A Noiva Raptada (Nine-to-five bride) Trisha David Resumo: Arrebatada do altar! A noiva tinha tudo a ganhar com o casamento. O noivo herdaria uma fortuna se se casasse antes de seu trigésimo aniversário. Então, por quê, no dia da cerimônia, o fotógrafo raptou a noiva? Manter Bethany presa durante duas semanas, até o aniversário de Peter, o noivo, seria suficiente. Assim, Bruce fingiu ser o fotógrafo, e foi fácil raptar a noiva. Só não imaginava que Bethany roubaria seu coração! Título: A noiva Raptada Autor: Trisha David Título original: Borrowed one bride Dados da Edição: Editora Nova Cultural Edição original: Gênero: Romance Contemporâneo Sabrina Coleção Noivas nº 86 123 páginas Digitalização e correção: Estado da Obra: Capa e Diagramação: Renata Almeida CAPITULO I — Deus do céu, Bethany, você deveria ver o fotógrafo! Parece um caubói, e é lindo de morrer! — Geórgia Gallagher, de catorze anos de idade, apareceu na porta e parou, estupefata, diante de Bethany, esquecendo-se por completo do fotógrafo. — Você está maravilhosa! — Estou? — Bethany se olhou no espelho, admirada. Sofrera uma grande transformação, sem dúvida. Bem, se Geórgia a achara fabulosa, então fizera um bom trabalho. Era a noiva que Peter queria. Cumprira sua parte no negócio, e o único problema era... — Sinto-me tão tola, Geórgia! Pareço uma boneca, com todos esses babados e essas saias fofas. — Nada disso, Bethany. Bem, talvez fique melhor de jeans, mas não seria o caso hoje, não é? Bethany sorriu, confiando na sinceridade da garota, que se aproximou, deu um forte abraço na prima e se afastou, para admirá-la a distância. — Bethany, senti saudade de você. — Eu também, querida. — Mas não o suficiente para uma visita, não é? — Você sabe que não tenho condições de vir à cidade com frequência, Geórgia. A menina franziu o cenho, foi até a janela do hotel e olhou para fora. Uma balsa saía do terminal e movia-se devagar, deixando um rastro esbranquiçado nas águas tranquilas da baía de Sydney. — Bethany, mamãe sempre disse que você não vinhapara casa porque não suporta Hilda e Peter. E mamãe esta certa. Peter pode ser nosso primo mas você sabe que ele é um cretino. Por quê, santo Deus está se casando com ele se tenho certeza de que pensa como eu? — Geórgia... — Bem, mamãe também diz que você tem idade suficiente para saber o que faz, mas... Não consigo entender. Peter é bom de cama ou alguma coisa desse tipo? — Geórgia! A garota ficou vermelha, parou de falar e piscou ao ouvir a voz da tia, vinda da sala de visitas. Hilda era irmã da mãe de Geórgia e da mãe de Bethany. Os pais de Bethany haviam morrido em um acidente de carro, e ela fora criada por Hilda. — Bethany! — Não havia como ignorar aquela voz autoritária. — Ah, tinha esquecido, Bethany! — Geórgia suspirou. — A terrível Hilda me incumbiu de dizer-lhe que o fotógrafo está esperando. Vale a pena dar uma olhadinha nele. E melhor que Peter. Venha ver, Bethany. Olhe! Bethany deu de ombros. A tia podia esperar um pouco. Além disso, Geórgia começara a apreciar o sexo oposto, e seus comentários faziam-na rir. E se havia alguma coisa que Bethany precisava nesse dia era rir. O rapaz em questão estava curvado sobre a bagagem, no porta-malas de uma Mercedes estacionada no jardim do hotel, e tudo o que Bethany pôde ver foram pernas longas e muito, muito másculas. Vestia calça de algodão, camisa de mangas curtas e um chapéu de abas largas. Quem seria aquele homem? — Geórgia, temos de ir. Mas Geórgia segurou a mão de Bethany. — Não. Espere e veja. Bethany, ele é algo mais! Olhe agora que o moço vai se virar. Então, Bethany viu o homem se erguer, se virar e, apesar da preocupação com a hora do casamento que se aproximava, sua atenção foi despertada. Com certeza não era alguém da cidade. O rapaz teria mais ou menos trinta anos, Bethany calculou. A cor da pele era de alguém que passará a vida ao ar livre, e os músculos fortes mostravam que devia se dedicar a muita atividade física. Geórgia olhava para o jovem, enlevada, e Bethany pôde perceber que estava atraída pelo desconhecido, cujos cabelos castanhos e olhos da mesma cor tornavam-no muito atraente. O rosto era de traços marcantes e... muito diferente de Peter. Sorria para alguém fora da visão das duas moças, e Bethany teve de concordar que a admiração da prima tinha fundamento. — Que homem! — Geórgia exclamou num sussurro, enquanto a prima a forçava a se afastar da janela. — Bethany, você tem de concordar... — Você deve estar brincando. — Bethany sorriu, voltando à realidade. — Serei uma mulher casada dentro de uma hora, e quer que eu fique aqui admirando um desconhecido e diga que ele é o máximo? — Aquele moço é muitíssimo melhor que Peter. Casar-se não a impedirá de admirar o que é belo. Mamãe sempre diz que não importa onde uma pessoa casada tem seu apetite despertado, desde que se alimente apenas em casa. Pelo menos foi o que me falou quando encontrei uma Playboy na caixa de ferramentas de papai. Mas é claro que ela não fala isso para ele. — Sua mãe é terrível! — Bethany falou, sorrindo. — E é minha tia favorita. — Grande escolha! Você só tem mamãe e tia Hilda. Minha mãe sempre diz que teria gostado muito de criá-la quando sua mãe morreu. Deve ter sido terrível viver com Hilda e Peter... — Geórgia! A jovem mordeu o lábio. — Acho que você vai viver com Peter para sempre, e não consigo entender por quê. — Deu um último olhar para o jardim do hotel e desviou toda sua atenção para a noiva. — Apenas gostaria de saber por que você está fazendo isso, Bethany. Mamãe diz que deve haver razões e que não deveríamos perguntar, no entanto... Você não está grávida, está? — É claro que não. — Bethany riu e apertou o braço da prima. — Não seja boba. Geórgia se afastou um pouco e encarou a prima, como que para se certificar da verdade por si própria, e pareceu satisfeita. A cintura de Bethany era tão fina e a barriga tão plana que não poderia abrigar um bebé. Então o olhar de Geórgia subiu, e ela arregalou os olhos. — Bethany... — Sim? — A renda de seu vestido! Ele... ele... — Ele o quê? — Bethany perguntou com inocência, virando-se para pegar uma delicada bolsinha de veludo que pretendia carregar. — A renda do corpete se ergueu. Sozinha! — A adolescente deu a volta para olhar a prima no fundo dos olhos. — Bethany, você não... — Fale, Geórgia! — Você não mudou nada! Está escondendo o bebé aí embaixo! E isso? Bethany suspirou. Devia saber que não conseguiria enganar a prima. Os pais de Geórgia e Hilda moravam a apenas dois quarteirões de distância, e, quando Bethany saíra de casa, aos dezessete anos, Geórgia era ainda bem nova, mas sempre fora como a sombra de Bethany, a quem adorava e conhecia bem. — É um minúsculo gambá, Geórgia. Nasceu dois dias antes de a mãe dele ser atropelada. Nos primeiros dias, só teria chance de sobreviver se ficasse em contato com o calor e o movimento do corpo, como se estivesse na própria bolsa marsupial da mãe. A garota que estava tomando conta de meus animais não quis carregá-lo, então tive de trazê-lo eu mesma. — Mas seu vestido esconde o animalzinho com perfeição. —Geórgia não conseguia conter a surpresa. — Que sorte seu vestido ter renda! — Não tinha até a noite passada. — Bethany sorriu. — Eu me fingi de noiva recatada e disse à costureira que a roupa estava reveladora e provocante, e ela passou horas reformando-o, pobre mulher. Não ouse contar a ninguém, Geórgia. — Peter sabe que vai levar um filhote de gambá na lua-de-mel? Oh, céus, ele vai ter um ataque! E se o bebé precisar se alimentar durante a cerimónia? Dirá a todos que conversem um pouco enquanto o tira do meio de seus seios? — Geórgia! — Você é louca! — Enlaçou a prima pelo braço e a levou em direção à porta. — Sempre foi, e eu a adoro por isso. Mas continuo não entendendo por que vai se casar com o horrível Peter! Parecia que o mundo todo esperava pela noiva. A maior parte dos convidados era de amigos de Hilda, pensou Bethany, enquanto se submetia aos olhares observadores de todos. E haveria muito mais na igreja. Peter queria uma linda e grande cerimónia de casamento. "Quero o melhor", ele exigira. "A maior igreja e a mais bela recepção. O fotógrafo mais renomado e o salão mais bem decorado. Desejo que nosso casamento apareça nas páginas sociais. Vamos nos casar em grande estilo, Bethany, ou nada feito.” "Nada feito pareceria bem apropriado neste momento", pensou Bethany, desolada, mas negócio era negócio, e dera a palavra a Peter. — O fotógrafo está esperando no vestíbulo! — Hilda avisou, quando Bethany apareceu, vinda do closet. Bethany pôde ver pelo rosto da tia que ela estava em um de seus piores dias de mau humor. Hilda ficara horrorizada quando Peter anunciara que iria se casar com a prima, e mal conversara com Bethany durante o curto período do noivado. — O fotógrafo é um substituto, Bethany. Não sei o que Peter vai dizer quando descobrir. O profissional que seu primo contratou está doente, então veio esse sujeito... Chama-se Bruce Hallam, e nunca ouvi falar dele. Nem ao menos está vestido de maneira apropriada para uma cerimónia dessa natureza! — Hoje em dia eles não usam esse tipo de roupa — Geórgia respondeu, por trás de Bethany. — Apenas fotógrafos suburbanos costumam se vestir com trajes sociais. Os melhores fotógrafos são mais despojados. E esse me pareceu muito bem... — Olhou para a tia, desafiadora, e se afastou para ir ao encontro da mãe. — Quem perguntou alguma coisa a você, Geórgia? — Hilda retrucou, mas Bethany percebeu que as palavras da garota haviam causado algum impacto. — Bem, o homem quer tirar algumas fotos suas perto da baía. Mas tem de se apressar. Precisa estar na igreja em trinta minutos, e não vai querer deixar Peter esperando. Quer que eu vá com você? — Não, obrigada, tia. Posso fazer isso sozinha. Sempre o fizera. O que mais seria novo para ela? O fotógrafo esperava no vestíbulo, como Hilda lhe falara. Bruce Hallam estava em um sofá, recostado numa pilha de almofadas, e cumprimentou a noiva com um sorriso enquanto se levantava. — Bethany? — Caminhou ao encontro dela, estendendo-lhe a mão. "Esse homem poderia ser usado para transmitir confiança a noivas nervosas", concluiu Bethany ao fitar os penetrantes olhos castanhos de Bruce Hallam. E aquele olhar a cativou. — Sou Bruce Hallam. Prazer em conhecê-la, Bethany. Está pronta para passar uns minutos tirando fotos? — Sim. — Não há damas de honra? — Não. — Bem, isso torna meu trabalho muito mais fácil. — Sorriu e apontou para a Mercedes estacionada no jardim. — Eu a levarei até a baía, Bethany. Seu noivo exige o melhor, e retratos com cenário natural são minha especialidade. Estaremos de volta a tempo de você refazer a maquilagem antes de ir para a igreja. Bethany levou a mão ao peito, tentando conter as batidas do coração. Não era o animalzinho que precisava de segurança naquele momento. Era Bethany Lister. — Está bem. Em dois minutos, Bruce acomodou Bethany no banco traseiro do carro e dirigiu na direção oposta de onde se realizaria a cerimónia. Bruce Hallam dirigia com tranquilidade, passando pela longa fila de carros estacionados em frente ao hotel, em direção da baía, e olhava para a noiva pelo retrovisor. — Tudo bem aí atrás? — Apenas me sinto tola — Bethany balbuciou, enquanto ajeitava as saias de cetim e renda a seu redor. — Você precisaria de damas de honra para lhe fazer companhia. Mas não se preocupe. Está muito bonita. — Seus olhos tornaram a fitá-la e revelaram a Bethany que essas palavras não eram apenas um simples cumprimento. — Seremos rápidos, não se preocupe. Você se sentiria melhor se tivéssemos trazido sua tia conosco? — Não! — respondeu depressa, surpreendendo-se com a própria voz. — Não se dá bem com sua tia? — Não muito. — Mas ela vai se tornar sua sogra. — Bruce Hallam sorria, compensando as palavras impertinentes com uma expressão de pesar. — Isso significa que há o pesadelo de um triângulo amoroso se aproximando? "Significaria se esse casamento fosse real." Bethany tentava imaginar Hilda como sogra. Que Deus a ajudasse se fosse o caso. — Darei um jeito nisso, no momento oportuno, Bruce. — Tenho certeza de que dará. Você e seu noivo são primos, então? — Certo. — Sempre foram muito unidos? "Que homem curioso!” — Sim --Não poderia responder mais nada. — Sua tia parece ter tomado a frente de todos os detalhes para o dia de hoje... Seus pais não aprovam o casamento? — Eles estão mortos. Passei a viver com Hilda e Peter desde que era criança até ir para a faculdade. — Então não vive mais com eles? — Não. Era apenas uma conversação que intencionava, por parte do fotógrafo, fazer Bethany relaxar um pouco. Por que então sentia-se como se estivesse sendo interrogada? — Onde você mora, Bethany? — Vou morar com Peter quando nos casarmos. — A sensação de que estava sozinha andando num campo minado a estava aterrorizando. — Então não vão morar com sua sogra? — Não! — O pensamento era tão terrível quanto a ideia de estar casada com Peter. — Ela é uma mulher de forte personalidade. — Sim... Respostas monossilábicas eram mais seguras. Os olhos de Bruce eram perscrutadores demais. Bethany pôs a mão no pequeno saco de couro, mas o bichinho estava quieto. "Tomara que durma por muito tempo." Se Geórgia pudera perceber o tecido mexer sozinho, Bruce também poderia. O silêncio parecia quase um mau agouro. Bethany olhou para a nuca do fotógrafo. Sentiu alguma coisa que não conseguia identificar, e mais uma vez a palavra "perigoso" surgiu em sua mente. Estava sendo tola. Nervos de uma noiva prestes a subir no altar. — Parece difícil e cansativo ser fotógrafo — Bethany conseguiu falar para quebrar o silêncio constrangedor, enquanto percorriam o breve caminho até a baía. Bruce meneou a cabeça. — Nem tanto. Mas não pense nisso, Bethany. Hoje é o seu dia. Você só terá essa chance de tirar fotografias vestida de noiva. Quer dizer, se pretende ficar casada para sempre. — Que tipo de fotos você pretende tirar? — Bethany perguntou, ignorando o comentário dele. — Fotografias no barco. — Barco... — Um amigo deixa que eu use seu iate para tirar retratos de casamento. É um ótimo cenário. — Achou graça ao ver o olhar espantado de Bethany. — Ei, não nos afastaremos da praia! Sou um marinheiro de água doce, não se preocupe. — Você não poderia fotografar no quebra-mar para acabar logo com isso? — Mas eu sou um artista! E tenho temperamento de artista. Quer que lhe dê uma demonstração do meu génio? Sugira que eu tire apenas alguns instantâneos em vez de boas fotos! — Sinto muito. — Bethany não pôde deixar de rir. — Espero que sim. Seja boazinha para o gentil homem da máquina fotográfica. — Tentarei. — Os nervos de Bethany pareciam relaxar. A alegria de Bruce Hallam era contagiosa. — Você quer mesmo que eu suba num barco de verdade? — Se quiser evitar meu acesso de raiva... Desejo fotografá-la a bordo do iate com o olhar perdido na imensidão do oceano. Pretendo captar em sua expressão e todo o seu amor por Peter, a ansiedade da espera para tornar-se sua esposa e a certeza de que ele enfrentaria todos os perigos para chegar até sua noiva. Bethany não pôde evitar um sorriso mordaz. — Todo meu amor por Peter, que lutaria por mim contra todos o marinheiros de água doce. Se ele estivesse rodeado por água salgada, procuraria primeiro um balde, e depois por mim. — Ora, você é tudo de que necessito, Bethany! Uma noiva pragmática! Estavam chegando às ruas que ladeavam a baía. — Bem, chega de conversar. Escute bem, senhorita, deixe-me fazer meu trabalho enquanto você se concentra em alguma coisa romântica. Não pense em enjoos nem em baldes. Recorde filmes românticos ou imagine Peter num pijama de cetim. Feche os olhos até que cheguemos lá e, quando chegarmos, quero você tão apaixonada que só poderei avistá-la através de uma doce névoa de amor! Bethany se concentrou e achou fácil sorrir. Sim, era fácil, porque aquele homem a envolvera numa deliciosa atmosfera de alegria. Mas a "doce névoa de amor" seria difícil de conseguir. E decerto não se materializaria por pensar em Peter, nem mesmo vestido com um pijama de cetim. O gambazinho em seu regaço continuava a dormir e lhe passava uma sensação de conforto. Bethany fechou os olhos e tentou imaginar uma cena de romance, mas nada aconteceu. Só permanecia a risada e a lembrança dos olhos brilhantes de Bruce Hallam. Por fim, desistiu. Já deveriam ter chegado. Mas não! Bruce dirigia, veloz, mas, em vez de ter virado em direção da baía, havia se dirigido à ponte. Por que razão? — Desculpe-me, mas você passou da entrada, Bruce. Já deveríamos ter virado. Se o iate de seu amigo está ancorado no outro lado, nunca voltaremos a tempo. Houve uma pancada surda perto de Bethany. Ela olhou e percebeu que a porta a seu lado havia sido travada. O sistema central de trava fora ativado. Olhou para o retrovisor e viu que aquele sorriso simpático havia desaparecido do rosto de Bruce Hallam. — Acho que chegou a hora de lhe dizer que fazê-la se atrasar é meu objetivo, Bethany. Na realidade, haverá duas semanas de atraso. E acho que será desnecessário tirar fotos de um casamento que não se realizará! Durante um momento, Bethany ficou atónita demais para reagir. — O que Bruce pensava estar fazendo? — O que... quer dizer com isso, Bruce? Eu não... — Não entende? — perguntou, sarcástico. — Então somos dois. Passou um quilómetro, e mais outro, e Bethany começou a ficar apavorada. Por alguma razão que ela não conseguia entender, Bruce a estava levando a um lugar desconhecido contra sua vontade. Mas para onde? Só Deus poderia saber. Bethany tentou raciocinar, mas só conseguia pensar nas portas travadas. Mesmo que conseguisse abrir, não havia como pular. O automóvel estava correndo pelas estradas tranquilas do sábado, e ela não era louca. — O que você não entende, Bruce? — Bethany começava a sentir medo. — Não entendo como Peter Mayberry encontrou uma noiva e organizou uma cerimónia de casamento no curto prazo de quatro semanas. Então, pensei em aparecer para pegar você e pedir que me explicasse. — Explicar o quê? — Por que está se casando com Mayberry. — Mas eu não tenho de explicar! — Não? — Não! — Respirou fundou e ordenou: — Deixe-me sair. — Estamos em alta velocidade. Você se machucaria, e eu não quero feri-la. — Então, pare o carro! — Estava muito assustada, pois tinha a certeza de que, qualquer que fosse o propósito de Hallam, ele era mais do que capaz de levar o plano avante. — Não. O coração de Bethany estava disparado. — Por que não? — Não vou machucar você, Bethany. Pode acreditar nisso. Machucar você não está em meus planos. O véu ao redor do rosto de Bethany começou a dar-lhe uma sensação de claustrofobia. Tirou-o, colocando-o de lado, e soltou os cabelos cacheados, que lhe chegavam à altura dos ombros. — Seu plano? — Não sou maluco, Bethany. Estou bravo, mas louco, não. — É loucura para um fotógrafo raptar a noiva que deveria estar fotografando. — Surpresa! Eu sou fotógrafo. — Você não... — Sou um fazendeiro, de nascença e de criação. O equipamento foi emprestado para a ocasião. Não distingo uma peça da outra. — Mas... por favor, não entendo! — O que quer entender? Bethany fechou os olhos e lutou contra um súbito impulso de rir. Estava perto de uma crise de histeria. — Por que está me raptando. — Não a estou raptando. Estou apenas tomando-a em prestada. Considere-se um empréstimo. Você será devolvida intacta no prazo de duas semanas. Precisamente um dia depois do aniversário de trinta anos de seu primo. Bethany arregalou os olhos. — Você está tentando impedir que Peter receba a herança... — Acertou, senhorita. Então você sabe. Estou certo, não estou? Não é a noiva envolta numa névoa de amor em quem Mayberry queria que todos acreditassem. — Eu não... — Mayberry disse que estava noivo da prima havia um ano. Mas fiz minhas investigações. A primeira vez que se ouviu falar a respeito desse casamento foi há quatro sema nas. Então você também faz parte do plano? — Não entendi. — Pretende fingir que viverá feliz com a fortuna de Peter ou ele estará lhe pagando uma porcentagem? Bethany sentiu-se gelar. — Como sabe disso?! — Responda à minha pergunta. — Não. Por que deveria? Como, com quem e por que vou casar não é de sua conta. — É aí que se engana. Daqui a duas semanas, não me importarei com quem você se case. Mas mulher alguma se casará com Peter Mayberry antes disso. E como nesse país são necessárias quatro semanas para se conseguir uma licença para casar, a não ser que Mayberry tivesse providenciado uma eventual substituta, você foi sua única escolha, a única opção. Portanto, durante as duas próximas semanas ficará quietinha perto de mim, e seu precioso noivo terá um prejuízo de milhões. CAPITULO II Não tornaram a se falar durante quase duas horas. Bethany não teve outra escolha a não ser permanecer sentada e imóvel, com a mente perturbada entre um pensamento e outro e o medo suplantando qualquer raciocínio lógico. Bruce Hallam dirigiu através dos subúrbios de Sydney e depois pela costa norte até pegar uma saída para o interior. Subindo pelas Montanhas Azuis, chegaram ao município de Hawkesbury, uma região selvagem, cortada por riachos, linda e afastada. Depois de todo aquele tempo, Bethany começava a sentir náuseas ao imaginar que Peter Mayberry havia mentido e que as mentiras de seu primo a tinham colocado em perigo. Quanto às promessas dele... — Isso não prejudicará ninguém, Bethany — Peter prometera. — Não há pessoas envolvidas. Se eu não herdar, o dinheiro irá para o governo para ser distribuído a parentes distantes que nem sabem da existência de Oliver. E a despesa para descobri-los consumiria metade da herança. Acredite-me, ninguém será prejudicado. Mas alguém seria, sim. Bruce Hallam. Sentada no banco de trás do luxuoso carro, Bethany sentia-se pequena e assustada como nunca, e apenas a raiva que crescia, a despeito de seu pavor, a impedia de romper em prantos. Peter a tinha manipulado, e agora outro homem fazia o mesmo. Estava sendo um joguete por causa de dinheiro. Enfim, o animalzinho que Bethany carregava no regaço interrompeu seus pensamentos. Sentiu que ele acordara e se mexia à procura da teta que a mãe tinha dentro da bolsa marsupial onde ele pensava estar. Havia uma pequena mamadeira dentro da bolsa de veludo que ela carregava. Tirou a mamadeirinha e a segurou entre as mãos para que ficasse na temperatura de seu corpo. Queria um microondas, mas a Mercedes ainda não possuía esse tipo de equipamento. Deu uma olhada para Bruce Hallam e colocou a mamadeira entre os seios. Tudo o que precisava fazer era erguer o filhote e alimentá-lo. E Bruce Hallam, na certa, perceberia. Ele não estava olhando para ela. Não podia ver suas mãos, mas se mantinha atento a seus movimentos, e alimentar um filhote de gambá no automóvel sem que ele percebesse seria quase impossível. Mas Bruce não poderia fazer objeções. Ou poderia? Peter faria. Bethany sabia muito bem que reação Peter teria se a visse com um de seus bebés. Já havia feito isso uma vez quando Bethany tinha cerca de doze anos, e o resultado ainda fazia com que tivesse vontade de chorar. Seria Bruce diferente? Bruce Hallam possuía olhos alegres, e Peter, não. Porém, Bruce Hallam parecia implacável e desumano. Dissera que não a machucaria, mas como poderia acreditar em suas promessas e confiar um indefeso animal à gentileza daquele desconhecido? Seria um crime. Não poderia fazer isso. — Por favor, Bruce, preciso que pare. Tenho de ir ao banheiro. — Espere. — Não posso esperar. Já esperei tempo demais. Você tem de parar. — Não pararei. — No entanto, para surpresa de Bethany, Bruce diminuiu a velocidade, virou à direita e pegou uma estrada lateral que levava às colinas. — Estamos a dez minutos de casa. — De sua casa? — Isso mesmo. — Mais uma vez, Bruce olhou para ela pelo retrovisor, e o que viu o fez praguejar. — Já