BREVES NOTAS ACERCA DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA Carlos Eduardo dos Santos Nunes1 RESUMO: a relação de causalidade pode ser concebida como sendo o liame, a ponte, o nexo que une a conduta do agente ao resultado delituoso decorrente dela. Trata-se de um elemento do fato típico. Sua incidência se dá nos denominados "crimes materiais", que são aqueles em que, para a sua consumação, exige-se um resultado naturalístico, isto é, uma alteração no mundo externo. A mencionada teoria, entretanto, é criticada doutrinariamente por não resolver algumas situações, tais como a da causalidade hipotética, a causalidade nos delitos omissivos etc. Em razão disso, surge a teoria da imputação objetiva, com a finalidade de sanar os "defeitos" da conditio sine qua non. Trata-se de uma teoria autônoma, que passa a analisar o nexo de causalidade sob um prisma normativo-jurídico: tendo como critério de imputação, o risco permitido e o risco proibido. SUMÁRIO: - Introdução. 1. Relação de Causalidade. 1.1 Considerações Gerais. 1.2 Teorias Explicativas. 1.2.1 Teoria da equivalência dos antecedentes. 1.2.1.1 Críticas a teoria da equivalência dos antecedentes. 1.2.2 Teoria da causalidade adequada. 2. Teoria da Imputação Objetiva: A concepção de Claus Roxin. 2.1 Conceito de Imputação Objetiva. 2.2 Natureza Jurídica. 2.3 Critérios de Imputação. 2.3.1 Criação de um risco proibido. 2.3.2 Incremento do risco permitido. 2.3.3 Diminuição do risco. 3. Conclusão. 4. Bibliografia Palavras-chave: direito Penal. Relação de causalidade material. Problemática. Teoria da imputação objetiva. INTRODUÇÃO O delito, modernamente, é considerado um fenômeno social comum, inerente à vida em grupo, de forma que se encontra presente em todas as "sociedades", desde as mais simples até as mais sofisticadas. Diversos são os fatores que contribuem para a ocorrência de um fato delituoso. Cite-se, como exemplo, o convívio social do indivíduo, seu ambiente familiar, sua personalidade, divergências de interesses com outros co-cidadãos, fatores sócio-econômicos, culturais etc. Para que as pessoas que compõem uma sociedade vivam de maneira civilizada, é necessário que suas condutas e atividades sejam organizadas. E é, justamente aí, que reside a função principal do direito, que nada mais é (em termos bem singelos) do que estabelecer normas que regulam a vida em sociedade. O direito, para atingir sua finalidade reguladora, divide-se em diversas searas; cada uma delas com suas peculiaridades e normas. Contudo, nunca deixando de lado seu objetivo principal. O ramo do Direito que cuida das violências contra interesses alheios e a consequente prática de um crime é o Direito Penal, cuja finalidade é proteger interesses e valores juridicamente relevantes para a sociedade, isto é, tutelar bens jurídicos. Para atingir esse objetivo são estabelecidas condutas proibidas, por meio de leis penais, que, se forem transigidas, ficarão sujeitas a uma sanção penal. O crime, atualmente, de acordo com a doutrina majoritária, é entendido como um fato típico, antijurídico e culpável. Há grande celeuma doutrinária no que tange à culpabilidade: ela é elemento do crime ou pressuposto da pena? Contudo, não é o objetivo desse trabalho abordar essa discussão. Portanto, será adotado o conceito "tripartido" de delito. Para dizer-se que determinado fato é criminoso e, como consequência, impor uma sanção a seu causador, é indispensável que todos os elementos do crime estejam presentes. Em sendo assim, insofismável está que houve a prática de uma infração penal. O primeiro elemento do delito que deve ser analisado é o fato típico. Para se aferir se determinada ocorrência no mundo externo é um fato típico, deve-se verificar a presença dos seguintes elementos: conduta, resultado, nexo de causalidade e tipicidade. Pois bem, o objetivo desse trabalho reside na análise do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado advindo desta. Para tanto, serão expostas as teorias causais mais conhecidas (teoria da equivalência dos antecedentes e teoria da causalidade adequada). Depois, de forma bem genérica e simples, analisar-se-á a teoria da imputação objetiva, bem como seus critérios de responsabilização penal. 1. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE 1.1. Considerações Gerais Para que determinado fato seja considerado criminoso e, consequentemente, possa se punir seu causador, é indispensável a presença de todos os elementos do crime, quais sejam: fato típico, antijuridicidade e culpabilidade. O nexo de causalidade está inserido no fato típico, juntamente com a conduta, o resultado e a tipicidade. Pode-se dizer, sem maiores delongas, que a relação de causalidade é o liame, a ponte, o nexo que liga a conduta do agente ao evento produzido por ela. Nesse ponto, cumpre anotar que não é em todos os delitos que a relação de causalidade é indispensável. Terá relevância a questão do nexo causal apenas nos delitos materiais (ou de resultado), nos quais, para a sua consumação, exige-se a produção de um resultado material, isto é, um resultado no mundo dos fatos, que altere a realidade das coisas. Cite-se, como exemplo de crime de resultado, o homicídio (art. 121, CP). A relação de causalidade está expressamente prevista no art. 13, do atual Código Penal. 1.2. Teorias Explicativas 1.2.1. Teoria da equivalência dos antecedentes A teoria da equivalência dos antecedentes (conditio sine qua non) foi criada por Glaser e sistematizada por John Stuart Mill e Von Buri (PRADO, 2002, p. 41). É cediço que, para toda ocorrência fática, concorrem diversas condições (antecedentes). Em razão disso, para a mencionada teoria, todo fato (conduta humana ou não) que contribui, de qualquer forma, para a ocorrência do resultado físico, independentemente de sua relevância causal, é causa dele. Portanto, pode-se concluir que, para a teoria da conditio sine qua non, não há qualquer distinção científica entre causa e condição. No cotejo de causas, elas são equiparadas. Não é por outra razão que é denominada de "equivalência dos antecedentes" (DAMÁSIO, 2000, p. 6; BITENCOURT, 2008, p. 244). Para se aferir se determinado antecedente é causa de um eventual resultado, deve-se fazer o denominado "juízo hipotético de eliminação" (BITENCOURT, 2008, p. 244) de Thyrém, também denominado de "abstração mental", "supressão causal hipotética" (CAMARGO, 2002, p. 49) e "processo indutivo hipotético de eliminação" (PRADO, 2002, p. 41), que consiste no seguinte: suprime-se, mentalmente, determinado antecedente (isto é, condição ou causa); posteriormente, se analisa se, ainda assim, o resultado teria ocorrido. Se a resposta for afirmativa, "sim", mesmo com a supressão da causa o resultado teria se produzido, o elemento suprimido não é causa; agora, se a resposta for negativa, "não", com a supressão da causa o resultado não teria se produzido, ou não teria ocorrido da forma que ocorreu, a condição suprimida é causa do evento. Para que se entenda melhor o que foi exposto, sugere-se o seguinte exemplo: imagine-se o movimento de um veículo. Para que isto ocorra, é indispensável que haja a máquina, o combustível, os pneus etc. Suponha-se que seja suprimido os pneus do automóvel. Diante disso, deve-se indagar: mesmo com a retirada dos pneus o veículo se movimentaria? Se a resposta for afirmativa, eles não são causa do resultado; se a resposta for negativa, os pneus são condição do resultado. Nesse ponto, cumpre advertir que a teoria da conditio sine qua non tem uma desvantagem, qual seja, a consideração como antecedentes do delito causas absolutamente remotas e distantes, levando, consequentemente, a análise ad infinitum dos antecedentes. No clássico exemplo doutrinário do homicídio: suponha-se que o autor do delito desferiu tiros de revólver na vítima. Evidente que sua conduta (desferir tiros) foi necessária para a produção do resultado; porém, outras condições foram, da mesma forma, indispensáveis para a ocorrência do fato; cite-se, como exemplo, o comerciante que vendeu para o agente a arma de fogo; o fabrico dessa mesma arma de fogo; e, até mesmo, os pais do