria uma coisa dessa. Tento manter uma relação platônica quando estou com ela. Mas, se me conheço, isso não vai durar muito. Me sinto irremediavelmente atraído por aquela mulher. Ela tem um humor maravilhoso, é engraçada, sensível, inteligente... - Pelo visto essa mulher o pegou de jeito, Max Evangelist. - Nem diga! - Acho que você deveria se jogar de corpo e alma nesta relação, Max. Já está mais no que na hora de você se casar, constituir uma família. - Não, o casamento está totalmente fora dos meus planos. - Isso é muito radicalismo de sua parte. Ainda vou celebrar o seu casamento. - É bem capaz de você celebrar o casamento do Mike primeiro. - Max riu. - E por falar nele, como vai o seu lindo sobrinho? Os dois continuaram conversando por mais uns cinco minutos. Quando já se despediam, na porta da lanchonete, padre Nick De Grasso disse: - Força amigão. Espero que na próxima semana você esteja se sentindo melhor. Aí, sim, poderemos fazer um bom joguinho. E, tente manter um distanciamento emocional da moça. Talvez possa dar certo. - Vou me esforçar. - Se precisar de mim, sabe onde me procurar. - Certo. Muito obrigado pelo papo, Nick. - Sempre às ordens. Antes da hora do almoço, depois de ter trabalhado muito, Carina se dizia baixinho: - Ele é apenas meu amigo. Nada mais que isso: Max Evangelist é apenas meu amigo. Porém, por mais que repetisse aquela frase, sabia que estava mentindo para si própria. "Não deveria ter dispensado as sessões com a dra. Júlia Barret Brawn. Talvez eu devesse ter ido lá mais algumas vezes. Nem tanto para falar sobre a minha vida, mas para falar sobre essa situação toda que estou vivendo." Carina deu um profundo suspiro. "Mas nada me impede de ligar e conversar um pouco com ela. Se estiver desocupada, tenho certeza de que Júlia vai me dar atenção." Sem pensar duas vezes, Carina pegou a agenda e, segundos mais tarde, ligava para a psiquiatra. Por sorte foi a própria quem atendeu à chamada. - Carina, mas que prazer ouvi-la, a minha secretária me passou o seu recado. - Pois é... Felizmente a minha insônia passou. - E mesmo? Que maravilha! Mesmo assim acho que deveria se manter atenta. - Atenta? A quê? - A insônia pode voltar. Milagres não acontecem e, com toda certeza, a raiz do problema não foi extirpada. - Mas, pelo que entendi, você me disse que a causa da minha insônia era a minha solidão. E hoje eu não me sinto mais sozinha. - E por que você não se sente mais sozinha? - Bem, liguei para a Amigos & Amigos. - Ah, você ligou para a agência. Isso é muito bom. Mas o fato de ter alugado um amigo não significa que esteja curada da insônia, da ansiedade, da insegurança. - Meu Deus! Eu ligo e lhe digo que estou bem e, aí, você faz questão de me deixar deprimida? - Não, longe de mim querer deprimi-la, mas esse amigo que você arrumou é apenas um paliativo, não a cura em si. - Não entendi! - É como se você tivesse com dor de cabeça e tomasse um analgésico qualquer. - Mas ele não é um analgésico qualquer, muito pelo contrário. Estou me sentindo uma outra mulher. Não sou nem sombra daquela Carina Mann que você conheceu. - Carina, temos de levar a nossa psique a sério. - Mas eu estou levando a minha psique a sério, Júlia. Tanto é verdade que entrei em contato com a Amigos. - Isso foi um passo, Carina. Apenas um passo. Para nos tornarmos um nova pessoa necessitamos anos e anos de análise. E, para isso, precisamos estar mesmo dispostos a mudar. - Quem está resistindo agora é você, Júlia. Por que não acredita que eu mudei? - Simplesmente porque não pode ser verdade. - Você acha que estou mentindo? - Não, Carina, você não está mentindo. Apenas se iludindo. - Desde que comecei a me encontrar com o meu amigo, durmo a noite inteirinha. - E chorar? Você também conseguiu chorar, Carina? Pega desprevenida, Carina não sabia o que dizer. - Carina, ainda está aí? - Júlia quis saber. - Acho que sim... - Você não respondeu à pergunta que lhe fiz. - Daria para repetí-la, não escutei direito. - Carina estava achando que com aquela desculpa, poderia arrumar tempo para dar uma boa resposta à pergunta. - Perguntei se você também conseguiu chorar. - Bem, na verdade... - Você não chorou - Júlia a interrompeu. - É, chorar ainda eu não chorei - Carina se viu obrigada a admitir. - Viu só? Você continua represando todas as suas emoções. E isso não é nada bom. Precisamos chorar de vez em quando. Faz bem para o corpo, para o espírito e para a alma. - Chorar é tão bom assim? - Carina estava espantadíssima. - Muito mais do que você possa imaginar. - Bem, pelo jeito, vou demorar muito tempo para me curar. - Carina, você precisa aceitar a traição do seu marido e da sua melhor amiga. - Mas eu já aceitei. - Racionalmente você já aceitou. Mas o que conta é a emoção. E tenho certeza absoluta de que emocionalmente você ainda não aceitou o que os dois lhe fizeram. - Nem que eu faça mil anos de análise vou aceitar o que aqueles dois me fizeram! - Viu só como esse assunto a deixa transtornada? Há segundos me disse que já tinha aceitado a traição dos dois. E agora, acabou de me dizer que nem mil anos de analise a farão aceitar o que eles lhe fizeram. - É verdade. - Carina deu um profundo suspiro. - Pelo jeito, estou mal mesmo... - Também não é para menos, Carina. Qualquer ser humano se sentiria totalmente sem rumo se vivesse uma traição tão grande. - Pois é Júlia, quem sabe um dia eu consiga chorar, quem sabe um dia eu consiga fazer jorrar do meu peito toda a revolta que senti quando tudo aquilo aconteceu. - Posso ser sincera com você, Carina? - Deve. - Continue com o seu tratamento aqui comigo. Vai ser bom para você. - Eu também posso ser sincera com você, Júlia? - Os relacionamentos só existem de fato se houver sinceridade. Portanto, fale o que bem entender. - Não quero fazer análise. Júlia riu do jeito de Carina. Tinha de admitir que aquela era uma mulher muito corajosa. - Ofendi você, Júlia? - De maneira alguma. Gosto da sua franqueza. Ainda bem que não usou a desculpa da grande maioria das pessoas. - E qual desculpa é essa? - A desculpa mais usada pelas pessoas para não se submeterem à análise é a falta de dinheiro. - Felizmente, estou muito bem financeiramente. Só não tenho a menor vontade de ser analisada, - Tudo bem, Carina. Mas se voltar a precisar de mim é só me ligar. - Eu lhe agradeço bastante a atenção e o carinho com que me tratou, Júlia. - Sempre às ordens. Só ao desligar o telefone, Carina percebeu que não tinha dito à psiquiatra exatamente o que queria. - Bem, isso agora não tem a menor importância. Estou me sentindo bem e em paz comigo mesma. E o melhor de tudo: hoje à noite vou patinar com o meu grande amigo Max Evangelist. Carina, muito contente, patinava com Max:. - Que coisa mais deliciosa! Há muito tempo eu não patinava. Eu adoro patinar! "E eu adoro segurá-la, assim, pela cintura, moça. Você nem pode imaginar como me sinto bem", Max teve vontade de falar, mas se calou. "E o meu querido amigo, o padre Nick De Grasso me aconselhou a me manter distanciado emocionalmente dela! Como se isso fosse possível. Por mais que Nick fale, tenho certeza de que ele não sabe o que é se sentir atraído por uma mulher. Se ao menos eu acreditasse em casamento. Mas não acredito, e nada neste mundo vai me fazer acreditar que o casamento seja a solução para os nossos problemas. O casamento, para mim, é uma instituição falida." - Max, você nem imagina como estou feliz! - Isso é muito bom. Faz parte do meu trabalho deixar as pessoas felizes. - Você está muito taciturno hoje, Max, quase não o vi sorrir. O que foi? Algum problema? "O problema, Carina Mann, é uma moça que está nos meus braços e usa calça de lã bem justa, que lhe evidenciam cada curva. E onde eu ponho o desejo? Não sei mais o que fazer com ele. O mais terrível nisso tudo é que eu nem posso ter um caso com ela. Se isso acontecesse, eu perderia a aposta que fiz com o meu cunhado." - Max, eu lhe fiz uma pergunta. - É mesmo? E qual foi ela? - Estou achando você muito triste. - Impressão sua, Carina. Estou muito bem. - Então me dê um sorriso. - Um sorriso? - Max a fitou e estremeceu ao mergulhar naquele olhar verde, insinuante. - É, um sorriso. Será que se esqueceu como se faz para sorrir? - Assim? - Max, ao invés de sorrir, fez uma careta. Carina ao ver aquilo, deu uma risada límpida, cristalina, de puro prazer e disse: - Assim não vale. Se fizer uma outra careta, vou acabar perdendo a minha concentração e caindo. Vai ser o maior vexame do mundo. - Pode rir à vontade. Eu a estou segurando. Você jamais vai cair. - Quanta segurança, Max Evangelist! - Não é só uma questão de segurança, mas de técnica também. - E você tem essa técnica. Deu para notar. - Sempre adorei patinar. - Eu também sempre adorei patinar. Se quer mesmo saber, participei da equipe de patinação do meu colégio. Chegamos a nos apresentar em vários lugares, até em outros Estados. - Se é assim, por que estava tão receosa de vir a este rinque? - Porque deve fazer uns seis anos que eu não patino. - Tanto tempo assim, Carina? - Para você ver... Essa história de carreira é uma coisa que nos consome o tempo todo. - Por mais que a carreira exija da gente, não podemos esquecer de nos divertir. -Hoje, mais do que nunca, concordo com você. Perdi muito tempo da minha vida em nome da profissão. Mas, felizmente, não tenho do que me queixar, - Valeu o sacrifício? - No que diz respeito a minha vida profissional, valeu muito! Mas quando o assunto é a minha vida pessoal... - Não se sente feliz com a sua vida pessoal? - Bem, mais ou menos. Se a minha vida pessoal fosse tão boa, não precisaria contratar alguém pessoa para me dar um pouco de atenção. - Me desculpe, Carina, mas uma mulher como você é difícil de se encon-trar. Garanto que existe um sem número de homens que gostaria muito de ter um relacionamento mais próximo com você, que é tão agradável. - Sou mesmo? - ela ironizou. - Mas fico feliz que você me ache uma pessoa agradável. Você também é uma excelente companhia, Max Evangelist. Max percebeu que a conversa estava ficando íntima demais. E aquilo não poderia acontecer. - Me fale sobre as apresentações que você faziam. - Está se referindo ao meu grupo de patinação do colégio? - Exatamente. - Bem, ele era composto de vinte pessoas: dez homens e dez mulheres. Treinávamos todos os dias à tarde e fazíamos algumas coreografias incríveis. - E você tinha algum par fixo para executar algumas dessas coreografias? - Tinha. O nome dele era Teddy. - Teddy... - Max sorriu. - Finalmente vejo você sorrindo hoje. Que maravilha! - E como era esse Teddy? - Max quis saber. - Era um rapaz bem forte para a idade e patinava muito bem. Me sentia muito segura quando patinava com ele. - Porque não me faz uma pequena demonstração? - Max sugeriu. - Está pedindo que eu lhe mostre uma das nossas coreografias? - Exatamente. - Mas eu estou muito destreinada, Max. Vou acabar caindo. - Faça algo simples, Garina. O rinque está quase vazio. - E se eu cair? - Aí, é só se levantar. Não é sempre isso o que fazemos quando caímos? - Certo. Vamos lá para o meio. - Carina concordou e, quando já se encontravam no centro do rinque, pediu: - Fique parado aqui. Vou dar três voltas em torno de você, numa distância de uns cinco, ou seis metros. - Só isso? - ele perguntou e resolveu provocá-la: - Mas dar três voltas em torno de um