lhe disse que não vou machucá-la. Não há necessidade de ficar com esse aspecto infeliz e temeroso. — Não preciso ter medo? Quando você me rapta e me traz para as montanhas contra minha vontade? Quando eu deveria estar me casando neste momento e ninguém sabe onde estou? — Cale-se, Bethany! Acredite-me, odeio esta situação mais do que você. Se não estivesse desesperado... — ...pelo dinheiro de Oliver Bromley? — O que sabe a respeito dele? Bethany respirou fundo. — Apenas que Oliver morreu no mês passado e deixou sua casa para meu primo. — A casa e todas as propriedades. — E Bruce completou, irado: — E toda a fortuna. Tudo será de seu primo, que cuidou dos negócios de Oliver nos últimos meses de sua vida e foi tão dedicado e insinuante que o homem deixou tudo para ele. Deus sabe o que deve ter feito Oliver assinar, mas o bom Peter fez tudo com perfeição. Ou quase. O fato de, depois de todos os esforços, ainda ter de arranjar uma noiva, deve tê-lo deixado furioso. E deixou. Bethany lembrou-se do dia, quatro semanas atrás, quando Peter a procurara. Não o via fazia anos, mas Hilda mantivera o filho informado a seu respeito de seus negócios. Na ocasião, em tom bastante melífluo, Peter dissera: — Sei que não temos nos visto muito, Bethany. Mas sei que o contrato de arrendamento deste lugar expirará em breve. E como você não tem condições de renoválo, estou na posição de ajudá-la. Bethany teria caído na gargalhada se Peter não estivesse tão circunspecto e completasse a proposta dizendo-lhe que também precisava de seu auxílio. Oliver Bromley havia deixado a fortuna para ele, mas isso estava dependendo de Peter se casar até completar trinta anos. Caso contrário, tudo iria para o Estado. Se Bethany concordasse em ser sua mulher, Peter lhe daria a preciosa fazenda como presente. Ficariam juntos durante um ano e depois se divorciariam. Seria tudo muito simples. O coração de Bethany lhe dissera para recusar, mas a alternativa era horrível. Perder a fazenda, o único lugar em que fora feliz... Por fim, concordara, com a condição de que essa atitude não prejudicasse ninguém. — Ninguém se importará com isso — Peter lhe assegurara várias vezes. Bem, Bruce Hallam era, com certeza, alguém que se sentira prejudicado. Outro obcecado por dinheiro, outro fora-da-lei. O carro sacolejou e entrou numa longa alameda ladeada por pinheiros. Bethany olhava tudo, apreensiva. Não havia lugar algum para onde pudesse correr. Era uma região selvagem, linda e montanhosa, e os pinheiros eram envolvidos por uma planta parasita que dava lindas flores vermelhas e que em outras regiões podiam até prejudicar as plantações, mas ali pareciam conviver em harmonia com outras plantas. Ao redor, o que se avistava era uma densa floresta que tornava o local muito bonito, mas ameaçador para Bethany. Os pastos ficavam afastados, e a última fazenda por onde passaram estava a muitos quilómetros de distância. Seria possível correr sem ser alcançada? Pela estrada, não. E embrenhando-se pela floresta... — Você nunca seria encontrada — Bruce lhe disse, com rudeza, e Bethany percebeu que a estava observando. — Nem pense em fugir. Seria estupidez, e tenho cachorros treinados que a encontrariam em minutos. — Não vou ficar aqui. Não posso. Um novo pavor a dominou e não tinha nada a ver com sua integridade pessoal. Duas semanas aprisionada! Caro-line prometera cuidar de seus animais durante dois dias, e Bethany lhe falara que voltaria na segunda-feira. Nesse dia, na hora do almoço, Caroline iria embora, Bethany estando ou não de volta. — Por favor, não posso! Olhe, Bruce, se Peter estiver prejudicando alguém, não me casarei com ele, mas preciso voltar. Não posso. — Deu um soluço de terror e Bruce Hallam praguejou. — Economize suas lágrimas, senhorita. Fiz uma promes sa a mim mesmo e não vou alterar meus planos por nada. Ficará aqui durante as próximas duas semanas, portanto acostume-se a essa ideia. A casa parecia uma prisão. Devia ter sido construída no começo do século, e era enorme, de pedra, com varandas ao redor e degraus também de pedra na entrada principal, que possuía grandes portas de vidro e madeira. Era maravilhosa. Os jardins eram de tirar o fôlego. O gramado verde e viçoso fazia uma curva por onde o automóvel entrou. As flores nativas eram douradas e brancas, e havia roseiras em profusão, e também glicínias, primaveras e muito mais, tudo muito bem cuidado e preservando a vegetação natural, de modo que não se podia saber onde terminavam os jardins e começava o pasto. A grama ia até a margem de um largo rio, e atrás da residência estavam as Montanhas Azuis, maciças sentinelas verdes. Em outra situação, Bethany ficaria extasiada diante de tanta beleza. Com pavor, viu dois grandes cachorros se aproximando, alegres, dando as boas-vindas ao dono, que chegava. Ela levou a mão ao peito e fechqu os olhos. Parecia o cenário de alguma história antiga onde se prendiam mulheres indefesas em torres inexpugnáveis. Quando encontrou coragem para abrir os olhos, o carro estava atrás da casa, onde havia várias garagens e estábulos. Ninguém à vista. Bruce Hallam parou e saiu do veículo assobiando para que os cães se aproximassem e fossem acariciados. Abriu a porta traseira, e os animais ficaram estáticos observando Bethany com interesse ávido. Movimentaram-se para irem em sua direção, mas foram impedidos pelo comando de Bruce, que ordenou que se sentassem a alguns passos dali. — Fique quieta até que eu a conduza para dentro. — Hallam ordenou. — Se se mexer, os cachorros a atacarão. Enquanto estiver aí dentro, estará a salvo. Voltarei em dez minutos. Relaxe, Bethany. Logo, logo, poderá ficar no banheiro durante o tempo que quiser. Bruce se afastou, e ela foi deixada com os cães e um pequeno gambá faminto. Olhou para os cachorros, que olhavam para ela. Bruce dissera que a atacariam. Pela primeira vez, desde que fora sequestrada, sentiu vontade de sorrir. Um dos animais era um velho pastor alemão marrom que abanava a cauda, decerto querendo fazer amizade. O outro era um jovem collie, preto e branco, de olhos brilhantes e inteligentes, também abanando a cauda, com simpatia. O dono deles ordenara que ficassem ambos atentos a ela, mas Bethany sabia do poder que possuía com os animais, e que seria fácil cativá-los. Estava quase tentada, só para contrariar Bruce Hallam, mas seu gambazinho ficava cada vez mais agitado no meio de seus seios. Com cuidado fechou a porta para que seus interessados admiradores não vissem o bebé ser alimentado. Por um estranho e calmo momento, Bethany pôde ficar sentada em silêncio, com a pequena criatura acomodada entre suas saias de cetim, mamando da mamadeira. O silêncio era quase assustador. Afastada e entre montanhas, não se ouvia nenhum ruído, nenhum barulho de gerador ou máquina. Era um dia calmo, sem vento. Só o que se ouvia era o canto dos pássaros nas árvores e o ruído do pequeno gambá se alimentando. Do lado de fora do automóvel, os cachorros tomavam conta dela, com alegria. Depois de uns cinco minutos, Bethany ouviu um veículo se aproximando, mas não conseguiu avistá-lo. Por um instante, pensou que talvez Bruce Hallam a tivesse deixado ali, sob a guarda dos cães. Devia saber que aqueles dois poderiam ser domados com facilidade. Teria de ficar quieta. Bruce a tinha ameaçado com os cachorros se ela por ventura se embrenhasse na mata. Eles não eram uma ameaça a sua segurança, mas com certeza a encontrariam. Poderiam não atacá-la, porém, encontrariam sua trilha e, se Hallam tivesse um cavalo, não teria condições de fugir dele. E claro que tinha cavalos. Havia estábulos ao lado da garagem, e era só olhar para ele que dava para saber que fora criado cavalgando. Era o protótipo do homem de fazenda. Portanto, não havia nada que pudesse fazer a não ser acabar de alimentar seu bebé, colocá-lo de volta na pequena bolsa de couro, cruzar os braços e esperar pelo que lhe estava destinado. O raptor de Bethany cumprira a palavra dada. Voltara como prometera, pouco depois de dez minutos, caminhando com calma, como se tivesse apenas de tirar a bagagem do porta-malas, tarefa sem nenhuma importância. Assobiou para os cachorros, que foram a seu encontro, felizes. Bruce não podia ser tão mau, Bethany pensou. Pelo menos não com aqueles animais, que o adoravam. E animais eram os melhores julgadores da personalidade humana. Esse pensamento diminuiu um pouco o medo que ainda sentia. Se Bruce amava os bichos, Bethany teria alguma chance. Ergueu a cabeça e encontrou os olhos castanhos de Bruce desafiando-a. — Preparou o calabouço, milorde? — Não há nenhum calabouço, Bethany. — Sorriu com o mesmo sorriso que esboçava ao fazer festa para os cachorros. — Você será minha hóspede durante duas semanas. — Mesmo contra a minha vontade. — Uma hóspede que eu preferia não ter. Os planos de seu primo, no entanto, não me deixaram outra escolha. — Abriu a porta do carro para que ela saísse e foi até o portamalas. Para surpresa de Bethany, Bruce tirou um par de pequenas malas, que reconheceu no mesmo instante. —Como... — Bethany saiu da Mercedes com a boca aberta de surpresa. — São minhas, como as conseguiu?! —No hotel. Você não iria querer viajar sem suas malas. Bethany sentiu os lábios secos. Começava a perceber que aquele homem era diabólico e muito inteligente. O que fizera não havia sido uma decisão momentânea, mas sim um plano elaborado com cuidado. — Mas como as conseguiu? — perguntou de novo. Bruce Hallam pôs a bagagem no chão e olhou para Bethany sem piscar. — Talvez seja tempo de você saber que não foi raptada, Bethany. Se está esperando que a polícia venha a sua procura e que vai chegar a qualquer momento com as sirenes ligadas com seu primo em uma das viaturas, esqueça. Você planejou isso durante semanas. — Eu o quê?! Bruce enfiou a mão num dos bolsos e pegou um pedaço de papel dobrado. — Tirei uma cópia do bilhete que você enviou a seu noivo abandonado, caso esteja interessada. Gostaria de ler a carta que ele recebeu um pouco antes de ir para a igreja? Bethany olhava para Bruce e não conseguia dizer uma só palavra. Pegou a folha, desdobrou-a e leu: “Peter, Obrigada por ter me oferecido casamento, mas recebi uma oferta melhor para continuar solteira. Você herdará a fortuna de Oliver Bromley se se casar, e eu fui paga para assegurar que não se case. Nosso acordo foi financeiro. Portanto, deveria ter se certificado de que eu não estaria aberta a algum tipo de suborno. Outras pessoas podem jogar o mesmo jogo que você, portanto deveria ter se preparado melhor, em vez de confiar em mim”. Bethany deixou o bilhete cair. Ficou estática, ao sol, um calafrio percorrendo todo seu corpo, imaginando o rosto do primo ao ler essa mensagem. Será que acreditaria que ela era capaz de escrever e fazer esse tipo de coisa? E claro que sim. Tudo o que Peter fizera na vida fora ditado pela cobiça. Se Bethany tivesse recebido proposta melhor para abandoná-lo no altar, ele acreditaria, pois, no lugar dela, teria feito o mesmo. Isso não significava, entretanto, que a perdoaria. Pensou na raiva do primo, no rosto lívido lendo a carta. Olhou para Bruce e notou uma expressão pensativa em seus olhos. — Minha... minha tia... Eu... — Você deixou outro bilhete explicando tudo a Hilda. Não foi tão odioso quanto o que escreveu a Peter, mas incisivo. Dizia mais ou menos que seu primo a julgava uma ingénua e tola, mas que você também era capaz de se dar bem. Quer ler? — Não, não quero. Como ousou fazer uma coisa dessas? — Bethany tremia numa combinação de ódio e choque, e sua voz era bastante fraca. — Como conseguiu minha bagagem no hotel, como se livrou do verdadeiro fotógrafo? Como... — Dinheiro. — Hallam resumiu tudo numa só palavra. — Você e seu primo deveriam saber que isso compra tudo. Cancelei o acordo com o fotógrafo dizendo-lhe que não precisávamos mais de seus serviços, pois havíamos encontrado outro mais bem qualificado. Ele ficou furioso, mas, quando lhe disse que seria pago mesmo sem trabalhar, agradeceu e foi embora. Ficou tão ofendido que não contatou seu primo para confirmar a demissão. Então, paguei ao pessoal do hotel para levar os bilhetes a Hilda e Peter. Fiz um bom trabalho. Com o estardalhaço que Peter fez com os preparativos para a cerimónia, não foi difícil tomar conhecimento dos planos dele. E eu sabia que você iria arrumar as malas antes de ir para a igreja, então apenas paguei ao camareiro para colocar sua bagagem em meu carro. Ele me vira conversando com sua tia e sabia que eu tinha relação com a família. Então, não houve problema. Não creio que seu primo vá pôr a polícia em nosso encalço, não depois de ler o bilhete onde você deixou bem claro que planejara e organizara a fuga sozinha. Bethany não conseguia falar. A cabeça parecia oca, e o chão fugia de sob seus pés. Sentia-se perdida diante daquele homem, que tudo planejara com perfeição. —Nesse momento, Mayberry já está sabendo que alguém lhe ofereceu dinheiro, Bethany. Mas não sabe que essa pessoa sou eu. E, mesmo que souber, não há nada que possa fazer, srta. Lister. Será minha hóspede aqui, por duas semanas. Por isso, sugiro que engula sua raiva, tire essa expressão de fúria de seus lindos olhos e aproveite as férias forçadas. Não há mais nada que possa fazer. Bethany estava tão zangada que sentia que ia explodir. Não falou nada, não iria dar essa satisfação àquele rapaz odioso. Em vez disso, seguiu-o com docilidade aos aposentos que lhe reservara e prestou atenção às instruções que lhe eram dadas. —Esses cómodos são de minha governanta, Bethany. Você encontrará comida na geladeira de seu quarto para que possa se arranjar a sua maneira. Imagino que gostará de me ver o menos possível, e o sentimento é mútuo. Ah! Quero acrescentar que os telefones estarão desligados durante esse período. Os cavalos estão num estábulo afastado da casa, e as chaves de qualquer dos veículos estarão em meu bolso. Bruce hesitou por um momento e tocou o rosto pálido de Bethany, que se afastou. — É um negócio duro, Bethany. Mas deveria ter pensado nisso antes de me atrapalhar com o acordo que fez com Peter. Se precisar de mim, é fácil me encontrar. Basta procurar pelos cachorros, que estarei perto, embora prefira que nos deixe sozinhos. Sugiro também que tire o lindo vestido de noiva e volte a ser a Cinderela. Seu príncipe não aparecerá, pois nada mais é que uma mentira, um engodo. E, com um último olhar, Bruce Hallam se foi, fechando com firmeza a porta atrás de si. CAPÍTULO III Bethany andou pelo quarto e trancou a porta 'para pôr o maior espaço possível entre ela e seu seqúestrador. Jogou-se na cama. Ficou deitada e imóvel por um longo tempo, abrindo e fechando as mãos. Não sabia o que fazer. Pela primeira vez na vida, Bethany Lister não tinha uma só pista de como os fatos iriam transcorrer dali para a frente. Seu desagradável primo Peter a tinha lançado naquela confusão, mas decerto não a tiraria da enrascada. Ainda estava vestida de noiva. Ao perceber, sentiu-se nauseada. Olhou para a roupa e se despiu, jogando-a ao chão. Logo, estava de volta aos habituais jeans e camiseta. Foi ao banheiro, escovou os cabelos, tirando todo o fixador que o cabeleireiro pusera e esfregou o rosto para se livrar de qualquer vestígio de maquilagem, que não tinha o hábito de usar. Então, olhou seu reflexo por um longo tempo. O saquinho de couro com o filhote de gambá era agora bem visível sem a proteção das rendas. Parecia que Bethany tinha um terceiro seio. Mas que importância isso poderia ter? A Bethany normal era assim, uma moça natural, sem enfeites, descalça e sem pretensão. Logo teria de enfrentar Bruce Hallam de novo, mas primeiro queria readquirir seu equilíbrio. Precisava se recompor e se apresentar a ele com uma certa dignidade. Atravessou as portas da varanda e, hesitante, olhou para o jardim. Desceu os degraus de pedra e foi para o gramado. O jardim era um bálsamo para a alma. Havia muita paz ali. Bruce Hallam devia estar em casa, com seus cachorros, pois não havia sinal deles. Desse modo, Bethany se viu livre para passear como gostava, com os pés descalços, sentindo o contato da grama e do solo frio. Estivera na cidade durante quase uma semana, organizando o casamento, e fora tempo demais. O gambá estava quieto no saquinho de couro, junto a seu peito. Olhou-o, pensativa, e resolveu soltá-lo para que também aproveitasse o contato com a natureza. Ao ouvir os cachorros se aproximarem, guardaria o animalzinho de novo. Deitou-se no chão, formando com o corpo uma curva protetora para o pequeno. O sol estava morno, e sentia-se muito cansada. Ficou imóvel e tentou afastar da mente todos os pensamentos desagradáveis, como se não houvesse na face da terra mais nada além dela e da pequena criatura a seu lado. Sentiu o toque de uma mão na cabeça. Levantou-se, assustada, e, quando olhou, viu uma criança agachada, olhando para ela em silêncio. Bethany olhou para a garotinha, que não devia ter mais do que cinco ou seis anos. Era loira, e seus finos cabelos estavam trançados. Vestia uma jardineira bem gasta pelo uso e estendeu a mão para tocar Bethany, como que para certificar-se de que aquela estranha adormecida era mesmo real. Antes de saber quem era a recém-chegada, Bethany pôs o filhote de volta em seu seio. Depois de olhar para a menina, ficou mais confiante e soltou de novo o animal, que tornou a ficar sob a proteção do corpo de Bethany, mordiscando uma folha de fúcsia. A menina olhava para o gambá sem dizer uma só palavra. Era estranho para uma criança ficar tão quieta. Havia alguma coisa nela que lembrava a Bethany os bichinhos de que cuidava, os mais velhos, que haviam aprendido que não se deve confiar nos humanos. — Olá... — Bethany sorriu. A menina não respondeu. Seus olhos estavam fixos no gambá, como se tivesse medo de respirar e a pequena criatura desaparecer. Bethany olhava, hesitante, para a menina e para o animal. Os dois possuíam a mesma fragilidade e, apesar do dia tenso e apavorante, ficou comovida pelo aspecto carente da criança. Alguma coisa estava errada. — Esta é a primeira vez que o bebé fica fora da bolsa, desde que a mãe morreu. Estou cuidando dele até que fique mais velho e possa voltar para a natureza. Silêncio. O gambá continuava a comer a folha, e o sol acalentava o trio, criando uma aura de paz ao redor deles. Bethany não falou mais nada. Não sentia necessidade. A criança parecia contente só de apreciar o bicho, e Bethany estava feliz em deixá-la à vontade. Agora havia duas pequenas criaturas selvagens perto dela. Enfim, foi a menina quem quebrou o silêncio: — Você o deixará ir embora? — perguntou num sussurro, como se falar lhe exigisse um enorme esforço. — Quando ele estiver pronto. Gambás não são animais domésticos. Eles têm de viver em liberdade. "Como eu", Bethany pensou. Seria Bruce o pai da garota? A menina voltou a ficar em silêncio, encantada com o filhote. Bethany deitou-se de lado, com o rosto encostado na grama, permitindo que a paz do lugar a envolvesse. A pequena ficou a seu lado, e alguma coisa lhe dizia que a ela precisava de tranquilidade tanto quanto um animal ferido. Havia traços de terror no rosto dela. Bethany sentia que, se a tocasse, fugiria apavorada. Talvez Bruce Hallam a tivesse prevenido. Se fosse isso, o que teria dito? Que era uma espécie de feiticeira? Não havia nada a fazer a não ser observar e esperar. Enfim, a criança falou de novo: — Qual é o nome dele? — Não sei. — Bethany sentia, por instinto, que quanto menos atenção pusesse na garota, melhor seria. — Tem alguma sugestão? — É menino ou menina? — Menina. — Então poderíamos chamá-la de Pétala. Porque é isso o que está comendo, e parece fazer muito bem a ela. Bethany olhou a pequena criatura, que olhava ao redor, ansiosa. Pegou-a e a colocou de volta na bolsa de couro no meio dos seus seios. — Pétala é ainda um bebé — explicou. — Está cansada e não pode passar frio. — Ela dorme no seu peito? — É seu lugar preferido. Além do calor, ela sente as batidas de meu coração como se fosse de sua mãe. A criança tornou a ficar quieta, como se estivesse considerando as informações que acabara de receber. Então, deu um longo suspiro, como se tivesse chegado a uma conclusão. — Você quer saber meu nome? — Se quiser me dizer... Meu nome é Bethany. A menina meneou a cabeça com gravidade e deu sua opinião: — Bethany é um lindo nome. Não tão bonito como Pétala, mas eu gosto. Meu nome é Katie, más minha minha mãe às vezes me chamava de Katie Sininho. Por causa da fada, você sabe. Mamãe dizia que eu era tão pequenininha quanto ela... — Muito prazer em conheçê-la, Katie. — Gosta de meu vestido? Bethany olhou para a jardineira da garota, bonita mas bastante surrada e pelo menos dois números menor. Mas aquele não era momento para honestidade. Não quando havia tanta ansiedade na voz da criança. — Gosto muito, Katie. É sua roupa favorita, não é? — Foi mamãe quem me deu. Ela mesma a fez na máquina de costura, e eu fiquei olhando. — Fechou os olhos e logo os abriu, como se estivesse procurando coragem. — Se o pequeno gambá fica em seu peito e pensa que está na bolsa da mãe, você acha... que eu também poderia? Bethany piscou sem saber o que responder. — Talvez. Quer se lembrar de sua mãe? — Sim. — Katie sentou-se perto de Bethany e, resoluta, encostou-se nela. Quando tornou a falar, a voz parecia tensa: — Às vezes, não consigo me lembrar dela muito bem. Antes conseguia, mas agora tudo está ficando apagado. Bethany sentiu um aperto no coração. O que teria acontecido na vida da pobre criança? Mas perguntas não eram importantes, mas sim aquele pedido urgente de carinho e conforto. Passou o braço ao redor de Katie e a puxou de encontro a si. A criança ficou rígida durante algum tempo, e então pareceu relaxar e aninhou o rosto no peito de Bethany. — Há dois corações aqui, Katie. O meu e o de Pétala. Escute e sinta, e lembre-se de quando sua mãe a segurava assim. Estou certa de que ela o fazia. Todas as mães o fazem, e acho que a sua foi uma ótima mãe para ter uma garotinha como você. — Acha mesmo? — Tenho certeza. E ela costurou sua jardineira. Que coisa maravilhosa fazer isso para a filha! Agora fique quietinha e ouça. — Katie! De imediato, Katie se levantou e correu em direção dos arbustos. Antes que Bethany pudesse também se erguer, a criança se fora. Bruce Hallam a chamava da varanda, mas, em vez de ir ao encontro dele, a menina passou correndo e entrou na casa. A porta bateu atrás dela, e Bruce ficou do lado de fora. Que tipo de relação estranha seria aquela? Devagar, Bruce se virou, olhou para o lugar de onde Katie tinha vindo e avistou Bethany. Os cachorros a viram ao mesmo tempo. Haviam saído de casa junto com o dono e estavam parados a seus pés. Olhavam interessados para a estranha, no território que lhes pertencia, e desceram os degraus de pedra para lhe fazerem festa. Bethany pôs a mão na pequena bolsa de couro em seu peito e ficou parada, esperando. Por um instante, Bruce hesitou em seguir Katie, mas então decidiu ir atrás dos cachorros pelo gramado. Quando os animais chegaram perto de Bethany, estavam excitados e a rodearam. Ela sabia que o cheiro do gambá atraía a atenção dos cães e que o faro aguçado lhes dizia onde o animal estava ali. —Voltem! — Bruce ordenou com firmeza. Os cachorros olharam para seu dono para se certificarem de que falava sério e, com relutância, foram até ele, que vinha caminhando em direção a Bethany. —Mas que droga! Era muito claro, pela conduta dos cães e pelo modo como Bethany cobria a pequena bolsa sobre o peito, que havia alguma coisa que interessava muito aos animais. Conforme Bruce foi se aproximando, seus olhos se arregalaram. —O que você tem aí? Bethany não se mexia. Sentia-se insignificante, pequena e insegura perto do homem grande e forte. Curvou os dedos dos pés descalços como que para prendê-los à terra