infrator por tê-lo gerado são causa do resultado morte (BITENCOURT, 2000, p. 180; DAMÁSIO, 2000, pags. 6-7). Como se nota, a supressão mental das causas de determinado fato podem levar a análise ad infinitum, situação que não coaduna com os ditames da atual Ciência Penal. Em razão disso, estabeleceu-se uma limitação para a consideração dos antecedentes causadores de determinado resultado. Pois bem, para que se possa dizer que a conduta de determinado indivíduo é causa de um evento criminoso, não basta avaliá-la sob um prisma puramente objetivo, isto é, dizer apenas se ela é antecedente ou não da ocorrência fática. É indispensável, também, se analise o dolo ou a culpa do agente (que, de acordo com a teoria finalista da ação, são elementos da ação típica): O fato era previsível? O indivíduo agiu dolosa ou culposamente? Nesse ponto, importante trazer a lume o que leciona Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 245), nos seguintes termos: A relação de causalidade entre a conduta humana e o resultado é uma relação valorada, que deve ser aferida conjuntamente com o vínculo subjetivo do agente. Causalidade relevante para o Direito Penal é aquela que pode ser prevista, isto é, aquela que é previsível, que pode ser mentalmente antecipada pelo agente. Em outros termos, a cadeia causal, aparentemente infinita sob a ótica puramente naturalística, será sempre limitada pelo dolo ou pela culpa. Portanto, no exemplo acima mencionado, do homicida que desferiu tiros de revólver na vítima, o comerciante da arma de fogo, sem o elemento subjetivo do tipo (dolo) ou o elemento normativo do tipo (culpa) não poderia ser considerado o causador do evento morte. 1.2.1.1. Críticas a teoria da equivalência dos antecedentes A doutrina aponta algumas críticas à teoria da equivalência dos antecedentes. Em primeiro lugar, essa orientação não explica os casos de causalidade hipotética. Suponha-se que um soldado, em guerra, obedecendo ordens hierarquicamente superiores, fuzile outro soldado. Em sua defesa alega que se não tivesse realizado o ato, outro soldado o faria. Portanto, de uma forma ou de outra a vítima morreria. Sendo assim, sua conduta não seria causa do resultado, uma vez que mesmo que ela fosse suprimida o evento ocorreria da mesma forma. Depois, afirma-se que a teoria da conditio sine qua non somente é aplicável nos crimes de resultado e nos delitos de ação. Não incidindo, portanto, nos crimes formais e de mera conduta, tampouco nos delitos decorrentes da omissão. Por fim, a teoria da equivalência dos antecedentes não é adequada à tentativa (DAMÁSIO, 2000, pags. 31-33). 1.2.2. Teoria da causalidade adequada A doutrina tem apontado como grande idealizador dessa teoria, o alemão Joannes Von Kries (1853-1928) (CAMARGO, 2002, p. 55). A teoria da causalidade adequada surge para tentar solucionar os problemas deixados pela teoria da equivalência das condições, vez que ela é muito abrangente e não distingue entre causa e condição; em consequência disso, a teoria da causalidade adequada (ou adequação), restringe o conceito de causa. A causa de um evento típico, de acordo com essa teoria, é a condição que, em geral, de acordo com a experiência, for a mais adequada para a produção desse evento (CAMARGO, 2002, p. 55). Portanto, para se dizer que determinada ocorrência causou o resultado, é insuficiente que ela faça parte do desdobramento causal que deu ensejo a esse fato. É necessário, mais que isso. A condição deve ser adequada para produzir o mencionado resultado. É uma orientação doutrinária pautada no juízo de probabilidade ou possibilidade, de acordo com o conhecimento ex ante (antes do evento) do autor do delito. Trata-se, portanto, de um juízo de previsibilidade subjetiva individual do agente que deve ser analisado casuisticamente. Esse juízo subjetivo, entretanto, no dizer da doutrina, "importaria inequivocamente em um prejulgamento da previsibilidade subjetiva, elemento da culpabilidade" (PRADO, 2002, p. 43). Isso ocasionaria, consequentemente, grande confusão quando da análise dos mencionados