ponto fixo é muito fácil. Até eu, que nunca participei de uma equipe de patinação sou capaz de tal façanha. - Max Evangelist, você é ansioso demais. Se tivesse esperado que eu terminasse a minha explicação, não iria achar a minha pequena demonstração tão fácil. - Você não tinha terminado? - Claro que não! - E como vai continuar, então, a sua demonstração? - Bem, depois das três voltas, partirei na sua direção, darei uma pirueta no ar e cairei em seus braços. Você é capaz de me segurar? - Quem está pensando que eu sou, hem, mocinha? Tenho muita força, sabia? - Foi o que eu imaginei. - Carina colocou as mãos na cintura e quis saber: - Pronto para começar? - Prontíssimo! Mas assim que você voar para os meus braços, o que eu faço? - Nada, apenas me segure. - No ar? - Exatamente. - Combinado. Carina hesitou alguns segundos e disse: - Olha, antes de eu fazer essa demonstração, preciso me aquecer um pouco. - Aquecer? - Ele a fitou intrigado. - É. Preciso aquecer os meus músculos. - E o que eu faço enquanto isso? - Se quiser, pode me acompanhar no aquecimento. Caso contrário, pode ficar aí parado. - Ficarei aqui parado. Mas como saberei que chegou o momento de você voar para os meus braços? A pergunta tinha sido feita de uma maneira espontânea, mas mesmo assim causou um certo mal-estar ao dois - Eu lhe darei um sinal - Carina respondeu, profundamente intimidada. - Bem, agora eu já vou. Com movimentos largos e vigorosos, ela se afastou de Max e começou a contornar o rinque, bem próximo ao cercado de madeira, que separava a pista das cadeiras usadas pelo público nos dias de demonstração. No centro do rinque, Max olhava deslumbrado para ela. "Quanta agilidade. Jamais imaginei que Carina patinasse tão bem. E ela disse que não patina há seis anos. Essas mulher deve ter sido mesmo uma grande patinadora e, a cada instante que passa, me surpreende mais. Como uma mulher assim too fascinante precisou recorrer à agência para não se sentir sozinha? Existe algo muito errado nessa historia toda." Carina aumentava a velocidade devagar, sentindo-se de novo uma adolescente. E, em sua imaginação, começou a ver aquelas cadeiras todas serem tomadas pelo público. Em alguns momentos, fechava os olhos e se sentia levitar, tamanha era a felicidade que dela havia se apoderado. Como? Como pudera ficar tanto tempo longe dos rinques? Como pudera trocar um computador, reuniões de negócios, viagens por aquele prazer fantástico? Não, definitivamente, sua vida tinha tomado rumos indesejados. O excesso de trabalho, o excesso de responsabilidade, havia feito com que se modificasse muito. Agora sabia por que se tornara uma pessoa desatenta. Há muito tempo não sentia que seus pensamentos se encontravam no mesmo lugar que ela, como acontecia naquele momento. Seu trabalho lhe exigia, além de tudo, viver no futuro. E o futuro, diziam os místicos, não existia. O passado também não. O importante era o presente. E o presente a fazia sentir-se leve, inteira, completa. No centro do rinque, Max continuava olhando para Carina e se espantava a cada instante que passava. Na velocidade em que ela se encontrava, Carina mais parecia um pássaro. Um pássaro livre, leve, solto, um pássaro pronto para alcançar qualquer altura que desejasse. Carina não percebia o tempo passar. Alheia a tudo, só se concentrava no seu corpo que lhe obedecia imediatamente os comandos. Não existia no mundo nada melhor do que um rinque de patinação! Alheio ao que acontecia a sua volta, Max continuou deliciado com a visão que tinha bem diante dos seus olhos. Porém, em dado momento, algo lhe chamou a atenção: um casal de namorados tinha entrado no rinque e, fatalmente iriam colidir com Carina. Ele quis gritar. Mas já era tarde. Carina bateu em cheio nos dois e arrastada no gelo, quebrou o cercado de madeira e foi parar no meio das cadeiras. Desesperado, Max correu para acudi-la e a encontrou inerte. - Não, ela não pode ter morrido. Seria cruel demais - ele disse baixinho, com medo de tocá-la, pois se não estivesse morta, poderia estar gravemente ferida e, qualquer atitude indevida, na certa lhe agravaria a situação. Precisava de ajuda. E tinha de agir rapidamente. - Carina, por favor não se mova. Eu vou pedir ajuda. - Ajuda? - Ela abriu os olhos e o encarou. - Para quê? - Graças a Deus! Graças a Deus você está viva. - Claro que estou viva! Mas o que estou fazendo aqui no chão, estatelada em meio a essas cadeiras? - Você levou um tombo muito feio. - Um tombo? Essa não! Mas que vexame... - Ela tentou sorrir, mas não estava nada fácil. - E eu que pensei que fosse voar para os seus braços... - Até num momento como esse você encontra disposição para brincar? - Max acariciou-lhe a testa de leve. - Você é mesmo incrível. O que está doendo? - A minha alma e principalmente o meu corpo. - Fique quietinha aí, vou chamar uma ambulância. - Ambulância, para quê? - Carina sentou-se. - Por favor, minha querida, não se mova. Você pode ter se machucado muito. - Não se preocupe. Já levei tombos bem piores do que esse. E nada me aconteceu de grave. Só quero que me ajude a me levantar. - Antes vou tirar os seus patins. - Para quê? Vou voltar para o rinque. - De maneira nenhuma. A gente vai sair daqui e passar num bar para tomar algo bem quente. - Mas eu estava tão feliz patinando... - Eu vi mesmo. - Max lhe retirou os patins. - Mas chega por hoje. Um outro dia a gente volta e você pode... - O que você ia dizer? Que aí eu posso voar para os seus braços? - Com toda certeza. Estarei firme e forte para ampará-la. - Se é assim, a gente volta. - Ela olhou para os pés de Max e perguntou: - E você? Não vai tirar os patins? Se arriscou muito vindo até aqui com eles. - Nem me pensei nos patins. Quando dei por mim estava aqui ao seu lado. - Vamos, me ajude. - Ela se apoiou no pescoço vigoroso e se levantou com muita dificuldade. - Você tem certeza de que está bem? - Tenho. Pode ficar tranquilo. Abraçados, os dois se encaminharam para o locar onde haviam deixado os sapatos. Quando já se encontravam na rua, Carina ousou perguntar: - Max, por que você me chamou de minha querida? - Eu chamei você de minha querida? - Max sentiu o coração disparar dentro do peito. - Chamou, sim. - É mesmo? - Pode acreditar em mim. - Mas você é, sim, Carina Mann, minha querida. Uma cliente muito querida. CAPÍTULO V Max, muito aturdido, assim que chegou em casa foi direto para a cama. Por pouco, não tomara Carina nos braços e a beijara, no instante em que estavam se despedindo. Ainda bem que conseguira encontrar um pouco de autocontrole. Mas agora... Agora não conseguia dormir. Três horas da madrugada e não conseguia dormir. Seu corpo todo explodia de desejo por uma mulher que ele tinha de continuar ignorando. Desesperado, pegou o telefone e discou o número do padre Nick De Grasso. Uma voz sonolenta o atendeu. - Nick, sou eu. - Eu quem? - Eu, oras, Max. - Max? Você sabe que horas são? - É claro que sei. Não consigo dormir. - E você está doente? - O padre agora demonstrava muita preocupação. - Estou. Isso só pode ser doença. - E o que você está sentindo, amigão? - Desejo. Um desejo imenso. Inenarrável! - Bom, se é assim, acho melhor não narrá-lo. Afinal, como narrar algo inenarrável? - Vai brincando, vai... - Já tentou tomar um banho frio? As vezes ajuda. - E eu quero lá saber de banho frio? Queria, isso sim, tomar um belo banho, numa banheira de hidromassagem, com água bem quentinha. - Com quem? - E você ainda pergunta com quem, Nick? Será que não me conhece o suficiente para saber com quem eu gostaria de estar neste momento dentro de uma banheira de hidromassagem? - Com aquela mulher... - O padre deu um longo suspiro. - E com quem mais poderia ser? - Sei lá... Poderia ser com uma outra pessoa. - Não, é por causa dela que estou assim. - O que foi que aconteceu? - Seus conselhos não me adiantaram em nada. Estou me envolvendo emocionalmente com ela. - Está se envolvendo? - O padre riu. - Não seja tão infantil, Max. - Infantil? Você acha infantilidade se envolver com alguém? - Não, de maneira alguma. Infantil é você dizer que está se envolvendo com ela. - Por quê? - Você já está completamente envolvido com essa mulher, amigão. - Meu Deus do céu... Isso não poderia ter acontecido. - Mas aconteceu. E se agora você me der licença, vou desligar. Tenho de rezar uma missa logo mais às seis horas... - Mas eu ainda não terminei de dizer tudo o que está entalado aqui dentro do meu peito, Nick. - Pois então diga. E rápido, amigão. - Você não está levando as minhas angústias a sério, Nick. - Se eu não estivesse levando as suas angústias a sério, já teria desligado o telefone. Vamos, fale, homem! - Tentei manter um certo distanciamento e não deu certo. - Então, tente se distanciar ainda mais. - Impossível. E para piorar a minha situação, ela vai para a Itália. - Isso é ótimo. Assim você, obrigatoriamente, ficará longe dela. - Isso é o que você pensa. - Não entendi. - Ela quer que eu a acompanhe. E na Itália estou certo de que a minha situação vai ficar bem pior. - Não vá para a Itália, então. - Mas eu prometi que a acompanharia. Por favor, Nick, me diga como poderei mantê-la à distância, para que não tenha nenhuma expectativa a meu respeito. - Bem, mantenha conversas estritamente intelectuais. Para mantê-la mais à distância ainda, Max, além das conversas intelectuais, fale com a moça sobre os grandes filósofos, introduza assuntos espirituais... Pode ser que dê certo. - E se não der? - Bem, aí você começa a rezar e me telefona. Tente dormir, amigão. Agora eu vou desligar. Max apesar de tentar dormir, não conseguiu. As sete horas da manhã já se encontrava no escritório, trabalhando na contabilidade da Amigos. As nove, não se contendo, ligou para Carina. - Oi, Max - ela o cumprimentou, feliz, - dormiu bem? - Dormi sim. Como uma pedra - ele achou melhor mentir. - E você? - Apesar da dor no corpo, dormi muito bem. - Você continua com muita dor? - Max perguntou, preocupado. - Acho que machuquei a coxa esquerda. Mas foi apenas uma pequena distensão muscular. Logo passa. - Ontem eu também tive uma pequena distensão muscular. - Quando estava patinando? - Não, quando estava jogando basquete com um amigo. - E quando é que você joga basquete? - Uma vez por semana, às seis horas da manhã. - Assim tão cedo? - Preciso me exercitar, na minha idade não posso descuidar do meu corpo. - Idade? E quantos anos você tem Max Evangelist? - Trinta e cinco. - Pensei que tivesse menos. Podia jurar que ainda não havia completado trinta. - Isso é um elogio, Carina? - Se quiser encarar assim, mas é a mais pura verdade. - E você, quantos anos tem? - Vinte e sete. - E inacreditável. Podia jurar que você ainda não tinha completado dezoito. - Mentiroso. - Ela deu uma gargalhada. - Como poderia não ter completado dezoito anos, ocupando a posição que ocupo? Seria impossível! - É verdade. Imaginei que tivesse entre vinte e sete e trinta anos. Porém, isso aconteceu justamente por causa do cargo que ocupa aí na empresa. Se fosse pela sua aparência... - Pela minha aparência você juraria que estou beirando os quarenta. - De maneira alguma. Seu jeito e a sua aparência ainda são de adoles-cente, Carina. - Meu Deus, estou me sentindo lisonjeada. "Mantenha conversas estritamente intelectuais com ela." - É mesmo! Eu tinha me esquecido. - Do quê, Max? - Nada. Só estava