para que pudesse sentir-se mais potente. Mas isso a deixou ainda mais insegura. Queria estar calçando botas e vestindo uma jaqueta de couro com a figura de uma caveira sobre dois ossos cruzados nas costas e ter pelo menos mais uns dez centímetros de altura. — Mostre-me o que está escondendo — Bruce exigiu. Mas Bethany não se moveu, e seus olhares se encontraram. — Você disse que não queria me ver nas próximas duas semanas, Bruce. — E ainda não quero. Mas, assim mesmo, mostre o que está escondendo. — Não. — Então deixarei que meus cachorros... — Você é detestável! — Deu um passo para trás, empalidecendo. — O que acha que estou escondendo? Um revólver? Se tivesse um, não estaria aqui. Você está com todo o poder, e sabe disso. Como se atreve a me ameaçar, a me assustar? Como se atreve a manter-me prisioneira? Podia ter escrito todas as cartas do mundo, mas como explicará à polícia quando eu voltar e der parte de você? — Seu rosto ficou ainda mais pálido. — Se... Oh, Deus, se você deixar que eu volte... O súbito pensamento de que talvez não fosse mais embora daquele lugar a apavorou. Bruce deveria ter apagado todos os vestígios que por ventura houvesse, e todos estariam agora pensando que Bethany desaparecera por vontade própria e, se a deixasse ir embora, teria de enfrentar acusações graves. Ele era um criminoso, um seqúestrador. Um homem de quem a própria filha tinha medo. — Bethany, já lhe disse que não vou feri-la. — Percebeu o terror estampado no rosto dela e se aproximou mais, tentando tocá-la, mas Bethany se afastou como se aquele contato a queimasse. — Como posso saber que está dizendo a verdade? — Porque eu lhe disse. — Oh, sim? Da mesma maneira que Peter falou que ninguém iria ser prejudicado se ele herdasse o dinheiro de Oliver Bromley? Como você, que afirmou ser um fotógrafo? Você e Peter... Por que fui confiar nos dois? Não passa de um criminoso, Bruce Hallam. E Katie... Por que sua filha tem medo de você? O que fez com a mãe dela? Houve um silêncio absoluto. Ninguém falava, e até os cachorros pareciam ter parado de respirar. Bethany continuava de pé, no mesmo lugar, o rosto pálido como giz, observando as emoções passarem pelo rosto de Bruce. Primeiro raiva, depois choque, e então incredulidade. — O que sabe a respeito da mãe de Katie, Bethany? — Por que Katie tem tanto medo de você? — Bethany exigia uma resposta. — Por que não a deixa ver a mãe? — Como sabe a respeito da mãe dela? — Katie me contou que não consegue se lembrar da mãe. Disse que... — Ela lhe disse?! — Bruce estava emocionado e atónito. Deu dois passos à frente e agarrou Bethany pelos ombros, com expressão de raiva. — Você está mentindo! Olhe, não sei que encrenca está tramando, mas... — Por que eu mentiria?! Durante um longo momento, Bruce ficou encarando para Bethany. — Katie é muda. Ela não fala, por isso sei que está mentindo. E o que está escondendo embaixo dessa camiseta? Passou quase um minuto até que Bethany encontrasse forças para vencer o medo e a ira e fosse capaz de dizer algo. Estava confusa, e esse sentimento superava o terror. Olhou para Bruce Hallam e não viu mais ameaça nos olhos dele. — Tenho um filhote de gambá — murmurou e viu-o ficar mais confuso ainda. — Um gambá? — É um bebé. Criar órfãos selvagens é meu trabalho. É isso o que faço. — Seu trabalho? — E o que faço para viver. Trabalho para a conservação da vida selvagem e cuido das espécies até que possam ser levadas de volta à natureza. E pare de repetir o que digo. — Não acredito em você. — Não estou pedindo que acredite. — Deu de ombros. — Mas é a verdade. É por esse motivo que você tem de me deixar ir embora. — Não vou deixar que se vá. — Então será responsável por vinte mortes. Terei uma pessoa cuidando dos animais até segunda-feira. Se eu não estiver de volta, eles morrerão de fome. Tem de me deixar ir embora ou permitir que eu telefone a alguém para arrumar um substituto. Precisa... — Deixe-me ver o filhote — Hallam pediu, incrédulo. Bethany tirou a bolsa de baixo da camiseta e a abriu. Uma pequena cabeça apareceu. Bruce estava chocado. — Onde conseguiu isso? — Já lhe disse. Faz parte de meu serviço. — Fechou a bolsa e a pôs de volta ao seu lugar. — Você não trouxe essa coisinha na bagagem, trouxe? — Não. Eu a trouxe do modo como está agora. — Mas... — Bruce olhava fixo para Bethany, como se estivesse raciocinando rápido. — Você o escondeu sob o vestido de noiva! — Acertou. Muito bem! Bruce, este animal eu posso alimentar com leite. No entanto, tenho outros em minha fazenda que dependem de mim. Se eu não voltar, todos morrerão. Precisa deixar que eu vá embora. Bruce Hallam continuava a olhá-la, pensando que tipo de criatura ela era, e o que concluiu não deve ter sido muito agradável. — Não vou deixá-la partir por causa de um gambazinho, Bethany. É uma linda história, mas... — Ainda está pensando que estou mentindo? — Espera que eu acredite que carregou a criatura debaixo do vestido de noiva? Que ia se casar levando um gambá no meio dos seios? E depois? Você e seu precioso primo iam levar o bicho na lua-de-mel? Conheço Peter Mayberry, e não acredito no que está dizendo. — Não haveria lua-de-mel. Eu me casaria com Peter e em seguida iria para casa. — Então você e Mayberry iam se casar apenas por causa do dinheiro? Estava fazendo isso apenas por causa da herança? — Certo. — Bethany engoliu em seco. Não havia um modo de escapar de Bruce. Estavam acontecendo coisas que ela não entendia. Mas sabia que a única chance que teria era ser honesta e torcer para que ele fosse mais decente e mais íntegro que seu primo. Olhou para Bruce e sentiu que valia a pena tentar. — Posso explicar? Bruce Hallam fez que sim com a cabeça e ficou parado no mesmo lugar. Cruzou os braços e esperou. — Tenho uma fazenda, Bruce. Não como esta. É pequena, e não é de minha propriedade. Eu a arrendo. Fiz um curso de enfermagem veterinária e, desde que me formei, trabalho duro para poder comprar o lugar. Tem apenas vinte acres, mas é um local muito bonito, e eu crio alguns animais para poder pagar o aluguel. — E? — E também trabalho em minha carreira. É o que sempre quis fazer. Significa tudo para mim. As pessoas me trazem animais feridos ou órfãos, e eu trato deles até poderem voltar à vida selvagem. A maioria é de espécies nativas, como cangurus e coalas. Há pássaros também. — E o que isso tudo tem a ver comigo? — Bruce fazia um enorme esforço para não se mostrar interessado, tentando permanecer frio. A expressão de raiva havia amenizado, no entanto, e Bethany encontrou coragem para continuar: — Tenho problemas com as cercas. Pensei que a propriedade tivesse sido bem cercada, mas há seis meses um casal de cachorros selvagens entrou e matou algumas cabras que estavam quase no ponto de serem vendidas. Foram mortos cinquenta animais. — Isso deve ter feito um rombo e, suas economias. — Foi pior que isso. Arruinou-me. Não posso mais pagar o aluguel do arrendamento, terei de procurar outro lugar e não tenho condições de comprar uma fazenda, nem que seja menor. Sem isso, não poderei reabilitar meus animais terei de pedir demissão da Fundação de Conservação do Meio Ambiente. Isso significa o fim de tudo pelo que trabalhei com tanto empenho e dedicação. Silêncio. — E então, Bethany? — Então é onde entra meu primo na história. Minha tia sempre me controlou, descobriu o que tinha acontecido e que eu estava falida. Acho que até ficou satisfeita, pois não queria que fizesse sucesso com minha fazenda. Ela falou com Peter, que veio me ver. Não gosto de Peter. Nunca gostei. Depois que meus pais morreram, quando eu ainda era uma criança, fui viver com Hilda e ele, mas minha tia sempre me tratou mal, e Peter gostava de tornar minha vida miserável. Parei de confiar nele há muito tempo, mas dessa vez... Bem, ele estava me oferecendo esperança. Disse que Oliver Bromley tinha lhe deixado uma herança para, sob a condição de que estivesse casado quando completasse trinta anos, mas Peter não queria uma esposa. Acreditei porque meu primo é muito egoísta para partilhar a vida com alguém. — E o que Peter lhe ofereceu? Bethany baixou a cabeça e olhou para seus pés descalços, na grama. — Trinta mil dólares. O preço de minha fazenda. Silêncio outra vez. Será que Bruce acreditara? — Bethany, quanto você acha que Oliver Bromley deixou para seu primo? Mayberry lhe disse? — Não. Mas imaginei que devia ser uma soma grande para fazer com que Peter decidisse se casar. Ele falou também que a herança cobriria as despesas com nosso divórcio. — Muito generoso da parte dele — Bruce resmungou e ergueu o queixo de Bethany para fazer com que ela o encarasse. — Bethany, casando-se com você, seu primo herdaria mais de um milhão de dólares em dinheiro. E também a mansão de Bromley, que vale uma fortuna, as obras de arte e as coisas pessoais dele. O valor total deve chegar a mais de dois milhões de dólares. O custo do divórcio não parece pequeno? — Dois milhões... — Foi o que eu disse. Isso se você tivesse feito sua parte. Bethany meneou a cabeça e olhou para Bruce. — Mas você acha que eu me importo com a quantia que Peter iria herdar? Ele e tia Hilda sempre me trataram como lixo desde que eu tinha cinco anos. Quando tive idade suficiente, fui viver sozinha, e ficaria muito feliz se não tivesse tornado a vê-lo. — Mordeu o lábio. — Mas agora vejo que dois milhões de dólares fazem muita diferença. Sobretudo se for você a receber a herança, e não Peter. Entendo o motivo de todo seu esforço. — Não... Bethany, acho que nós dois nos julgamos mal. Não quero nada do que Oliver deixou. Ele não é meu parente. Bethany respirou fundo. Nada mais fazia sentido. — Então, por que me raptou? E por que está me mantendo prisioneira? Se não vai herdar o dinheiro de Oliver Bromley, quem herdará? — Quer mesmo saber? — Sim, quero. — Katie. — Katie... — Bethany percebeu que o dia estava esfriando com a aproximação da noite. Sentiu um calafrio e balbuciou: — Katie, sua... sua filha? — Ela não é minha filha. — Olhou para a casa e acrescentou: — Bethany, precisamos conversar, mas antes tenho de ver Katie. É uma garota independente, mas gosto de saber o que faz. Quer entrar comigo? — Na sua parte da casa, você quer dizer? — Bethany perguntou com ironia. — Ou a parte que serve como minha prisão? Bruce ergueu a mão e passou-a pelos cabelos. Pela primeira vez seus traços fisionómicos mostraram preocupação. — Bethany, isso tudo é uma droga. Mas acho que poderíamos começar de novo. E tempo de eu ser honesto com você. Entre, vou ver Katie e tomaremos alguma coisa. — Eu não... — Não há escolha. — Pegou o braço de Bethany e a conduziu para dentro de residência. CAPITULO IV Katie estava brincando com blocos de construção na mesa da cozinha, para onde Bruce conduziu Bethany. A menina olhou para os adultos, mas não disse nada. O que Bruce tinha dito? Que Katie era muda? — Gostaria de beber alguma coisa, Katie? — ele perguntou, mas não obteve resposta. A garota olhou para Bruce, que tirava uma jarra de limonada da geladeira para servi-la. Katie pegou o copo, bebeu sem fitá-lo e voltou a brincar. — Vou tomar uma cerveja, Bethany. Temos vinho, se preferir. — Também gostaria de um copo de limonada. — Certo. Vamos nos sentar na varanda. E possível ver Katie de lá. Bethany olhou para Katie e hesitou entre falar com a menina ou não, mas alguma coisa lhe dizia que seria melhor não tentar. Parecia que a linguagem corporal de Katie lhe dizia para ficar longe. Pegou o copo de limonada e seguiu Bruce. — Katie é filha de minha meia-irmã, Bethany. Acho que posso dizer que é quase minha sobrinha. — Mas ela parece não conhecê-lo bem. Katie o trata como a um estranho. — Sou um estranho. — Suspirou. — Minha meia-irmã, Christine, era casada com Richard Bromley, filho de Oliver Bromley, mas nunca o conheci. Christine conheceu Richard nos Estados Unidos e nunca veio com ele para a Austrália. Acho que havia um desentendimento entre pai e filho. — Mas sua irmã amava Richard? — Quem pode saber? Depois da morte de mamãe, Christine se afastou da família e só vim a saber dela depois da morte de Oliver Bromley. Katie deve ter seis anos de idade e viajava muito com os pais, às vezes em condições desesperadoras. Não sei a história toda, mas Christine e Richard foram mortos. Suspeito que Richard estivesse envolvido com tráfico de drogas entre a Austrália e a costa da Indonésia, mas a polícia não disse nada a respeito, e eu também não perguntei. Quando morreram, as autoridades da Ásia entraram em contato com Oliver Bromley, através de seu gerente, Peter, para saber que atitude deveriam tomar em relação à menina. Mayberry concordou com relutância, por parte de Bromley, em pagar pelo sustento de Katie. — Mas não permitiu que voltasse para a Austrália — Bethany concluiu. — De jeito nenhum. Enfim, Katie foi levada para um orfanato e lá ficou durante seis meses, até a morte do avô. Quando isso aconteceu, o dinheiro que enviavam a ela foi suspenso de imediato. Ficou óbvio que Mayberry não se sentiu mais responsável pela menina. Então, quando a pensão foi cortada, a polícia passou a fazer investigações e acabou me encontrando, como parente mais próximo. Peguei um avião e fui buscá-la. — Até então, não sabia da morte de Christine? — Não. Não sabia de nada. Nem mesmo da existência de Katie. Se eu soubesse... — Você amava sua irmã e, apesar de não tê-la visto por muito tempo, sua morte o magoou muito, não foi? Bruce olhava para o pôr-do-sol, e sua expressão era de sofrimento. — Quando Christine nasceu, eu tinha nove anos, depois de minha mãe ter se casado com um homem de quem eu não gostava. Meu pai era muito amargo e infeliz, e minha mãe estava preocupada com sua nova família. Eu gostava de cuidar de Christine nas ocasiões que passava com mamãe. Ficava a maior parte do tempo com meu pai, na montanhas, por isso quase não via Christine. Quando ela completou sete anos, meu padrasto arrumou um emprego nos Estados Unidos e quase não a vi mais. Mas, sim, eu a amava e por ela, cuidarei de Katie. — Quer dizer que lutará pela herança de Katie. — Não dou a menor importância para os dois milhões de dólares. — Bruce sorriu. — Como pode ver, tenho mais do que o suficiente para cuidar de minha sobrinha. Mas seu noivo... — Peter não é meu noivo. Não me casarei com ele, se isso prejudicar Katie. — Independente de ele ser ou não seu noivo, as negociações entre as autoridades da Austrália e dos Estados Unidos não foram feitas por Oliver Bromley. As decisões foram tomadas pelo seu gerente, Peter Mayberry. Bromley era idoso e doente, e Mayberry só começou a trabalhar com ele alguns meses antes de sua morte, e cuidou para que os antigos funcionários de Oliver, o administrador da fazenda e uma antiga governanta, fossem dispensados. Não foram lembrados no testamento, apesar de terem trabalhado para Bromley durante quarenta anos ou mais. Mayberry herdou tudo. — E Katie? — Mayberry não queria saber dela. Foi decisivo na resolução de não mais cuidar da menina. Recusou-se a trazê-la para a Austrália com a justificativa de que os pais tinham residência na Ásia e que ele não possuía fundos para isso. Pagou apenas o suficiente para mantê-la no orfanato mais barato que pôde encontrar. O padrão de salubridade do lugar de onde a tirei é apavorante. Ainda não sei como a encontrei com vida, e tenho certeza de que Mayberry esperava que Katie morresse. Quando Bromley se foi, a pensão foi cortada, e Peter não quis mais saber dela. A lei não estipulava que netas deveriam ser sustentadas, e Katie foi deixada a seu próprio destino. — Oh, não! — Bethany olhou para Katie, que continuava brincando na cozinha. Entendeu, então, por que ela lhe parecera tão solitária. — Acha que Peter manipulou Oliver para ser beneficiado pelo testamento? — Você conhece seu primo melhor do que eu. O que acha? Só havia uma resposta plausível. — Sem dúvida. Só haveria um motivo para que Peter se dedicasse a um moribundo: dinheiro. — Suspirou e encontrou desafio nos olhos de Bruce. — Então você me raptou para punir Peter. Começo a entender. — É mais simples do que isso. — Bruce levantou-se e fitou as montanhas a distância. — Mais direto, se preferir. Depois da morte de Christine e Richard, seus pertences foram devolvidos a Oliver Bromley. Quando localizei as autoridades que enviaram suas coisas, me deparei com um oficial, o mesmo que entrara em contato com Oliver para tratar da pensão de Katie, muito preocupado e que me disse haver muitos objetos na casa. Muitas fotografias e livros. O oficial enviou tudo para a casa de Oliver Bromley, depois de Katie ter sido mandada para o orfanato. Então, meu advogado mandou uma carta, por parte de Katie, pedindo que tudo fosse dado a ela. — E foi? — Bethany engoliu em seco, sabendo a resposta de antemão. — Você sabe o tipo de homem com quem ia se casar. Mayberry mandou uma curta resposta a meu advogado dizendo que Katie não tinha direito a nada e que, tão logo os bens de Oliver passassem a ser dele, após se casar com você, tudo o que tivesse algum valor seria leiloado, e o resto, queimado. Afirmou também que nos notificaria sobre os detalhes do leilão, e Katie poderia arrematar o que quisesse. Bruce suspirou, tentando conter a ira. — Vi o orfanato para onde Katie foi enviada, Bethany. Era terrível. Ninguém falava inglês, e minha sobrinha era tratada como um ser insignificante. Havia lugares muito melhores, e também baratos. Acha que seu precioso primo iria se importar em procurar fotografias e enviá-las a Katie, para que ela pudesse se lembrar da mãe? Fiquei tão furioso que decidi contestar o testamento, mas, quando o advogado verificou os termos, descobriu que eu podia fazer coisa melhor. Que, como único parente de Bromley, Katie herdaria mais que velhas fotos... se Mayberry não se casasse. E farei tudo o que estiver a meu alcance para que ele não herde um centavo. O advogado disse também que, como tutor de Katie, posso fazer com que os antigos empregados de Bromley voltem ao serviço com a justificativa de que Katie tem obrigações para com eles, que Peter não assumiria. Portanto, estou privando seu primo de dois milhões de dólares. Você me culpa? — E claro que não! Você tem de acreditar que eu não sabia. Eu nunca teria... — Posso ver isso agora. — Bruce se afastou dela e foi dar uma espiada em Katie. — Fui tolo em pensar que você era igual a ele. Mas por que concordou com esse casamento? — Eu lhe disse. Estava desesperada. —A vida de alguns cangurus e gambás valem esse sacrifício? — Sem dúvida. Desde que meus pais morreram, os animais têm sido os únicos seres em quem confio. Para você isso pode não ter significado, mas para mim... Bem, a vida deles vale muito, Bruce, bem mais que dinheiro. Talvez o mesmo que algumas fotografias para você, que está se arriscando a ir para a cadeia por sequestro e cárcere privado. Sabe que corre esse risco, não sabe? — Sim. Sopesei tudo, e minha raiva foi maior. — E o que Katie faria se fosse para a cadeia? Bruce meneou a cabeça. Tinha o olhar cansado e triste. —Para um bom orfanato, talvez? Ela não está feliz aqui, e não sei o que fazer. Katie não... Bethany interrompeu-o: — Não o quê? — Franziu as sobrancelhas. — Você me disse que e Katie é muda. Por que disse isso? — Porque ela é. Não fala agora e também não falava no orfanato. Como lhe disse, ninguém lá sabia inglês, mas alguns tentaram se comunicar, sem resultado. A menina está comigo há três semanas, e nem a mim disse uma palavra. — Katie falou comigo. Disse que tem saudade da mãe. Bruce a olhava, espantado. —Também me disse que a mãe a chamava de Katie Sininho e que havia feito a jardineira que está usando numa máquina de costura. Silêncio total. Dentro da casa, a criança estava concentrada nos blocos. — Minha mãe costurava — Bruce falou, por fim. — Era uma boa costureira, e Christine, mesmo quando tinha apenas sete anos, costumava ajudá-la. Lembro-me bem das duas à máquina de costura. Mamãe ensinava a filha a fazer roupas simples, no início. E a jardineira... Katie a estava usando quando a levaram para o orfanato. Lá, tinham de usar uniformes, mas ela carregava a jardineira como se fosse um brinquedo de estimação, como um ursinho de pelúcia, por exemplo. Quando a trouxe, vestiu essa roupa e ninguém a convenceu do contrário. Quando dorme, eu tiro e ponho para lavar, e logo que seca ela a veste de novo. A jardineira está quase desmanchando, mas Katie não se separa dela. — Não a culpo. É a única coisa que ela tem. — Bethany meneou a cabeça. — Oh, Bruce, sinto muito, muito mesmo. — Não há necessidade de se desculpar. Seu primo mentiu e, desde que não se case com ele, nada de grave acontecerá. — Peter deveria ser castigado pelo que fez a pobre menina sofrer. Sozinha, abandonada... Mas terá o que merece se você conseguir tirar dele dois milhões de dólares. Não poderia haver castigo maior. Nada poderia feri-lo mais. Tem certeza de que Peter não herdará? Não há outro modo de ele conseguir? — Meu advogado checou mais de uma vez. Na Austrália, para se casar, são necessárias quatro semanas para obter licença, e não há exceções. Faltam menos de duas semanas para Peter completar trinta anos, e o testamento de Bromley foi claro. Meu advogado suspeita que Oliver estava muito doente para saber o que fazia. O testamento é muito simples, mas conciso: "Deixo tudo o que possuo para Peter Mayberry com a condição de que esteja legalmente casado por ocasião de seu trigésimo aniversário". Portanto, se não se casar, Katie herdará tudo. — E se alguma coisa acontecer a Katie? — Bethany olhou de novo para a criança. Visões de seu primo perseguindo a menina povoaram sua imaginação, e ela estremeceu. — E se Katie tivesse morrido naquele orfanato? — Era o que Mayberry queria, tenho certeza. Porém, mesmo que isso tivesse acontecido, nada mudaria para Peter, porque, se não se casar, o dinheiro irá para o governo. Christine e Richard não eram casados, e essa foi uma das razões de Oliver Bromley ter perdido contato com eles. Richard registrou Katie como filha, mas Oliver Bromley jamais aceitou que tinha uma neta. Não sei por que motivo colocou essa cláusula de casamento no testamento. Bethany respirou fundo, aliviada. Se o "dinheiro não fosse parar nas mãos de Peter, então Katie estava salva. — E aonde isso tudo me leva, Bruce? Não pode me manter aqui. — Olhou para o rosto dele, e seu coração acelerou, de repente, ao pensamento de sair da vida daquele homem, daquela criança e de seus problemas. Não tinha cabimento sentir-se assim. Bruce Hallam e Katie não tinham nada a ver com ela. Por que então parecia que sim? Por que se preocupava tanto com eles? — É claro que não posso mantê-la aqui, Bethany. Você tem seus preciosos animais... — Fez uma pausa. — Só que teria de enfrentar a ira de seu primo. Como Peter reagirá a sua fuga? Bethany estremeceu, e Bruce notou. — Você tem medo dele? — Não. Peter já ficou com raiva de mim outras vezes. Eu sobreviverei. Tinha sobrevivido até então. Alguns dos piores exemplos do temperamento cruel de Peter deixaram nela cicatrizes emocionais. Ele era mais velho e adorava ter a sua mercê uma criança indefesa. Mas isso também não tinha nada a ver com Bruce Hallam. —Então Katie e eu a levaremos de volta a sua casa amanhã. Bethany não protestou. Não havia nada que pudesse fazer além de voltar e enfrentar a fúria de Peter. — Levará Katie conosco? — perguntou tentando pensar em alguma coisa mais agradável. — Você não a levou quando... — Quando raptei você? — Sorriu. — Tenho um amigo fotógrafo, o que me emprestou o equipamento, que me orientou dizendo-me que, se quisesse parecer confiável, teria de agir com displicência, e não ajudaria nada ter uma criança comigo. Pedi então para que minha governanta cuidasse de Katie até que eu voltasse. A sra. Scott ficou admirada, para dizer o mínimo, quando deixei claro que queria a casa sem