institutos. Em face disso, elaborou-se uma teoria da causalidade adequada que utilizava-se de uma fórmula objetivo-subjetiva. Seus idealizadores foram Hippel e Traeger (PRADO, 2002, p. 44). Para essa teoria: Uma ação é causa adequada de um resultado quando este é objetivamente previsível. O juízo de Previsibilidade objetiva seria levado a cabo colocando-se o juiz no lugar do sujeito no momento do começo da ação (prognóstico posterior) e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto cognoscíveis por uma pessoa inteligente, mais as conhecidas pelo autor (saber ontológico) e a experiência comum da época sobre os nexos causais (saber nomológico) (PRADO, 2002, p. 44). A doutrina nos ilumina no sentido de que, modernamente, a teoria da causalidade adequada não constitui mais uma teoria da relação de causalidade, mas sim, um princípio de imputação objetiva (PRADO, 2002, p. 44). 2. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA: A CONCEPÇÃO DE CLAUS ROXIN 2.1. Conceito de Imputação Objetiva Embora haja dissenso doutrinário acerca do conceito e alguns critérios da teoria da imputação objetiva, é indispensável, para avançar em seu estudo, conceituá-la. Será utilizado o conceito de Damásio de Jesus (2000, p. 33), nos seguintes termos: "Imputação objetiva significa atribuir a alguém a realização de uma conduta criadora de um relevante risco juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico". Do conceito supra exposto, pode-se concluir que: a teoria da imputação objetiva não avalia a "causa" de determinado evento típico sob o ponto de vista puramente físico, isto é, material; pelo contrário, analisa uma conduta e eventual resultado decorrente desta, sob um prisma normativo-jurídico: tanto a conduta antecedente como o resultado consequente devem ser analisados normativo-juridicamente. Ora, se a conduta tem relevância jurídica, o resultado que advier dela também o terá. É importante, nesse ponto, observar que a teoria da imputação objetiva é orientação doutrinária autônoma e independente das teorias objetivas e materiais da causalidade; pautando-se, não nos respectivos eventos ocasionados por determinadas condutas (sob um prisma puramente naturalístico), mas nos valores a que o Direito Penal tutela (DAMÁSIO, 2000, p. 34). Para que haja responsabilização de determinado agente causador de um evento danoso, segundo a teoria da imputação objetiva, é indispensável que ele, com sua conduta, crie um risco juridicamente proibido ao bem jurídico penal tutelado, ou agrave um risco juridicamente permitido. Por derradeiro, é importante mencionar que a Teoria da Imputação Objetiva não se confunde com a Responsabilidade Penal Objetiva. É que, à primeira vista, pode-se ter a errônea impressão, em face da denominação do instituto, que teoria da imputação objetiva e responsabilidade penal objetiva são a mesma coisa. Não são. A teoria da imputação objetiva, como já referido, é uma teoria que tenta sanar os problemas deixados pelas teorias objetivas da causalidade, dando à conduta e o resultado decorrente dela, valoração jurídica. Já a responsabilidade penal objetiva é a imputação, a alguém, de determinado fato delituoso, analisando-se, apenas, o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado decorrente dela, sem aferir, contudo, o dolo e a culpa (DAMÁSIO, 2000, p. 33). 2.2 Natureza Jurídica A doutrina aponta que a imputação objetiva constitui elemento normativo do tipo penal. Como se sabe, o tipo penal compõe-se de elementos objetivos, subjetivos e normativos. Os elementos objetivos do tipo são aqueles que facilmente podem ser apreendidos pelos sentidos humanos, nos quais não há dificuldade em sua constatação. São, no dizer da doutrina, elementos que se referem a dados objetivos do fato: forma de execução, tempo, local da conduta etc., tais como "matar", "subtrair", "constranger" etc. (DAMÁSIO, 2000, p. 37; BITENCOURT, 2008, pags. 262-263). Os elementos subjetivos do tipo correspondem ao estado anímico do autor, isto é, ao fim almejado por ele ao praticar o delito; é representado