falando com a minha secretária - ele foi obrigado a mentir de novo. Como fora se esquecer dos conselhos do seu grande amigo, o padre Nick De Grasso? - Você providenciou o passaporte, Nick? - Passaporte? - E. O passaporte. Você disse que vai para a Itália comigo. - Vou tratar do passaporte ainda hoje. - Faça isso, Max. A gente parte daqui, a três dias. - Tudo bem, não se preocupe, - E o shopping? Será que poderemos ir ao shopping hoje? Preciso fazer umas comprinhas antes de viajar. - Sim? claro. A que horas está pensando ir ao shopping? - Depois do expediente. Na hora do almoço fica muito corrido. - Certo. Passo para apanhá-la às seis horas. Está bem assim? - Combinado. De olhos fechados e morto de sono, Max, sentado em uma poltrona muito confortável, aguardava que Carina experimentasse uma blusa no provador. - Que tal? - Ela saiu do provador e se colocou na frente dele. Max, quase adormecido, não ouviu a pergunta de Carina. - Max, estou falando com você. Vamos, homem, acorde! - Oh, me desculpe... - Ele, confuso, abriu os olhos. - E então? O que acha desta blusa? - Linda, Sarah... Essa blusa é linda. - Sarah? Mas... - Carina ficou tão chateada com a troca de nomes, que nem conseguiu terminar a frase. - Me desculpe. A blusa é linda, Carina. - Você nem olhou direito para ela. Max tentou prestar mais atenção na blusa e se arrependeu. Bem justa, a roupa delineava-lhe perfeitamente os seios. - A blusa lhe cai muito bem, pode acreditar. Mas falando em acreditar, o que você acha dos pensadores do século XIX? - Nunca era tarde para seguir os conselhos do padre De Grasso. - Max, o que foi? Você está sonhando? - Não, estou acordado. Acontece que eu adoro filosofia. - Mas você quer falar sobre filosofia numa hora dessa? - Não existe hora para se falar em filosofia, Carina. - Bom, vou deixá-lo aí pensando nos filósofos do século XIX e experi-mentar uma outra roupa. Carina voltou para o provador e, quando saiu de lá, vestia uma saia preta longa e uma blusa amarelo-claro, de mangas compridas, num tecido bem colante. "Meu Deus, eu não vou aguentar!", Max constatou em pensamento. "Tudo o que eu menos quero neste momento é discutir filosofia e falar sobre as coisas do espírito com essa mulher." - E essa roupa, Max? Acho que me cai bem? - Perfeitamente, Carina. Mas sabe, eu estava aqui pensando: se não fos-sem os filósofos, os homens que pensaram sobre o significado do ser humano... - Max, agora não, por favor. - Carina se dirigiu à vendedora: - Tudo bem, vou levar a outra blusa e esse conjunto. Quando já encontrava de novo no provador, Carina disse baixinho: - Eu é que quase me arrebento, com aquele tombo lá no rinque de patinação e é o Max que parece que não está em seu juízo perfeito. E quem será essa tal de Sarah? Ele pronunciou o nome dessa mulher de um jeito tão familiar... Carina entrou em outras lojas e comprou mais roupas, sempre estranhando muito a insistência de Max em falar sobre filosofia. Da última loja, Carina havia resolvido sair com um conjunto em lã verde-água que acabara de comprar. - Essa cor lhe cai muito bem - Max não conseguiu controlar o comentário. - Muito obrigada. - E o que vamos fazer agora? Jantar, ou você quer entrar em alguma outra loja? - Prefiro jantar. Hoje não pude sair do escritório para almoçar. Estou faminta. - No terceiro andar aqui do shopping tem um restaurante muito bom. - Então, vamos jantar lá mesmo, Os dois estavam quase terminando o jantar. Max já tecera comentários a respeito de todos os filósofos que já ouvira falar, e nada! Nada o fazia tirar da mente a vontade que tinha de estreitar aquela mulher nos braços. "O contraste do verde-água, da roupa que ela está usando, com o verde-escuro destes olhos e esses cabelos ruivos, é a coisa mais fantástica que já vi em toda a minha vida." - Você ficou calado de repente, Max. Algum problema? - Estava pensando nos anjos. - Anjos? - Carina quase engasgou com a comida. - E, anjos. Aqueles que têm asas, sabe sobre o que eu estou falando? - Claro que sei... Os anjos... - Sempre que posso, faço um exercício de abstração. - E qual exercício de abstração é esse? - ela perguntou, bastante desconfiada. - Quem me fez essa pergunta a primeira vez, foi um professor que tive no colegial. - E qual pergunta é essa? - Quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete? - O quê? - Carina não pôde conter o espanto. - Sei que é difícil responder a essa pergunta, mas tente. - Eu não! Respeito muito os anjos para fazer uma brincadeira como essa. - Não é uma brincadeira, Carina, mas apenas um exercício de abstração. - Olha, Max, você hoje está estranhíssimo. Já falou sobre filósofos até não poder mais. E agora... - Ela balançou a cabeça em negativa. - Como pode ficar pensando numa pergunta como essa? - E uma pergunta como outra qualquer. - Não, não é uma pergunta como outra qualquer. Quem o ouve falando assim vai pensar que você é ateu. Você é ateu, Max? - De maneira alguma. - Eu também não sou. E acredito muito nos anjos. - Eu também acredito muito neles. - Minha mãe dizia que cada pessoa tinha um anjo da guarda. - Minha mãe também me dizia a mesma coisa. E até me ensinou uma oração muito linda para o meu anjo da guarda. - Que coincidência, a minha mãe também me ensinou uma oração para o meu anjo da guarda. A conversa continuou, animada. Quando se deu conta, Max estava de novo prestando atenção naquelas cores contrastantes que tinha diante de si e no olhar brilhante de Carina. - Assim não vai dar! - ele exclamou. - O quê? O que não vai dar, Max? - Nada, só estava pensando em voz alta. - Realmente hoje você está muito estranho. - Acho que você tem toda razão. Acontece que estou muito preocupado com algumas coisas. Mas vamos deixar a preocupação para lá. - Ele sorriu. -Você ainda não respondeu a minha pergunta, mocinha. Vamos lá: quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete? Carina pensou um pouco e respondeu: - Tantos quantos forem os nossos sonhos... Aquela resposta o pegou totalmente desprevenido. Carina lhe lançou um sorriso encantador e perguntou: - Não concorda comigo, Max? Ele, ainda surpreso com a resposta, teve vontade de se levantar e estreitá-la contra o peito, num abraço forte. Mas não podia se dar ao luxo de ser tão espontâneo. Muita coisa estava em jogo: a Amigos & Amigos e a sua independência. - Disse alguma coisa errada? - Não, você disse uma frase muito bonita. - E mesmo? - Pode acreditar em mim. - Mais uma vez Max queria encontrar um assunto que o mantivesse longe do fascínio daqueles dois olhos verdes. Mas falar sobre o quê? - Pronto! Música! - Max, não é por nada não, mas posso lhe fazer uma perguntinha? - Carina não esperou pela resposta e desferiu: - Você enlouqueceu? - Não - ele estava muito sem graça, - mas eu adoro música. - Mas a gente estava conversando a respeito de frases bonitas. - As melodias também têm frases muito bonitos. Eu adoro Beethoven. Acho a Pastoral uma das coisas mais fantásticas do mundo. - Eu também gosto de Beethoven. Carina e Max terminaram o jantar e, quando o garçom se aproximou para saber se desejavam mais alguma coisa, ela foi logo dizendo: - Eu quero um sorvete de chocolate bem grande. - Sorvete com esse frio? - Max perguntou, espantado. - Você vai acabar pegando um resfriado. - Eu adoro tomar sorvete no frio. No verão nem me lembro que existe sorvete. - Se é assim... - E o senhor? O que vai querer? - o garçom perguntou, solícito. - Apenas um café e a conta. Após terem saído do restaurante, Carina e Max resolveram ir ao cinema. O filme já tinha começado há cinco minutos. No escuro da sala de projeção, Max morria de vontade de segurar na mão da mulher que havia lhe roubado a paz. Mas não ousava. Não poderia ousar tomar uma atitude como aquela. "Se não posso deixar fluir as minhas emoções, se não consigo prestar atenção no filme, só me resta uma coisa: dormir. Dormir e fingir que nada disso está acontecendo comigo!", ele concluiu em pensamento. E Max, confuso, exaurido por causa do dia muito atarefado e da noite que passara em claro, logo conciliava no sono. Carina, atenta ao que se passava na tela, não notou o que acontecia ao seu lado. De repente ela ouviu um leve ressonar. "Não acredito! Será possível?", ela se perguntou em pensamento e, disfarçadamente, olhou para Max. E o que temia havia acontecido: Max Evangelist dormia. Daquele momento em diante, Carina não conseguiu mais prestar atenção no filme. Afinal, não merecia tal desfeita do amigo! No táxi, a caminho do apartamento de Carina, Max estranhou a quietude de Carina. - Posso saber por que você está tão calada? - Por nada. - Você está muito estranha. Nem parece a mesma garota que praticamente devorou aquele sorvete de chocolate. - Estou cansada, Max. É isso. - E você gostou do filme? - Muito. E você? - Eu achei o filme fantástico - ele disse, sorrindo. - Por que está rindo, Max Evangelist? - Posso mesmo ser sincero? - Pode. - Se é assim... - Max voltou a sorrir e confessou: - Eu dormi pratica-mente o filme todo. - E mesmo? - ela ironizou. - Sabe que eu nem tinha notado? - Não? - Mas é claro que eu vi que você dormiu. Também, roncando daquele jeito! - Roncando? Eu? - Max perguntou, ofendido. - Eu não ronco, mocinha. - Isso é o que você acha. Se não estava com vontade de ir ao cinema, deveria ter me dito. - Eu achei que estivesse com vontade de assistir àquele filme. Mas de repente, eu dormi. O táxi parou em frente ao prédio de apartamentos onde Carina morava. Após ter pago a corrida, Max desceu e abriu a porta para ela. - Quanta gentileza - ela disse, sentindo-se uma princesa. - Sou um cavalheiro, Carina Mann. - E por falar em cavalheirismo, não é justo que sempre que a gente saia você pague as despesas. - Esse tipo de coisa já está incluído no preço que a agência cobra dos clientes. - É mesmo? Sabe que essa ideia é bastante interessante? Mas a viagem que faremos sou eu quem vai pagar. - Infelizmente, não previmos estes tipos de caso lá na Amigos & Amigos. - Bem, Max, acho que agora só vamos nos encontrar no aeroporto. Nesses dias que antecedem a viagem estarei ocupadíssima. -Você é quem sabe. Carina só foi acordar quando o avião já estava para descer em Roma. - Isso é que eu chamo de sono de pedra - Max brincou. - Eu estava absurdamente cansada. - Deu para perceber. A aeromoça serviu o café da manhã e você nem se mexeu. - E você, Max, conseguiu dormir um pouco? - Umas três horas apenas. - Então deve estar cansadíssimo. - Estou, sim. - Em Roma nos hospedaremos num hotel maravilhoso. Enquanto eu me reúno com o pessoal da filial, você pode dormir. - Você tem reunião hoje? - ele perguntou, espantado. - Exatamente às nove horas. - Sua vida não é mesmo nada fácil, Carina Mann. - E verdade, mas eu não posso me queixar, lutei muito para chegar onde estou hoje. - Você é muito nova para ocupar um lugar tão importante na empresa em que trabalha. - Pois é... - Senhoras e senhores, dentro de alguns minutos estaremos tocando o solo da Cidade Eterna - o piloto se dirigiu aos passageiros através do alto-falante.