nenhum empregado enquanto você estivesse aqui, mas isso não ajudou. Deixei-a sozinha no carro enquanto vim falar com ela, para que não a visse vestida de noiva. Mas devo dizer-lhe Bethany Lister, que fica muito melhor usando jeans. Cetim não é seu estilo. — Sei que não é. Mas Peter exigiu uma noiva esplendorosa. — Peter exige demais. — Sim... Bruce, se você me der licença, preciso alimentar o filhote. E, para ser franca, também estou com fome. Vou para meu quarto. — Não. — Não? Por que não? — Você é minha convidada. Tratei-a muito mal, raptei-a e a trouxe para cá como se fosse* uma criminosa. Deixe-me reparar o que fiz de alguma maneira. — De que forma? — Deixando-me preparar seu jantar. — Olhou para o relógio. — Vá alimentar seu bebé e volte em meia hora. Katie e eu estaremos esperando. CAPITULO V Bruce Hallam sabia cozinhar. Bethany sentiu 'o aroma da comida antes de entrar na cozinha. Atravessou a varanda e suspirou ao entrar na cozinha. Então, hesitou. Katie estava sentada no chão, a um canto, e não ergueu os olhos quando ela entrou. Bethany olhou para o que a garota estava fazendo e franziu as sobrancelhas, preocupada. Construía com os blocos, a mesma coisa vezes seguidas numa repetida monotonia. Havia erguido a mesma torre três vezes enquanto ela e Bruce estiveram conversando na varanda, e agora tornava a construíla. Quantas vezes já teria feito a mesma coisa no intervalo de tempo em que Bethany estivera ausente? Sua atenção foi desviada por Bruce. — Espero que não seja vegetariana. — Ele sorriu. — Fiz medalhões de filé com molho de manteiga e talharim. Há também salada. — Se eu fosse vegetariana, o aroma dessa comida me faria mudar de ideia na hora. Onde aprendeu a cozinhar assim? — Não tive escolha. Ou aprendia ou morria de fome quando meus pais viajavam. Papai não sabia fazer nada na cozinha. Era o típico machista, que acreditava que homens apenas caçam e trabalham, e mulheres ficam em casa. Posso entender, em parte, por que minha mãe o deixou. —E você? Desde então ficou sozinho? — perguntou e seguiu o olhar de Bruce em direção a Katie. — Quer saber se sou casado? — Riu com uma ponta de amargura. — Não, Bethany, não há nenhuma esposa escondida no quarto ao lado. E nem haverá, a não ser que seja um casamento de conveniência. — Por que não? — Curiosa, sentou-se no grande banco ao lado do fogão. — Tenho observado o que o casamento faz com as pessoas. — E o que ele faz? — Estava sendo impertinente, mas usaria essa impertinência e mais alguma coisa para desviar a atenção da infeliz criança, que continuava a brincar, alheia à presença deles. — Destrói o casal e as pessoas que vivem ao redor. Sei que é uma crença pessoal, mas você... acho que sente o mesmo. — Por que eu deveria sentir isso? — Não hesitou em casar-se com seu primo. Embora fosse uma união pró-forma, evitaria que se envolvesse com outro. — É diferente. — Por quê? — Não é que eu desaprove o casamento. Mas quem se casaria comigo? Quer dizer... estou contente com meu modo de viver e sei que meu lugar é ao lado dos animais. — Seu lugar? — É verdade. Só me sinto bem quando estou em minha casa com meus bichos. É o meu lugar. — Mas não pensa como eu a respeito do casamento? — Nem sequer considerei esse assunto. Não faz parte de meus planos. — Sorriu. — Que homem ficaria feliz em partilhar a cama comigo e minha coleção de animais selvagens? Mas não penso como você. Lembro-me de meus pais, sempre tão felizes. Nós éramos uma família de verdade. Eu me sentia muito bem. Era mais nova que Katie, mas ainda assim recordo que eles foram muito importantes para mim. E por isso acho que a jardineira de Katie e as fotografias que você está tentando recuperar são muito importantes para ela. Bethany olhou para a garota, que parecia muito solitária. Não conseguia suportar isso. Tomando uma súbita decisão, levantou-se do banco e foi até a menina, tirou os blocos das mãos dela e perguntou, com muito carinho: —Katie Sininho, você já terminou de construir a torre. Quer que eu a ajude a fazer alguma coisa nova? Katie a olhou com olhos apáticos e não respondeu. — Vou fazer um carro — Bethany disse com firmeza. — Você pode me ajudar enquanto tio Bruce termina o jantar. Silêncio. — Não vai funcionar — Bruce murmurou. — Não saberemos se eu não tentar. — Sorrindo, começou a construir o carro. O automóvel estava quase pronto, mas Katie não ajudou. Só olhava, sem interesse, como se apenas esperasse para ver até quando duraria a paciência de Bethany, que seguiu ignorando a apatia da garota. — E uma Mercedes — Bethany afirmou, solene. — Como a de tio Bruce. Sei que a dele é preta, mas aposto que titio gostaria que fosse vermelho com listras amarelas. E um artista tem o direito de escolher as cores de que mais gosta. Nenhuma resposta. Bruce terminou de preparar a comida ao mesmo tempo que Bethany acabava de montar o brinquedo. Serviu a refeição em dois pratos de tamanho normal e em um menor, que colocou perto de Katie, que sentara-se no chão para espiar Bethany. —Vamos comer todos juntos? — Bethany sugeriu, animada. — Katie não comerá enquanto estivermos olhando. Deixe-a fazer da maneira como gosta, ali mesmo, perto do carro que você fez. — Isso é ridículo, Bruce. Ponha mais um lugar à mesa, por favor. — Mas... Bethany pegou o prato menor da mão dele. Sabia que estava fazendo a coisa certa. Katie tinha o mesmo olhar amedrontado que seus animais quando eram trazidos a sua fazenda. A criança não queria ficar sozinha; apenas tinha medo de confiar nas pessoas, que já a haviam magoado muito. —Nossa Katie Sininho tem estado sozinha durante muito tempo. Está na hora de essa solidão terminar. Colocou o prato da menina na mesa, tirou o saquinho com o gambá de baixo da camiseta e o pendurou no pescoço de Bruce, que, depois de uma exclamação de surpresa, aceitou sem perguntas. — Meu gambazinho precisa sentir batidas de coração — Bethany falou com a voz um pouco trémula. — Você pode emprestar-lhe o seu, Bruce? — Enquanto você faz o que com o seu? — Bruce olhava-a, divertido, e quase sem querer ajeitou o filhote de encontro ao peito. — Vou emprestar o meu para Katie. E lhe mostrarei, Bruce, como segurar sua sobrinha, para que amanhã possa fazer a mesma coisa. Parou do lado de Katie e, com um movimento rápido, pegou a criança nos braços. A menina pesava pouco, e era pequena para a idade. Bethany a abraçou e sentou-se numa cadeira. — Katie e eu estamos prontas para jantar, tio Bruce. Se você for gentil e servir de garçom... — Olhou para o copo de plástico que Bruce punha na mesa, cheio de leite. — Katie Sininho gostaria de tomar leite na taça de vinho. Ela é uma de nós. Vamos comer juntos. — Seu gambá está se mexendo, e faz cócegas. — Bruce ria, divertido. — Sorte sua. Há muitos homens que dariam tudo para sentir cócegas enquanto comem. — E? O que você sabe sobre isso? — Concluí sozinha. Você tem de acreditar em mim, por que não tem outra escolha. Foi a refeição mais estranha que Bethany já tivera, mas também a melhor e a mais agradável. Durante os primeiros minutos, Katie não comeu nada. Permaneceu sentada, observando, e Bethany, depois de algumas garfadas, fez uma pausa. —Você quer que eu lhe dê comida, Katie Sininho? A menina fez que não com um gesto de cabeça, e Bethany continuou a comer, enviando a Bruce, mensagens com os olhos para que ele não interferisse. Ele não o fez. Continuou a comer com calma, e Bethany o abençoou pela percepção. A garota precisava se sentir protegida, mas livre para comer ou não. Não podia ser forçada a nada. Enfim, Katie começou a se alimentar. Quando Bethany terminou sua refeição e começou a saborear o excelente vinho que Bruce lhe servira, a garota ergueu a mãozinha e pegou a colher. A outra mão estava apoiada no colo de Bethany. Esse novo contato era agradável. Katie comeu uma colherada, depois outra, e a tensão foi se dissipando. — Quanto tempo seu pequeno gambá precisa de um coração batendo? — Bruce perguntou com curiosidade, enquanto Katie pegava sua taça de leite. A criança ficou tensa, mas quando percebeu que a pergunta não era dirigida a ela, voltou a relaxar e continuou a beber. — Se eu estivesse em casa, a deixaria num lugar aquecido, não necessariamente perto de mim — respondeu Bethany. — Ela gosta de um pouco de liberdade, mas ainda precisa de um lugar que imite a bolsa marsupial da mãe. Na fazenda, tenho cobertores elétricos, então meus bebés ficam bem, mesmo quando não os posso carregar. — Sei... Katie terminou a refeição. Comera tudo, Bethany notou, satisfeita, embora não tivesse dito nenhuma palavra. Estava até duvidando de ter mesmo ouvido a menina falar. —Agora, Katie Sininho, está na hora de dormir. — Fez um carinho nela, e a criança se encolheu agarrando-lhe a mão. — Acho que eu também vou. Bethany levantou-se e pôs Katie no chão. A mão da menina ainda a segurava com força, impedindo Bethany de endireitar as costas. Tentou se livrar dos dedinhos, mas não conseguiu. Então, tornou a pegar a menina no colo. Olhou para Bruce em dúvida. O que fazer? Afastar-se, mesmo sabendo que a criança precisava dela? Não podia abandoná-la, como também nunca abandonava seus animais. — Onde você dorme, querida? A menina enterrou a cabeça no ombro de Bethany e escondeu o rosto. — O quarto de Katie é perto do meu, Bethany. Mas ela não gosta muito dele, pois está aqui há três semanas e a maioria das noites acaba dormindo no chão da cozinha. — Não a deixa dormir com você? Bruce fez um gesto negativo com a cabeça. — Oh, céus! — Ele passou a mão pelos cabelos com um gesto que Bethany estava começando a reconhecer. Então, suspirou. — Não sei se você pode imaginar, mas percebe o problema de trazer Katie para uma fazenda? Ela é uma cidadã americana com residência na Ásia. Sou meio-irmão da mãe dela, e seus pais jamais requereram para ela a cidadania australiana. Tive de convencer o pessoal do Bem-Estar Social de que eu era a única pessoa interessada em Katie, que tinha o direito de voltar para a Austrália e, o mais difícil de tudo, que eu era um homem honesto, bem intencionado, só preocupado com ela. Estavam me tratando como se eu fosse algum pervertido. Portanto, Katie dorme em seu próprio quarto, Bethany, e ponto final. Alguma irregularidade, e o Bem-Estar tira a garota de mim. — Entendo. Onde você disse que ela dorme? — Na maioria das vezes, aqui na cozinha, no chão, junto dos blocos de construção e com a jardineira, é claro. Tentei fazê-la usar pijamas, mas Katie dormia segurando a jardineira, como se fosse uma boneca. — Tentou fazer uma cama para ela aqui? — É claro que tentei. Não funcionou. Não sei como dormia no orfanato, mas aqui prefere o chão. — Aposto que sim. — Bethany soprou os cabelos da menina. — Aqui é quente, e dormir sozinha num quarto frio é triste. Bruce, você tem um cobertor elétrico? — Tenho alguns. No inverno é muito frio nas montanhas. — Então poderíamos fazer uma espécie de casulo para Pétala? — Pétala? — Katie deu esse nome para a gambá. — Sorriu. — A não ser que você queira dormir com o bichinho debaixo de sua camiseta. E aviso que ela precisa ser alimentada a cada duas horas. — Não estou com vontade de dormir com um gambá. Mas... e você? — Acho que tenho de atender a outro bichinho. Sempre faço isso quando recebo uma nova criatura. Decido quem precisa mais de minha companhia. E agora já tomei a decisão. — Afastou a criança um pouco para olhar para ela. — Katie Sininho, seu tio vai me dar uma grande cama, e é muito frio dormir sozinha. Você poderia dormir comigo? A criança arregalou os olhos. —Vou acordá-la toda vez que for alimentar meu bichinho. E se você roncar, farei cócegas até que pare. Mesmo assim, gostaria de dormir comigo e com Pétala? Silêncio. Bethany mordeu o lábio. Estaria fazendo bem à criança confortando-a nessa noite se ninguém fosse beneficiado com isso? Se partisse no dia seguinte e Katie permanecesse no seu mutismo e seu tio continuasse lutando para entendê-la, nada mudaria. —Então, eu vou, Katie Sininho. Se não quer dividir a cama comigo e com meu gambá, vou deixá-la ficar onde você preferir. Mas, se mudar de ideia, diga a seu tio que quer ficar comigo esta noite. Silêncio. — Está bem, Katie — repetiu com calma, como se a decisão da menina não fizesse muita diferença. — Se é assim que prefere... Começou a pôr a menina no chão, e ela se agarrou em Bethany, que manteve a atitude com firmeza e se afastou dela. — Se você mudar de ideia e quiser ficar comigo esta noite, terá de dizer a seu tio Bruce. Faça isso, Katie. — O que você quer, Katie Sininho? — Bruce perguntou e se abaixou para ficar no mesmo nível da garota. — Diga-me. A criança arregalou os olhos, abriu a boca várias vezes, mas não emitia nenhum som. Havia, sem dúvida, muita pressão em sua pequena mente. Um enorme conflito. Bet-hany sentiu o coração se compadecer daquela criaturinha e um enorme desejo de tornar a pegá-la nos braços. Teve de despender uma força hercúlea para permanecer imóvel. Bruce tomou a mão da sobrinha e olhou para ela com carinho. —Diga-me, Katie. O tempo parecia ter parado. E Katie quebrou o silêncio: —Quero ficar com Bethany. CAPITULO VI Bethany acordou para alimentar Pétala às 'duas da manhã. O animal não estava se mexendo, mas era hora de alimentá-lo. Bruce tinha improvisado uma verdadeira bolsa marsupial, aquecida, ao lado da cama onde ia dormir. Dera trabalho fazer com que a temperatura estivesse boa para Pétala suportar. — Você tem certeza de que sabe o que está fazendo, Bethany? Não quero gambá assado no desjejum. — Confie em mim. Katie dormira agarrada à camisola de Bethany, que, ao verificar que a menina estava bem adormecida, se desvencilhou e levantou-se para preparar a mamadeira. A noite estava linda. Bethany foi até a varanda, sentou-se em uma das confortáveis poltronas e ficou a observar o jardim e, mais ao longe, o rio prateado pelo luar. As portas de madeira e vidro estavam abertas, e Bethany estremeceu quando ouviu a voz de Bruce bem atrás de si. Pétala, que mamava, também se assustou, e Bethany exclamou: — Santo Deus! Você parece um ladrão se esgueirando sem fazer barulho! — Aprendi esse truque com um assombração muito minha amiga — disse, sorrindo, e sentou-se numa poltrona, ao lado dela, encostando-se nas almofadas. — Diga-me, o que está achando de suas companhias para dormir? — Ninguém ronca. Pelo menos, acho que eu também não, mas, se roncar, não tem importância porque já estarei dormindo. — Você não ronca — Bruce assegurou e viu a expressão de Bethany mudar. — Como sabe? — Estive ouvindo atrás da porta, mas não a abri. Assumiu minha responsabilidade esta noite, Bethany, mas me acostumei, nessas três últimas semanas, a verificar a cada duas horas se Katie estava bem. Tornou-se um hábito. Porém, isso não me preocupa. Do mesmo modo que você, também tenho o costume de acordar durante a noite para ver meus animais. Quando tenho uma vaca ou uma égua em trabalho de parto... — Não confia em mim? — Katie tem pesadelos. Foi por isso que tentei ouvir alguma coisa através da sua porta. Pensei que você teve um dia pesado e poderia não acordar. Então... — Sim? — Comecei a pensar que fui tolo em achar que poderia cuidar de Katie sozinho. Quando soube da existência dela, a única coisa que tinha em mente era que se tratava da filha de Christine e eu era seu único parente. Mas isso não é suficiente. Posso ser tudo o que Katie tem, mas ela precisa de uma verdadeira família, não só de mim. — Suspirou. — Minha sobrinha falou com você. Em uma noite, conseguiu o que tentei, sem sucesso, durante vinte dias, Bethany. Isso me fez perceber como agi errado e como Katie está desesperançada aqui. — Então, o que sugere? — A equipe do Bem-Estar Social recomendou uma família adotiva. Disseram que Katie tem de ter um pai e uma mãe, e talvez um ou dois irmãos, e que duvidavam de minha competência para educá-la. Acham que eu deveria visitá-la sempre, para manter o vínculo com Christine e por ser seu único parente, mas que ficar só sob meus cuidados não será o suficiente para adaptá-la à vida. — Mas você a ama. Acho que isso é o que mais importa. Se tem amor suficiente, Bruce, tudo é possível. - — Acha mesmo? — Levantou-se olhando fixo para ela. — Você entende disso, não é, Bethany? Sabe o que é o amor. E a especialidade de Bethany Lister. Cuida de órfãos e feridos até que possam andar com suas próprias pernas. Põe tudo o mais de lado, tudo ao que a maioria das mulheres dá importância, porque amar é a coisa mais importante do mundo. Não sei se alguma vez encontrei uma pessoa como você em toda a vida. Também é uma criatura meio selvagem... Bethany engoliu em seco, olhou para Bruce, e as batidas de seu coração se aceleraram. Aquele homem era especial. Rico, forte e sofisticado e... —Bruce... — Bethany também se levantou. — Apenas tem de fazer o que achar melhor. Ouça o que diz seu íntimo e não se importe com o que os outros falam. Você ama Katie, e é isso o que importa. Não pode desistir agora. Bruce Fitou Bethany, e seu olhar se transformou. Confusão? Dúvida? Talvez ambos e mais alguma coisa que ela não conseguia definir. Deu um passo para trás para olhá-lo melhor e, de repente, tomou consciência de que sentimento era aquele. E isso a assustou demais. — Vou para o quarto, Bruce. Meu gambá precisa ir para a bolsinha, e eu... preciso dormir. — Não, não precisa. — Segurou-a pelos ombros.'— Bethany, não fique com medo. Talvez possamos pensar em alguma coisa para fazer juntos. — Não sei o que está querendo dizer. — O que fará sem sua fazenda? — Não sei. Acharei lares para meus animais, penso eu. E quanto a mim, voltarei a minha carreira de enfermeira veterinária. — E se eu lhe oferecesse um emprego? Bethany mordeu o lábio, tentando se concentrar no que ele estava dizendo. As mãos de Bruce ainda estavam sobre seus ombros, e seus olhos possuíam um brilho magnético e intenso. — Katie precisa de uma figura feminina. Vi isso com clareza esta noite. Ela precisa de você. — Quer dizer... uma babá? — Tentou se afastar dele, que a segurou, impedindo-a de fugir. — Não. Mesmo porque, já tenho uma governanta. Como lhe disse, a sra. Scott está sempre aqui, mas dei a ela e aos outros empregados duas semanas de folga enquanto você fosse ficar. A sra. Scott é uma boa alma, mas não consegue chegar até Katie. Não vejo como uma profissional qualificada poderia fazer melhor. Mas você... — Não sou uma babá. — Mas tem um coração tão grande quanto este país. E, se você concordar em trazer seus animais para cá, não haverá motivo para que não possa continuar o trabalho que adora. E Katie poderia ajudar, e, talvez fazendo isso, minha sobrinha encontre sua própria individualidade. — Trazer meus bichos? — Será necessária alguma organização. — Bruce parecia bastante animado com a própria ideia. — Os cães terão de ser treinados para deixar seus pacientes sozinhos, mas isso não é problema. Não permito que se embrenhem pela parte selvagem da fazenda, e o lugar onde seus bebés ficarão serão apenas uma extensão. São cachorros inteligentes, e aprenderão com facilidade. Podemos cercar o jardim e fazer um reservado para os animais maiores. Os arbustos aqui são densos e favoráveis para a reabilitação deles. Por que não daria certo, Bethany Lister? “ — Não daria... — Por que não? — Eu não... — Não continuou. Seu coração dava saltos, e ela não conseguia pensar. Não com as mãos de Bruce tocando-a e seus olhos fitando-a com tanta intensidade. — Por que não, Bethany? Tem amor para dar e vender, e decerto poderá dividi-lo com uma pobre menina que precisa de você desesperadamente. — Não daria certo. — Diga-me por quê. — Não posso. Depois, quando eu tiver de ir embora, meu coração vai se partir. Houve um grande silêncio. O luar os cercava com brilho prateado. Mais abaixo, o rio seguia seu curso, profundo e misterioso, refletindo a lua e as estrelas. O momento era mágico. A magia também os cercava e os envolvia. Bethany continuava quieta e trémula. Bruce a segurava sem tirar os olhos dela, e pouco a pouco foi trazendo-a para mais perto dele até que seus corpos se roçaram. E Bethany não conseguiu resistir. Era a noite, dizia a si mesma. Era o lugar. A lua. Nada mais parecia existir além daquele homem, que a abraçava com infinita ternura. Bethany ergueu a cabeça. Bruce segurou-lhe o queixo, aproximou os lábios e beijou-a. Num esforço supremo, Bethany afastou-se dele, quase em lágrimas. —Você me raptou e me trouxe para cá à força, Bruce. Não tem o direito de me seduzir para que eu trabalhe para você. Se quer uma babá para Katie, terá de encontrar alguém. Não pode me persuadir desse modo. De jeito nenhum! E, antes que Bruce pudesse responder, virou-se, correu para o quarto e fechou a porta. Demorou muito para conciliar o sono e, quando dormiu, teve sonhos estranhos e perturbadores. Alimentou Pétala às cinco da manhã e tornou a dormir. E os sonhos foram ainda piores. Katie acordou antes de Bethany. Ficou deitada, quieta, os olhos arregalados, esperando com infinita paciência Bethany despertar. Quando cansou, Katie, com um dedo, abriu uma das pálpebras de Bethany, que acordou e sorriu. —Ei, Katie! Bom dia! Por que abriu minha janela? Katie esboçou um breve sorriso, mas foi muito mais do que Bethany poderia esperar. "Eu posso fazer alguma coisa boa com esta menina. Mas e depois? Irei embora quando o contrato terminar?” Seria muito duro. Envolveu a criança num abraço e por, um momento, sentiu-se também abandonada e pôde avaliar como Katie havia sofrido. — Vamos nos vestir, querida. Tomaremos o desjejum e depois seu tio vai me levar de volta a minha casa. — Casa? Mas... onde você mora? — Numa fazenda a algumas milhas daqui, Katie Sininho. Só vim para visitar você e seu tio. Hoje tenho de voltar. — Leve-me com você. — Não posso fazer isso. — Bethany acariciou-lhe o rosto e sentiu uma pontada no coração. — Mas você me verá de novo. Pedirei a seu tio para vir visitá-la sempre que meus animais não precisarem de mim. E hoje, irá a minha fazenda e verá meus bebés, Katie. Vai adorá-los. Há um filhote de coala que foi salvo de um incêndio, e um canguru que foi atropelado por um carro. Acho que vai gostar muito deles. Agora, devemos nos vestir. O que quer usar hoje? — Minha jardineira. — Claro! A jardineira era a única coisa segura que a menina possuía. Adultos não podiam entender e... Bethany tinha de ir... CAPITULO VII Bruce não se encontrava em casa quando Be-^ thany e Katie saíram do quarto. Estava tudo deserto, e as duas resolveram procurá-lo. Pela primeira vez, Bethany deixou Pétala sozinha, acomodada na "bolsa mar-supial" que Bruce havia improvisado com o cobertor elétrico. Mas onde estaria ele? Não o viram no jardim, nem nas redondezas. Também não havia sinal dos cachorros. — Teremos de chamá-lo, Katie. Mas a menina não respondeu. Desde que Bethany dissera que iria embora, o sorriso desaparecera dos lábios da garota. Segurava na mão de Bethany, mas ficara apática outra vez. Por fim, foram até a cozinha e acharam um bilhete sobre a mesa: "Fui alimentar o gado. Vejo vocês às nove, se estiverem acordadas, par de dorminhocas.” — Seu tio é muito rude, Katie Sininho — Bethany falou, sorrindo. Tinha vontade de ir atrás dele, mas hesitava. Porém, que mal isso poderia fazer, se ia embora naquele mesmo dia? — Talvez possamos ir ver o que Bruce está fazendo. Você sabe onde é o pasto? Katie não respondeu, e Bethany pensou que tivesse voltado ao mutismo anterior. Porém, depois de pensar durante alguns instantes, a menina respondeu: — Todas as manhãs ele dá feno aos animais do outro lado do rio. Há uma ponte, e eu sei como cortar o caminho, se você quiser, mas precisará usar botas de borracha. — Por que as botas? — Por causa das cobras. — Você quer ir encontrar tio Bruce? Não tenho botas de borracha, mas cantaremos o tempo todo. Katie a fitou, surpresa. — Por que vamos cantar? — Bem, as cobras