pelo dolo (elemento subjetivo geral do tipo) e pelo dolo específico (fim especial de agir). Pode ser constatado nas seguintes expressões: "para si ou para outrem", "com o fim de" "sob a influência de" etc. E, ainda, dizem respeito à características pessoais: "filho", mãe", dentre outros (DAMÁSIO, 2000, p. 37). Os elementos normativos do tipo, por seu turno, não dependem apenas de uma apreensão cognitiva, isto é, de mero conhecimento; para sua compreensão é indispensável uma "atividade valorativa". São, portanto, circunstâncias que implicam um juízo de valor. A doutrina aponta que relacionam-se com a ilicitude, contêm-se em expressões jurídicas, ou se manifestam em conceitos culturais. Podem ser citadas, como exemplo de elementos normativos do tipo, as seguintes expressões: "indevidamente", "sem justa causa", "sem permissão legal", "sem licença da autoridade competente", "fraudulentamente", "documento", "funcionário público" etc. (BITENCOURT, 2008, p. 263; DAMÁSIO, 2000, p. 37). A imputação objetiva, como já referido, constitui elemento normativo do tipo penal. Porém, diversamente dos demais elementos normativos que exteriorizam-se por meio de expressões, a imputação objetiva estaria implícita nas descrições típicas, da mesma forma que o dolo (elemento subjetivo geral do tipo). Na ausência do elemento normativo imputação objetiva o fato, ainda que haja conduta, nexo de causalidade, resultado e tipicidade, será atípico. Exige-se, portanto, um elemento complementar para que o fato seja típico. Nos crimes materiais, a "imputação objetiva" caracteriza-se pela criação de um risco juridicamente desaprovado a um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal e, ainda, um resultado igualmente jurídico como decorrência da conduta anterior. Já nos crimes sem resultado, o elemento "imputação objetiva" exterioriza-se por meio de uma conduta criadora de um risco juridicamente relevante a um objeto jurídico de proteção da norma penal (DAMÁSIO, 2000, pags. 37-38). 2.3. Critérios de Imputação 2.3.1. Criação de um risco proibido A vida em sociedade, per si, ainda que na realização de suas atividades corriqueiras, gera um risco aos que dela fazem parte e, consequentemente, aos bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal. Todas as atividades humanas, desde a mais simples até a mais complexa, trazem consigo um risco natural, inerente a seu exercício. Exemplificando: um abraço, um aperto de mão, passear em um parque, praticar esportes, atravessar uma rua, subir uma escada, fazer compras, deslocar-se de automóvel de um local para outro etc., têm um risco normal, é inerente à sua própria natureza, ainda que seu exercício se dê de maneira diligente e cautelosa (DAMÁSIO, 2000, p. 38-40). Para que fique mais claro o exposto, sugere-se os seguintes exemplos: suponha-se que o agente, conduzindo seu veículo nos padrões legais (de acordo com as regras de trânsito) envolve-se em um acidente. De acordo com a teoria da imputação objetiva o autor do evento material não responderá por crime algum, isso porque não criou, ao bem jurídico tutelado pela norma penal, um risco jurídico proibido. Ora, o condutor estava guiando seu veículo de acordo com as regras e padrões de trânsito, logo, o evento não ultrapassou o risco permitido da realização dessa atividade. O esporte boxe, por si, gera diversos riscos a seus praticantes. Portanto, os danos decorrentes do exercício normal desse esporte não caracteriza crime algum, vez que se trata de risco natural da sua própria realização. Nesse ponto, surge uma questão relevantíssima no que tange ao risco: Como diferenciar risco proibido de risco permitido? A análise do que é permitido e proibido deve ser feita de acordo com as regras de diligência estabelecidas no âmbito social para o exercício daquela atividade, isto é, a realização da atividade deve estar em conformidade com o estabelecido pela norma. Nesse sentido, elucidativas são as palavras de Damásio (2000, p. 40): Quem dirige um automóvel, de acordo com as normas legais, oferece a si próprio e