-Esperamos que tenham apreciado a viagem e que nos encontremos dentro em breve. Carina deixou Max no hotel e, logo em seguida, saiu para a reunião. Os dois só foram se encontrar de novo às nove horas da noite no restaurante do hotel. - Que cara, minha querida, o seu dia hoje deve ter sido muito difícil! - Foi, sim, Max, o meu dia foi muito difícil. Mas está tudo preparado para o encontro que terei com um fornecedor pela manhã. Vou ter de negociar novos preços com ele. E quero que compareça a essa reunião comigo. - Por quê? - Simplesmente para me dar apoio moral. Vou apresentá-lo a todos como meu acessor. - Por que não me apresenta como o que realmente eu sou: um amigo. - Simplesmente porque me sentiria um pouco constrangida. - Mas os italianos vão estranhar. Se eu fosse seu acessor, deveria ter ido trabalhar hoje com você. - Já disse aos italianos que um acessor veio de Nova York comigo. - O que mais você disse a eles? - Que meu acessor, por causa de um forte indisposição, precisou ficar no hotel descansando. - Carina Mann, você dá jeito para tudo. "Dou, dou jeito para tudo, sirn, Max Evangelist, menos para essa confusão que carrego dentro do peito desde que o conheci." CAPÍTULO VI Já no seu quarto, deitada sozinha numa imensa cama de casal, Carina pensava em como seria bom ter Max ali ao seu lado. Porém, o cansaço era tanto que logo ela estava dormindo. Na manhã seguinte, acordou muito bem-disposta Apôs um banho, vestiu uma das roupas que havia comprado em Nova York e foi para o restaurante do hotel, se encontrar com Max que, muito discreto, num terno azul-escuro, em tudo lembrava um alto executivo de uma empresa. O desjejum foi muito tranquilo, com os dois trocando impressões sobre os italianos que em tudo superara as expectativas de Max: realmente eram um povo muito alegre e cordial. Carina e Max saíram do restaurante e foram direto para a filial da empresa onde ela trabalhava. E foi um dia inteirinho de reuniões, interrompidas apenas para o almoço. Max estava cada vez mais impressionado com o profissionalismo e com a competência de Carina. No final da tarde, Carina recebeu um telefone de Nova York e o pior aconteceu: ela, que havia pensado poder ficar pelo menos mais dois dias em Roma desfrutando daquela beleza toda, teria de retornar no dia seguinte. - Fazer o quê? - Carina disse quando os dois caminhavam pelas ruas de Roma. - Estão precisando de mim lá em Nova York. Ainda bem que não pediram para eu viajar hoje mesmo. - Sabe que estou impressionado? - Com o quê? - Com a sua capacidade de negociação. Está de parabéns, srta. Mann. - Muito obrigada. - Ela ficou bastante sem graça com o elogio. - E o que está pretendendo fazer nesta noite maravilhosa? - Quer mesmo saber, Max? - Mas é claro que sim. - Quero entrar na primeira loja de calçados que encontrar e comprar um par de ténis. Este sapato que estou usando é muito apertado. E detesto sapatos de saltos altos. - E mesmo? - ele se surpreendeu. - Pensei que os adorasse. Acho que somente uma vez ou duas eu a vi com sapatos de saltos baixos. - É muito incômodo para caminhar. Dentro de um escritório, ainda vá lá. Mas para andar na rua... Não sei onde estavam com a cabeça quando resolveram exigir que nós mulheres andássemos sempre de salto alto. Na certa foi um homem quem teve essa brilhante ideia. - Você tem razão - Max sorriu, - não deve ser mesmo nada confortável. - Olhe lá! - Ela apontou. - Estou certa que naquela sapataria vou encontrar o que desejo. Ao sair da sapataria, já usando ténis, Carina sentia-se bem mais aliviada. - Você está sorrindo de novo. - É que você nunca teve de andar de sapatos altos. E ainda apertados! Agora eu me sinto capaz de conquistar Roma. Venha, vou lhe mostrar o local onde morei quando estive aqui pela primeira vez. O entusiasmo de Carina, porém, só durou menos de duas horas. O desgaste emocional que tivera o dia todo com aquelas reuniões intermináveis, parecia ter caído sobre ela de uma só vez. - Você não se importa em jantar no restaurante do hotel mesmo? - De maneira alguma. - Estou muito cansada, Max. - Dá para se notar. Mas também não é para menos, Carina, o desgaste que você teve hoje o dia inteiro... Não sei se, no seu lugar, não teria ido direto para o hotel descansar um pouco. - Prometo a você que, um dia, voltaremos aqui. Só que eu estarei em férias. Aí, sim, vou poder mostrar essa magnífica cidade a você. - Combinado. De volta a Nova York, Carina foi solicitada para um sem número de reuniões. Cansada e deprimida, às vezes tinha a sensação de que nada valia a pena. Dois dias depois, ela marcou um nova consulta com a dra. Júlia Barret Brawn. Após tê-la cumprimentado e convidado para sentar~se, a médica perguntou: - A insônia voltou? - Não, mas estou muito confusa com o meu amigo. - Aquele que você arrumou lá na Amigos & Amigos? - Exatamente. - Daria para me explicar o porquê desta confusão toda? - Bem eu acho que ele é gay. E eu estou muito envolvida com ele. - Sei... - O que acha que eu posso fazer? - Você pode, por exemplo, se perguntar o motivo que a levou a se envolver com um homem que acha que é gay. - Mas isso é fácil: ele é lindo, muito elegante, gentil, tem uma inteligência rara e sabe tratar uma mulher como eu. - Ele sabe tratar uma mulher como você? Me explique melhor o que quis dizer com esta frase. - Ele não se sente ameaçado por mim, muito pelo contrário: me estimula, me elogia e diz que sou uma excelente profissional. - E você é uma excelente profissional, Carina? - Colocando toda a modéstia de lado: sou, sim. As duas continuaram conversando. No final da sessão, Carina sentia-se bem mais confusa do que quando entrara no consultório e perguntou: - Quer dizer, então, que o meu destino é continuar emocionalmente ligada a um homem que não me quer? - O que eu acho, Carina, é que você deve se perguntar o motivo que a levou a se ligar emocionalmente a um homem que não a quer. - Júlia, por um acaso está insinuando que me liguei a esse homem porque inconcientemente sei que ele jamais poderá me ferir da maneira como Race me feriu? - Você fez isso, Carina? - Não sei. Eu não sei mesmo. Mas pode ser exatamente isso o que está acontecendo comigo. - Carina retirou da bolsa um maço de cigarros. Há muito tempo ela não sentia necessidade de fumar. Porém, ao pegar um cigarro, ela não o acendeu. - Se inconcientemente estou usando de mecanismos mentais que me protejam do que Race e Jilian fizeram comigo, fui muito mais ferida do que poderia imaginar. O meu medo é que isso tudo me leve a perder o único amigo de verdade que encontrei em toda a minha vida. Max, preocupado, olhava para o telefone. Há dois dias Carina não entrava em contato com ele. O que estaria acontecendo? Será que ela arrumara um namorado, alguém que com quem pudesse finalmente se sentir inteira e feliz? Max balançou a cabeça em negativa. Pelo jeito, o cunhado estava certíssimo. "E eu que afirmava categoricamente que não podíamos nos envolver com os nossos clientes. Realmente é muito difícil não se envolver emocionalmente com eles!" Max se levantou, serviu-se de uma xícara de café e disse entre os dentes: - Só que o senhor, Max Evangelist, não se envolveu com Carina de uma maneira amigável. Não, o senhor teve de ficar fascinado pela moça. E teve até de mentir aqui na agência para poder ir para Roma com ela. Agora, morda a língua e aguente as consequências! Carina, ao deixar o consultório da psiquiatra sentia-se mais perdida do que nunca. Devagar, ela caminhou pelas ruas de Nova York sem saber qual atitude tomar. Após andar por mais de duas horas sem destino certo, fez o telefonema que estava adiando e resolveu ir para o apartamento. Lá chegando, encheu a banheira de água e resolveu tomar um banho de imersão. Depois de meia hora, já estava deitada. Porém, o prenúncio era de uma noite totalmente insone. E as horas passaram e nada de Carina conciliar no sono. Sabia que havia agido errado ao deixar aquela mensagem na secretária eletrônica de Max, dizendo apenas que gostara muito de viajar com ele e que, de agora em diante, não poderia encontrá-lo por causa dos muitos compromissos de trabalho. Na verdade, tinha medo de encontrá-lo de novo, pois Max era a encarnação do homem perfeito, tudo o que ela sempre quis na vida. Quando percebeu que não iria conseguir dormir, resolveu levantar-se e tomar um copo de leite. Naquele instante o telefone tocou. Carina, sentiu o coração prestes a estourar dentro do peito. Trémula, ela retirou o fone do gancho. - Max, é você? Oh, Max, por favor, venha me ver! - Você está doente? - ele perguntou, preocupado. - Não, eu não estou doente, mas venha me ver. Por favor, Max, agora. - Tudo bem. Estou indo até aí. Max, que também não havia conseguido dormir, após ter ouvido o recado que Carina lhe deixara, desligou o telefone e pulou da cama. "No recado que me deixou, Carina disse que não poderia mais me encontrar por causa dos seus inúmeros compromissos profissionais. Agora, ela pede que eu vá vê-la..." Max deu um profundo suspiro. Aquele não era o momento de ficar pensando no recado deixado por Carina. Pelo jeito, a hora de tomar uma atitude havia chegado: faria o que teria de ser feito. Para o inferno suas teorias de como deveriam funcionar os relacionamentos com os clientes. Carina estava aflita e precisava dele. Mas tinha de arrumar uma maneira de sair sem ser notado. Algo lhe dizia que o cunhado já estava desconfiando da relação que mantinha com Carina. - A escada de incêndio. Posso sair pela escada de incêndio - ele disse entre os dentes. Mas, depois de pensar um pouco mudou de ideia: - Não vai dar. Essa escada é muito velha e eu posso despencar do décimo andar. E não falta muito tempo para eu ganhar a aposta! Com toda certeza, Tony colocou alguém para me vigiar vinte e quatro horas por dia. Desesperado, Max sentou-se no sofá. Tinha de achar uma maneira de sair sem ser notado. De repente, uma ideia lhe ocorreu. Sem pensar duas vezes, foi até o corredor, que ligava os quartos à sala, e abriu um baú que a sua última namorada nunca viera buscar e exclamou: - É isso! E que Deus me ajude! Carina, na sala, aguardava a chegada de Max. A qualquer momento o interfone tocaria. Será que agira direito ao pedir a Max que fosse vê-la? Mas agora não dava para voltar atrás. Fazer o quê? Quando dera por si estava lhe fazendo aquele pedido maluco. Aflita, começou a andar de um lado para o outro. Max já deveria ter chegado. Com certeza ele se arrependera e resolvera voltar para a cama. - Isso se Max já estivesse na cama. Ele bem que pode ter saído para passear. Aí, ao chegar, ouviu o meu recado e resolveu ligar. O interfone tocou. - É ele Carina correu para atender o interfone. Logo depois, acionava o botão que abria a porta de entrada do prédio. "Meu Deus, faça com que eu consiga conversar com ele sem magoá-lo. Mas na verdade, nem sei o que dizer ao Max. Se disser que o amo, com toda certeza, eu o deixarei muito assustado. Li numa revista outro dia que a gente não pode ser absolutamente sincera com alguém que nos interessa. O artigo dizia..." A campainha tocou, interrompendo-lhe os pensamentos. Trémula, Carina abriu a porta da sala. - Max, eu... - o resto da frase morreu-lhe nos lábios. Quem era aquela loira, alta, de cabelos compridos, que havia tocado a campainha? - Boa noite, Carina. - Max! - Ela olhava horrorizada para a loira. - É você? - Claro que sou eu! Só que não é nada do que você está pensando. Posso lhe explicar tudo direitinho. Mas... - Está tudo bem, Max, não se preocupe em explicar nada. Somos amigos, afinal. - Carina se afastou um pouco para que ele pudesse entrar. - Muito bonito esse seu