têm mais medo de nós do que nós temos delas. E, se nos ouvirem cantando, se afastarão de nosso caminho. Bem, Katie Sininho, tem certeza de que pode encontrar tio Bruce? — Sim, é fácil. Não foi. Bethany havia calçado um par de sapatilhas inadequadas, Katie, botas de borracha, e foram cantando até chegarem às proximidade do rio. Lá, Bethany parou. — Katie... — A ponte está logo ali. Poderíamos ter vindo pela estrada, mas é muito mais longe. Tio Bruce diz que este é o melhor atalho. Bethany olhou, desanimada, para a margem, pensando que, se Bruce tinha essa opinião, devia ter nadadeiras nos pés. O terreno entre onde elas se" encontravam e a ponte era lamacento e inclinado. — Katie, não estou usando botas. — Eu falei que iria precisar delas. — Você disse que precisaríamos delas por causa das cobras. — Também por causa da lama. — Pegou a mão de Bethany. — Vamos. Por favor... Tio Bruce disse que é divertido e delicioso afundar na lama. — Pode ser, Katie Sininho, mas vou ficar toda enlameada. — Não faz mal. Talvez não fizesse. Bethany hesitou durante trinta segundos. Então, sorriu, tirou as sapatilhas e seguiu Katie. Deu um passo, mais outro e mais outro... Katie, pequena e leve, afundava apenas algumas polegadas, mas Bethany afundou até os tornozelos no primeiro passo, e a lama macia e "deliciosa" entrava no meio dos dedos do pés descalços. No segundo passo, afundou até a barriga da perna, e, no terceiro, até os joelhos. Ia tirando uma perna de um buraco e colocando-a em outro até que andaram alguns metros, e Bethany caiu na risada ao ver em que estado estava ficando. — Oh, garota terrível! Vou ficar grudada aqui para sempre, Katie! — Olhou para o inocente rosto da menina. — Aonde está me levando, Katie Sininho? Seu tio faz mesmo este caminho? Conte-me a verdade. — Não. Mas me mostrou a lama lá da ponte e me disse que costumava vir por aqui quando tinha minha idade. Prometeu que, quando eu voltasse a falar, me traria aqui para celebrar. Ontem à noite eu estava com muito medo para pedir-lhe, mas esta manhã pensei que, como tinha conversado bastante, poderia trazê-la aqui. — Obrigada, querida. Não posso me esquecer de também agradecer a seu tio por ter lhe dado essa ideia. Se conseguirmos chegar aonde ele está, é lógico. — Você consegue, se tentar. Olhe para mim. Nem sujeia jardineira. Com botas de borracha, estou limpa. Mais alguns metros, e Bethany teve de parar para tomar fôlego. Escorregou duas vezes e precisou apoiar a mão no chão para se proteger, enfiando o braço no barro até o cotovelo. Agora estava parecendo uma vítima de guerra, re-cém-saída das trincheiras. Olhou para a ponte. Ainda estavam longe dela. A sua frente, o lodo brilhava sob o sol, numa beleza ameaçadora. Um par de aves dava um vôo rasante nas águas perto das margens, sem deixar nenhum sinal na lama, enquanto Bethany ia abrindo buracos a sua passagem. — Katie, acho que não terei forças para chegar à ponte. Deve haver uma maneira mais simples de fazer... — Há. Bethany parou de falar olhando, estupefata, para Bruce, que da ponte olhava para as duas e sorria. — Bom dia, garotas. — Por seu tom, era fácil perceber que estava fazendo muita força para não gargalhar. — Estão fazendo um novo tratamento de beleza? Katie apertou mais a mão de Bethany, que percebeu que ainda havia desconfiança em relação ao tio. Não sabia como tinha sido o relacionamento da menina com o pai, mas era notório que se relacionava com muito mais facilidade com ela do que com Bruce. Bethany olhou para ele e também sentiu-se inquieta, apesar de essa inquietação ter origem muito diferente da de Katie. Bruce usava jeans, e a camisa estava aberta quase até a cintura. Os cabelos brilhavam ao sol e dava para ver o sorriso bonito e o peito musculoso e forte, mesmo a distância. Mas que situação ridícula! Bethany tomou fôlego outra vez e continuou andando até se aproximar dele. — Muito boa a sugestão que deu a Katie, Bruce. Muito obrigada. Você pagará minha conta na lavanderia? — Há uma solução mais barata. — Ele sorriu. — Ainda está com o pequeno gambá? — Graças a Deus, meu bebé está a salvo, em casa. — Então não há problema. Sabe nadar? — Eu não... — Não? — Meneou a cabeça. —'Não acredito, Bethany. Tem a aparência de uma mulher que nada como um peixe. Mas se diz isso... — Olhou para a sobrinha. — Bethany parece estar em apuros, Katie Sininho. Precisamos de um plano. Que tal tio Bruce salvá-la? A menina olhava, confusa, de um para o outro. — Não sei se Bethany quer ser salva — Katie conseguiu responder. — Claro que quer. Senhoritas em perigo sempre querem ser resgatadas. — Bruce falou com firmeza, o sorriso se alargando. — Você já ouviu alguma história de um valente guerreiro que salvou uma linda donzela da boca de um dragão que cuspia fogo, só para ouvi-la dizer: "Desculpeme, querido, mas eu estava gostando do churrasco!"? E claro que não. Nas histórias de fadas, nenhuma princesa se recusa a ser salva, por isso não vejo por que Bethany recusaria. Katie olhava fixo para o tio, com a boca entreaberta. Ficou sem falar por uns dez segundos e, para surpresa de Bethany, começou a rir. — Nós não temos nenhum dragão. Você está sendo tolo, tio Bruce. — Mas temos lama! E ela come as pessoas dedo por dedo. É sorte você estar usando botas de borracha, Katie Sininho, mas nossa Bethany está correndo perigo. — Então você vai salvá-la? — a menina perguntou, fascinada. — Claro que vou! — Bruce tirou a camisa, olhou para Bethany, se balançou na beirada da ponte e observou o rio. — Você já está vindo, tio? — Katie quis saber. — Agora mesmo. Pretendo ir tão rápido quanto o super-homem. E sua função, como minha auxiliar, é impedir que a heroína fuja até que eu chegue. — Não acho que Bethany possa fugir. — A menina continuava a rir. — Está presa no lodo até os joelhos. — É assim que eu gosto que minhas donzelas estejam. Presas. — E, sem mais uma palavra, se atirou no rio. Bethany não fugiu. Como Katie tinha dito, não podia, mas, mesmo que não estivesse impedida de sair dali, não fugiria. Ficou parada, olhando para o ponto da água onde Bruce tinha desaparecido. Os minutos foram passando, e ela começou a se preocupar. Bruce já não deveria ter voltado à superfície? O rio seria muito fundo? Era seguro mergulhar ali? O homem seria louco? Mas logo Bruce apareceu, perto do lugar onde ela estava, e ainda com um sorriso nos lábios. A seu lado, Katie gritava, deliciada, e se agarrava em Bethany pelas costas. Seu corpinho se agitava com a risada e pela primeira vez Bethany soube que o medo que a menina parecia sentir não era verdadeiro. Katie Sininho estava começando a acreditar que seu tio Bruce podia ser muito engraçado. Bruce era engraçado? Engraçado era pensar que, enquanto o nervoso de Katie em relação ao tio estava diminuindo, o de Bethany aumentava. Bruce estava só com a cabeça para fora da água, e a uns dez metros de distância das duas. Então, ergueu a mão, como que para pegar a vegetação da margem, escorregou e caiu de costas. — Aqui é muito fundo para ficar de pé, e o barro da margem é escorregadio. Bethany, venha até aqui, preciso que alguém me puxe. — Você não precisa de nada, Bruce. Jogou-se no rio por que quis, saia dele agora. — Não acredito que não queira me ajudar! — Pode acreditar. — Donzelas em perigo devem cooperar. A união faz a força. Bethany teve vontade de rir, mas meneou a cabeça e perguntou: — Katie, você conhece aquela história infantil onde o herói chama: "Rapunzel, Rapunzel, jogue suas tranças'? — Bethany voltou a atenção de novo para Bruce. — Todas as vezes que ouvia esse conto, em vez de pensar "Que romântico!", eu pensava "Credo!". Esse é o tipo de heroína que eu sou, Bruce. Portanto, é melhor que ache outra mocinha para salvar. — Não estou pedindo que me tire da água me jogando seus cabelos como se fossem uma corda. Jamais faria isso, eles são bonitos demais. Tudo o que quero é sua mão, querida Bethany, para que eu possa subir na margem e transportar minhas garotas a um lugar seguro. Então, como Bethany cruzasse os braços e permanecesse imóvel, Bruce olhou para a sobrinha. — Bem, se Bethany não quer me ajudar, que tal você fazer isso, Katie Sininho? — De jeito nenhum, Bruce! — Bethany franziu as sobrancelhas, demonstrando preocupação. — Katie não vai se aproximar da margem. — Mas você não quer me ajudar... — Ele fingiu imensa tristeza. — Nem eu, nem Katie. — Vão deixar que eu me afogue? — Sim! Aquele sorriso constante nos lábios de Bruce estava provocando reações que Bethany desconhecia. — Katie, você vai deixar seu tio Bruce aqui para sempre, para ser comido vivo pelos sapos? Não faria isso com seu tio, faria Katie Sininho? — Bruce, não se atreva a pedir ajuda a Katie. — Bethany olhou para o rosto preocupado da menina. — Isso não é justo, Bruce Hallam. — Katie poderia me salvar. — Ela não pode. — Claro que posso ajudá-lo. — Katie deu um passo para a frente. Bethany a puxou de volta. — Katie, fique longe da água. — Mas, Bethany, se você não vai deixar que eu o ajude, tem de fazê-lo. O rio é muito fundo. Ele se afogará. — Duvido! — Bethany, Katie se importa comigo. Se não permitir que minha sobrinha me salve, então vai ter de fazer isso sozinha. — Não acho que as heroínas dos contos de fadas têm de preparar seu próprio plano de resgate. Bem, Katie, não saia daqui. E você, Bruce Hallam... seu chantagista emocional... — Sou mesmo bom nisso, não sou? Não há necessidade de ficar tão desconfiada, minha querida. Minhas intenções são tão inocentes! — Estou duvidando que tenha tido uma só intenção inocente em toda a vida. — Apresse-se, estou cansado de ficar na água. — E eu de ficar nesta lama. — Vamos, Bethany — Katie a apressou. — Vá antes que titio se afogue. — Bruce é um rato d'água, Katie. E ratos d'água não se afogam. — Deu mais dois passos com determinação e, por fim, pisou em terra seca. Bem junto do rio a margem era um pouco mais elevada e tinha algumas plantas aquáticas que davam mais firmeza ao terreno. Ali, Bethany estava a salvo, apesar de coberta de lama do ombro até os dedos dos pés. Olhou para Bruce. —Tudo o que você tem a fazer é chegar um pouco mais perto, Bethany. Apenas se agache e me puxe. — Não sei, Bruce. Não confio em você. Quem poderia confiar naquele ar zombeteiro? — O que eu poderia lhe fazer? — Molhar-me. — Eu?! Você é muito desconfiada! Querida Bethany, é só me dar a sua mão e será bem recompensada. — De que jeito? — Com alguma coisa de que você precisa. Chega de conversa. Salve-me, antes que eu me afogue. — Ninguém, mais do que você, merece isso. — Bethany agachou-se, estendeu a mão e... dois segundos depois, estava na água ao lado dele, após um forte puxão. Bethany reapareceu na superfície, indignada, furiosa, tomando fôlego. A água era rasa na margem, por isso Bruce pedira ajuda com tanta confiança. Não iria pôr a criança em nenhum perigo. O rio era fundo no lugar onde ele tinha mergulhado, mas ali era tão raso que deveria ter sido difícil para um homem tão grande dar a impressão de estar quase afundando. Bethany abriu a boca para protestar, espirrando água por todos os lados. —Você! Seu mentiroso! Com raiva por ter sido enganada, Bethany começou a espirrar água com as palmas da mão em direção dele, até que a zanga de Bethany a deixou exausta, e ela caiu de costas. Bruce tinha permanecido quieto o tempo todo. Mas, quando Bethany, parou ele passou a mão pelos cabelos ensopados e pelo rosto. —Oh, Bethany... você me molhou... — falou, dando a impressão de que estava muito triste. Era demais. Bethany respirava, ofegante, deitada de costas, e de repente começou a rir. O riso foi ficando mais intenso e acabou numa gargalhada que encheu de alegria a manhã ensolarada e silenciosa. —Bruce Hallam, você é mentiroso e dissimulado, um homem que deveria ter vergonha de si mesmo! — Por quê? Eu lhe fiz um favor! — Como assim? — Bethany estava ajoelhada na água rasa, os cabelos encaracolados muito molhados caindo sobre os ombros, e a camiseta grudada no corpo, revelando o contorno perfeito dos seios arredondados e pequenos. Deveria estar usando um sutiã, pensou em pânico quando viu para onde Bruce estava olhando. — Bem, primeiro limpei a lama que estava cobrindo quase você toda. E segundo, estou vendo-a sob um novo prisma. — E isso é um favor? — Enrubesceu e se enfiou na água até o pescoço para se esconder. — Quero dizer, me ver de um modo diferente? — Acho que tem se escondido da vida e das pessoas. Bethany, esta noite estive pensando... — Levantou e lhe estendeu a mão. — Se não quer ficar aqui como babá de Katie, o que acha então vir a ser minha esposa? Bethany prendeu a respiração e olhou para Bruce, espantada. — O que você disse? — Estou pedindo que se case comigo. — Bruce... deve... ser louco! — Não sou, Bethany. Por que deveria ser? Por Deus! Parecia que lhe estava oferecendo uma xícara de chá! Bruce se pôs de pé, e Bethany permanecia ajoelhada. Ele segurou uma mecha dos cabelos dela e viu que seu rosto empalidecia. — Não me olhe desse jeito, Bethany. Estou lhe oferecendo uma proposta de negócio. Uma solução prática para nós dois. Sei que não é contra casamentos de conveniência. E minha proposta não pode ser pior que a de Peter. Então, antes que ela pudesse responder, Bruce desviou a atenção para a sobrinha, que estava calada, olhando para os dois da margem do rio, como se a resposta de Bethany fosse de menor importância. Katie olhava para os adultos como se estivesse em estado de choque. Os cachorros de Bruce tinha vindo da ponte e agora estavam, como duas sentinelas, um ao lado de Katie. O olhar dos cães e da menina eram semelhantes, como se achassem malucos aquele homem e aquela mulher. Bethany tentava se levantar, mas Bruce pôs a mão em seu ombro. —Fique na água e dê uma boa nadada, Bethany. Você também quer entrar, Katie? A menina olhou para o tio com a boca semi-aberta e o olhar atónito. Agora, Bruce tinha duas garotas espantadas como companheiras. — Está molhado, tio. — A melhor água é sempre molhada... — Bruce disse com voz solene. — Está muito gostoso, não acha Bethany? Ela abriu a boca para logo em seguida fechá-la, sem emitir nenhum som. — Bethany está se divertindo tanto que nem consegue falar — Bruce explicou para a sobrinha. Saiu do rio e foi até onde Katie estava, parada, na lama. Os cachorros lhe fizeram festa, mas a sobrinha nem tanto. Apesar de a proposta de casamento tê-la deixado aturdida, Bethany prestava atenção à menina e prendeu a respiração quando Bruce a pegou no colo. — Está ótimo na água, Katie. Gostaria de entrar para brincar comigo e com Bethany? Katie olhou para ele por um momento e falou: — Estou vestida com a minha jardineira. — É verdade, e não podemos deixar que ela se molhe. No entanto, podemos tirá-la e deixá-la em cima das botas de borracha. Assim, não se molharão. — Você molhou todas as roupas de Bethany — a menina disse com um tom de acusação que fez Bruce rir. — Sim, mas as roupas de Bethany não são tão impor tantes quanto sua jardineira. Você não viu que a calça dela têm até um buraco no joelho? Mas compraremos jeans novos para ela, quando vier morar conosco. Bethany prendeu a respiração, e Katie também. — Bethany vem morar conosco, tio? — Se conseguirmos convencê-la. Acho que você poderia me ajudar. Talvez não venha logo, mas, se tentarmos convencê-la... Katie, nossa Bethany está na água sozinha, esperando alguém para brincar com ela. Que tal irmos os dois? Houve um longo momento de silêncio. Katie olhava de um para o outro e então para os cachorros. Fitou Bethany, que lhe estendia a mão. — Você não me deixará afundar na água, não é, tio? — Não tenha medo, Katie querida. Sei cuidar de mulheres muito bem. E espero que possamos persuadir nossa Bethany a deixar que eu cuide dela, como vou cuidar de você. Nossa Bethany... As duas palavras ficaram rodando na cabeça de Bethany na meia hora seguinte. Bruce organizou um jogo maluco, uma espécie de corrida que sempre era vencida por Katie, que era mais leve e não afundava na areia sob as águas. Sem contar, é claro, com os cachorros, que enganavam a todos usando quatro pés. Ao final de meia hora, todos estavam rindo, exaustos, mas a cabeça de Bethany não parara de trabalhar. Por que Bruce lhe fizera aquela proposta? Estaria pensando que o levara a sério? Não fazia sentido. —Faz sentido, sim — contradisse Bruce, como se adivinhasse seus pensamentos. Os dois adultos estavam sentados na margem do rio, e Katie continuava na água brincando com os cães. — Do que está falando? — Bethany se fazia de desentendida. — Eu não... — Não disfarce, Bethany. Ela engoliu em seco. — Bruce, você não está falando sério. Não quer se casar comigo. — Não quero me casar com ninguém. Pelo menos não no sentido que a maioria das pessoas quer. Não desejo um envolvimento romântico. Meus pais destruíram um ao outro com as exigências que faziam, e eu tentei... — Parou de falar e mordeu o lábio. — Não estou a fim de entrar numa encrenca igual. Mas com você pensa do mesmo modo que eu, e se pudermos fazer isso... Bethany, pode ficar aqui em seus próprios aposentos, ter seus animais e seus interesses e ser amiga e mãe para Katie. O Bem-Estar Social me deixará em paz com seus constantes interrogatórios, que também não fazem bem a Katie. Como minha esposa, ela poderá tê-la para sempre. — Porém... — Bethany, você diz que não fica como babá para não partir seu coração no dia que tiver de ir embora. Pensei sobre isso a maior parte da noite, e, sim, faz sentido. Se se casar comigo, não precisará deixar Katie. Então, ela terá uma estabilidade real. Preciso também de uma anfitriã para meu lar, pois recebo, a negócios, muitas pessoas de outros países. Eles trazem as esposas, e é muito difícil entretê-las enquanto os homens discutem. Preciso de uma mulher que me veja apenas como segurança financeira, e nada mais. —Nada mais? Você quer dizer, sem envolvimento emocional? — Isso. — Sorriu, persuasivo. — Faremos um contrato estabelecendo o que esperamos um do outro e seguiremos esse contrato à risca. Isso não quer dizer que não possamos ser bons amigos. Tenho certeza de que podemos, ou nunca teria feito esta sugestão. Mas seremos independentes. — Na noite passada... — ela murmurou, tentando formular as palavras a partir do tumulto de pensamentos que rodavam em sua mente. — Bruce, você não me tratou como se quisesse ser apenas um bom amigo. — Não. Tem razão, Bethany, e aquilo... bem, acho que foi um erro. É uma mulher bonita, muito mais que muitas que conheço. Disse que me acha atraente, e você também é, o que significa que poderemos ter orgulho um do outro, como marido e mulher. No entanto, não iremos além disso. Não sem o risco... — ...de eu me apaixonar? Katie e os cachorros estavam cavando um buraco na margem do rio e não prestavam atenção aos adultos. Parecia haver apenas os dois a dois metros de distância um do outro. — Bethany, é claro que você não poderia... — Poderia. E aí? Aonde isso me levaria? Como iria acabar? Você não quer esse tipo de envolvimento, foi bem claro a esse respeito. Bruce, não creio que pudesse me casar sem considerar essa hipótese. — Mas você não considerou amor quando seu primo lhe propôs a mesma coisa. — Não tinha receio de me apaixonar por Peter. Isso nunca iria acontecer. Olhe, preciso ir para casa. Poderia me levar? — Bethany, está falando sério? Não se casaria comigo porque poderia se apaixonar por mim? Isso é ridículo! Romantismo não cabe mais no mundo moderno. Vejo em você uma mulher adorável, com um coração capaz de muito carinho. Uma jovem que eu teria orgulho de chamar de esposa. Posso lhe dar um lar sólido, estabilidade financeira e um lugar ideal para continuar a cuidar de seus animais. Para sempre, Bethany. Pense bem, reflita antes de dizer que não. — Já pensei. Por favor, Bruce, leve-me de volta para minha casa. Lá é o meu lugar, onde poderei ser eu mesma outra vez. CAPITULO VIII O espaço de tempo que durou a viagem em direção à fazenda de Bethany foi terrível. Katie sentara-se no banco de trás, tão quieta quanto o pequeno gambá, que dormia no saquinho, entre os seios de Bethany. Bruce tentou começar uma conversa, mas desistiu diante das respostas monossilábicas que recebia. Bethany tinha tomado um banho e trocado de roupas antes de iniciarem a viagem. Fisicamente sentia-se confortável, mas por dentro estava péssima. Quando viraram para a estrada que levava a sua fazenda, sentiu-se aliviada. Mais algum tempo com Bruce e começaria a ficar louca. Em comparação à residência luxuosa de Bruce Hallam, a de Bethany era quase miserável. As terras estavam encravadas numa floresta, com a vegetação sempre ameaçando recuperar aquela área perdida. A casa era um pequeno bangalô de madeira cercado por altas seringueiras e por arbustos de vários tipos. Anos de negligência e abandono a haviam reduzido quase a ruínas. Só o amor e a dedicação de Bethany nos últimos tempos puderam recuperá-la e preservá-la, mas não seria por muito mais tempo. "Não será preciso aguentar durante muito tempo", pensou Bethany, quando o carro parou. Não tinha dinheiro para manter o arrendamento e, dentro de um mês, teria de ir embora. Para onde? Quem podia saber? A única coisa de que tinha certeza era que teria de se arranjar sozinha. Katie desceu do automóvel, e olhava para tudo com olhos arregalados. — É bonita, Bethany. Mas... está muito velha. — É verdade. — Bethany fez um esforço enorme para sorrir enquanto se juntava a Katie. Bruce também desceu da Mercedes e olhava tudo em silêncio. Bethany deu uma olhada para ele para tentar ler sua expressão, porém, desistiu. Quem poderia saber o que ele estaria pensando? — Esta é uma fazenda típica australiana, Katie — comentou Bethany, tentando prestar atenção apenas à criança. — Não é como a de seu tio, onde os banheiros têm vaso sanitário e sistema de água encanada e esgoto. Aqui o banheiro fica fora da casa e não tem descarga. Quer ver? Vou mostrar a você um verdadeiro sanitário australiano. Vê como está inclinado? Uma noite, eu estava lá dentro no meio de uma tempestade, e o vento, muito forte, carregou tudo. Só o assento ficou no lugar. Foi terrível. Fiquei numa situação ridícula, ali, sentada, sem nada a meu redor. Venha ver como é por dentro, e depois chamarei Caroline, que é a garota que cuida dos meus animais quando não estou em casa. Preciso avisá-la de que cheguei e dispensá-la de preparar a refeição da noite. Depois disso, mostrarei todas a minhas criaturinhas. Foi uma estranha excursão. Katie era muito interessada, e indagava sobre tudo o que Bethany fazia para checar se seus animais estava bem. Mas não largava a mão de Bethany, como se tivesse medo que ela, de repente, desaparecesse. Bruce as seguia em silêncio. Não perguntava nada, mas Bethany tinha consciência de que observava tudo com seu olhar inteligente. Olhava os animais, a cozinha, com seus potes de ervas, mas, acima de tudo, a observava. Bethany mostrara aos dois alguns animais surpreendenela. Viu todos os bichos e exigia uma história para cada um que ia sendo apresentado. O que acontecera com a coala-mãe? Como o canguru se machucara? As perguntas da menina eram inteligentes demais para a idade, e Bethany se surpreendeu, levando em conta os meses em que a criança ficara em silêncio absoluto. Sem falar desde a morte da mãe, Katie escutara e pensara bastante, vindo a adquirir conhecimento e maturidade. — Mamãe costumava me contar sobre animais australianos — a menina comentou no fim da excursão, e virou-se para Bruce. — Tio, se Bethany não pode ir conosco, por que não ficamos por um tempo aqui com ela. Seria como umas férias. Poderíamos ajudá-la a tratar dos animais. — Suspirou como que oferecendo um sacrifício supremo. — Até usarei o sanitário de Bethany. Bruce pegou a mão da sobrinha, sorriu e olhou muito sério para Bethany. Pela primeira vez desde que haviam chegado, se dirigiu a ela: — Acho que a ideia de Katie é boa. Já são mais de quatro horas, e, para voltarmos, serão mais três de viagem. O que acha de nos acomodar aqui por esta noite? — Mas eu não tenho... — ...acomodações? Estavam em pé na pequena cozinha, que era quase preenchida por inteiro pelo corpanzil de Bruce. De um lado, ficava um pequeno quarto e havia apenas mais um cómodo, que era uma estranha sala de visitas que parecia mais apropriada para dar conforto a animais do que a pessoas, mas que, talvez por isso mesmo, era acolhedora. — Posso ver que está tensa. — Bruce sorriu. — Os órfãos têm prioridade neste lugar. Porém, sou prevenido e me lembrei de trazer alguns sacos de dormir. Katie e eu nos acomodaremos na varanda. Será uma aventura. Podemos ficar? Bethany olhava para os dois sem saber o que responder. Ter Bruce ali, em seu santuário? Não havia nem comida em casa... — Então, o que planeja comer esta noite, Bethany? — Acho que há ovos na chocadeira, e posso ordenhar Daisy. — Daisy? — É a única cabra que sobrou — Bethany disse, com tristeza. — Daisy estava no celeiro quando os cachorros selvagens mataram o resto do rebanho. O leite dela é muito bom. Bem, é só o que tenho para oferecer: ovos e leite. — Está ótimo para nós — Katie afirmou. — Ovos e leite, são meus alimentos preferidos no jantar. São também os seus, não são, tio Bruce? — Só quando a companhia é boa, e esta me parece excelente. Se permitir, Bethany, minha sobrinha e eu adoraríamos aceitar seu convite para ficar e passar a noite em sua casa. Apenas nos mostre qual parte da varanda é a melhor. — Está falando a sério? — E claro que sim. — Então, está certo. Se você se sujeitar a dormir na varanda, Katie Sininho poderá ficar comigo em minha cama, se ela quiser, mas, depois de escurecer, homens estranhos têm de ficar do lado de fora. — Tio Bruce não é estranho. — E quase, para mim, Katie. Só o conheci ontem. Bethany se pôs a pensar se a varanda ficava longe o suficiente de seu quarto. Não o queria perto dela. "Bem, Bruce Hallam é forte, e homens assim têm suas utilidades. Se ele ia ficar...! — Haverá, no entanto, um custo, caso queria mesmo ficar. — Bethany olhava para Bruce, enquanto elaborava um plano. — Tio Bruce tem muito dinheiro. Não é, titio? — Pode ser que sim — respondeu para a sobrinha, com os olhos fixos em Bethany. — Mas tenho um pressentimento, Katie, de que nossa Bethany não está se referindo a dinheiro. Por que será que sinto isso? Estarei certo? — Certíssimo. — Bethany sorriu para os dois. — Sua estada é gratuita porque você tem apenas seis anos, Katie. Porém, seu tio vai ter de pagar. — Sim? — Bruce também estava sorrindo, mas a expressão de dúvida crescia, conforme olhava para Bethany. Seria ótimo desequilibrar aquele homem, para variar. Não era justo que só Bethany ficasse desequilibrada por causa dele. — Toda minha madeira está verde, Bruce. — Desculpe-me, não entendi. — Estive cortando lenha de algumas seringueiras, mas estou sem madeira velha. Entretanto... — Entretanto? Bethany piscou para Katie. — Há uma árvore apropriada perto do celeiro e, a cada nova tempestade, fico pensando que vai cair, mas ainda não caiu. É muito perigoso subir nela para pegar os galhos um por um. Se ela caísse seria ótimo, e teríamos madeira suficiente durante anos. Ou pelo menos... — ...até que se mude daqui. — Bruce franziu as sobrancelhas. — Então quer que eu derrube a árvore gigante como pagamento de nosso pacote de acomodação. E isso? — É isso. Está bem para você? — Bethany... — Eu o ajudarei, Bruce. Na verdade, costumo derrubar as árvores, mas essa está num pedaço de terra perto da água, e eu não gostaria que caísse lá. — Ou em cima de você. — Não cairia em mim, porque não sou burra. Sei como derrubá-la. No entanto, os galhos estão inclinados para um lado. Quer ver? — Não. Não quero. — Sem árvore, sem acomodação. E nem mesmo leite de cabra — Bethany respondeu com firmeza e uma expressão inocente. — É um negócio. — E quanto a Katie? Está propondo que nós três façamos essa expedição à árvore condenada? — Já disse que a acomodação dela é grátis. Katie Sininho, se você quer ficar aqui, seu tio terá de fazer o serviço. Você pode ver a árvore da varanda. O que acha de eu levá-la ao lugar onde meus cangurus estão comendo folhas de fúcsia, embaixo da janela de meu quarto? Poderá cuidar deles e observar o que fazemos ao mesmo tempo. Fará isso? — Prefiro vê-los derrubar a árvore. — Mas você só tem seis anos, e meus bichinhos precisam de uma baby-sitter. Se prometer ficar aqui e não sair da varanda, eles poderão dormir em casa esta noite. O que acha? — Isso é chantagem — Bruce interrompeu-a, e Bethany lhe deu um sorriso meigo. — Dois podem fazer melhor do que um, não podem, sr. Hallam? Quero lhe lembrar que usou sua pequena sobrinha para me puxar para dentro da água esta manhã. Agora, se esperar até que eu alimente Pétala e pegue algumas folhas para meus cangurus, poderemos ir derrubar a seringueira. — Você deve estar brincando! Uma hora depois, após muito esforço, a árvore veio ao chão. Bethany foi olhá-la. Tinha sido bela e forte por centenas de anos, e agora jazia ali, sem vida. Havia muitos meses a queria no chão. Precisava daquela madeira para o aquecimento, e a seringueira forneceria combustível para dois anos ou mais. Só que Bethany não teria todo esse tempo. Nem dois meses, na verdade. Outro proprietário viria e usaria aquele gigante, a árvore que ela e Bruce haviam derrubado. Bethany passou a mão no rosto para enxugar as lágrimas. Como poderia ser tão fraca a ponto de chorar por uma árvore morta e um futuro que não iria acontecer? De imediato, Bruce se pôs ao lado dela, passou o braço por seus ombros e a puxou de encontro a si. — Não há necessidade de ficar triste, Bethany. — Sorriu. — Veja, eu estou inteiro. — Não estou chorando por sua causa, convencido. — Então por quê? — Bruce apoiou a cabeça de Bethany no peito, e ela se abandonou àquele contato reconfortante. — É porque ela está morta. — A seringueira morreu há muito tempo. Precisa arrumar uma desculpa melhor para chorar, Bethany. Não seria porque está prestes a perder a fazenda? — Não. — E com um movimento brusco se desvencilhou dele. — Além do mais, isso não é de sua conta. — É claro que é. Se tivesse se casado com Peter, não teria de abandonar estas terras. Interferi em seus planos. Você tem de deixar que eu a compense de alguma maneira. — Deu um passo na direção dela. — Bethany, se não quer ser minha mulher, deixe-me comprar este lugar para você. — Não! — Por que não? — Porque não quero ficar em débito com você. Preciso resolver meus próprios problemas. — Bethany, você não aguentará ficar longe de seus animais. Não a conheço há muito tempo, mas o suficiente para ter certeza disso. Precisa deixar que a ajude. — Não preciso fazer nada. — Afastou-se mais uma vez, mas Bruce a seguiu. — Peter estava me propondo um negócio sujo. Ia prejudicar Katie, privando-a do que é dela por direito. Incluiu-me nos planos dele porque fui estúpida o suficiente para me deixar enganar. E você não é responsável por isso. — Quero pagar. — Não. Você não quer. — Como pode saber o que quero? — Bruce Hallam, até ontem, nem me conhecia. Agora quer me ajudar porque tem pena de mim, e eu não quero sua piedade. Portanto, pare de pensar assim e... — Parou de falar, voltou ao trator e deu partida. Bruce subiu ao lado dela, e se dirigiram de volta a casa e a Katie, que os esperava na varanda. — Katie ficou sozinha por muito tempo, Bruce. Por favor, faça companhia a ela enquanto vou cortar um pouco de lenha para o fogão. — Deixe que eu corto. — Não. Não quero mais. seu auxílio. Já fez muito, e me deu lenha suficiente para todo o tempo em que eu estiver aqui. Seu débito está quitado, e posso fazer isso sozinha. É assim que deve ser. Fui só durante toda a vida e não pretendo perder minha independência agora. Virou-se e se afastou sob o olhar indecifrável de Bruce. CAPITULO IX Depois de alimentar Katie, Bethany a pôs para dormir em sua cama. Depois, foi ter com Bruce na cozinha. Para sua surpresa, encontrou-o preparando uma omelete. Arregalou os olhos quando viu uma garrafa de vinho aberta sobre a mesa. — Essa bebida não é minha, Bruce. Onde a encontrou? — Trouxe comigo, é claro. Sempre ando prevenido. Não vai se trocar? — Por que deveria? — Sentou-se e olhou para ele. — O que está sugerindo? Já lavei as mãos. O que mais quer? — Conheço mulheres que passam horas se preparando para o jantar — ele falou num tom de aprovação. — E você apenas lava as mãos e senta-se à mesa para a melhor refeição de sua vida. — Não é nada modesto em relação a suas habilidades... Prefiro não tomar vinho, obrigada. — Por que não? — Porque... — Não confia em si mesma? — Sorriu com ternura. — Bethany, tem tão pouca confiança em mim? Juro que não tentarei seduzi-la. — Eu sei. — Não parece saber. — Virou-se para o fogão. — Está a salvo comigo. Além de sua aparência despretensiosa, não há espaço para mim em sua cama. Sua varanda está ocupada por animais, e o quintal é uma floresta. Já chequei tudo. Um homem sabe quando está derrotado... e eu sei que estou. — Foi derrotado alguma vez? — Bethany perguntou num sussurro. — Espero que seu aspecto galante funcione muito bem. — Bethany, o que pensa que sou? Sinto que pensa que não passo de um dom-juan. — Nunca disse isso. — Mas parece que pensa assim. Bethany baixou os olhos. — Acho que é rico e atraente, Bruce, e deixou claro que não quer se casar, a não ser que seja por conveniência. Quando você me beijou... — Imagina que beijo todas as mulheres atraentes que atravessam meu caminho? Não mereço isso. Não sou um conquistador. Beijei-a porque a achei desejável, mas aprendi de uma maneira dura que não se deve tomar decisões para uma vida quando se está dominado pelas emoções. — Eu não seria uma decisão para uma vida. — Talvez não agora, mas, quando pedi que se casasse comigo, era uma proposta coerente. — Não concordo. — Para mim, era. E acredito que também pudesse ser para você. Não aprendeu a separar o coração da razão, Bethany Lister. E uma lição difícil, devo admitir. — Mas você aprendeu. — Sim, aprendi. Todos aprendem um dia. E a mim parece que, quanto mais demoramos para aprender, mais difícil se torna. Ora, cale-se e me deixe preparar sua omelete. — Bruce suspirou. — Vamos ignorar o coração e a razão e nos concentrar em assuntos mais importantes. — Como o quê, por exemplo? — Nossos estômagos. — Ele sorriu. — E tomar um pouco de vinho, linda Bethany. Apenas um copo não será perigoso. Talvez não. Mas Bethany olhava para Bruce e sentia-se em perigo de se apaixonar perdidamente. Forçou um sorriso e ergueu a taça num brinde silencioso. E, em seu coração, um ideia maluca começou a germinar. Algo que a Bethany de ontem descartaria como sendo absurda. Não concordaria com um casamento de conveniência. Mas talvez... —Se não há perigo em um pouco de vinho, talvez seja melhor tomar dois. — Bethany olhou para Bruce, desafiadora. Estava em sua casa, em seu território, e talvez não tivesse nada a perder. A omelete foi a melhor que já comera, talvez porque tivesse sido feita por Bruce, ou devido ao vinho que a acompanhou, ou por causa do momento. Era o vinho, Bethany disse a si mesma. A bebida era deliciosa. Tomou três copos. Então, Bruce sugeriu que fossem para a varanda para terminar a garrafa, e Bethany aceitou. Enquanto comiam, a noite descera por completo. A lua, que parecia uma bola de prata sobre a montanha, estava tão brilhante e clara que dispensaya iluminação artificial. Bethany pediu licença, deixou o copo e foi verificar se os animais precisavam de alguma coisa. Quando voltou, encontrou Bruce no mesmo lugar, sentado na amurada, olhando para o céu estrelado. — Este é um lugar muito agradável, Bethany. Você tem razão de não querer perdê-lo. — Há outros lugares bons. Sua propriedade, por exemplo. Talvez um dia eu encontre outro santuário. — Minha oferta ainda está de pé. Pode se mudar para minha fazenda como babá de Katie ou como minha esposa. — As duas posições seriam boas. — Sim. A segunda é mais permanente, mas em ambas continuaria a ser independente para viver como melhor lhe aprouvesse. — Mas não quero, Bruce. — Poderia dizer o que sentia? — Valeria a pena? — Como lhe falei, não posso aceitar um casamento nesses termos. Não quando teria de viver perto de você, vê-lo todos os dias, saber que, na realidade, não é meu marido. Seria uma espécie de tortura. — Tortura? — Bruce se virou para encará-la. — Bethany, o que quer dizer com isso? Precisava falar. Não tinha outra escolha. — Quero dizer que comecei a me apaixonar por você. Só Deus sabe por que, Bruce Hallam. Não era uma coisa que eu queria que acontecesse. Mas você me beijou na noite passada e alguma coisa mudou dentro de mim. Nunca me senti do modo como me sinto agora. — Bethany... — Olhe, sei que você não quer isso. — Olhava para o céu em vez de encará-lo. — Sei que não quer o que estou lhe oferecendo, mas é isso o que está acontecendo. O amor é uma coisa especial, e aconteceu Não há nada que eu possa fazer. Então achei que você tinha de saber. Houve um pesado silêncio. Em algum lugar, perdido na noite, ouviu-se o pio estranho e solitário de uma coruja. — Eu não posso... — Bruce começou a dizer, e então parou. — Não pode me amar? Sei disso. Apesar de nos conhecermos muito pouco, tenho certeza de meus sentimentos, e lhe digo que, se se casar comigo, terá uma esposa que o ama. Por isso, uma parte de mim diz que não posso me casar com você, e a outra parte diz que não vou suportar ficar longe. E desse jeito. Pegue ou largue. Mas não peça de novo que eu me case sem saber que te amo. Bethany parou de falar e fechou os olhos. Bruce desceu da amurada e ficou de pé na grama, de frente para Bethany. Pegou-a pela cintura e pôs-se a sua frente. — Bethany, isso é loucura. — Por quê? — Sei que o amor é sua especialidade Bethany, e seria um cego se não tivesse notado. Mas guarde seu sentimento para suas criaturas órfãs e para garotas como Katie. Guarde-o para quem precisa. — Não é seu caso? — Sentia uma dor quase insuportável. Ia chorar, pensou. Bethany ficou quieta nos braços de Bruce e sentia-se muito bem. Conhecia aquele homem havia dois dias e era como se lhe pertencesse. — Não preciso. Eu me basto, Bethany. Apesar de meu conceito sobre casamento, me casei uma vez e foi um de sastre. Joane e eu nos separamos. Ela odiava a fazenda, o isolamento. Detestava tudo o que eu amava. — Mas, Bruce, talvez Joane sempre tivesse odiado essas coisas. — Bethany sentia-se desesperada. Estava travando uma batalha com um adversário que não conhecia, contra sombras de um passado que só podia imaginar. — Talvez não tivessem sido honestos um com o outro em primeiro lugar. Já pensou nisso? — Já. Mas minha mãe, e então minha mulher... Bem, não quero cometer os mesmos erros. Nem por você. Faremos um contrato de casamento sem envolvimento emocional, ou nada feito. — Não é justo. — Tem de ser desse modo. Não farei promessas que não poderei cumprir, Bethany Lister, e se não pode controlar suas emoções... — Quer dizer que consegue manter-se sempre sob rígido controle? — Sentiu raiva. Tinha direito de ficar brava. Não era justo. Bruce estava ali, segurando-a em seus braços, fazendo-a desejá-lo. E Bethany tinha amor suficiente para os dois. — Está dizendo que não sente nada quando me abraça ou quando me beija? Não acredito, Bruce. Então, antes que ele pudesse impedi-la, Bethany ergueu-se na ponta dos pés e beijou-o nos lábios. Como pôde fazer uma coisa dessas? Só Deus poderia saber. Tudo o que sabia era que fizera o que tinha vontade, e as consequências logo se manifestariam. Sentiu que Bruce correspondia ao beijo, mesmo que quase sem querer. As mãos dele ainda estavam ao redor de sua cintura, e o coração de Bethany lhe dizia para continuar beijando-o. Era sua única esperança. Era como uma corda sendo lançada para um náufrago. — Por favor, Bruce... por favor... Os braços dele a apertavam. No primeiro momento, tinha sido Bethany que o beijara, que provocara a paixão, mas de repente não era mais. De alguma maneira, ela tocara em um parte profunda que causou uma reação muito forte. A carícia de Bruce era possessiva, e não só clamava pelos lábios de Bethany como também por seu corpo, num desejo ardente. A chama da esperança se acendeu na alma de Bethany à medida que o beijo se tornava mais intenso. Segurou o rosto de Bruce entre as mãos e continuou a beijá-lo. Tinha esse direito. Ele era o homem de sua vida, e era evidente que também a queria, que necessitava dela. Então, as mãos de Bruce se moveram para baixo da camiseta de Bethany, encontrando a delicada curva dos seus seios e a rigidez dos mamilos. Ela pôs as mãos por baixo da camisa dele, respondendo às suas carícias. O contato com a pele nua a fez estremecer. O cheiro dele, o toque dele... Como Bruce poderia rejeitá-la? Bethany desabotoou o jeans de Bruce e colocou a mão por dentro, escorregando-a cada vez mais para baixo até que tocou o que procurava. Bruce começou a gemer, e Bethany continuava acariciando-o mais e mais. O corpo dele não mentia, mesmo que a boca dissesse o contrário. — Bruce, faça amor comigo. Por favor, Bruce, desejo você como nunca desejei alguma coisa em minha vida... — Bethany, você não sabe o que está fazendo. — Sim, eu sei. Sei que não me quer como uma esposa de verdade, que não me quer para sempre. Entendo que partirá amanhã, e não estou pedindo que fique. Mas esta noite... deixe-me amá-lo do jeito que quero, e me ame também. Só esta noite. — Bethany... — Bruce, não tem de se preocupar com gravidez — sussurrou passando a mão pelos cabelos dele. — Estou protegida. Não confio em Peter, e por isso tomei precauções. Logo que pronunciou o nome do primo, Bethany percebeu que cometera um erro grave. Sentiu o corpo de Bruce se retesar. A menção de Peter o trouxe de volta à realidade. — Bethany, o que está dizendo? — Deu um passo para trás, olhando-a como se tivesse visto um fantasma. — Eu não queria dormir com Peter, Bruce. Mas ele já tentou outras vezes. Pensei que, estando legalmente casados, poderia ter trabalho para refreá-lo, e seria um desastre se isto acontecesse e eu ficasse grávida. Então eu... — Preparou-se para seu marido —- ele ironizou. — E agora, está se oferecendo a um marido potencial. Qual o preço desta vez, Bethany? As palavras de Bruce foram cruéis. — Não! Não é o que está pensando! — exclamou, sem entender muito bem o que estava acontecendo. Havia se arriscado, oferecera tudo o que tinha, e perdera. Bruce não confiava nela. Como pudera ter esperança de que ele aprenderia a amá-la? — Sinto muito, Bruce. Eu não deveria... — Não, não deveria. — Esqueça o que eu disse. — Acho que é melhor você ir para a cama, Bethany. Creio que será melhor para nós dois que não nos encontremos mais. Desculpe-me se minha proposta de casamento fez com que tivesse falsas esperança. Iremos embora logo que amanheça. Boa noite. Bethany fechou os olhos. Queria que o chão se abrisse a seus pés e a tragasse. Mas nada aconteceu. Teve de subir os degraus da varanda, atravessá-la e entrar em casa. Duas horas depois, no escuro, sem poder dormir, Bruce conversava consigo mesmo: — Fui um tolo uma vez na vida. — Desviou o olhar da casa. — Mas nunca mais. Mantenha sua razão, Bruce Hallam, e se afaste daqui o mais depressa possível. Vá embora antes que seu coração tome decisões das quais se arrependerá pelo resto de sua vida. CAPITULO X Bruce e Katie deixaram o bangalô antes das 'oito horas da manhã seguinte. — Falei aos homens que estaria de volta ao meio-dia, Katie. Tenho de pegar o feno e... — O sr. Craig pode fazer isso. — Katie estava sentada na cozinha em frente dos ovos mexidos que olhava sem interesse. — Ele sempre faz esse serviço. Por que hoje é você que tem de fazê-lo? — O sr. Craig ainda está de férias — Bruce respondeu, impaciente.—Termine seu desjejum, Katie. Temos que ir agora. Bruce e Bethany evitavam se olhar. O que acontecera entre os dois na noite anterior fora muito forte, e não queriam se enfrentar. Depois de servir o café da manhã, ela os deixou e foi trabalhar com seus animais, até que tio e sobrinha estivessem prontos para partir. Então, com relutância, foi até o carro para se despedir. Katie passou os braços ao redor do pescoço de Bethany e começou a chorar. — Nunca mais vou ver você. — Soluçou. — Nunca mais! — É claro que vai, querida. — Bethany olhou para Bruce. — E se eu fosse até sua casa daqui a algumas semanas e pegasse Katie para passar alguns dias comigo... sozinha? Katie virou-se para o tio. — Posso, tio Bruce? — Franziu as sobrancelhas e acrescentou: — Mas tenho de vir sozinha? Você não poderia vir também, tio? — Costumo estar ocupado com o trabalho da fazenda, Katie. Mas não vejo por que você não possa vir visitar Bethany. É muito gentil da parte dela, fazer esse convite — completou, com voz fria e impessoal. Bethany mordeu o lábio para não romper em pranto. — Não poderei ir buscá-la logo, porque não sou dona deste lugar, mas em um mês ou dois irei vê-la, Katie Sininho. Prometo. — Você vai mesmo sair daqui? — Bruce indagou. — Não tenho escolha. Ele abriu a boca para lhe falar algo, mas foi impedido por um gesto de Bethany. — Nenhuma escolha, Bruce. — Sorriu, triste. — Prometi a você que não me casaria com Peter e não vou voltar atrás. Nem mesmo por meus animais. — Mas, Bethany, você não terá problemas com ele? — Não. Ficarei bem. — Engoliu em seco. — É melhor irem agora. O gado... o feno... Lembra? — É verdade. Tenho de alimentar os bois. — Bruce me neou a cabeça, como que para afastar maus pensamentos. — Temos de ir. Obrigado por sua hospitalidade, Bethany. Foi a última coisa que disse. Katie estava no banco de trás, e houve um longo momento de silêncio quando Bruce e Bethany olharam um para o outro em lados opostos do automóvel. Então, se foram, e Bethany ficou sozinha para enfrentar o futuro adverso que estava por vir. Bruce partiu com a sensação de que lhe tinha sido oferecida alguma coisa que muitos homens gostariam de ter, mas ele recusara, cruel. Mas fizera o que devia ter sido feito. Bethany sentia-se derrotada e extenuada, como se tivesse levado uma surra, ferida na mente e no espírito. O que viria em seguida? Os dias que se seguiram foram de tristeza e angústia para ela, que tentava se ajustar às mudanças que deveria fazer. Não podia ficar ali. Não tinha dinheiro para pagar o aluguel, precisava se mudar. O último dos cangurus grandes tinha sido solto na natureza, e os pequenos logo completariam seu estágio de cli-matização na floresta. Se iniciasse algum programa, seria forçada a ficar por mais uns dois meses até que não precisassem mais dela, e Bethany só tinha condições de pagar o aluguel de arrendamento até o final do mês. Sendo assim, depois de alguns dias, deu início a uma jornada de cinquenta milhas para levar seus bebés a um casal de meia idade que possuía uma fazenda similar à dela. Essas pessoas a tinham ajudado no treinamento, eram amigos, e ambos ficaram satisfeitos em vê-la, mas tristes pelo fim de seu abrigo de animais. — Oh, Bethany, você lutou tanto! — Edna Walter ajudava Bethany a tirar os bichinhos do carro. — Não é justo. — Sei que não é. — Abraçou os dois pequenos cangurus, se despedindo. — Mas é o que tem de ser feito. Estou contente por eles terem onde ficar e serem bem cuidados. — Achou um lar para seus filhotes, mas e quanto a você? Para onde irá? — Edna a conduziu para a sala de visitas, que era muito parecida com a de Bethany. — Pode ficar aqui durante um tempo. Com o aumento do número de animais, sua ajuda viria a calhar.. — Você é muito boa e gentil, Edna. — Notou a expressão preocupada dos amigos. — Mas sabem muito bem que não precisam de mim. Darão conta do recado com a eficiência de sempre. — Mas para onde vai? — Voltarei a minha antiga