Amestrando orgasmos: bípedes, quadrúpedes e outras fixações animais Ruy Castro. Rio de Janeiro : Objetiva, 2004 Todos os direitos desta edição reservados à Editora Objetiva Ltda. rua Cosme Velho, 103 Rio de Janeiro - RJ - CEP 22241-090 2004 Castro, Ruy Amestrando orgasmos: bípedes, quadrúpedes e outras fixações animais / Ruy Castro. - Rio de Janeiro : Objetiva, 2004 202 p. ISBN 85-7302-589-1 1. Literatura brasileira - Contos. 2. Literatura brasileira - Crónicas. ** Taradinho desde a infância Entre os quatro e os cinco anos de idade, de calças curtas e dedo no nariz ponha aí 1952, 1953 -, devo ter sido a criança brasileira que mais entendeu de adultério. Todos os dias, sentado no colo de minha mãe, ela me lia em voz alta a coluna de Nelson Rodrigues na Ultima Hora, "A vida como ela é..." - que, como diria depois o próprio Nelson, era sempre a história de um adultério. Nada de mais nisso. Naquele tempo, as melhores famílias liam "A vida como ela é..." - e só as piores ficavam indignadas. O curioso é que ela me lia os contos a meu pedido. Alguns tinham um desfecho de tragédia, com o suicídio do amante ou um tiro, dado pelo marido, bem no meio do decote da adúltera. Outros terminavam de forma pândega, com o marido, a mulher e o amante juntos e felizes para sempre. Mas até as histórias trágicas eram engraçadas, donde a leitura era às gargalhadas. Não posso garantir que entendesse o mecanismo de todas aquelas traições, mas, com poucas semanas desse exercício diário de contemplar as letras na página, ouvir o som delas e relacioná-las a um significado, descobri que já não precisava de minha mãe para ler por mim. A partir daí, passei a disputar o jornal com ela - eu queria ser o primeiro a ler "A vida como ela é..." E, também nisso, nada de mais. O que me intriga é o remoto dia em que tudo começou, quando lhe pedi, pela primeira vez, para me ler as histórias cabeludas de Nelson Rodrigues. Em suma, taradinho desde a infância - e as fotos de Marilyn Monroe com as pernas de fora em O Cruzeiro também não ajudavam muito. Já se passou meio século e, desde então, não evoluí nem um pouco. Até hoje, todos os dias, abro os jornais nas páginas de faits divers, em busca de histórias de caráter humano, envolvendo sexo, paixões, mistério, quem sabe um crime, e, obrigatoriamente, humor. A vida real está cheia delas, só que, agora, não precisam se passar apenas nos subúrbios rodriguianos ou se limitar a adultérios. Estão em toda parte: nos arraiais científicos, no mundo tecnológico, no reino animal e, com freqüência, em todos esses universos ao mesmo tempo. Foi o que me convenceu de que não se tratava de uma fixação pessoal - como eu, a ciência também só pensa em sexo e, por malícia ou lascívia, dedica- se muito mais a pesquisar as origens do orgasmo do que a causa da enxaqueca. Homens e mulheres vivem em busca do orgasmo cósmico, perfeito, absoluto. É ou não é uma fixação? As pessoas normais procuram atingi-lo na cama. Os cientistas, na invenção de uma galinha com quatro coxas, de um anti- concepcional para pulgas ou de um cruzamento entre o homem e o coelho. E certos pesquisadores, na descoberta da causa definitiva da extinção dos dinossauros ou do suicídio coletivo dos espermatozóides. Em meio às descobertas mais impressionantes, pululam as gafes da ciência. As crônicas deste livro tratam um pouco de tudo isso. Ao escrevê-las, senti-me como uma espécie de Stephen Jay Gould que tivesse sido educado pelo "Balança, mas não cai". Amestrando Orgasmos nasceu de uma fixação básica: a de ler jornal. As outras fixações, inclusive as impublicáveis, foram só uma decorrência. ** Amestrando orgasmos No meio de um recente jantar formal em Edimburgo, Escócia, com aqueles homens e mulheres sérios, todos usando minissaia xadrez, uma das senhoras começou a contorcer-se de forma comprometedora. A princípio pensou-se que fosse a comida que lhe provocara uma súbita dor de barriga. Mas não. Os ruídos que ela fazia eram inconfundíveis: estava tremendo, grunhindo, gemendo, bufando e soltando risadinhas incontroláveis. A temperatura de seu corpo subiu e ela passou a suar visivelmente. As pupilas se dilataram e uma veia azul surgiu em sua testa. Para susto ainda maior dos presentes, emitiu um uivo de Valquíria de ópera e, em seguida, uma espécie de mugido de alívio. E só então sossegou. Era como se acabasse de ter um orgasmo. Os escoceses trocaram olhares de grave reprovação. Por melhor que fosse a comida, não justificava que alguém tivesse um orgasmo à mesa, muito menos uma senhora de 54 anos, professora, casada e mãe de filhos. E, definitivamente, a mesa do jantar não é o lugar adequado para essas manifestações. Como se sabe, orgasmos são coisas que os escoceses só têm em último caso e, mesmo assim, entre quatro paredes, à meia-luz e em completo silêncio. Eles são tão rigorosos nesse departamento que a pergunta "Foi bom para você, meu bem?" é considerada grossa pornografia. Por aí se pode calcular o choque dos comensais ao presenciar uma mulher com o guardanapo no pescoço e gozando em estéreo e dolby. Levada ao Hospital Geral de Edimburgo, descobriu-se que a tal senhora sofria de uma deformação arterial que lhe afetava o lobo frontal do cérebro. O resultado é uma atividade nervosa muito parecida com a epilepsia, mas que, tecnicamente falando, é um orgasmo - e que orgasmo! O caso está interessando vivamente os cientistas porque, com isso, descobriu- se que, ali, naquela parte do cérebro, fica o tecido nervoso que provoca o orgasmo feminino. Bem, só isso já foi um choque. Até então, pensava-se que o tecido nervoso que provoca o orgasmo feminino ficasse em outro lugar. Foi um espanto saber que ele se localiza no cérebro, a mais de um metro da região diretamente interessada. Uma simples rabanada da artéria, e já sabe: o orgasmo dispara e não quer saber se a mulher está em casa fritando bolinhos ou numa reunião da Associação das Famílias dos Sobreviventes do Titanic. A descoberta foi publicada numa das mais respeitáveis revistas