vestido. Ele é de lã? - Não brinque, Carina. - Não estou brincando. É verdade: adorei o modelo. E o xale que você está usando também é belíssimo. Comprei um muito parecido com esse na última vez que estive no México. E os sapatos, então! Quanta sofisticação! E você me disse que não gostava de salto altos. Mentiroso! - Ela deu uma risadinha cúmplice. - Sente-se ali no sofá, Max. - Muito obrigado. - Ele sentou-se. - Mas acredite em mim, por favor: não é nada do que você está pensando. - E quem disse que eu estou pensando em alguma coisa? Ultimamente resolvi que pensar só atrapalha. - Carina, sei que tudo isso é muito estranho, mas... - Max, sinta-se à vontade. Agora vou até lá na cozinha preparar um chazinho para a gente. - Certo. Um chá vai cair muito bem. Está muito frio lá fora. - Logo estarei de volta. Sozinho na sala, Max tentava pensar rapidamente no quê fazer para que Carina entendesse que vivia uma situação muito delicada, sem que tivesse de lhe dizer abertamente o que estava acontecendo. Não era nada fácil. Se contasse sobre a aposta, ficaria claro que se envolvera de verdade com ela. E se envolver de verdade, para Max Evangelist, significava compromisso e, brevemente, casamento. - E eu não quero me casar. De jeito nenhum! - ele disse baixinho, balançando a cabeça em negativa. Mas como explicar aquela roupa, aquela peruca, os sapatos de saltos altos? - Vai ser impossível... Max inspirou profundamente, na tentativa de relaxar. Instantes depois, ouvia os passos de Carina. - Max, alguma vez você já se sentiu profundamente ferido por algo que alguém tivesse lhe feito? - Carina perguntou, enquanto sentava-se ao lado dele. Em seguida, entregou-lhe uma das xícaras de chá que tinha nas mãos. - Ferido? - É, ferido, machucado. Max tomou um gole do chá e respondeu, meio ausente, como se estivesse longe dali: - Uma vez isso aconteceu, sim. Mas foi há muito tempo. - E o que você fez para superar a dor? - Me protegi. Durante anos e anos me protegi contra tudo e contra todos. Minhas emoções eram minhas e não pertenciam a mais ninguém. - Pelo jeito não foi nada fácil superar essa dor. - Não foi mesmo. - E agora? Conseguiu superá-la, Max? - Ainda não sei dizer. Me sinto muito confuso. Às vezes acho que sim, outras vezes acho que não. Mas estou chegando à conclusão que a única coisa a se fazer é voltar a amar verdadeiramente. E também ser amado, é claro. Acho que essa é a melhor proteção para todas as decepções que a vida nos apresenta. - Isso que você falou é muito bonito, Max. E quem o ajudou, ou o está ajudando a ver o mundo sob esse novo ângulo? - Um anjo. - Um anjo... - Carina levou a caneca aos lábios. - Pelo jeito, os anjos existem mesmo... - Mas Carina, por que você estava tão desesperada ao telefone? - Já passou. Estava vivendo um momento de dúvida e aflição. Me desculpe ter pedido a você que viesse até aqui em plena madrugada. - Você não tem nada do que se desculpar. Afinal, somos amigos. - Ele a fitou intensamente, morrendo de vontade de beijá-la, mas conteve-se. - E você, Carina? Alguma vez já se sentiu mortalmente ferida,? - Já. - Carina, então, contou-lhe tudo o que lhe havia acontecido. E foi muito bom falar. Ao terminar o relato, sentia-se mais leve. - Quer dizer que faz um ano que você se casou? - Exatamente. Um ano. Ontem fez um ano que fui covardemente traída pelo meu marido e pela minha melhor amiga. - E o seu casamento durou quanto tempo? - Apenas seis horas. No dia seguinte eu pedi a anulação. - Fez muito bem. Ele e a sua amiga foram muito inconsequentes. Ainda bem que se livrou daquele cafajeste. Meu Deus, não dá para se confiar mesmo em ninguém. - Max balançava a cabeça em negativa. - E você o amava? - Eu achava que sim. Mas agora sei que não. Race, por exemplo, jamais sairia do seu conforto para me acudir durante a madrugada. Hoje sei que uma relação verdadeira exige comprometimento total. Race, só porque é médico, se acha acima de todos os mortais. Pelo jeito, para ele, tudo é permitido. Carina continuou tecendo considerações sobre o que havia lhe acontecido. E Max, atento, fazia de tudo para não abraçá-la e dizer-lhe o quanto realmente aquela história o comovera. Porém, em um dado momento, não foi capaz de resistir e pediu: - Encoste a cabeça no meu ombro, Carina. - Obrigada. - Com muita tranquilidade, ela atendeu o pedido e disse baixinho. - Na verdade, Max, me senti muito humilhada com tudo o que acon-teceu. E jamais admiti isso. Como consequência, me afastei das pessoas e não consegui mais confiar em ninguém, nem em mim mesma. Só agora estou conse-guindo enxergar o quanto eu sofri. Passei a me considerar um lixo como mulher. - Imagine, Carina, você é uma mulher linda... - Há um ano venho me sentindo inferiorizada como mulher. Às vezes tenho a sensação de que a minha insegurança vai acabar me enlouquecendo. - Carina, você é uma mulher muito sensível. Até que reagiu bem a tudo o que lhe aconteceu. - Você acha mesmo? - Acho, sim. Mas ainda precisa botar para fora emoções que ficaram represadas em seu peito. - Você tem toda razão. Sabe que até hoje eu não consegui chorar? - Não? Pois está aí uma coisa que você precisa fazer: chorar. Chorando, vai colocar para fora todo o veneno que Rance e Jilian fizeram você engolir. - Sabe, Max, sentada aqui com você, não sinto a menor vontade de chorar. O que sinto é uma paz imensa dentro de mim. E quero crescer como ser humano, quero me tornar uma outra pessoa. - Carina, infelizmente, não dá para nos tornarmos uma outra pessoa sem resolvermos as questões que nos amarguram. Você precisa mostrar àqueles dois que superou tudo, que está forte como nunca. - Como? - Ela o fitou e voltou a se recostar nos ombros fortes. - Encontre-se com eles. - Você enlouqueceu, Max? - Convide-os para jantar, por exemplo. - Acho que essa peruca loira afetou-lhe o cérebro, Max Evangelist. Imagina se vou convidar aqueles dois para sentarem-se a minha mesa! - Se fizer isso, vai se sentir melhor como pessoa. Pode acreditar em mim. Carina pensou um pouco e disse: - Tudo bem: eu convido aqueles dois canalhas para um jantar aqui na minha casa. Mas pára que isso aconteça, tenho uma condição. - E qual condição é essa? - Você também participará do jantar. - Não, isso é impossível, Carina. - Por quê? - Porque a Amigos & Amigos tem regras que devemos seguir. Não podemos nos envolver com a vida dos nossos clientes. E eu já violei regras demais. - Mas se você é um dos donos da agência, pode muito bem quebrar as regras por apenas mais uma noite. - Já quebrei regras demais por sua causa, acredite. Por exemplo, eu não deveria estar aqui com você agora. - Não custa quebrá-las mais uma vez - ela insistiu. - Faça isso por mim, Max. - Tudo bem, marque esse jantar. Eu trago o vinho. Só espero ter controle o suficiente para não quebrar a cara daqueles dois safados. - Max se levantou. - Agora preciso voltar para casa. Já é muito tarde. - Certo. Mas espere só um pouquinho. - Carina pegou a bolsa e de dentro dela tirou um batom. Em seguida, se aproximou perigosamente de Max. - O que foi? - ele perguntou, assustado. - Preciso dar uma retocada aqui na sua boca. Você não caprichou quando passou o batom. - Deixe disso, Carina. Está bom assim. - Não seja teimoso. Fique bem quietinho. - Com muito cuidado, Carina passou o batom sobre os lábios de Max. - Pronto. Ficou bem melhor. Agora você pode ir. Bastante constrangido e fazendo de tudo para se equilibrar sobre os saltos com uma certa dignidade, Max se encaminhou para a porta. Quanto ele já estava no corredor, Carina o chamou e disse: - Posso lhe fazer uma pergunta? "Meu Deus, agora ela vai querer saber o porquê de eu estar vestido assim." - Po... Pode... - Quem foi que fez você sofrer, Max? Comovido, ele sorriu e respondeu: - Um dia a gente conversa detalhadamente sobre esse assunto. Combi-nado? - Combinado, meu grande amigo. Carina esperou que Max entrasse no elevador. Depois, fechou a porta e, para seu espanto, sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Lentamente, foi para o quarto, deitou-se e começou a soluçar. Quando o dia clareou, Carina, ainda acordada, tinha o rosto banhado pelas lágrimas e o coração leve, sem nenhuma mágoa. O milagre havia acontecido. E o milagre ela devia ao homem que a tratara com toda a consideração do mundo, ao homem que a havia tratado como um ser muito especial. CAPÍTULO VII Carina, nos dias que se seguiram, se negou a fazer qualquer juízo de valor sobre o homem pelo qual estava perdidamente apaixonada. Para ela agora o importante era amar. Apenas amar. Max, por sua vez, estava fascinado por aquela mulher que quase não fazia perguntas, por aquela mulher que lhe mostrara uma face doce e muito sofrida. O grande dia havia chegado. Carina, usando um vestido vermelho, longo, iria receber Race e Jilian para o jantar. Antes, porém, aguardava a chegada de Max. E ele chegou, muito distinto: calça preta, cashemere cinza-claro e um paletó de lã com listas pretas e cinza, com duas garrafas de vinho francês nas mãos. - Max, você está lindo - ela comentou, ao abrir-lhe a porta, com um imenso sorriso nos lábios. - E você também não está de se jogar fora. - Max beijou-lhe o rosto de leve. - Gostei do vestido. E este eu não conheço. Onde você o comprou? - Dei uma corridinha até uma loja no horário de almoço. - Fez muito bem. Você está magnífica, Carina Mann! - Muito obrigada, senhor. - Ela fez uma reverência. - Trouxe o melhor vinho que encontrei. Carina pegou as garrafas que Max lhe estendia e comentou: - Realmente esses vinhos são bons mesmo. Onde foi que os encontrou? - Numa loja nas proximidades da minha casa. - Que sorte! Você precisa me dar o endereço dessa loja. - Farei isso com o maior prazer. - Os dois foram se sentar no sofá da sala. - Mas me diga: como está se sentindo? - Sobre o quê, especificamente? - Sobre as visitas que logo irá receber. - Quer que eu seja sincera? - E você ainda pergunta? - Max sorriu. - Bem, Max, na verdade estou sentindo uma profunda insegurança. - E daria, para me falar a respeito desta sua insegurança? - Sabe, acho que vai ser impossível para mim encarar os dois. - Por quê? - Bem, depois de tudo o que aconteceu, não tive nenhum relacionamento com ninguém. - Isso o que você acabou de falar é um grande equívoco. Nós dois temos um relacionamento. - Não, eu estou me referindo a um relacionamento de verdade, - Carina, nós temos um relacionamento de verdade - ele afirmou, categoricamente. - Não estou me referindo a relacionamentos platónicos como o nosso. Tenho certeza de que Jilian vai ficar muito feliz ao saber que estou sozinha há um ano. - Mas ela não era sua amiga? - Era. Era, sim. Mas, infelizmente, às vezes ela diz coisas estranhas; Jilian é uma pessoa muito competitiva. - E mesmo sabendo disso você se tornou amiga dessa mulher? - Para você ver... Acontece que Jilian também tem traços de caráter muito louváveis. - Como roubar o marido das amigas, por exemplo. - Bem, não vamos falar a respeito do caráter e da personalidade de Jilian Wild agora. - Ela deu um profundo suspiro. - Você vai precisar de me dar uma ajudazinha, Max. - Não venha me dizer que está pretendo que eu finja que sou seu namorado. - De maneira alguma! - Carina se fez de indignada. - Só estou pretendendo que finja que é meu noivo. -Noivo? - Max se assustou com a sugestão. - Por que não