profissão. Vocês sabem melhor do que ninguém que é necessário capital para esse serviço, e não há outro modo de consegui-lo a não ser trabalhando. Procurarei o veterinário para o qual eu trabalhava. — Então vai voltar para a cidade? — Edna franziu as sobrancelhas. — Mas você é uma garota do campo, Bethany. Não sobreviverá lá. — Sobrevivi nela durante anos. Posso fazê-lo de novo. — Não sei... Bethany mas você me parece muito sozinha. — Edna suspirou. — Talvez o que esteja acontecendo seja para melhor. Pode ser que tenha chegado o tempo de sair da fazenda, para conviver com pessoas jovens, encontrar um namorado... — Não quero isso. — Eu sabia. — Edna a olhou com desconfiança. — Você está diferente. Encontrou alguém, não encontrou, Bethany? — Como você... — Eu a conheço há muito tempo, não pode me enganar. Então, quem é ele e por que está tão triste? — Você acertou. Conheci alguém, mas ele não me quer. Na verdade, não quer ninguém. — Esse homem é um tolo. Direi isso a ele, se você quiser. De quem se trata? — Ninguém que você conheça. Não frequenta seu círculo de amizades. Aliás, não tem nada a ver comigo também. Querê-lo e amá-lo é como desejar a lua. Não há esperança. Terei de superar sozinha e recomeçar. Sem os animais, a fazenda parecia vazia. Havia apenas as galinhas e Daisy com seu cabritinho. Bethany levou Daisy para a fazenda vizinha, onde se criavam cabras. Os donos ficaram muito satisfeitos com a aquisição, mesmo sendo em se tratando de um animal temperamental como Daisy. Ficaram também com as galinhas. Só restava a Bethany juntar seus pertences e tentar arrumar um emprego na cidade. Antes, porém, tinha de dar uma satisfação ao corretor de imóveis e aí, sim, seria o fim. Olhou para a árvore que ela e Bruce haviam derrubado e sentiu-se feliz. Aquela madeira serviria de fonte de aquecimento durante anos e, mesmo que não fosse ela a aproveitar, estava contente por ter evitado que a seringueira se perdesse no lago. Na manhã seguinte, foi até o corretor imobiliário para fazer o acerto final, e o homem a olhou como se ela fosse louca. Ouviu sua explicação durante trinta segundos, a expressão cada vez mais surpresa, e então cortou a conversa: — Srta. Lister, não estou entendendo. Como pode estar entregando as chaves se é a nova proprietária do lugar? — Proprietária?! — Recebi um telefonema dos antigos donos há três dias. Disseram-me que receberam uma oferta irrecusável e que a compradora era a srta. Bethany Lister. Instruíram-me para encerrar o arrendamento e passar o título de propriedade à senhorita. — Mas... — Tenho certeza de que não estou equivocado. Eles confirmaram por fax na mesma manhã. Ah! Há também uma carta para você, marcada como "pessoal". Chegou ontem com uma anotação de que, como o remetente não tinha o número de sua caixa postal, pedia que eu mesmo fizesse a entrega. O corretor arrumou os óculos sobre o nariz e mexeu numa pilha de papéis até encontrar a carta, que entregou a Bethany. Ela olhava para o homem como se não o estivesse vendo. Olhou para o envelope e pegou-a com os dedos trémulos. Tudo o que tinha a fazer era rasgá-lo e ler. Enfim, o fez. "Com nossos agradecimentos. Devemos isso a você, Bethany. Nossa única exigência é que não esqueça do que prometeu a Katie Sininho. Katie e Bruce.” Presa à carta, a escritura da fazenda. Durante um longo momento, Bethany não conseguiu respirar. Ficou olhando para o papel e para a escritura como se olhasse para uma coisa que não fazia sentido. Bruce comprara a fazenda para ela. Dera-lhe um presente que valia milhares. "Devemos isso a você", ele dizia. Mas Bruce não lhe devia nada. — Gostaria de se sentar? — O corretor se mostrou preocupado, pois Bethany parecia estar em estado de choque. — Não... Desculpe-me. Mas... deve haver um engano. Acho que o verdadeiro proprietário da fazenda é um homem chamado Bruce Hallam. O corretor olhou para a escritura nas mãos de Bethany e a corrigiu: — E o seu nome que está escrito aí, não é? Não diz nada sobre alguém de nome Bruce Hallam. Bethany respirou fundo. — Entretanto, é a ele que as terras pertencem. O senhor me desculpe, mas tenho de esclarecer tudo. — Faça isso, senhorita, mas não precisa se preocupar com o aluguel enquanto verifica. No que me diz respeito, a fazenda é sua. Se eu tivesse um parente rico que quisesse me dar um presente, eu agradeceria muito e aceitaria de bom grado. É isso o que eu faria. Mas não era o que ela faria, Bethany pensou enquanto virava à esquerda e pegava a estrada para sair da cidade. Se Bruce Hallam queria bancar o parente rico, podia fazer isso com outra pessoa. Não iria viver numa terra comprada por ele. Seria a mesma coisa que casar-se com Peter. Até uma semana atrás, nem ao menos conhecia Bruce Hallam, e agora... agora estava apaixonada por ele a ponto de pensar que iria enlouquecer. Não queria acrescentar gratidão a suas emoções. Bethany decidira viajar para a fazenda de Bruce no calor do momento. No entanto, se esquecera de um fato essencial. Não sabia como chegar até lá. Estivera em sua propriedade uma vez. Sabia que era perto das Montanhas Azuis, ao norte de Sydney. Lembrava-se também de que passara pela pequena cidade de Cooneera algumas milhas ao sul. Seria fácil encontrar Cooneera, mas depois disso estaria perdida. Todas as estradas do campo pareciam iguais, pensou em desespero, ao virar numa trilha, e depois noutra. Nas duas viagens de ida e de volta da fazenda de Bruce, estivera fragilizada emocionalmente, e a última coisa em que pensara fora em prestar atenção à sinalização e ao relevo do lugar. Agora se xingava de tola. Por fim, voltou a Cooneera. Viajara a tarde toda em seu velho carro, e estava escurecendo. Teria de esperar até o dia seguinte para encontrar Bruce e, se não quisesse passar a noite no carro, precisaria encontrar um lugar para ficar. Cooneera não poderia nem ser chamada de cidade. Tinha uma loja onde se vendia de tudo, uma pequena escola, duas igrejas e um barzinho decrépito. Bares na zona rural eram obrigados a ter quartos para alugar. Bethany olhou com desconfiança para o prédio caindo aos pedaços, mas não tinha escolha. Ou passava a noite em Cooneera ou desistia e voltava para casa. "Desista e saia daqui", lhe sussurrou o bom áenso. Mas fugir era coisa de covarde. Bethany não podia aceitar o presente. Não conseguiria viver com essa imerecida generosidade. Suspirando de cansaço, estacionou atrás de uma fileira de caminhões em frente do bar, desceu e entrou. Para sua surpresa, o bar estava em bom estado. O salão era limpo e quase aconchegante. Só havia homens, e, quando entrou, todos se viraram para olhar a recém-chegada. Bethany corou quando percebeu os olhares de admiração que despertava nos desconhecidos. Os bares australianos ainda eram apenas de domínio masculino. Bethany tentava parecer indiferente conforme caminhava até o balcão para falar com uma senhora de meia-idade que parecia ser a proprietária e que também olhava para Bethany com curiosidade. Um dos fregueses mais jovem deu um assobio de admiração, e a mulher pegou um pano de prato que atirou na cabeça do jovem. — Já chega, Ted Barnett! — disse com severidade, enquanto os companheiros de Ted riam. — Deixe a garota em paz. — Virou as costas, não dando atenção aos protestos do rapaz, e encarou Bethany. — Sim, senhorita, em que posso servi-la? — Gostaria de um quarto para esta noite. O salão pareceu entrar em erupção. Ofertas de hospitalidade vieram de todos os lados, e nenhuma delas tinha o mínimo de respeito. A senhora teve de falar alto para ser ouvida. — Mais uma gracinha e eu fecho o bar até segunda-feira! — gritou, com as mãos na cintura. — E não pensem que ficará só na promessa. Mais uma piadinha de mau gosto e fecho! Os homens olharam de Bethany para a mulher e retomaram a conversa no ponto em que estavam quando ela entrou. — Não ligue para eles, querida. Esses tolos só querem beber e se divertir um pouco. Acredite ou não, quase todos têm esposas e filhos, e se você, por acaso, aceitasse a oferta de algum deles, decerto fugiria correndo. Agora, deixe-me mostrar-lhe nossas acomodações. São limpas e confortáveis. Durmo logo no início da escada, portanto, são seguras também. Sem esperar pela resposta, a boa senhora levou-a um quarto no primeiro andar e olhou para Bethany com curiosidade. — O preço é trinta dólares, incluindo o café da manhã. O jantar custa cinco. Costumo servir torta e batatas, ou bife e batatas. — Hesitou e completou: — Mas posso fazer uma salada, se preferir. — Obrigada. Bem... o motivo de eu estar aqui é que estou perdida. Passei a tarde tentando encontrar uma fazenda. Desisti de procurar porque ficou muito tarde, mas gostaria de encontrá-la de manhã. — Fazenda de quem? Num raio de trinta milhas, conheço todo o mundo, desde o cidadão mais velho até os cachorros. Não há nada que não ouça neste bar. — O lugar que procuro pertence a Bruce Hallam. — Bruce Hallam... — A mulher pareceu interessada e, pela primeira vez, observou Bethany, que usava calça jeans e uma camisa clara; seus cabelos encaracolados estava presos, e ela parecia muito respeitável, mas não era a respeitabilidade de Bethany que estava em questão. — Bruce Hallam... Então, acho que é a jovem sobre a qual todos estão comentando. Bethany franziu o cenho. — Desculpe-me. Não sei a que está se referindo. — Você deve ser a jovem de Bruce. — Sorriu. — Aqui não se pode esconder nada. Estou tão contente por ele! Era hora de aquele homem bonito encontrar um moça decente, para variar. — Eu não... — Não diga que não estou certa. — A mulher olhava para Bethany com indisfarçada alegria. — Acho que atingi o ponto certo. Ninguém fica vermelha sem motivo. — Mas... como... — Há dez dias, Bruce Hallam falou a seus empregados que queria a fazenda só para ele durante alguns dias. Pagou os empregados e deu-lhes férias. Então, alguém o viu dirigindo pela cidade com uma mulher no carro, uma jovem de cabelos cacheados, castanhos. Depois, ficamos sabendo que ela se fora e ele foi atrás dela, pois teve de chamar o pessoal de volta para que pudesse se ausentar da fazenda. E desde então a pequena sobrinha, que todos pensavam que fosse muda, está falando como uma matraca, e me disseram que sempre cita uma tal de Bethany. Os empregados da fazenda dizem que Bruce anda de um lado para o outro como se fosse um urso que tivesse sido acordado da hibernação: desorientado e de péssimo humor. A dona do hotel cruzou os braços e perguntou: — Você é ou não é Bethany? — Sim... — Bethany... — A mulher suspirou, encantada pela história de amor que descobrira. — Que lindo nome! E agora você está de volta. Desejo a vocês toda a felicidade, querida, e farei o possível para ajudar. Não vou cobrar nem um centavo. Se conquistou o coração de Bruce Hallam, adote também a pequena Katie e faça os dois muito felizes. — Senhora... — Madge Trotter. — Sra. Trotter, não sei do que está falando. Está tirando conclusões precipitadas. Mal conheço Bruce Hallam. — Você esteve na fazenda dele? — Sim. — E ele esteve na sua? — Sim, mas... — Bem, meu marido casou-se comigo depois de um tiroteio. Não engane nosso Bruce, garota. Depois de tudo o que ele passou... Bethany respirou fundo. Parecia que estava de volta à lama da fazenda de Bruce e afundava cada vez mais. — Sra. Trotter, eu não... — gaguejava sem saber o que dizer. — Senhora, eu não sei... — O que você não sabe? Bethany fechou os olhos. Achava que não tinha o direito de perguntar, mas não conseguiu se conter: — Diga-me o que quis dizer com "depois de passar por tudo o que ele passou". Está se referindo à morte da irmã e ao divórcio de Bruce? Silêncio. Bethany encarou Madge Trotter, que a olhava, estupefata. — Você não sabe? — O que eu não sei? Não conheço o sr. Hallam muito bem. Só nos encontramos há dez dias, e eu... — Está louca por ele, não está? Bethany não conseguiria mentir. — Sim, estou. Sei que há obstáculos, mas não conheço quais são. — Poderia perguntar para qualquer um da cidade. Aqui todos sabem o que houve. — Não conheço ninguém por aqui a não ser a senhora. Pode me contar? Madge Trotter respirou fundo, olhou para Bethany por um longo momento como se a estivesse avaliando e se dirigiu ao topo da escada. — Roy! — gritou com uma voz que poderia acordar um morto. — Tome conta do bar. — Entrou no quarto de Bethany e fechou a porta. — Vou explicar contra o que você está lutando, menina. É a primeira esposa dele, Joane. Eles se casaram muito jovens, e Joane estava apenas interessada na aparência e no dinheiro de Bruce. Logo ficou enjoada de tudo o que a cercava, pois não gostava de viver na fazenda. Posso contar-lhe muitas histórias a respeito dela, mas acabaria por entediá-la. — Mas Joane se foi — Bethany disse com cautela. — Está me dizendo que ele ainda a ama? — Acho que a amou apenas durante o primeiro ano de casados. Só um louco poderia amar aquela mulher. Joane agia mal, mas Bruce aceitava tudo. Sempre a recebia de volta. Mas, da última vez, ela levou o que ele mais amava na vida, o que acabou com ele... — O quê? — A filha deles. — Madge murmurou com pesar. — Era pela menina que Bruce sempre a aceitava de volta. Amava muito a criança, e Joane era a mãe, afinal. Mas da última vez, Joane estava completamente desequilibrada e levou a garota consigo, coisa que nunca havia feito, nunca se interessara pela menina. Fez isso só para magoar Bruce ainda mais. Entrou no possante carro esporte, dirigiu pela estrada como uma louca, em excesso de velocidade e... se matou, e também à filha. Na manhã seguinte, Bethany acordou como se não tivesse dormido. Ficara deitada quieta na escuridão pensando no que acabara de saber. Como lutar com obstáculos desse porte? Sentira-se infeliz por perder a fazenda. Quanto Bruce sofrera com sua perda irreparável? Quanto lhe custara ir a um país estranho para buscar uma garota que não era sua filha e abrir seu coração para tentar amar de novo? E ali estava Bethany, também pedindo para ser amada e para que ele se expusesse mais uma vez à dor e à traição! Talvez Bruce acreditasse que, se expondo, arriscaria tambem a vida de Katie. Já cometera um erro irreparável no passado. Quem poderia culpá-lo por agir apenas com a razão agora? Tinha se oferecido para se casar com ela. Que tipo de contrato Bruce faria? O que Bethany deveria fazer agora? Levantar-se da cama e ir vê-lo, ordenou a si mesma. Devolver a escritura da fazenda e fazer uma última tentativa de fazer parte da vida dele. Tinha de fazê-lo ver que podia confiar nela. E se Bruce não quisesse? Então, teria de ter força para ir embora, porque magoar Bruce lhe custaria mais que perder a própria vida. CAPITULO XI Bruce estava perto dos estábulos quando Bethany estacionou na frente da casa. Ela teve vontade de fugir, mas respirou fundo por três vezes, desligou o motor e foi até a porta de entrada. Bateu e esperou. Bruce ajudava um empregado a descer uma pequena égua preta de um caminhão. Viu o carro de Bethany chegando, mas não se moveu. Não sorriu, nem foi recebê-la. Apenas ficou imóvel. O coração de Bethany saltava no peito. "Deus do céu, como enfrentar uma situação como essa?” Enfim, Bruce se aproximou. — Olá, Bruce. Espero que não se importe por eu ter vindo aqui, mas... preciso falar com você. — A respeito do quê? Como boas-vindas, a frase funcionou como um balde de água fria. Bethany foi até o carro, pegou uma pasta de papelão e entregou-a a ele. — Disto. De seu presente. Estou aqui para dizer-lhe que não posso aceitar. Não quero, nunca tive essa pretensão e quero que aceite de volta. Havia um outro homem dentro do caminhão que transportara o animal. — Pegue. — Bruce deu ao homem as rédeas da égua. — E a leve para os estábulos, Charlie. Alcanço você em instantes. Venha ao escritório srta. Lister. Prefiro que minha sobrinha não a veja. Bethany gelou. Não havia restado nem um pouco de amizade? Como ele a chamara? Srta. Lister? Tão formal, tão frio... Tinha sido reduzida a apenas uma conhecida, nada mais. Sem nenhuma palavra, Bruce a conduziu ao escritório, construído no final da casa. Apontou uma cadeira e sentou-se na outra extremidade da grande mesa. — Agora, srta. Lister, a senhorita disse que viria ver Katie no final de um mês. Não a estava esperando antes disso. Qual é o problema? — Bruce, não... — Diga-me o que quer, Bethany. Estou ocupado. Bethany mordeu o lábio. Como iria lutar com tanta indiferença? Teria força suficiente? — Queria apenas dizer que não quero seu presente. — Pôs a escritura da fazenda diante dele. — Encontrei um lar para meus animais e já estou providenciando minha mudança. Em breve, estarei saindo da fazenda e não precisarei mais dela. Além do mais, não tenho o direito... — Devo isso a você, Bethany. Sua ação de desistir de casar-se com Mayberry significou muito para minha sobrinha, que vai herdar o que de direito lhe pertence. Além do mais, você a persuadiu a voltar a falar. Estou muito agradecido, e costumo pagar meus débitos. Aceite, por favor. — Você está me comprando. Não vóu aceitar isso para aplacar sua consciência, Bruce Hallam. — O que quer dizer com comprar? Não tive... — Está me ressarcindo por não poder me amar. Tem medo de me amar, medo que eu seja uma outra Joane e magoe você e Katie, do mesmo modo como Joane magoou sua filhinha. Você não confia... — Quem lhe contou a respeito de Joane? — Isso não importa. Mas eu sei de tudo... e... sinto muito. — Não tem de sentir nada. A morte dela e de Laura foi há muito tempo. — E você ainda está ferido. Bruce, foi magoado demais para querer recomeçar. Mas é o que precisa fazer. Já tem o amor de Katie. — E é tudo de que preciso — respondeu com rispidez. — Não vê que está pedindo o impossível? Pedir para confiar em você... — Se me ama, confiará em mim, apesar de sua mente dizer o contrário. — Fez uma pausa. — Bruce, o que me pede para fazer é ainda mais difícil do que isso. Como pode pensar que eu o magoaria e a Katie, como Joane fez? Precisa saber que eu jamais faria uma coisa dessas. Preferiria morrer... Não conseguiu dizer mais nada. As lágrimas estavam quase aflorando a seus olhos, mas um resto de orgulho impediu que chorasse. Sentou-se, pálida e em silêncio, e olhou para o rosto severo e sem expressão do homem que amava. Bruce não se mexia. Era como juiz e jurado ao mesmo tempo, e Bethany estava sendo condenada sem que ele proferisse uma palavra. Precisava ir embora. Tinha de ir antes que rompesse em pranto, parecendo ainda mais tola. Levantou-se e conseguiu empurrar a escritura da fazenda em direção dele. — Pegue sua terra de volta, Bruce. É tudo o que peço e é por isso que estou aqui. Não quero seu presente e não te amo com o objetivo de conseguir vantagens. Se eu ficar com essa fazenda, me sentirei mal todos os dias. — E o que fará? — Bruce pegou a escritura e perguntou com voz impessoal. Bethany caminhou até a porta e olhou para trás, com o queixo erguido e um olhar de desafio. — O que eu farei não tem nada a ver com você, Bruce Hallam. Quero apenas ficar o mais longe possível e recomeçar minha vida. — A escritura estará aqui, caso mude de ideia. — Isso não vai acontecer. Em algumas coisas, sou tão implacável quanto você. E também tão estúpida quanto. Bethany saiu do escritório achando que a reação de Bruce havia sido fria e distante e que não havia mais nada que pudesse fazer. Durante muito tempo depois que ela saiu, porém, Bruce permaneceu imóvel, sentado, com os cotovelos apoiados na mesa, com a cabeça entre as mãos, olhando para a porta fechada. Teria sido loucura mandar Bethany embora? Seu coração dizia que sim. Mas a barreira que erguera para se proteger parecia intransponível. — Não posso pôr a vida de Katie em risco — disse para si mesmo, e as palavras pareceram sem sentido no silêncio da sala. Tudo o que tinha a fazer era tentar transpor essa barreira, seguir Bethany e... amála. E se expor de novo? Abrir seu coração e começar a sofrer mais uma vez? Mas o sofrimento já havia começado. — Você está sendo estúpido e cruel, Bruce Hallam. Se eu a amar, e ela se for... Bethany não o magoaria, e nem faria Katie sofrer, uma voz lhe dizia. "Deus do céu, Hallam, confie em você, em seu julgamento. Ela é uma mulher num milhão!” — Confiei em mim quando me casei com Joane e veja no que deu! "Agora é diferente. Bethany é diferente.” — Mas se cometer outro erro... vou expor a mim e a Katie. Amare perder é caminho certo para a loucura. — Por que Bethany não foi me ver? — As palavras foram pronunciadas com voz chorosa, cortando o diálogo de Bruce com sua consciência, trazendo-o de volta à realidade. Viu a sobrinha parada à soleira, com os olhos marejados de lágrimas. — Katie Sininho... — Eu a vi da janela de meu quarto, mas ela já estava entrando no carro, e quando cheguei ao quintal, já tinha ido. E não foi me ver... — Ainda não fez um mês, querida. Bethany disse que viria depois desse prazo. — Mas estava aqui. Veio agora. Por que não ficou? — Katie, Bethany não pertence a este lugar. — Levantou-se e pegou a sobrinha no colo. — Só você e eu moramos aqui. Somos uma família. Bethany é uma moça muito boa, mas é apenas uma visita. Não é uma de nós. Katie meneava a cabeça sem conseguir entender. — Bethany é uma de nós, tio! E ela estava chorando. Eu vi, e queria consolá-la, mas Bethany se foi antes que pudesse alcançá-la. Tio Bruce, Bethany precisa de nós da mesma maneira que precisamos dela. — Nós não precisamos... — Sim, precisamos, titio :— Katie afirmou, com uma firmeza surpreendente. Começou a espernear no colo de Bruce, obrigando-o a colocá-la no chão. E aquele pequeno ser enfrentou-o com a expressão mudando de tristeza para raiva. — Nós precisamos de Bethany! Ela é nossa. Nos deu carinho e amor e nos faz felizes. Quando está aqui, é como se eu tivesse mamãe comigo outra vez. Você ri, e ela também. Até os cachorros gostaram dela. É maravilhosa até coberta de lama. Nós a amamos, e você a mandou embora sem que ela fosse me ver... — Eu não a mandei embora. — Sim, mandou! — Katie estava frustrada, e as lágrimas escorriam por seu rostinho encantador. — Mandou — repetiu, soluçando. — Bethany não iria se você não tivesse mandado. Não sem falar comigo. Tenho certeza, porque sei que ela te ama. Eu sei! E se você não sabe é porque é burro! Era demais para uma garota daquela idade. Katie olhava para o tio, chorando, e em seguida se afastou, correndo. Bruce ficou parado, sem reação, com as palavras da menina ecoando em sua cabeça. "Ela não iria se você não tivesse mandado.” Era verdade. Bruce sabia disso, como também sempre soubera quem era Joane de fato. Sempre tivera certeza de que um dia ela iria embora. Como sabia que Bethany ficaria para sempre. "Se você não sabe é porque é burro!” — Também isso é verdade, Bruce Hallam — disse para si mesmo. — Sabe que Bethany te ama. Seu burro, seu tolo, o que fez? Deixou-a ir... Traga-a de volta. Ame-a... e deixe-se amar. Deu um passo em direção à porta, mas nesse momento o telefone tocou. Bethany pisou fundo no acelerador assim que passou pelo portão da fazenda de Bruce. Queria se distanciar dali o mais rápido possível, mas a distância não era suficiente para aplacar a dor que lhe corroía o coração. O carro devia ter achado o caminho de volta sozinho, pois Bethany não se lembrava de ter dirigido, e só por um milagre não acontecera algum acidente. E agora? O que faria de sua vida? Não sabia a resposta, nem teve tempo para pensar, porque, quando chegou à fazenda, Peter a esperava. O noivo abandonado viera reclamar a noiva. Peter parecia estar esperando havia algum tempo. Bethany não percebera a presença dele antes de entrar em casa. Esperto, ele tinha estacionado o automóvel fora de vista, mas, quando Bethany entrou, pelos fundos, encontrou-o sentado à mesa da cozinha com um prato de ovos e algumas torradas diante de si. Bethany tinha muitas coisas para dizer ao primo, mas não estava em condições