científicas, The Lancet. Daí, vazou para um jornal, The Observer, e, deste, para todos os jornais do mundo. O nome da tal senhora foi mantido em segredo e só se sabe que ela está sendo tratada com tranqüilizantes, do tipo usado para combater a epilepsia. Mas, de vez em quando, esquece-se do remédio e, no meio de um concerto de gaitas-de-fole, começa a gozar histericamente, abafando até o som das ditas gaitas. Uma amiga minha, que me confidenciou ter tido apenas um orgasmo nos últimos oito anos, leu a respeito e ficou morta de inveja. Já está até pensando em ir à Escócia para que os médicos examinem seu lobo frontal. Ou então trocar de marido, ainda não decidiu. Mas não sei se a tal senhora escocesa é assim tão merecedora de inveja. Afinal, por mais prazer que se tenha, quem quer passar o dia tendo orgasmos múltiplos em situações esdrúxulas? Em Barbarella, um famoso filme futurista dos anos 60, a heroína (Jane Fonda) é torturada pelo vilão, que a amarra numa máquina de gozar. No começo, Barbarella acha ótimo. Milhares de orgasmos depois, já não suporta continuar gozando e aceita confessar tudo, mas, antes disso, consegue fundir a máquina. Ou seja, até para gozar é preciso haver lugar e hora. O fato é que, depois disso, a discussão científica em torno do orgasmo pegou fogo no Reino Unido. Descobriu-se a existência em Londres de um homem com um problema semelhante: um funcionário público, 48 anos, torcedor do Manchester United e apostador em corridas de cachorros, que também se contorcia e ejaculava sem a mínima solicitação nos contextos mais inconvenientes. De repente, em plena repartição, cercado de despachos a respeito da rede de água e esgotos, o homem começava a se debater, a respirar grosso e, minutos depois, arriava na cadeira, para espanto dos colegas. Levado a exames, descobriu-se que ele tinha uma superatividade do hipotálamo, a parte do cérebro masculino que trata de tais assuntos. Ou seja, se deixados à solta, os orgasmos disparam por conta própria, como alarmes de carro - e com o mesmo estardalhaço. De posse dessas informações, dois cientistas britânicos, Robert Will e Paul Reading, concluíram o seguinte: se o orgasmo feminino é disparado pelo lobo frontal, e o do homem, pelo hipotálamo, a evolução do orgasmo desde priscas eras demonstra que os homens o tiveram primeiro que as mulheres. Isso porque o hipotálamo é um órgão mais antigo e primitivo que o lobo frontal. Ou seja, os homens começaram a se divertir antes das mulheres, o que explica que, durante séculos, as mulheres não achassem graça em sexo - na verdade, tinham muito mais prazer no ato de cerzir meias. Já pensou na importância histórica dessa descoberta? Ela pode elucidar por que, durante milênios, as mulheres não viram grande utilidade nos homens a não ser como provedores do lar. Donde todas as sociologias que vivem acusando o homem de ser um histórico opressor podem estar erradas. Mas, como em qualquer descoberta científica, há sempre os que discordam. Diante das conclusões de Will e Reading, já se levantaram outros cientistas para dizer que tudo isso é uma grande bobagem e que os orgasmos masculino e feminino nasceram ao mesmo tempo, porque o pênis e o clitóris seriam anatomicamente o mesmo órgão. Só que o pênis se desenvolveu, devido à ação da testosterona, já tendo chegado a dimensões alarmantes - os especialistas citam Garrincha, Ciro Monteiro, Antônio Pitanga. Ao passo que o clitóris, tão delicado e tão bonitinho, continuou, com todo o respeito, atrofiado. Os dois seriam igualmente ricos em terminações nervosas, dizem eles, e não há motivo para que um tenha começado a funcionar primeiro. Ah, é? Então, como se explica que as mulheres possam ter orgasmos múltiplos, e os homens, não? O homem, quando foi, já era. E mulher continua tendo orgasmos, um depois do outro, enquanto o homem já está pensando na morte da bezerra. Isso demonstra que, mesmo que não haja diferença anatômica entre os dois órgãos, alguma parte do cérebro deve funcionar de um jeito para um e de outro para o outro. E, pelo visto, o da mulher funciona melhor. Além disso, como se explica também que a mulher esteja pronta para o sexo 30 segundos depois de o ter feito, enquanto o homem só pode dar bis depois de sabe-se lá quanto tempo? Há uma conclusão a se tirar de tudo isso: as mulheres podem ter começado depois do homem, mas aprenderam rápido e hoje estão disparadas na dianteira. Imagine um prélio de orgasmos entre a tal professora de Edimburgo e o londrino das águas e esgotos - os dois frente a frente numa sala, mas cada qual num canto, sem se tocarem, e gozando loucamente por conta própria, com um monte de aparelhos monitorando tudo. Ao fim do primeiro tempo, já posso até ver no placar eletrônico: 10 x 1 para a madame. O homem nunca vai empatar esse jogo. ** ORGASMO MULTILINGUE Um amigo meu, carioca de passagem por Lisboa vamos chamá-lo Guilherme, embora este seja o seu nome verdadeiro -, arranjou uma namorada portuguesa. Depois de um revigorante bacalhau com grelos numa tasca sobre o Tejo, foi para o berço com a cachopa. No melhor da festa, quando as apaixonadas piruetas encaminharam para o inexorável e delirante clímax, a garota começou a exclamar: "Ai, que me vem! Ai, que me vem!" Guilherme levou um susto. Achou que a moça estava tendo um troço. Na verdade, estava. Estava tendo um lindo orgasmo, à melhor maneira alfacinha. Quando Guilherme voltou ao Rio e me contou a história, fiquei pensando sobre como, mesmo quando se trata de sexo, que é uma das poucas atividades humanas em que todos falam mais ou menos a mesma língua, você às vezes precisa de intérprete. "Ai, que me vem! Ai, que me vem!" com seu sabor tão 1890, à Eça ou Camilo, significa o nosso "Estou gozando! Estou gozando!", só que muito mais delicado e poético. As brasileiras bem que podiam adotá-lo. Outro conhecido meu, que andou pela Indonésia a negócios, certamente escusos, foi surpreendido quando, numa situação idêntica, a moça se pôs a gritar "Aku keluar! Aku keluarl". O