pede para eu fingir que sou seu marido? Se quiser, posso correr e ver se ainda consigo alugar dois ou três bebês. - Não precisa ser tão sarcástico, Max Evangelist. Um simples noivado vai funcionar. - Não! - ele exclamou, convicto. - Por que não? - Definitivamente, não, Carina Mann! Ela o encarou e perguntou: - Mas por que não, Max Evangelist? - Bem... - ele não sabia o que responder. - Não vai dar porque você, por exemplo, não tem um anel de noivado. - E verdade, tem razão. - Ela ficou pensativa. - Mas posso dizer que o anel que você me deu tem um brilhante tão grande que fiquei com medo de guardá-lo em casa e, por isso, o deixei num banco. - Não é uma boa ideia. - Bem, podemos dizer que o anel está na joalheria. Que ele ficou um pouco largo para mim. - Isso é delírio, Carina. Que tal dizermos que somos apenas amigos? - Max, você é um homem tão charmoso... Se eu disser que somos apenas amigos, tenho certeza de que eles logo desconfiarão. - De quê? - Max a fitou espantadíssimo. - Os dois logo vão achar que tem algo de errado comigo. E vão pensar: pobre Carina, ela deve estar com algum problema sexual. - Ela balançou a cabeça em negativa. - E a última coisa que quero, Max, é que sintam pena de mim. Por favor, finja que é meu noivo. Não vai ser um grande esforço, vai? - Bem... - Você não precisa me agarrar, nem precisa me beijar. E só pegar nas minhas mãos de vez em quando, me enlaçar pela cintura... Coisas desse tipo, que demonstrem carinho. Acha que estou lhe pedindo muito? Max, penalizado, olhava para Carina. O que ela estava lhe pedindo era tão pouco, mas... O interfone tocou. - São eles! - Eu atendo o interfone e abro a porta para o casal de pombinhos. Vá para o quarto dar uma escovada no cabelo e retocar a maquiagem. - Você faz isso por mim? - Pode apostar. Vá! Assim que Carina se afastou, ele disse baixinho: - Bem só me resta mesmo me apresentar como noivo de Carina... Max estava surpreso com o jantar servido por Carina, que garantira ter sido ela mesma quem o preparara. - E onde estão pretendendo passar a lua-de-mel? - Jilian perguntou, em um determinado momento. - Bem, Max e eu fomos há pouco tempo para Roma e vivemos momentos fantásticos num hotel localizado na Via Veneto. - Carina lançou um olhar cheio de significado a Max. - Foram momentos fantásticos mesmo... - Talvez a gente volte para Roma - Max disse. - Aquela cidade é muito romântica. - Bem, então vamos fazer um brinde - Jilian propôs. - Um brinde aos noivos mais românticos de Nova York. - Não, eu ainda não estou convencido - Race disse de uma maneira um tanto arrogante. - Do quê você não está convencido, querido? - De que Carina e Max estejam noivos. - Por quê? - Jilian quis saber. - Não sei, apenas intuição. E olha que eu tenho uma intuição que raramente falha. Em nenhum momento eu vi os dois se beijando, portanto... - E você acha que qualquer demonstração mais, digamos... sexual seria a prova de que nós dois estamos noivos? - Carina perguntou. - Não seja ridículo, Race. O amor que sentimos um pelo outro é incomensurável. - Incomensurável e invisível - Race caçoou. - Você jamais vai mudar, Race Dokter. Atrás dessa sua fachada de homem fino, continua sendo o mesmo troglodita de sempre. - Você sempre soube o que sexo significa para mim, Carina - Race sorriu de maneira sedutora. Max, que assitia a tudo calado, viu que precisava tomar uma atitude. Não podia deixar Carina ser desmoralizada ali, na frente de todos. Então, ele a puxou para mais perto de si e disse: - Seu amigo teve uma grande idéia. Estou morrendo de saudade dos seus lábios de mel... - Com muita delicadeza, Max beijou-lhe primeiro a ponta do nariz, depois roçou-lhe os lábios de leve com os dele e, em seguida, a beijou na boca. Carina, pega totalmente surpresa, não sabia se correspondia, ou não. Ela precisa tomar uma decisão rápida. Ela precisava... Os convidados, aos poucos, começaram se sentir incomodados com aquele beijo tão demorado. - Chega, chega, podem parar. Agora eu acredito. Mas nem Carina, nem Max ouviram o pedido de Race e continuaram se beijando. E só se afastaram quando se deram por satisfeitos. - Adoro beijar você, meu anjo... - Max disse, olhando-a fixamente nos olhos. - E eu também adoro beijar você, meu querido - Carina respondeu, num misto de confusão e alegria. - Viu só, Carina? - Jilian perguntou meio sem graça. - Há males que vêm para bem. Você perdeu Race mas, em compensação, conseguiu coisa bem melhor. - O que é isso, Jilian? - Race perguntou com muita raiva. - É brincadeirinha, meu amor... - Jilian apressou-se em dizer. "Só faltava a Jilian resolver começar a se interessar também pelo Max!", Garina pensava preocupada. - Bem, agora eu estou convencido! - Race parecia bastante constrangido. -Vamos brindar aos noivos. Padre Nick De Grasso atendeu o telefonema dizendo: - Fale, Max. - E como você sabe que sou eu? - E quem, das pessoas que eu conheço, têm crise em plena madrugada e coragem de me acordar? Vamos, fale, meu amigo, o que aconteceu agora com aquela mulher que o está deixando totalmente fora de controle? - Vou ter de ir para a cama com ela. - Só aceito confissões ao sábados, Max. Depois das duas da tarde. E elas só podem ser feitas pessoalmente. - Não brinque, Nick. Estou me sentindo em palpos de aranha. Quando a deixei hoje à noite, combinamos que iríamos passar o final de semana numa estação de esqui. Para provar que o que nos une é só amizade, temos de ficar no mesmo chalé. - Ela pediu que você provasse algo? - Não, a história não é bem essa. Mas o que interessa é que, pelo jeito, vamos dividir a mesma cama. - Essa mulher não sente a menor atração por você, Max. Tenho certeza de que não vai correr o menor risco. Pelo que pude entender, de tudo o que você já me contou, ela só quer a sua amizade. Max não gostou nada de ouvir aquilo. Mas o padre Nick De Grasso poderia estar coberto de razão. - Se ela só quer a minha amizade, não sei o que vou fazer da minha vida. - Max, que história mais confusa! O que você realmente sente por essa mulher? - Amor, Nick. Um grande e profundo amor. - Então, se declare a ela. - Não dá. Só posso me declarar a ela depois da quarta-feira. - Esse era o dia em que se encerrava o prazo da aposta com Tony. Antes de quarta-feira Max teria de continuar mantendo um relacionamento platônico com Carina. - E quando você descobriu que a amava? - Hoje. Depois que eu a beijei. - Esta história está mesmo muito confusa. Quer dizer, então, que beijou a moça? - Foi só um beijinho inconseqüente. - É mesmo? - O padre ironizou. - O beijinho foi tão inconseqüente que você acabou descobrindo que a amava... Imagine se fosse um beijo conseqüente! - Não brinque com coisa séria, Nick. O padre deu um profundo suspiro e perguntou: - Às quatro horas da manhã, eu lhe pergunto: Max, você conseguiria me dizer quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete? - Saberia, sim - Max deu uma risadinha. Realmente aquilo não era hora para acordar um amigo, mesmo que o amigo fosse um padre. - Estou esperando, amigão. Vamos, me diga: quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete? - Tantos quantos forem os nossos sonhos, Nick. Boa noite. - Espere, Max! - o padre pediu. - Mas que resposta mais fantástica. Vamos conversar a respeito dela. - Boa noite, Nick. E me desculpe por esse telefonema fora de hora. Carina colocou a mala no corredor e fechou a porta do apartamento. Há dois dias ela só pensava em uma coisa: tinha de contar a Max o que realmente estava acontecendo com o seu coração. Porém, ao chegar no elevador, já tinha mudado de ideia. Não diria nada a Max e a noite, fingiria que estava dormindo e... - Boa tarde - um vizinho a cumprimentou. O elevador havia parado três andares abaixo do dela e Carina nem se dera conta. - Boa tarde, Jack. - Para onde você está indo hoje? Para Tókio, Londres ou Madri? - Para nenhum desses lugares. Hoje estou indo para uma estação de esqui bem perto daqui. - Mas esse também é um excelente passeio. O elevador parou no térreo. Carina se despediu do vizinho e foi se encontrar com. Max, que a esperava junto à entrada do prédio. - Oi, Max - ela o cumprimentou, bastante nervosa. - Oi. Tudo bem com você? - Não, estou me sentindo meio contrariada. Acho que não deveríamos ter aceito o convite de Race e Jilian para irmos até esta estação de esqui. - Se quiser, ainda podemos desistir. - Não - ela se apressou em dizer, mesmo sabendo que estava sendo contraditória. - Agora a gente vai com isso até o fim. Os dois ouviram uma buzina. - Pronto - Max disse. - Eles chegaram. - Vamos? - Fazer o quê? O jeito é encarar as feras. O trajeto de duas horas até à estação de esqui foi realizado sem nenhum tipo de novidade, a não ser a insistência de Jilian de, a todo momento, falar das maravilhas que Race fazia em uma sala de cirurgia. Carina e Max, que fizeram, a viagem sentados de mãos dadas no banco de trás da Mercedez cinza, só em raras ocasiões haviam tecido alguns comentários. Ao chegarem na estação de esqui, cada casal foi para os seu respectivo chalé e ficaram de se encontrar no restaurante em quinze minutos. - A sua amiga é uma grande cabotina, Carina. Depois de terem deixado as malas no chão do quarto, Carina e Max tinha ido para a varanda do chalé apreciar o final do pôr-do-sol. - Você acha? - Meu Deus, já estava cansado de ouvi-la falar sobre cirurgias plásticas. - Jilian mudou muito. Antigamente ela era uma pessoa muito mais calada. - Para mim ela é uma pessoa muito insegura. - Quem? Jilian? Imagine... Ela é uma das mulheres mais seguras que eu conheço. - Acho que você nunca prestou atenção na sua amiga. Uma pessoa segura não precisa falar tanto. A sensação que tenho é de que ela está se defendendo o tempo todo. - Jilian me pareceu muito interessada em você. - Eu notei mesmo. Mas ela não faz o meu tipo. "E quem faz o seu tipo?", Carina teve muita vontade de perguntar. - Por causa daqueles olhares de Jilian, durante a viagem, andei pensando em alguns coisinhas, Carina. - E posso saber quais coisinhas foram essas? - Depois daqueles olhares todos que ela me lançou, cheguei à conclusão que Jilian compete com você o tempo todo. - Será? - Carina duvidou. - Pode acreditar em mim. Ela nunca tentou tirar algum namorado seu antes? - Não, mas,.. - Vamos, continue. - Bem, nós duas nos conhecemos em Roma e lá eu comecei namorar um italiano. Depois de um mês, a Jilian veio me dizer que o Giorgio estava se encontrando com duas outras americanas e que também queria se encontrar com ela. - E isso era verdade? - Giorgio no início negou que fosse verdade, mas depois acabou confirmando que era um grande mulherengo. - Na minha opinião, Jilian compete, sim, com você. Vamos para o restaurante? Só comi um sanduíche na hora do almoço e estou faminto. Durante o jantar, Jilian, mais uma vez, fez questão de continuar sendo o alvo de todas as atenções, não percebendo o quanto sua atitude era ridícula. Race, muito senhor de si, quase não se manifestava. Carina e Max, às vezes, trocavam olhares cúmplices. Após terem terminado o jantar, Jilian quis ir comprar roupas de inverno nas várias lojas existentes na estação de esqui. Cansada, Carina não via a hora de ir para o chalé dormir, embora estivesse com muito medo de ficar lado a lado numa cama de casal com Max. - Bem, agora vamos esquiar um pouco - Jilian sugeriu, quando se deu por satisfeita com as compras. - Esquiar? Agora?