a terceiros um risco tolerado, permitido. Se, contudo, desobedecendo as regras, faz manobra irregular, realizando o que a doutrina denomina "infração de dever objetivo de cuidado", como uma ultrapassagem perigosa, emprego de velocidade incompatível nas proximidades de uma escola, desrespeito a sinal vermelho de cruzamento, "racha", direção em estado de embriaguez etc., produz um risco proibido (desvalor da ação). Esse perigo desaprovado conduz, em linhas de princípio, à tipicidade da conduta, seja hipótese, em tese, de crime doloso ou culposo. Significa que não há um risco proibido para os crimes dolosos e outro para os culposos. Para que haja a imputação objetiva e consequente responsabilização penal (após análise dos demais elementos do crime, quais sejam, antijuridicidade e culpabilidade), é indispensável que a conduta do agente exceda o risco permitido (da realização padrão da atividade) e cause dano ao bem jurídico penalmente tutelado. 2.3.2. Incremento do risco permitido Há também imputação objetiva quando o agente incrementa um risco juridicamente permitido. O incremento do risco, em termos bem didáticos, pode ser concebido como um aumento da esfera do risco permitido em decorrência da conduta (sentido amplo) do agente. Ou seja, a atividade do autor constitui um "algo mais", um agravo ao risco permitido. Sem, contudo, torná-lo proibido. Sugere-se o seguinte exemplo: o industrial "A", infringindo o dever objetivo de cuidado, entrega a seus trabalhadores matéria prima não desinfetada; em consequência disso, quatro deles morrem. Posteriormente, é constatado que, mesmo que houvesse a desinfecção da matéria-prima, o resultado ocorreria da forma que ocorreu (PRADO, 2002, p. 81; DAMÁSIO, 2000, p. 79). 2.3.3. Diminuição do risco Não há responsabilização penal (segundo a orientação da imputação objetiva), quando o autor do evento age com a finalidade de diminuir o risco a que se submeteu o bem jurídico tutelado pela norma penal. Em termos mais singelos: não há imputação objetiva quando o indivíduo causa ao bem jurídico um "mal menor" para que lhe seja evitado um "mal maior". Para melhor compreensão do exposto, sugere-se o seguinte exemplo: "A", atira uma pedra em "B" com a intenção de matá-lo. "C", que encontra-se no local e vê a pedra indo em direção a "B", a desvia com a mão; esta, por sua vez, atinge "D". Na hipótese, aplicando-se a teoria da imputação objetiva, "C" não responderá por crime algum, uma vez que sua conduta é atípica, pois, como já mencionado, a imputação objetiva constitui elemento normativo do tipo penal. 3. Conclusão. A teoria da imputação objetiva, como já mencionado, visa sanar os problemas deixados pela causalidade material (analisada sob um ponto de vista puramente naturalístico). Para tanto, sugere um critério normativo-jurídico de responsabilização penal, qual seja, valora normativo-juridicamente a conduta ensejadora de determinado resultado, bem como ele mesmo, de acordo com o risco permitido e o risco proibido. Não obstante sua proposta seja evidentemente benéfica e construtiva para a Ciência Penal, deve-se ter grande cautela e bom senso na aplicação da mencionada teoria, uma vez que há muita celeuma doutrinária em relação a seus critérios e conceitos. 4. Bibliografia BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 13ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2008, vol. I. CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2002. GALVÃO, Fernando. Imputação objetiva. 2ª Ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. JESUS, Damásio Evangelista de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000. MASCARENHAS JR, Walter Arnaud. Aspectos gerais do risco na imputação objetiva. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2008; PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva do resultado: uma apreciação crítica a seus fundamentos. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2002. 1 Aluno do 7º Termo do curso de Direito da Faculdades da Associação Educacional Toledo de Presidente Prudente. ?? ?? ?? ?? 1