fulano quase caiu da cama, temendo estar infringindo algum tabu local. Mas, não, a moça estava apenas verbalizando o prazer que aquele honesto papai-mamãe lhe provocava. Bem, para me precaver de possíveis mal-entendidos, se e quando a situação se apresentar, procurei saber como as mulheres de diferentes culturas dizem "Estou gozando! Estou gozando!" - não ao pé da letra, claro, mas seu equivalente, ou seja, as palavras incontroláveis que vêm do âmago do prazer no momento do orgasmo. Para isso, consultei minhas amigas brasileiras e estrangeiras versadas em línguas, a própria e as dos outros. Limitei a pesquisa às mulheres porque não confio em homens e também porque me parece que elas prestam mais atenção nessas coisas. Uivos, bufados e ruídos imorais, tipo "Uuuuuu!", "Grmmmphkkk!" ou "Brjjjwwwkkk!", comuns a todas as culturas, foram descartados, assim como interjeições medíocres como "Yeah! Yeah!", "Oui! Ouif e "/fl wohl! Já wohl!", que americanas, francesas e alemãs sem imaginação disparam repetitivamente quando estão gozando. Concentrei-me nas declarações mais articuladas, de mulheres que levam seu orgasmo a sério, e descobri que, em alguns casos, a maneira pela qual este ou aquele povo declara "Estou gozando! Estou gozando!" ajuda a entender o respectivo temperamento nacional. Evidente que, para as línguas mais manjadas, não precisei consultar ninguém. A americana diz "I’m coming! I’m coming!". A francesa, "le viens! le viens!". A alemã, "Ich karnme! Ich kamme!". Tudo isso significa, literalmente, "Estou vindo! Estou vindo!" ou "Estou chegando! Estou chegando!". A sueca emite uma ligeira variante: "Detgar! Detgar!" - algo assim como "Está vindo! Está vindo!" ou "Está chegando! Está chegando!". Como se vê, a idéia de que o orgasmo é um fluido em movimento, que está a caminho e não demora, é universal. Mas há povos que conseguem exprimi-lo de maneira mais enfática. A espanhola, por exemplo, grita "Estoy corriendo! Estoy corriendo!" - o que pode levar um brasileiro incauto a pensar que a moça vai empurrá-lo para fora da cama e sair como uma bala em direção à porta, e justamente quando ele achava que estava abafando. Já a japonesa é tão reservada, que só deixa para falar depois. Quando você pensa que ela vai chegar ou está vindo, uma voz suspira no seu ouvido: "Itchatta yo! que significa um singelo "Acabei de ir". E só diz isso uma vez, sem ponto de exclamação, donde fique atento. Pode ser meio frustrante para o parceiro, mas, se ela declara que já foi, é porque está tudo bem - e você que trate de ir também, antes que ela resolva voltar. Em hebraico é a mesma coisa, com a diferença de que a mulher diz "Ani gomeret" - significando um simples e declarativo "Terminei", só faltando assinar e reconhecer a firma. Compare isso com o carnaval feito por uma italiana, que, ao sentir que vai gozar, proclama triunfaníe,"Arriva!H Arriva!!! Arriva!!!", em triplicata, e o homem tem a sensação de que, sozinho, vale por um batalhão do Garibaldi, todo embandeirado. Diante disso, começo a achar ótimo o nosso "Estou gozando! Estou gozando!". É alegre, amoroso e ligeiramente sacana. Mesmo porque gozar tem vários outros sentidos no Brasil, e cada qual mais agradável: rir, fazer graça, sentir prazer, desfrutar de uma coisa boa, viver satisfeito. Serve também para você se arriscar a levar uma boa gozada da mulher, se não a fizer gozar. ** ORGASMO EM LONGA-METRAGEM Os franceses vão ter de arquivar a sua famosa definição sobre o orgasmo masculino: Ia petite mort. A partir de agora, o orgasmo do homem não precisa se limitar àquela deliciosa sensação de morte sem morrer, em que, ao ejacular, o sujeito se sente num túnel psicodélico, com a Terra girando ao contrário, quasares explodindo e ele se vendo diante do Juízo Final. E, antes que você pergunte o que há de errado com esse orgasmo, aí vai a resposta. O orgasmo tradicional é formidável, mas tem o problema de que, consumada a ejaculação, o homem pode ir tratando de acender seu cigarro ou ir lá dentro pegar gelo ou fazer qualquer outra coisa. Tudo para disfarçar sua inveja da mulher, a qual ainda continuará experimentando indescritíveis convulsões internas, mesmo que ele tenha ligado a televisão para ver futebol. O sujeito fica incapacitado de repetir a sensação pelos trinta minutos seguintes, e isso, nos melhores casos. Nos piores, ele só a repetirá no sábado seguinte e, mesmo assim, se a patroa estiver a fim. Bem, há novidades nesse departamento, vindas lá das bandas do Oriente. Filósofos, sexólogos, praticantes de tantra e de ioga e os interessados em sacanagem em geral acabam de condenar à extinção esse orgasmo único, definitivo e, para eles, medíocre. Em troca, novos mundos nos esperam, rapazes. Segundo os especialistas, o orgasmo masculino múltiplo é possível! Mas como? Basta aprender a separar o orgasmo da ejaculação. Não é simples? Não. Durante os últimos milênios, o homem vem desfrutando de todo o prazer do mundo durante o tempo em que consegue prolongar o ato. Mas o orgasmo batata, o gozo propriamente dito, só acontece no momento da ejaculação. E, em havendo esta, já sabe. Suponha agora que, com o devido controle, o homem possa ter quantos orgasmos agüentar (orgasmos de verdade, equivalentes ao antigo orgasmo com ejaculação) e, três horas ou três dias depois, só ejacular se quiser. Sim, porque, se não quiser, não ejaculará nunca, e o organismo assimilará tranqüilamente o esperma que não foi despejado. "Mas isso não faz mal à saúde?", perguntará você. Ao contrário, dizem eles. Um jato de esperma é uma fonte tão colossal de energia, que o material nele contido é suficiente para fabricar milhares de seres humanos (mais exatamente, milhares de meios seres humanos). Se o cidadão não ejacula, o organismo recebe de volta aqueles incontáveis espermatozóides e despacha cada um para não sei onde, com resultados benéficos para a energia do corpo. E não sou eu quem está dizendo, mas os tântricos, os iogues, os taoístas, enfim, os bambas da sexologia