de falar, e tudo em que pôde pensar era que Peter estava comendo sua comida. Devorava seus ovos, pensou com raiva. Depois do que tentara fazer Katie, ainda podia sentar-se ali, tranquilo, e comer os ovos que Katie e Bruce haviam encontrado. A dor das últimas horas a estava esmagando, e ainda tinha de aguentar aquele sujeito odioso. Era tudo culpa dele! Tinha vontade de pegar o prato, jogar tudo em cima de Peter e sujar seu terno imaculado. Mas conseguiu aparentar calma e parar à soleira. — Você... — Bethany! — Peter empurrou o prato e olhou para ela. — Já era tempo de chegar. Onde esteve? — Não é de sua conta, Peter. — Não? De repente, a ira de Bethany se transformou em medo. Peter Mayberry era feio e atarracado, e seus olhos mostravam que não era uma boa pessoa. Tinha um olhar de pura malevolência. — E, sim, Bethany — disse-lhe com a voz macia como seda. Caminhou até ela e fechou a porta. — Você me enganou. Por sua causa estou arriscado a perder dois milhões de dólares. — O dinheiro não é seu — respondeu sem se desviar. — Não sei que truques usou para que o pobre Oliver fizesse o testamento em seu favor, mas... — O que fiz ou deixei de fazer não lhe diz respeito. Oliver não tinha parentes a quem deixar a fortuna. — Com exceção dos empregados, que foram fiéis a ele por toda uma vida e... — Era difícil para Bethany se concentrar no que tinha de falar quando todo o seu ser ansiava por chorar pelo homem que amava e que a rejeitara mais uma vez. — E uma neta, uma criança órfã que precisa da herança. — Quem liga para a criança?! Ela deveria ter morrido no orfanato, longe daqui. Fui idiota e me esqueci de contratar alguém para matá-la enquanto era fácil. Não sabia que a menina tinha um tio. O medo de Bethany se transformou em ódio. Contratar alguém para matar Katie?! Deus do céu, o que aquele homem seria capaz de fazer?! — Deveria ter descoberto antes de arquitetar seus planos, não é, seu canalha? Não esperava que Katie fosse amada por alguém! — Amada! O desgraçado é um meio-irmão da mãe dela que pensa poder controlar a garota para se apoderar do dinheiro. — Bruce não... — Quanto Hallam lhe pagou? — Nada. — Mentirosa. Eu li seu bilhete. — Não fui eu que o escrevi. Bruce se passou pelo fotógrafo e me raptou no dia do casamento. Foi ele quem mandou o bilhete. — Ele raptou você? — Peter olhava para ela, incrédulo. — Não acredito. —É a verdade. Silêncio. — Bem, se é assim... — O olhar frio do primo mostrava que raciocinava para tentar tirar alguma vantagem. — Faltam três dias para eu completar trinta anos, e a licença decasamento ainda é válida. Minha oferta está de pé, Bethany. — Trinta mil dólares para me casar com você? — Bethany quase gritou. Recebia ofertas de todos os lados, e uma pior do que a outra. Meneou a cabeça. — Peter, você me disse que ninguém iria ser prejudicado, que não havia outra pessoa para herdar a fortuna, e era mentira. E, entre você e Katie, eu fico com a menina. — Você é maluca. — E, antes que Bethany pudesse se afastar, lhe deu uma bofetada. Peter já tinha batido em Bethany antes. Muitas vezes. Por isso, ela nem ficou chocada. Apenas fechou os olhos, deu um passo para trás e esperou. Aprendera a duras penas que reagir com medo tornava as coisas piores. — Não há nada que você possa fazer, Peter — falou com calma, se controlando para não passar a mão na face machucada. — Você mentiu para mim e foi descoberto. Não vou me casar, e ponto final. Pode ficar furioso à vontade. Não fará nenhuma diferença para mim. Quando Bethany tornou a abrir os olhos, percebeu que o olhar de Peter não mostrava fúria, e sim um malicioso triunfo. O antigo medo voltou. — Isso não é o fim, Bethany. Acha que fiquei parado durante esses dez dias? Que não fiz nada? Como não tinha uma lua-de-mel para desfrutar, fiquei pensando em você, como tinha me feito passar por tolo e perder dois milhões de dólares. E em como poderia forçá-la a se casar comigo e se arrepender amargamente por ter me feito de idiota. — Não posso ser forçada a assinar. — Acho que pode. — Peterjogou um maço de papel sobre a mesa. — Está vendo isso? É nosso contrato de casamento, que será realizado amanhã, dois dias antes de meu aniversário. Mas, de acordo com esse documento, já aconteceu e teve testemunhas. Será noticiado nos jornais de sábado com a explicação de que a cerimónia foi realizada em particular. Peter sorriu com cinismo e continuou: — Espalhei a notícia de que você é uma garota do campo e que uma grande cerimónia a assustou. Por isso, fugiu. Mas como me ama muito, voltou para casar-se comigo em segredo. Nosso casamento será realizado, querida, e ninguém poderá nos separar, muito menos Bruce Hallam. — Você é louco! — Não. Sou apenas muito precavido, Bethany. Da última vez, eu a deixei livre para ir à igreja, mas agora não vou me arriscar. O celebrante foi muito bem pago, não só para providenciar esses documentos como também para, amanhã, ficar fora de circulação para que ninguém possa dizer que o casamento não se realizou. E também as duas testemunhas, que jurarão por Deus terem assistido a tudo. Os papéis apenas precisam da sua assinatura, e estará tudo dentro dos conformes. — Não vou... — Vai, sim — Peter a interrompeu. — Assim que você vir isto. Tirou do bolso um maço de fotografias que jogou em cima da mesa. Bethany não queria pegá-las, não desejava dar-lhe esse prazer. Encarou aquele homem horrível, que sorria, maldoso. —Você não tem escolha, querida prima. E o que se pode chamar de assunto de vida ou morte. Olhe as fotos. Por fim, Bethany as pegou. Eram retratos de sua prima, Geórgia Gallagher, catorze anos de idade, alegre e cheia de vida, e uma das pessoas que Bethany mais amava. Começou a olhar, sentindo cada vez mais medo. Era evidente que Geórgia não sabia que estava sendo fotografada. As fotos mostravam a garota em casa, assistindo à televisão, conversando com a mãe na cozinha, dormindo... — É invasão de privacidade, Peter. É crime. Por que fez isso? — Continue olhando. Bethany sentia-se gelar a cada nova retrato. A foto seguinte era de uma caixa com fusíveis presa na parede externa do quarto de Geórgia. — O que você fez, Peter? — Ainda não fiz nada. A não ser que esteja se referindo aos medicamentos de Oliver Bromley, que mudei para apressar sua morte. Isso eu fiz, apesar de não haver meio de provar. Mas quanto a Geórgia... não pus a mão em um fio dos seus cabelos... ainda. Mas... — Mas o quê? — Essa caixa que você viu, Bethany, é um aparelho eletrônico de detonação com controle remoto. Detonação, prima. Suponho que saiba o que significa. — Você... — O rosto de Bethany estava lívido, e suas pernas ameaçavam se dobrar. — Vejo que entendeu, minha inteligente noivinha. É uma pequena bomba. Pequenina, mas muito eficaz. Você se lembra daquele póster no quarto de nossa prima? A caixa que você viu na parede externa do quarto, bem embaixo da janela, está conectada com um detonador atrás do póster. Nossa preciosa Geórgia não terá como escapar. Por esse motivo andei ocupado nos últimos dez dias e aprendi muito a respeito de bombas, para me certificar de que, depois da explosão, os investigadores não serão capazes de identificar nada, a não ser que houve um problema na caixa de fusíveis. Pobre e querida prima. Que trágico acidente! Talvez tenhamos de encurtar nossa lua-de-mel para comparecer ao funeral. Porque você vai se casar comigo, querida Bethany. — Você faria isso? — Bethany perguntou, horrorizada. — Faria isso com Geórgia? — Eu faria qualquer coisa por dois milhões de dólares. Antes de preparar tudo, me certifiquei de que você estaria de volta hoje. Por isso, marquei a cerimónia para amanhã, para estar certo de que tudo estaria preparado. Fiquei muito nervoso por não encontrá-la aqui hoje cedo. Esperei toda a manhã, e você voltou como uma querida e meiga noiva que é. Portanto, Bethany, tudo que tem a fazer é assinar e, se eu fosse você, não perderia tempo. O controle remoto é muito pequeno, e costumo ter cócegas nos dedos. Bethany olhava para o primo, em estado de choque. — Geórgia vai para a cama às dez da noite, Bethany. Até essa hora, ela estará salva. Mas eu bem que gostaria de testar meu detonador. Você sabe disso, pois me conhece há muito tempo. Então, seja uma boa garota e assine. — Se eu assinar, você destruirá o detonador? — Não. — Ele meneou a cabeça. — Pensa que eu sou tolo? Eu o destruo, e você sai por aí gritando que o casamento foi uma farsa. Mesmo que já tivesse consumado nossa união, coisa que espero com ansiedade, meu advogado diz que preciso ser visto feliz, depois de completar trinta anos. Todos precisam me ver acompanhado de minha linda e apaixonada noivinha. "Então como será?" Os lábios de Bethany se moveram para formular a pergunta, mas a voz não saiu. Olhou para o primo e, mesmo sem que ele falasse, já sabia qual seria o desenlace. Peter parecia contente demais para estar esperando que ela apenas assinasse um contrato de casamento. O que aconteceria se Bethany ficasse casada com ele durante alguns dias e depois contasse ao mundo a verdadeira história? Se pudesse provar que fora forçada a se casar com Peter, o casamento seria anulado, e o primo não receberia a herança. E, o mais grave, ele tinha confessado a Bethany que apressara a morte de Oliver Bromley. Faria isso se pensasse que ela poderia contar a outras pessoas? Estava perdida. — O que pretende fazer comigo... depois de seu aniversário? — Viajar em lua-de-mel, é claro. Todos os casais normais fazem isso. Amanhã, seremos vistos num romântico jantar num restaurante fino de Sydney, e então voaremos para o norte, onde embarcaremos num iate. Velejaremos no Whitsundays. É idílico nesta época do ano. — Você odeia velejar. — Bethany sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. — Mas o dever me obriga. Bethany entendeu o desfecho pelo sorriso e pelo olhar de Peter. A lua-de-mel seria trágica, porque a jovem e bela noiva morreria afogada. — Assine os papéis, Bethany. — Empurrou os documentos em direção dela. — E não tente nenhuma tolice. Possuo duplicatas, para o caso de você borrar a assinatura, e qualquer tentativa imbecil fará meu dedo acionar o detonador. Agora, assine. — E ergueu a mão para esbofeteá-la de novo. O mundo pareceu parar de girar. E então, de súbito, tudo começou a rodar com tanta intensidade que Bethany sentiu que ia cair. Parecia haver pessoas gritando na porta da casa... e uma voz era mais nítida que as outras. — Toque nela e eu acabo com você! Não assine nada, Bethany! Deixe-a em paz, seu desclassificado... Bethany virou-se e viu Bruce atravessando a sala, se aproximando e empurrando Peter para longe dela. Era Bruce. Ao lado dele havia oficiais da polícia e outros mais atrás dele. Um pouco antes de Peter gritar, os policiais agarraram-no e o revistaram para ver se estava armado, numa ação comum em toda prisão. Em segundos, acharam um pequeno aparelho semelhante ao controle remoto de televisão, só que menor, e também um revólver. Bethany estava com tanta tontura que mal se mantinha em pé, mas não havia perigo de cair, pois estava amparada pelos fortes braços de seu amado Bruce, que a segurava como se ela fosse a coisa mais preciosa da vida dele. CAPITULO XII Quatro policiais entraram na sala. Peter parecia encolhido dentro do terno, enquanto Bethany observava tudo, sem se mover, entre os braços de Bruce. O interrogatório foi difícil e rápido, mas Peter se manteve em silêncio. Então, um dos oficiais ligou um gravador que reproduziu a conversa que ocorrera entre Bethany e Peter. Enquanto outro continuava interrogando-o, Peter empalidecia cada vez mais enquanto a fita rodava. Durante todo o tempo, Bruce amparava Bethany, abraçando-a com infinita ternura, com o rosto mergulhado nos cabelos dela. Prestava atenção ao interrogatório, mas estava mais atento às reações de Bethany. A fita cassete rodava e rodava. A polícia havia gravado tudo o que Peter dissera a Bethany, e, no final da gravação, Peter estava tão encolhido que parecia mais baixo do que era, sem cor e com aspecto de doente. Mas Bethany não sentiu nenhuma pena dele. Permanecia junto de Bruce com a cabeça encostada em seu forte e musculoso peito, trémula e horrorizada por tudo o que escutara a respeito do que Peter fizera e o que pretendia fazer. Sabia que ele não prestava, que era uma pessoa muito má, mas não imaginava que fosse tão diabólico a ponto de matar. Bruce a apertava como se soubesse que só seu corpo estava afastando-a do horror absoluto e que, se a soltasse, ela não resistiria. Peter nunca mais chegará perto de você. Eu juro, querida, eu juro. Os policiais terminaram o interrogatório e levaram Peter. O sargento que chefiava a ação se aproximou para conversar com Bruce e Bethany. — Precisamos de seu depoimento, senhorita. Mas podemos esperar até amanhã. O senhor poderá levar a srta. Lister até a delegacia, sr. Hallam? — Farei isso. O senhor tem evidências suficientes para condená-lo? — Oh, sim, sem dúvida! — O policial riu com satisfação. — Estamos agradecidos pela sua ajuda, sr. Hallam. Bethany olhou-os sem entender, e o sargento continuou: — Temos Mayberry sob vigilância há algum tempo. Havia alguns fatos inexplicáveis em relação à morte do sr. Oliver Bromley que nos preocupavam. A morte nos parecera natural e causada pela ingestão acidental de remédios, mas a demissão de todos os empregados um pouco antes do falecimento nos deixou desconfiados. No entanto, não tínhamos provas. Agora, porém, possuímos uma confissão que o levará ao banco dos réus por assassinato. Depois de seu telefonema, sr. Hallam, viemos checar a srta. Lister, mas deixamos as viaturas escondidas nas imediações. Sabíamos que tínhamos um espaço de tempo antes que ela chegasse, embora tenha vindo antes do esperado. Quando notamos que havia bastante vegetação ao redor da residência, que as janelas estava abertas e poderíamos nos aproximar sem ser vistos, achamos que uma gravação seria possível e muito útil. Então, preparamos o gravador um pouco antes de a senhorita chegar, e nossos esforços foram compensados. Se pudermos deixar a srta. Lister sob seus cuidados, sr. Hallam, teremos terminado por hoje. Bethany olhou para Bruce e não pôde acreditar na expressão que viu em seu olhar. — Sim, sargento. Eu cuidarei dela — disse, com carinho. — Cuidarei de Bethany pelo tempo que ela quiser. Nenhum deles notou quando os policiais se foram. Só tinham olhos um para o outro. Bruce a estreitava como se quisesse que Bethany nunca mais se afastasse dele. Suas mãos, seu corpo tudo dizia mais que qualquer palavra. Alguma coisa havia mudado que fazia com que Bethany sentisse que era amada por ele com a mesma intensidade com que o amava. E, apesar da tarde cheia de horror, apesar do medo que sentira, seu coração estava repleto de alegria. Mas havia muitas coisas que não conseguia entender e que precisava saber. — Bruce... — Conseguiu afastá-lo um pouco, mas sem se soltar do abraço. — Eu não entendo. Esta manhã você agiu como se me odiasse. Importa-se de me contar o está acontecendo? — Achei que você tinha entendido. — Bruce sorria e acariciava a face de Bethany, que havia sido esbofeteada por Peter. — Ele bateu em você, aquele assassino... Bethany pôs a mão sobre seus lábios. — Não vamos falar dele. Agora não. — Se eu tivesse chegado um minuto antes, teria impedido que ele fizesse isso. Mas a polícia queria gravar, e disseram que Peter a agrediu antes que pudessem perceber, mas que, se tentasse de novo, teriam interferido. — Você não estava lá fora quando tudo aconteceu? — Bethany sussurrou. — Pensei que tivesse estado o tempo ali. — Não. — Tornou a puxá-la de encontro ao peito. — Dirigi mais rápido do que em toda a minha vida, mas cheguei aqui no momento em que a polícia invadiu a casa. Se tivesse chegado antes, não teria deixado que Peter se aproximar de você. — Passou a mão pelos cabelos dela. — Bethany, jamais tive tanto medo na vida, e, apesar disso, pensava o tempo todo que também a magoei... Tentei afastá-la de mim e fui muito cruel... muito... — Não fale mais nisso. — Mas é verdade. E suas acusações eram verdadeiras. Tinha pavor de amar. Minha Laura estava com apenas três anos de idade quando morreu, e decidi que ninguém nem nada iria me tocar emocionalmente para o resto de meus dias. Não iria sofrer de novo daquela maneira. Mas Katie precisou de mim... e aí apareceu você, a suave e meiga Bethany, me oferecendo seu amor sem se importar com minha crueldade. Um pouco depois que você se foi, recebi um telefonema dizendo que Peter estava aqui na fazenda e, nesse momento, senti que todas as decisões que eu havia tomado no passado não eram mais válidas. Nunca senti tanto pavor. — Bruce... não entendo. — Eu tinha um detetive particular de olho em Mayberry para saber de todos os seus passos até que ele completasse trinta anos, e havia muitas atitudes suspeitas: a visita a um juiz de paz de reputação duvidosa; as visitas secretas à casa de sua priminha também eram suspeitas, pois ele parecia ter uma chave. — Peter estava plantando uma bomba... — Agora eu sei. — Bruce sorriu. — Mas meu detetive ainda não tinha conhecimento disso. Depois da visita de seu primo ao juiz de paz, pensei que talvez ele tivesse arrumado outra noiva, mas essa hipótese foi descartada. Meu detetive o perdeu de vista, mas, alguns minutos depois de você sair de meu escritório, ele me ligou dizendo que eu não me preocupasse, pois Mayberry tinha ido para uma pequena fazenda onde passara a noite toda e onde ainda se encontrava. Estava aqui, e você corria perigo. — Então você veio. — Eu viria de qualquer maneira. — Bruce encarou-a. — Depois que você saiu, Katie veio até mim, exigindo saber por que não a tinha visitado. Disse também que você nos amava e que eu era burro. Lembrei-me de seu olhar triste quando foi embora, como se eu a tivesse magoado mais do que Mayberry, e cheguei à conclusão de que Katie estava certa. Eu a tinha comparado a Joane, e isso era uma completa insanidade. Devia estar fora de meu juízo. Nesse momento, o detetive telefonou, e eu soube que a tinha posto em perigo mortal. — Bruce... — Tive de perder tempo telefonando à polícia, mas achei que, como seu carro era lento, eu teria tempo. Deus do céu, a que velocidade você dirigiu para ter chegado antes de mim? Ainda bem que a polícia já se encontrava no local. Eu lhes tinha dito que suspeitava que Mayberry ia forçá-la a se casar com ele, e lhes pedi que mandassem viaturas para garantir sua integridade física. A polícia já suspeitava de Mayberry. Então, os oficiais agiram rápido e o pegaram em flagrante. Depois que falei com eles, comecei a imaginar o que aconteceria se você se recusasse a se casar com Peter, e fiquei apavorado em pensar que eles pudessem não chegar a tempo. Bruce tomou fôlego e continuou: — Bethany, nunca um caminho me pareceu tão longo. Se alguma coisa tivesse lhe acontecido... Você me ofereceu um presente, e eu o recusei. Deu-me seu amor... Não a mereço. Não mereço ninguém tão bonita, adorável e com um coração tão grande. Trateia de maneira abominável. Mas pode me perdoar? Continuará me amando? Porque se eu perder você... — Não! — Bethany se apoiou na ponta dos pés e beijou-lhe os lábios. Seus olhos brilhavam, cheios de lágrimas. — Bruce, como eu poderia deixar de amá-lo? Para mim, amá-lo é como respirar. Você é parte de mim, Bruce Hallam, quero estar sempre a seu lado. E o homem de minha vida. Bruce exalou um profundo suspiro e a puxou de encontro a si mais uma vez. — Querida, meu grande amor! Vai me ensinar a amar de novo? Bethany, você pede para que eu a ame... Se deixar, pretendo começar agora, para compensar o tempo perdido e não vou parar antes de completarmos noventa e nove anos, ou mais. Agora não havia dúvida sobre o que Bruce estava pretendendo. Os lábios dos dois se encontraram, e o beijo foi ficando cada vez mais profundo, e o desejo foi crescendo de tal maneira que não poderia ser saciado com uma simples carícia. O êxtase da paixão que os unia só poderia ter um fim. Ou talvez um só começo. Mas havia uma coisa. Alguém que.devia ser lembrado. — Mas e Katie? — Bethany falou baixinho, quase num sussurro. — Katie está sozinha em casa? Bruce... — Não. — Bruce pegou-a no colo e foi caminhando para o quarto. — Katie está com a governanta, com meu capataz e os outros empregados, e todos eles prometeram tomar conta dela. — No entanto, ela ficará triste. Bruce, você não poderá ficar aqui, tem que ir! — Não tenho, não. Antes de sair, fiz uma promessa a minha sobrinha. Disse que ia procurar você e a traria de volta como minha noiva. Prometi a Katie, e tenho de cumprir. Aceita casar-se comigo, Bethany? Bethany não respondeu. As palavras não eram mais necessárias. —Bethany, você está maravilhosa! Bethany Lister olhou para a jovem prima e sorriu. — Foi isso o que você-me disse da última vez, Geórgia Gallagher, quando eu estava vestida de renda e cetim. Devo acreditar? Geórgia sorriu e olhou para a prima com amor. — Bem, da última vez você usava um vestido fabuloso, Bethany. Mas hoje não é a roupa, é você. — Aproximou-se e afofou os cabelos cacheados de Bethany, que chegavam até os ombros. — É a prima que eu amo. O vestido era muito simples, e Geórgia ajudara Bethany a escolher. Na primeira vez em que o viram, souberam que tinham acertado. Era de um fino algodão suíço, com pequenas mangas que apenas cobriam os ombros; justo no busto, caía solto até os pés. Bethany não usava véu, nem outro adorno. O vestido era branco e muito bonito, mas simples como Bethany. — E não há lugar para nenhum gambá aí dentro. — Geórgia deu uma sonora risada. — Mas não há nada que precise esconder. Decerto não havia. Bethany olhou das janelas da casa de Bruce para os convidados reunidos embaixo, no jardim. Não eram muitos, mas todos muito bem-vindos. Pessoas que ela, Bruce e Katie amavam. Havia também alguns animais esquisitos que Edna e Fred Walter tinham trazido e, que com o passar do tempo, se tornaram domésticos. Bethany podia ver dois cangurus, um gambá gordo e um grande pássaro branco no ombro de Fred Walter, além dos dois cachorros de Bruce. Enquanto ela observava, o pássaro voou do ombro de Fred e foi pousar no chapéu de Madge Trotter. Todos se puseram a rir, e os dois cães começaram a latir, histéricos. Sem dúvida, era uma festa de casamento muito especial e diferente! — Estamos prontas — Katie disse. — Tio Bruce também está pronto, e esperando. Quando apareceram, houve um frémito geral. As duas estavam lindas. Katie, de cor-derosa, carregava nos braços Madeleine, uma grande boneca vestida com sua jardineira velha, e ambas, a boneca e a menina, estavam com os cabelos amarrados com laços rosa. — Oh, Bethany, você está quase tão bonita quanto Madeleine e eu. — Katie tinha um sorriso resplandecente de felicidade nos lábios. — Mas, se quiser, pode usar meus lacinhos. Bethany pegou a menina no colo e lhe deu um forte abraço. — Katie Sininho, essa foi a melhor oferta que já recebi em toda a vida, mas Geórgia é de opinião que meus cabelos devem ficar livres e soltos. — Pôs a menina no chão outra vez. — E verdade, Katie. Nossa Bethany é assim. Um espírito livre. Não concorda? Katie ficou confusa e repetiu, indecisa: — Livre? Isso quer dizer que tio Bruce tem de deixá-la ir? Bethany riu, pegou a mão da menina e foi ao encontro dos convidados. Lá estava Bruce, de pé, perto do altar que haviam montado numa das extremidades do jardim, com o rosto feliz e sorridente. Usava um terno preto e estava tão lindo e magnífico quanto a noiva. Era o seu Bruce... — Não, Katie, isso não significa que você e Bruce terão de me deixar ir embora — Bethany sussurrou, apertando a mão da garota e encarando o noivo. — Porque, como todas as criaturas livres que conhecem seu próprio lugar, eu também sei onde é o meu lar. O lar é onde o coração está, Katie Sininho. Meu lar é aqui.