- Carina perguntou, espantada. - A noite é uma criança, querida. Depois podemos ir dançar um pouco. Aqui tem uma boate incrível. - Não, Jilian, prefiro ir para o chalé descansar. Hoje eu tive um dia e tanto. - E você, Max, também está querendo ir dormir cedo? - Jilian perguntou, de uma maneira insinuante. - Para lhe dizer a verdade, estava pensando em dar uma passadinha na livraria que vi perto do restaurante. - Viu só, querido - Jilian se dirigia a Race. - Estamos na companhia de um intelectual. - Longe de mim ser um intelectual. Mas gosto bastante de ler. - Max olhou para Carina. - Você vai comigo até à livraria? - Prefiro ir para o chalé. Estou mesmo cansada, querido. - Certo. Logo, logo estou indo para lá. Carina chegou no chalé e, nervosa, abriu a mala de onde retirou uma camisola preta. Em seguida, foi para o banheiro e tomou um banho rápido. Já vestida com a camisola, ela se olhou no espelho e não gostou do que viu. - Não posso usar essa camisola. Ela é provocativa demais. Max, afinal, é só meu amigo. Não quero, não posso e não vou fazer nada para deixá-lo constrangido. - Carina voltou para o quarto e pegou um pijama de flanela na mala. Depois de vesti-lo, ela foi para a cama. Instantes mais trade, Max entrou no quarto e perguntou: - Você já está dormindo? - Não, acabei de me deitar. - Posso acender a luz? - Sinta-se à vontade. Max acendeu a luz, abriu a mala que trouxera, pegou um pijama bordo, e foi para o banheiro. "Meu Deus, me ajude! Estou morrendo de medo do que pode acontecer neste quarto!", Carina pensava aflita. Cinco minutos mais tarde, Max saía do banheiro e deitava-se ao lado de Carina. - Durma bem - ele disse, baixinho. - E se puder, sonhe com os anjos. - Você também, Max. Sonhe com os anjos. "Eu vou sonhar", ele pensou. "Com um anjo ruivo, lindo, de olhos verdes e que eu amo com loucura..." CAPITULO VIII Na semi-escuridão do quarto, deitados de costas, Carina e Max haviam se posicionado o mais longe possível um do outro. "Vou acabar caindo desta cama", ela pensava, tentando se ajeitar melhor. "E não posso ficar me mexendo tanto." - Você está dormindo, Carina? - Estou - ela respondeu, se esforçando para não rir. - E já está sonhando com os anjos? - Acertou. - E eles estão fazendo o quê? - Brincando de roda comigo. Max gostou muito daquela resposta. Uma imagem muito iluminada de Carina brincando de roda com anjos veio-lhe à mente. - E você, Max? - Eu, o quê? - Você também está dormindo? - Estou - ele a imitou. - E também já está sonhando com os anjos? - Acertou - Max voltou a imitá-la. - E o que eles estão fazendo? - Brincando de roda com você. Carina sorriu. Realmente, Max Evangelist era um homem surpreendente. Os dois ficaram alguns segundos em silêncio. - Você está sentindo alguma coisa? - ele perguntou. - Uma vontade imensa de continuar brincando com os anjos. - Pena que eu não possa entrar nesta roda. Mas posso lhe fazer um café. Quer? - Café a esta hora? De maneira alguma. - Se não quer café, poderíamos tomar um vinho. - Não, muito obrigada. - Se é assim - ele deu um profundo suspiro, - continue sonhando com os anjos. - Certamente eu vou continuar. - Boa noite, outra vez. - Boa noite, Max Evangelist. Carina, profundamente ansiosa, fazia de tudo para se manter imóvel na cama. Porém, o amor que sentia por Max parecia que ia fazer o seu peito explodir. Ela, então, começou a se lembrar de tudo o que lhe acontecera no último ano. E se emocionou muito com as imagens que sua memória lhe revelavam. "Não foi nada fácil... E hoje estou amando um homem que não me quer. Quando será, meu Deus, que vou conseguir ser realmente feliz?" Lágrimas começaram a rolar-lhe pelo rosto. "E agora, mais essa! Antes eu era incapaz de chorar e, de repente, não consigo conter as lágrimas..." No seu lado da cama, Max pensava na possibilidade de se declarar à Carina. Afinal, quarta-feira estava chegando e os dois poderiam manter o relacionamento em segredo. "Depois... bem, depois...", Max se assustou com o que lhe passava pela mente. "Casamento? Como eu posso pensar em uma coisa dessa? Casamento é para dois seres apaixonados. E, pelo jeito, Carina Mann só me vê mesmo como a um amigo. Se, por exemplo, ela quisesse se insinuar para mim, não estaria dormindo comum pijama de flanela e sim com uma camisola bem sexy. Mas essa mulher é sexy de qualquer jeito. Mesmo se estivesse usando um hábito, inteirinho negro, Carina Mann continuaria sendo a mulher mais sexy que conheci em toda a minha vida!" Max continuou pensando na situação que vivia. Depois, cansado, adormeceu. Porém, acordou assustado alguns minutos depois e resolveu se levantar. Pelo lado errado da cama. - Me desculpe, Carina, eu... - Não tem importância - ela disse baixinho. - Você está chorando? - Não - ela fungou, - acho que me resfriei. - O que é isso, Carina? Por que mentir para mim? E claro que você está chorando. Ainda bem que você agora é uma mulher que consegue chorar. Eu também, ultimamente, tenho sentido vontade de chorar. - Max acariciou-lhe de leve a cabeça. - Mas me diga, meu anjo, por que está chorando? - Eu não posso dizer. - Pode, pode, sim. Sou o seu melhor amigo, será que se esqueceu? - Não me esqueci, não. - Ela agora soluçava. - Mas você não gosta de mim. - E claro que eu gosto de você. - Max a abraçou com carinho. - Você gosta de mim apenas como amiga. - Não é nada disso, Carina. - Não? - Ela ficou imóvel, como se suspensa no ar. Será que havia entendido direito?- Não mesmo? - Não mesmo. E é exatamente sobre isso que venho querendo falar com você há algum tempo, sem saber como. E chegou o momento. Mas quero que ouça sem me interromper. - E se eu quiser interrompê-lo? - Ele riu. - Às vezes você mais parece uma criancinha, sabia? - Não. - Agora ouça: outro dia você me disse que eu não tinha a dimensão exata do que havia feito por você. Acontece, que você também não faz ideia do que fez por mim. Você mudou algo dentro de mim, algo extremadamente mal resolvido. Você, Carina Mann, mudou completamente a maneira com que sempre me relacionei com as mulheres. - Completamente? - Completamente, Carina. Você fez de mim um novo homem. - Eu fiz de você um novo homem? - Na verdade você fez muito mais do que isso. Eu vejo agora que era um homem pela metade, um homem profundamente infeliz com a minha vida. Só que eu não sabia disso. Agora me sinto diferente, muito diferente. - Isso é bom? - Muito bom. E quero provar-lhe com o meu corpo o quanto você fez de mim um novo homem. - Provar com o seu corpo? - Quero fazer amor com você, meu anjo. Carina, bastante espantada com o que acabara de ouvir, resolveu que precisava lhe dizer o que estava lhe passando pela cabeça: - Acho que você está confundindo gratidão com amor, Max. - Não é nada disso, querida. - Estou confusa, muito confusa. - Por quê? - Não acho que alguém, de uma hora para outra, possa mudar tão drasticamente. E se isso aconteceu mesmo, não acho prudente apressarmos as coisas. - Não estou entendendo você. Não quer que sejamos mais do que amigos? - Quero, quero muito que sejamos mais do que amigos. Quero tanto que às vezes sinto que vou enlouquecer. - Então, qual é o problema? - Só quero que você também esteja bem certo do que sente por mim. - Nunca, em toda a minha vida, tive tanta certeza sobre algo, como tenho pelo amor que sinto por você. "Meu Deus, ele está dizendo que me ama. Mas será verdade? Max pode estar confundindo tudo..." - Por que ficou calada. Em quê está pensando? - Você me faria um favor? - Pode pedir qualquer coisa, meu anjo. - Ele beijou-lhe a testa. -O que você quer? - Café. - O quê? - Gostaria de tomar um pouco de café. - Tem certeza? - Absoluta. - Se é assim - ele se levantou, - vou preparar um café para você. Max saiu do quarto e foi para a cozinha. Carina, rapidamente, pegou a bolsa de onde retirou a agenda e ligou para a casa de Júlia Barret Brown. A psiquiatra se assustou com aquele telefonema e quis saber: - O que está acontecendo, Carina? - Não tenho muito tempo, mas ele está querendo fazer amor comigo. - Quem? - Max. - E quem é Max? - Aquele meu amigo da agência. - Não me diga que está se referindo a Max Evangelist, Carina. - Mas é claro que estou. - Quer dizer, então, que o seu amigo é o Max? - Júlia, você estava dormindo? - Não, eu estava lendo. - Me desculpe, mas você parece que não prestou atenção em nenhum palavra que eu lhe disse lá no seu consultório. - Carina, você nunca havia me dito o nome do seu amigo. Sempre que o mencionava, dizia sempre ele. - Pois é... Agora, Max quer fazer amor comigo. Como você sabe, ele é gay, mas acabou de me dizer que fiz com que mudasse completamente. - Ele mudou a estratégia isso, sim. - Não entendi... - Max Evangelist não é gay coisíssima nenhuma! - Mas eu estava com ele quando brigou com Mike Preston. - Acho que você inverteu a ordem das coisas. Você deve ter visto Mike Preston brigando com Mike. O homem até hoje não o perdoa por causa do rompimento do casamento. - Rompimento do casamento? - A mulher do Mike deixou-o e até hoje ele culpa Max por causa disso. - Mas eu também o ouvi conversando com Mike ao telefone. Ele dizia que o amava. - Esse é outro Mike, Carina. - Outro Mike? - Carina nunca se sentira tão confusa na vida. - Esse Mike que você está se referindo agora deve ser o sobrinho dele. Max o adora. - A psiquiatra riu. - Imagine, Max Evangelist gay... Nunca ouvi nada mais absurdo em toda a minha vida. - Como pode ter tanta certeza que ele não é gay? - Conheço Mike há muito anos, Carina. E, antes de me casar, tive um caso com ele. - Você... - Exatamente. Sou uma mulher como outra qualquer, afinal. - Claro, claro... Bem, me desculpe por ligar a essa hora. - Não se sinta culpada. Se tivesse mencionado quem era o seu novo amigo, muita confusão poderia ter sido evitada. - Com toda certeza. Carina despediu-se da psiquiatra e desligou o telefone. - Quer dizer, então que ele mudou de estratégia... Mas a gente não pode confiar em ninguém mesmo! - Carina, rapidamente trocou de roupa e arrumou a mala. Quando Max entrou no quarto com uma bandeja nas mãos, ela estava transtornada. - O que está acontecendo? - Você é um ser ignóbil, Max Evangelist. - Calma, meu anjo. Muito calma. Beba o seu café. - Beba você o café. Eu vou embora daqui. E sozinha! - Carina, o que foi que aconteceu? - Você é um grande cafajeste, Max Evangelist. O maior que eu conheci em toda a minha vida. E eu vou processá-lo por abuso de confiança. Max colocou a bandeja sobre uma mesinha e se aproximou de Carina. - Você me deve uma explicação. - Eu? - Ela riu de maneira histérica. - Eu lhe devo uma explicação? Você não é gay! - O quê? - Max perguntou; espantado. - Mas é claro que eu não sou gay. De onde tirou essa ideia? - Você armou tudo direitinho para me enganar. E eu? imbecil, acreditei. Você não passa de um mulherengo, Max Evangelist. E não tinha o menor direito de me iludir. Se eu procurei a Amigos & Amigos foi porque precisava de um relacionamento verdadeiro. E você, mesmo sendo um dos donos da agência, traiu a minha confiança só para poder me levar para a cama. - Tudo o que eu menos queria era levá-la para a cama. - Mentiroso! Você armou tudo. E aqui estamos nós: nesta estação de esqui, que é o lugar mais romântico da região. - Carina, você está confusa, não está