oriental. A pergunta é: como prolongar indefinidamente o ato sexual, tendo um orgasmo atrás do outro, e conseguindo não ejacular? Em primeiro lugar, não é uma coisa que você resolva fazer e já vá fazendo. Exige um intenso treinamento de técnicas de respiração e mentalização. O brasileiro é meio imediatista e não tem a paciência dos orientais, que já nascem íntimos da eternidade. Mas, particularmente neste caso, não creio que nenhum patrício vá se queixar de tão longo aprendizado. Portanto, mãos à obra. Vejamos. A primeira providência é encontrar uma parceira a fim de colaborar com você nesse processo que poderá arrastar-se por meses, talvez anos. A segunda é ter algumas aulas particulares com os mestres do orgasmo múltiplo, que podem ser encontrados nas universidades de "yôga" (eles falam e escrevem "yôga", não ioga) espalhadas pelo Brasil. Esses mestres o ensinarão a desenvolver as técnicas indispensáveis à arte de gozar sem ejacular. Uma dessas técnicas é a de aprender a respirar pela barriga - mas não me pergunte como, porque ainda não cheguei a esta aula. Outra é a de desenvolver o músculo pubiococcígeo, que, segundo minhas fontes, fica em algum ponto na região dos baixos meridianos. Parece que o esforço exigido na respiração pela barriga é tão infernal que o sujeito pensa em tudo, menos em ejacular. Quanto ao músculo pubiococcígeo, só a trabalheira para localizá-lo já opera o milagre. Para os menos dotados, que se sentem incapazes de respirar por canais heterodoxos e já não têm um músculo pubiococcígeo decente para desenvolver, há outras técnicas mais mecânicas e acessíveis. A principal consiste em fazer coisas totalmente fora do contexto no exato instante em que se sente a proximidade da ejaculação. Algumas delas são pular da cama e ficar na ponta dos pés, tentar encostar o cotovelo na ponta do nariz e contar (mentalmente, mas de olhos abertos) de 1 a 1.000 e, depois, voltar a 1. Tudo ao mesmo tempo. Não há vontade de ejacular que sobreviva a essa azáfama. Dito assim, parece complicado, mais ou menos como aprender a jogar xadrez sem tabuleiro. Mas, com a ajuda dos mestres iogues, será muito mais fácil. E, ah, sim, não se esqueça da parceira. É bom você avisá-la antes sobre o que vai fazer, para que ela não se assuste ao vê- lo pular da cama para plantar bananeira, nem se aflija com o volume do seu pubiococcígeo, no caso de você ter conseguido desenvolvê-lo. Se, em todo caso, você não aprender essas técnicas e preferir continuar gozando de forma acadêmica, não se preocupe. Já foi dito que o sexo, quando é bom, é ótimo. Mas, mesmo quando é ruim, ainda é muito bom. ** MEIO HOMEM, MEIO COELHO Depois acham que sou eu que invento essas coisas. Deu nos jornais: cientistas chineses estão criando um embrião misto de homem e coelho. Eu sabia que, desde a sua conversão ao capitalismo marxistaleninista, a China estava passando por uma profunda revisão de conceitos, mas não pensei que estivesse mudando tanto. O fato é que, segundo os jornais, uma equipe de professores e pesquisadores da Universidade de Ciências Médicas de uma cidade chamada Guangzhou, chefiada pelo dr. Chen Xigu, implantou recentemente o DNA de um garoto em óvulos de coelhas. Para isto, primeiro eles removeram o código genético das ditas coelhas, o que, por artes da ciência, dá origem a embriões híbridos. Então implantaram no lugar o código genético do garoto. Isto feito, sentaram-se e, com sua clássica paciência chinesa, estão esperando para ver o que vai sair. Vejamos. O que pode resultar de um cruzamento de homem com coelho? No passado, já se falou de outros cruzamentos de homens com espécies animais e, pelo menos na mitologia, nenhum deles deu muito certo. O centauro, por exemplo. Era um misto de homem e cavalo: do pescoço para cima, homem; do tronco para baixo, cavalo. O resultado foi um híbrido bonito, mas de quase nenhuma utilidade - só servia para o centauro ganhar o oitavo páreo e, ao cruzar o disco final, ele próprio dar as entrevistas. Ou seja, a única vantagem do centauro era a de dispensar o jóquei. Em compensação, provocava problemas delicados. A parte humana do centauro discriminava intelectualmente a parte cavala e não via a menor graça em sair galopando a esmo pelas campinas, relinchando e dando coices no ar, tipo Trigger. Havia também uma incompatibilidade alimentar: a parte humana não gostava de comer capim, que era a dieta favorita da parte cavala. E, como quem dominava a relação era a parte cavala - ocupando 70% do centauro -, o lado humano do bicho tinha de submeter-se. Donde jamais um centauro foi feliz. Houve também o lobisomem, misto de lobo e homem. Não sei dos outros, mas pelo menos o primeiro lobisomem protagonizou uma história trágica. Chamava-se Lawrence Talbott e era um sujeito normal até o dia em que, passando férias no interior da Inglaterra, foi mordido por um lobo numa noite de lua cheia. A partir daí, sempre que a lua voltava a ficar cheia, ele próprio se transformava num lobisomem e saía mordendo gente - a qual, depois de mordida, também se tornava lobisomem. O infeliz Lawrence Talbott foi morto com uma bala de prata, poucos meses depois de começar suas práticas lupinas, mas deixou uma vasta descendência que até hoje não foi extinta. Embora a literatura e o cinema tenham feito do lobisomem um monstro (na mesma categoria de Drácula, Frankenstein e a Múmia), é óbvio que isso é uma injustiça. Lawrence Talbott não pediu para ser lobisomem, esta é que é a verdade. Foi uma vítima do destino - tanto que, ao levar a bala de prata, reverteu à condição humana e morreu com lágrimas nos olhos. Posso estar sendo parcial, mas não me contenho: o Lobisomem (juntamente com a Múmia) é o meu monstro favorito. Outro cruzamento clássico é o da mulher com um peixe, que resultou na sereia. Sereias, como se sabe, habitam as fantasias de qualquer homem que se preze. Há algo nelas a atiçar de tal forma a nossa imaginação, que raramente paramos para pensar na impossibilidade de um compromisso sério com um espécime do gênero. Como qualquer criança lhe poderá contar, trata-se de uma mulher de seios nus e rabo de peixe. A primeira parte, tudo bem - mas, e a segunda? Não que o rabo de peixe não seja irresistivelmente atraente. Só parece pouco prático em certos detalhes. Talvez por isso conheçam-se poucos casos de efetivo relacionamento entre homens e sereias. Suspeita-se até que, na verdade, elas só sirvam para cantar. Mas quem quer ouvir uma sereia cantando dia e noite? A não ser que seu repertório incluísse Ary Barroso, Geraldo Pereira, Wilson Batista, Nei Lopes, Moacyr Luz. Posso estar enganado, mas também não vejo grande futuro nesse cruzamento de homem com coelho. Começa por certas dificuldades básicas. Uma delas: de quem serão as orelhas? Só podem ser as do coelho, acho eu, ou a idéia geral perderá o sentido. Mas, exceto por elas, o rosto continuará humano? E o rabinho de pompom, que destino terá? Posso admitir um humano com orelhas de coelho, mas pode-se imaginar um macho com rabinho de pompom? Será isto que os cientistas chineses têm em mente? (E o que pensaria dessa história o falecido Mão Tsé-tung?) Mas, para mim, a grande dúvida é: para que serve um ser meio homem, meio coelho? O que os coelhos têm que nós não temos? Quanto a esta última pergunta, já sei o que você vai dizer: os coelhos conseguem fazer amor trinta vezes por dia. Só que, no caso deles, menos hipócritas, o que eles fazem mesmo é sexo, ainda que para fins estritamente reprodutivos. Seja como for, qual homem já sequer se aproximou dessa marca? Se o tal cruzamento repassar para o homem essa superpotência dos coelhos, não só o apoiarei vivamente como serei o primeiro da fila a me candidatar como cobaia. Só que tem um porém. Um coelho realmente é capaz de fazer sexo trinta vezes por dia. Mas não com a mesma coelha. ** O CLITORES Vieram me contar que o clitóris está na moda. Sim, o clitóris, aquela parte tão minúscula, sensível e querida da anatomia feminina. (Alguns homens o chamam de clitóris, como um proparoxítono, mas é porque nunca ligaram o nome à pessoa.) De algumas semanas para cá, pelo menos nas rodas que eu freqüento, não se fala em outra coisa. O clitóris e suas adjacências foram tema do caderno literário de um insuspeito jornal paulista e até o New York Times, que não admite a existência de vida inteligente abaixo do umbigo, atreveu-se a tratar do assunto. "E daí?", perguntará você. "Desde quando o clitóris esteve fora de moda? E por que de repente esse alarido a respeito de algo que sempre existiu?" Em primeiro lugar, não se sabe se sempre existiu. Ou, se sempre existiu, quando, onde e com que fins começou a ser usado. É exatamente essa a discussão proposta por um romance, O anatomista, do argentino Federico Andahazi, que conta como o veneziano Mateo Realdo Colombo descobriu o clitóris, em 1559. Não li o livro, mas dizem que é ótimo. E, mesmo que não fosse, já teve o mérito de nos fazer pensar sobre esse órgão tão importante e delicado da mulher. Os homens o desejam, o perseguem, o admiram e, sempre que podem, o homenageiam. Mas quase não pensam sobre ele. A idéia de que o clitóris precisou ser descoberto (no bom sentido) é surpreendente. Significa que o clitóris sempre existiu e que a primeira mulher já nasceu com ele, assim como nasceu com o baço ou o pâncreas, mas não sabia de sua existência ou para que servia. Bem, milhões de mulheres na história nunca souberam para que servia o baço ou o pâncreas e não perderam nada com isso, considerando-se a pouca utilidade desses órgãos para o prazer sexual. Mas é quase inacreditável que nos tempos de, digamos, Sodoma e Gomorra, nenhuma mulher se desse conta do próprio clitóris. Das duas, uma: ou as mulheres do passado não tinham a menor curiosidade sobre o próprio corpo ou, ao contrário, já sabiam tudo do clitóris, mas preferiram guardar esse segredo dos homens. Como terá sido a descoberta do clitóris por Mateo Colombo? Uma veneziana mais assanhada lhe terá soprado o segredo? Ou sua façanha científica foi resultado de milhares de horas de pesquisa? Pesquisa de campo, é claro. Fico imaginando o incansável Colombo debruçado sobre mulheres e mais mulheres, olhando daqui, pegando dali e, à falta de lupas ou microscópios, quase enfiando o nariz no seu objeto de pesquisa. Como será que as mulheres reagiam a esse exame? Não é possível que, na terceira ou quarta mulher, uma delas não tivesse (literalmente) reagido. Ou então Colombo fez a pesquisa com cadáveres. Mas, nesse caso, como podia saber qual era a reação da mulher? Seja como for, ao perceber que, pelo manuseio, aquele singelo ponto feminino fazia a moça emitir sons e revirar os olhinhos, Colombo pode ter tido consciência da importância de sua descoberta. Terá gritado "Eureca!" dando um susto na mulher e cortando o seu barato? Ou apenas fez anotações e guardou a informação para continuar pesquisando até ter certeza de que atingira o alvo? Quero crer, evidentemente, que Colombo fazia suas pesquisas dentro do maior rigor científico. Ou seja: vestido. Imagino também que, ao se certificar de que aquele pontinho dava prazer à mulher, Colombo presumisse que talvez houvesse outros pontos femininos igualmente sensíveis. E quem sabe dedicou-se a investigar umbigos, axilas, saboneteiras etc., em busca de reações semelhantes. Ao perceber que, em muitos desses pontos, as mulheres só sentiam cócegas, ele deve ter-se concentrado no clitóris e abandonado o resto da mulher. Isso, sim, é que é rigor científico. Mateo Realdo Colombo não era parente do outro Colombo, o genovês Cristóvão, que, 67 anos antes, em 1492, descobrira o chamado Novo Mundo. E duvido que Mateo se impressionasse com a proeza de seu xará. Afinal, ninguém ainda sabia direito para que servia o trambolho que Cristóvão descobrira no meio do mar. Se assim foi, Mateo podia ser esnobe. O verdadeiro Novo Mundo era o que ele acabara de descobrir, em mares muito mais profundos e perigosos. ** O PEPTIDEO A ciência, essa safadinha, só pensa em sexo. Todo dia surge uma