dizendo coisa com coisa. Essa viagem até aqui simplesmente aconteceu. E não fui eu quem teve a ideia de vir para cá. - Conheço homens da sua espécie, Max Evangelist. E se quer saber: você é muito pior do que aquele imbecil do Race. - Não admito que fale isso de mim. - Falo como que bem entender. Sou dona da minha boca! - Carina, por favor, vamos nos sentar e conversar. Temos muito o que dizer um ao outro. - Acontece, seu dom-juan, que eu não tenho absolutamente nada para lhe dizer. Nem agora, nem nunca! - Carina pegou a mala e saiu do chalé. Max, atarantado, correu até o banheiro para trocar de roupa. Quando conseguiu sair do chalé, não viu mais nem sombra da mulher pela qual se apaixonara perdidamente. Carina, assim que chegou na recepção da estação de esqui, pegou um táxi e pediu que o motorista a levasse para a rodoviária mais próxima onde, por sorte, conseguiu pegar um ônibus que estava saindo para Nova York. Lá chegando, ao amanhecer, ela foi para um hotel. Queria ficar sozinha, num local onde ninguém a encontrasse. E jamais, sob hipótese alguma, queria ouvir falar num homem chamado Max Evangelist. E também aproveitaria a solidão para rezar muito e exorcizar de vez da sua vida a maldição de Morgana. Na segunda-feira, no escritório da Amigos & Amigos, Max estava inconsolável. Desde que chegara da estação de esqui, havia movido céu e terra para encontrar Carina. Tudo em vão. Carina havia desaparecido. O zelador do edifício onde ela morava dissera que não a via desde sexta-feira. O telefone tocou. Max imediatamente atendeu a chamada. - Estou procurando o sr. Max Evangelist - uma mulher, com um forte sotaque alemão disse, do outro lado da linha. - E ele mesmo quem está falando. - O sr. é Max Evangelist? - Sou eu, sim. - Pois muito bem, aqui é do hospital... - Hospital, mas o que está acontecendo? - Max interrompeu a mulher. - Estamos aqui com uma moça, o nome dela é Carina Mann... - Carina? Carina está aí? Mas qual é o nome do hospital? - Max já estava de pé. - Não acabei de falar. Espere um pouco. A moça está sem a carteirinha do plano de saúde e nós encontramos o seu cartão na bolsa dela. - Pode fazer o que for necessário. Eu pago tudo. Eu cubro qualquer despesa. Me diga, por favor, qual é o nome do hospital? A porta do escritório se abriu. Mas a aflição de Max era tanta que ele nem percebeu. - Aqui é do Hospital dos Apaixonados e... Só então Max se deu conta que a alemã com quem falava estava bem diante de si. Muito abalado e com muita raiva, ele gritou: - Cretino! Tony Dario se assustou com a reação do cunhado. - Cretino! Como pôde fazer uma coisa dessa? - Max gritava. - Foi só uma brincadeirinha, Max. Não sabia que um pequeno trote fosse deixá-lo assim tão desesperado. - Um pequeno trote? Não se brinca com coisas sérias, Tony. - Quer dizer, então, que você a ama... - Se eu a amo? Eu adoro aquela mulher. Carina é tudo o que eu sempre quis na vida. - Meu Deus, quanta mudança! - Eu mudei. Mudei, sim. E vou me casar com ela. Vou me casar e ter tantos filhos quanto ela quiser.. - E assim que se fala, Max Evangelist. - Tony sorriu satisfeito. - Sabia, eu sabia que um dia ia ver um coração no lugar da pedra de gelo que você sempre manteve dentro do peito. Parabéns, cunhado! - Parabéns? Sobre o quê você está falando? - Sobre o noivado, é claro. - Não existe noivado nenhum. - Como não existe? O homem que coloquei para segui-lo me disse que você está noivo. - Olha aqui, Tony Dario - Max voltou a se sentar, - admito que perdi a aposta. E, por favor, pare de brincar comigo. - Me desculpe, Max, se soubesse que estava tão envolvido com a moça, não teria lhe passado o trote. Sabe que sou meio inconseqüente mas não sou irresponsável. Me desculpe. - Tudo bem, está desculpado. E você tinha toda razão do mundo. No tipo de serviço que prestamos, não dá para não se envolver com os clientes. - Mas você foi longe demais neste seu envolvimento. - Não, eu não fui longe demais. - Max, você acabou de me falar que quer se casar com ela. - E quero mesmo. - E ela não quer se casar com você? - A história é muito longa, Tony. - Pois eu faço questão de ouvi-la. Max, então, contou tudo ao cunhado, que o ouviu com extremo respeito e atenção. - Sua situação está muito difícil, Max. - A situação está bem mais difícil do que você possa imaginar. Como vou provar a Carina que a amo? Ela não acredita em mim. - Bem, mais cedo ou mais tarde isso tudo vai se resolver. E caso Carina não queira saber de você, tenho certeza de que vai encontrar uma outra mulher que... - Nem me fale um absurdo desse tipo. Tem de ser Carina! - Olha Max, você está muito nervoso. Saia, dê uma volta, relaxe um pouco. - E como acha que posso relaxar? Perdi a mulher que eu amo e perdi a agência. - Quanto à agência, quero que saiba que você não a perdeu. Nunca pensei em desfazer a nossa sociedade. Mas queria que soubesse, que entendesse, que somos seres humanos e que, por isso, temos de agir como tal. Você precisava perceber que, de uma maneira ou de outra, sempre nos envolvemos com os nossos clientes. - Não é justo. A Amigos & Amigos agora é sua. - Não, meu cunhado. A agência vai continuar sendo nossa. EPÍLOGO Max resolveu seguir os conselhos do cunhado e saiu para caminhar. De repente, ao longe, avistou uma ruiva. - Carina! - Ele correu e se aproximou da moça. - Posso ajudá-lo em alguma coisa, senhor? - a ruiva perguntou, de maneira educada. - Me desculpe. Eu... eu a confundi com uma outra pessoa. Trémulo, Max se aproximou de um telefone público e discou o número do escritório de Carina. A secretária, ao reconhecer-lhe a voz, disse: - Agora a srta. Mann chegou, sim. E lhe transmiti todos os recados que o senhor lhe deixou. - E ela? - Max perguntou, aflito. - A srta. Mann me pediu para lhe dizer, caso lhe telefonasse de novo, que nunca mais quer vê-lo na vida. E também pediu que não viesse até aqui. Todos os seguranças já foram avisados de que o senhor não pode entrar na empresa. - Os seguranças... - Exatamente. - Muito obrigado pela sua atenção. - Max desligou o telefone e resolveu procurar o grande amigo, padre Nick De Grasso. - Mas que cara, homem, parece que não dorme há dois dias. - Três. - Três? Três, o quê? - Três dias, Nick. Eu não durmo há três dias. Tentei falar com você antes, mas me informaram que você tinha viajado. - Fui a um congresso em Miami. Mas me diga: por que não dorme há três dias? - Estou desesperadamente apaixonado. - Só espero que continue sendo por aquela moça. - Mas é claro que sim. Não sou volúvel, Nick. E quero me casar com ela. - Graças, Senhor! - O padre ergueu as mãos para o céu. - Minhas preces foram ouvidas. - Estou me sentindo um outro homem, Nick. Depois do que a minha mãe fez com o meu pai, passei a não acreditar nas mulheres e principalmente no casamento. - Max deu um longo suspiro. - Primeiro a minha mãe fugiu com outro homem deixando a mim, o meu pai e a minha irmã inconsoláveis. Aí, um mês depois, ela morreu num acidente. - E uma semana após a morte da sua mãe, seu pai teve um infarto fulminante... Não foi nada fácil. Nem para você, nem para a sua irmã. - É verdade... E agora, que me sinto um novo homem, reconciliado com as minhas emoções mais profundas, Carina não quer nem ouvir falar sobre mim. - Carina? Qual é o sobrenome dessa moça? - Mann. - Quer dizer, então, que você se apaixonou por Carina Mann... - Você a conhece? - Mas é claro que sim. - E por que nunca me disse nada? - Simplesmente porque não sabia quem era a mulher com quem estava saindo. - Você tem tempo, Nick? - Hoje é segunda-feira e tenho todo o tempo do mundo. - Então, vou lhe contar com detalhes, tudo o que aconteceu. - Sou todo ouvidos, amigão. Quinze minutos mais tarde, Max dizia: - Bem, isso é tudo. - Posso imaginar o quanto Carina deve estar sofrendo. Duas decepções desse tamanho em um ano... É demais para uma mulher tão sensível quanto ela. - Mas como é que você a conhece tanto assim? - Fui eu quem celebrei o casamento dela com aquele cirurgião plástico. Depois, acompanhei todo o processo de anulação. - O que acha que eu posso fazer, Nick? - O amor é o sentimento mais sagrado que existe no mundo. Lute pelo seu amor, Max. Não desista. Faça de tudo para que ela acredite em você. Naquela semana e na outra que se seguiu, todos os dias antes de sair para o trabalho, Carina recebia um buque de rosas vermelhas. E, invariavelmente, chorava desconsolada. Mas, desde que deixara o hotel em que se hospedara, nunca mais lhe passara pela cabeça que a sua vida estivesse fatalmente ligada à maldição que um dia, supostamente, tinha sido lançada sobre a sua família. Muito pelo contrário, Carina agora acreditava que o destino só dependia dela. Um dia as rosas não chegaram. Apreensiva, temeu que algo de grave tivesse acontecido com Max. Sem hesitar, pegou o telefone e ligou para a casa dele. Ninguém atendeu. Nem a secretária eletrônica. - Meu Deus, e se ele morreu? - No instante em que ia pegar a bolsa para sair, o interfone tocou. - As rosas! Que alívio! Elas chegaram! - Sorrindo, Carina atendeu o interfone. - Encomenda para a srta. Mann - uma voz masculina disse. - Um momentinho, por favor. - Ela acionou o botão que abria a porta do prédio. Logo depois, era a porta da sala que Carina abria. - A senhorita é Carina Mann? - Sou eu mesma. - Encomenda para a senhorita. - O rapaz, ao invés de rosas, entregou-lhe um pequeno embrulho. Carina deu uma gorjeta para o rapaz e, depois de fechar a porta, sentou-se numa poltrona. Ao abrir a encomenda, se deparou com uma caixinha de veludo em cujo interior, encontrou um alfinete de ouro e um pequeno bilhete que dizia: "Nem anjos, nem sonhos. Hoje eu me sinto vazio. Não sou nada sem você. Max" Chorando, Carina colocou a caixinha dentro da bolsa. Iria atrás de Max lá na agência. Os dois precisavam ter uma conversa muito séria. Porém, quando ela abriu a porta, braços fortes a agarraram. - Eu te amo, Carina. Diga que quer se casar comigo. - Max, eu... - Diga que quer que se casar comigo - ele insistiu. - E se eu não disser? - Carina deu uma risadinha. - Se não disser, vou raptá-la e levá-la para o inferno. - Para o inferno? Mas lá é muito quente, Max Evangelist. Preferia que me raptasse e me levasse para um lugar um pouco mais frio. Assim, poderia dormir bem abraçadinha com você. - Não brinque, Carina. Diga que vai se casar comigo. - Eu vou me casar com você, Max Evangelist. - Maravilhoso! - Ele tirou um anel de brilhante do bolso e colocou-lhe no dedo. - Pronto. Agora estamos noivos de verdade. - Você é totalmente maluco. - Bem mais do que você pode imaginar. - Max a beijou apaixonadamente. - Mas que beijo, Max Evangelist... - ela disse meio tonta. - Pelo jeito andamos perdendo muito tempo. - Mas agora nós vamos recuperar o tempo perdido. Depois, vamos marcar o dia do nosso casamento. De hoje em diante pode se considerar a sra. Evangelist. - Ele a puxou para dentro do apartamento e fechou a porta. VALERIE PARV começou a escrever esta história depois que ouviu dois dias de soluços de uma amiga por ter perdido o namorado para outra. Para Valerie, o acontecimento não deveria ser visto como tragédia, pois se ele foi embora, era porque não valia a pena; sua amiga merecia pessoa melhor. Ela só não esperava que o novo amor da heroína fosse tão charmoso... e a história se desenrolasse de maneira tão cômica! FIM