pesquisa com alguma novidade bombástica sobre a diferença entre meninos e meninas. A última delas é a descoberta, nos Estados Unidos, da substância química "responsável pelo orgasmo feminino". Parece que, à revelia de nós, homens, existe uma substância que faz a mulher sentir todas aquelas vibrações impublicáveis e gritar, gemer e subir pelas paredes. Quer dizer: se você pensa que, ao ir para a cama com uma mulher, são as suas carícias e habilidades que provocam tudo aquilo na bem-amada, engana-se. Na verdade, trata-se de um reles componente químico que os cientistas conseguiram isolar e enfiar num vidrinho, ao qual pespegaram o frio rótulo "Orgasmo". E não é sequer uma substância charmosa, como soem ser os fluidos corporais trocados entre o homem e a mulher durante o ato. Essa substância, não. Os próprios cientistas a classificaram com o escatológico nome de "peptídeo intestinal vaso-ativo". É uma espécie de neurotransmissor que faz misérias ao percorrer um vago nervo chamado, por coincidência, nervo vago - o qual vai do colo do útero ao cérebro da mulher, passando pelo abdômen, pelo tórax e por outros caminhos que o recato me impede de mencionar. Enfim, é isso que provoca na mulher todos aqueles fabulosos calores e arrepios. Você não passa de um coadjuvante do peptídeo. De repente, podemos nos perguntar por onde andou o peptídeo nesses milhares de anos em que homens e mulheres têm-se exercitado na arte de receber e dar prazer uns aos outros - aliás, com bastante sucesso. Sim, pois, se até hoje as mulheres não sabiam do peptídeo, como se viravam? A resposta é que, com ou sem peptídeo, as mulheres sempre se viraram muito bem. Resta ver agora se, sabendo que carregam dentro delas essa arma terrível que é o peptídeo, continuarão a ter orgasmos múltiplos ao simples toque de um homem ou se ficarão paradas esperando que o peptídeo trabalhe, enquanto o homem se desdobra tentando fazer a sua parte. Pensando bem, a descoberta científica do peptídeo pode ter um lado positivo para o homem. Até agora, nas relações sexuais acadêmicas (sem o peptídeo), o homem sempre levava desvantagem: era o único que não podia fracassar e, pior, nem mesmo esconder o próprio fracasso. A mulher era a primeira a perceber quando o sujeito não se apresentava devidamente envernizado. Já quando ela própria não correspondia às expectativas masculinas, o homem não podia dizer nada. Mas agora pode: se perceber que a mulher está com uma excitação deficiente ou coisa assim, ele estará autorizado a dizer ou, pelo menos, pensar: "É o peptídeo, meu bem. Você está com carência de peptídeo. O seu peptídeo brochou." É claro que o homem nunca fará isso. Ele será tão magnânimo com a mulher quanto os milhões de mulheres que têm sido compreensivas com os homens em situação semelhante. Diante da frigidez feminina, o homem dirá carinhosamente: "Relaxe, querida. Fume um cigarro. Vamos falar de outra coisa. O peptídeo é um boboca, não sabe o que está perdendo." Ao mesmo tempo, as mulheres nesta situação poderão justificar-se cientificamente: "Não entendo! Isso nunca me aconteceu antes! Só pode ser o peptídeo!". E o homem a cobrirá de beijos e carinhos, sabendo que a culpa é dessa coisa desagradável que tem nome de purgante ou de lagarto em perigo de extinção. Os cientistas não se contentaram em descobrir o peptídeo. Afirmam que, a partir daí, será possível produzir uma pílula que irá direto ao dito cujo, fazendo-o dar cambalhotas e, com isso, provocando o orgasmo feminino. Não por coincidência, um desses cientistas é uma mulher. Não conheço a biografia dessa senhora, mas há algo de suspeito numa cientista interessada em inventar uma pílula que dispensa o homem. Resta ver se ela conseguirá produzi-la. Mas, se conseguir, é fácil prever uma cena do futuro próximo. Entre os lençóis, o sujeito arrasta a asa para a mulher, todo cheio de ótimas intenções. Mas a mulher se vira para o canto e manda o sujeito dormir, dizendo: "Hoje não, meu bem. Já tomei a pílula do peptídeo." 7 O PENIS DO ELEFANTE Um elefante incomoda, mas um elefante de bronze incomoda muito mais. E mais ainda se for do tamanho de um elefante de verdade e pesar quatro toneladas. O elefante de bronze foi um presente conjunto dado à ONU pelos governos do Quênia, da Namíbia e do Nepal, para ser colocado nos jardins da sede da organização, em Nova York. Pois lá está o bicho, solidamente instalado diante do prédio das Nações Unidas e chamando a atenção dos milhares que passam por ele. Quer dizer, o elefante, por si só, já seria de chamar a atenção. Acontece que o escultor providenciou-lhe um pênis nas proporções do animal. É um pênis de bronze, escuro, enorme, grosso, rugoso e, mesmo que em inofensivo repouso, do tamanho de um - do tamanho de um pênis de elefante. É claro que os governantes daqueles países não fizeram por mal. No dia-a-dia em seu território, eles estão acostumados a ver elefantes de verdade circulando pelas ruas, como os vira-latas circulam pelas nossas. E, assim como os cachorros, os elefantes vira-latas africanos e asiáticos também são sujeitos a cio e, sendo o caso, tomam suas prondências ali mesmo, sem se importar se há humanos nas proximidades. Estes, por sua vez, têm mais o que fazer do que se chocar com a cena de um elefante apoiando as patas dianteiras sobre as costas da elefoa a fim de perpetuar a espécie. E, quando isso acontece de madrugada, os africanos nem se dão ao trabalho de acordar com os gritos tresloucados da elefoa. Os elefantes também vêem com naturalidade a presença de humanos quando os instintos os convocam ao ato, e estão pouco ligando para o protocolo. Isso aconteceu numa recente viagem do presidente Bush à África. Acompanhado de mulher e filha, Bush foi visitar o Parque Florestal de Mckolodi, em Botsuana, onde o esperavam dois casais de elefantes para sua competente inspeção. Se tudo tivesse corrido de acordo com o roteiro, ninguém teria tomado conhecimento de que ele andou por lá. Mas é fácil imaginar como são as viagens de Bush, mesmo para fins pacíficos. Ele é obrigado a levar uma tal quantidade de meganhas, assessores e aspones, que sua comitiva não consegue se deslocar com muita agilidade — aofazer a contagem antes de sair para um compromisso, ha sempre um agente da CIA ou um general faltando, e eles têm de andar todos juntos. Com isso, Bush se atrasou para passar os elefantes em revista e, quando chegou ao cercado, dois deles, cansados de esperar, já estavam começando o que tinham programado para aquele dia: o macho preparando-se para enquadrar a fêmea com seu pênis de elefante. O problema é que o pênis do elefante não parece ter muito senso de orientação. Lembra vagamente um periscópio de submarino tentando acertar a mira, e o elefante precisa ser ajudado pela elefoa, a qual move seu abundante traseiro de um lado para o outro, a fim de se colocar em posição. Infelizmente, quanto mais a elefoa rebola, mais difícil é a conjuminância, e o elefante emite sons de impaciência que chegam a cortar o coração. Mais cedo ou mais tarde - na verdade, minutos depois -, acaba acertando, e então é a vez de a elefoa produzir sons que traduzem o seu espanto ao se ver invadida nas intimidades pelo brutal membro do bem-amado. E, o que é pior, sem camisinha. Pois tudo isso aconteceu aos olhos de Bush e família, numa gafe diplomática que ruborizou as autoridades de Botsuana. Por sorte, Bush é do Texas, onde passou toda a sua vida antes de se mudar para a Casa Branca. Desde a infância, acostumou-se a ver búfalos e cavalos fazendo aquilo no seu próprio quintal, e a única diferença para com os elefantes é de escala. Levou na esportiva e ninguém se ofendeu. Mas em Nova York é diferente. Os nativos da grande metrópole não estão assim tão habituados a elefantes, ainda mais depois que os filmes de Johnny Weissmuller e Sabu saíram de linha. Aliás, na cabeça da maioria dos americanos, o elefante é um bicho gordo e não muito grande, exceto pelas enormes orelhas que lhe permitem voar, chamado Dumbo. Como todos os animais de Walt Disney, Dumbo não tem pênis e, se tiver, deve ser do tamanho de um amendoim. Com essa falta de prática em relação a elefantes, os nova-iorquinos têm todos os motivos para ficar chocados diante de um elefante king-size, mesmo que de bronze, maciçamente depositado num de seus jardins e com um apêndice entre as pernas quase do tamanho da própria tromba com a qual, aliás, muito se parece. É nisso que dá tentar ser gentil. Os quenianos, namíbios e nepalenses apenas quiseram oferecer à ONU um símbolo de seus países e foram acusados de provocar embaraço naquelas senhoras nova-iorquinas de cabelo azul e vestido de florzinha que, ao passar pelo elefante, são obrigadas a contemplar o formidável equipamento do bicho. E o pior é que o presenteado não pode devolver o presente ou implodi-lo sem mais aquela. Donde é preciso pensar duas vezes antes de sair dando presentes que interfiram na cultura do presenteado. Imagine se os Estados Unidos resolvem retribuir o presente e mandam para o Nepal uma estátua de Marilyn Monroe para adornar um templo de Katmandu. Pegará mal devolver o elefante, mas ele poderá ser transferido. Assim, não será surpresa se, tal como apareceu de repente, o priápico elefante de bronze for evaporado misteriosamente dos jardins das Nações Unidas e mandado para alguma representação do órgão em outro lugar. Só espero que não o mandem para o Palácio do Itamaraty, aqui no Rio, onde funciona o escritório brasileiro da ONU. Não que a mulher carioca vá se indignar com o pênis do elefante. Mas pode assustar os cisnes. ** AMNÉSIA COITAL Os ingleses - sempre eles - acabam de fazer mais uma impressionante descoberta: durante o ato sexual, o indivíduo sai completamente do ar. Esquece o próprio nome ou o nome da mulher que está com ele, não sabe direito o que está fazendo e, quando tudo acaba e ele acende um cigarro, não se lembra de quase nada que aconteceu. Talvez se lembre dali a uma hora ou no dia seguinte, mas aí já é tarde. Um cientista britânico deu a isso o horrendo nome de amnésia coital e publicou o resultado de sua pesquisa numa revista especializada. Especializada em ciência, digo. Pesquisa esta que ele fez com dezenas de casais na Inglaterra, sem explicar como. Bem, essa é uma boa pergunta: como foi que ele fez? Imagino que tenha plugado eletrodos na testa dos homens e mulheres que serviram de cobaia. Se não, como ia saber o que estaria se passando na cabeça daquelas pessoas durante o fabuloso ato? Mas, se foi assim, a situação ainda é mais grave do que parece. Tente visualizar a cena: você, na cama com uma mulher, só que com um emaranhado de fios saindo-lhe entre os cabelos e orelhas, todos ligados a um aparelho fazendo blup-blup, ao pé da cama. A mulher está na mesma situação e ligada a outro aparelho fazendo blup-blup. Tudo bem, há muitos homens e mulheres que são capazes de fazer sexo nos mais esdrúxulos contextos. Mas tente fazer isto concentrado para não se desplugar de uma geringonça ao pé da cama. Supondo que o homem e a mulher se empolguem e partam para posições mais criativas e menos ortodoxas, os fios se desplugam e lá se vai a pesquisa. Pois deve ter sido assim a pesquisa do inglês. Quantas vezes o chamado coito não terá sido interrompido para que um assistente grudasse novamente as ventosas na testa dos participantes? Sim, porque, sem dúvida, o casal estaria sendo observado pelo cientista e, no mínimo, um assistente, talvez dois. Talvez uma equipe inteira! Enfim. Com todo esse desconforto, com trilha sonora de blup-blups e uma platéia no quarto, o sujeito ainda conseguiu se concentrar para ter amnésia coital. É extraordinário. Significa que a amnésia coital existe mesmo, até nas situações mais adversas. Os cientistas ingleses precisam revelar quem foram as mulheres da pesquisa, que fazem os sujeitos ignorarem o bafafá científico à sua volta e ainda transar de tal maneira, que esquecem seus próprios nomes e os delas. O que me intriga é que os cientistas ingleses tenham precisado de uma pesquisa tão complexa para chegar à mais conhecida das conclusões. Todo maior de 14 anos sabe que, durante uma relação sexual, o Q.I. é zerado e acontece não apenas a amnésia coital, mas a surdez coital, a cegueira coital e toda espécie de insensibilidade coital. Aliás, a parceira espera que, naqueles minutos de clímax, o cidadão fique definitivamente apatetado. O que não o desabona em absoluto, já que ele não está ali para citar Barthes ou Foucault, mas para fazê-la ver estrelas ou ouvir gongos imaginários. Por sorte, essa amnésia é temporária. Mas - advertem os cientistas -, há casos em que ela pode se prolongar por algum tempo depois do orgasmo e durar até quinze horas. O que é tempo suficiente para que se dêem todas as bandeiras. Por exemplo: se o sujeito notar que sua mulher anda meio esquecida ultimamente, os cientistas recomendam que ele abra o olho. É muito comum a mulher voltar do dentista e não ter a menor lembrança se ele lhe obturou os caninos, extraiu-lhe os quatro sisos ou lhe fez um tratamento de canal. O conselho vale também para a mulher: desconfie do marido que não se lembra do resultado do jogo que foi ver no Maracanã. Segundo as estatísticas dos cientistas, metade desses casos de amnésia suspeita acontece com pessoas na faixa dos 44 anos - a idade do lobo, nos dois sexos. Isso significa também que, se você tem por volta de 20 ou 30 anos e vive se gabando de ter uma memória perfeita e que é capaz de decorar até o catálogo telefónico, é porque não deve estar transando direito. Mas, por que estou dizendo isto? Esqueci. Ah, sim, os ingleses. Uma psicanalista da equipe que fez a pesquisa interpretou a amnésia coital como uma reação à repressão sexual sofrida pelo indivíduo. "É uma forma encontrada pelo subconsciente para que o cidadão não assuma a responsabilidade pelo que está fazendo", disse ela. Ou seja, a repressão sexual é tanta, que o homem ou a mulher se sente culpado por estar na cama com uma pessoa. Mas a amnésia o absolve, porque ele não sabe o que está fazendo. Mais uma vez, ah, os ingleses. São um povo maravilhoso. Inteligentes, educadíssimos e têm um tipo de humor que eu particularmente adoro. Mas, exceto pelo café da manhã, comem muito mal. E são também muito malcomidos. ** SEIOS EMBORRACHADOS Se não se assustarem com essa notícia, as mulheres não se assustarão com mais nada. Cientistas de toda parte estão discutindo se certas doenças no seio, como artrite reumatóide, escleroderma e outros palavrões médicos, são ou não provocadas pelas próteses de silicone que as mulheres insistem em fazer. Veja bem: os cientistas não têm certeza se as próteses provocam esses cataclismos mamários. Tanto pode ser como não ser. Donde, nesse caso, qualquer mulher sensata cancelaria imediatamente a prótese que já havia marcado para a semana que vem, até que a ciência chegasse a um acordo. Mas não é o que acontece. Com ou sem a ameaça do escleroderma, milhares de mulheres continuam marchando em direção à sala de cirurgia para emborrachar seus seios com aquela resina e fazêlos crescer como bolas de soprar em aniversário infantil. Emborrachar é bem o termo. As mulheres ficariam chocadas se soubessem que até um garoto de oito anos é capaz de detectar a olho nu quando uma mulher tem seios de silicone. Pode estar pelada, decotada ou vestida com um escafandro. O homem sempre sabe. Seios emborrachados são como os narizes do Pitanguy: distinguíveis a quilómetros. Por algum motivo, eles (os seios, não os narizes) não têm aquela linda variedade de curvas que caracteriza os seios não-emborrachados. Tornam-se todos uniforme e artificialmente redondos, como se a mulher tivesse acoplado ao tórax as duas metades de um melão ou a parte de borracha de dois desentupidores de pia. O mais dramático, no entanto, não é o visual. O que mais se ressente é o tato. Um seio natural, com seus complexos de carne, músculos e nervos, reage ao contato com a mão como um ser vivo. No que não faz mais que sua obrigação, porque, afinal, está vivo. Ele vibra, respira, transpira. Com um simples toque dos dedos, pode-se senti-lo passar do zero ao infinito em excitação. Já do ponto de vista da mão que acaricia, um seio de silicone é tão neutro quanto o de um manequim de vitrine. Ou o de sua parenta mais próxima, a boneca inflável. Além disso, tanto faz que a mulher se vire de lado, deite-se de costas, faça estrelas ou plante bananeiras - lá estão os dois seios, firmes e imutáveis ao movimento, como um par de formas de pudim. Tem-se a impressão de que, se espetarmos um alfinete, eles farão "Pop!". Ou "Bum!", dependendo das dimensões. Ironicamente, só há uma possibilidade de um dos seios emborrachados (ou os dois) mudar de formato. É quando uma parte do silicone se desprende no interior da mama e vai parar onde não deve, criando inesperadas configurações cubistas. Donde, se os seus caminhos se cruzarem com um corpo cujo seio esquerdo aponta para o norte e o direito para oeste, ambos na mesma mulher, não se surpreenda: é o silicone em ação, tentando desesperadamente achar a saída. Sem falar no outro risco, só a custo admitido por alguns médicos: há seios de silicone que apitam. Juro por Deus. Imagine a situação. À luz difusa do abajur lilás, um homem e uma mulher estão no auge de um corpo-a-corpo. Naquele momento, os únicos ruídos permitidos são as respirações mornas ou ofegantes e aquelas palavras definitivas de um para o outro, da boca para o ouvido, como "Gostosa!" ou "Tesão!". Pois bem: no melhor da festa, ouvem-se silvos ou assobios, vindos do fundo do peito de um deles - como se um dos parceiros fosse asmático ou estivesse vaiando o outro. Mas não. É apenas um dos seios silvando: "Fzzzzzz. Fzzzzzz". O peso do homem sobre o peito da moça comprimiu o silicone, criou bolsas de ar e, quando o homem diminuiu o peso por alguns segundos, as bolhas se encheram ou se esvaziaram, e o silicone apitou de alívio. É possível transar com um barulho desses? Respeito as opiniões em contrário, mas acho que seios de silicone são uma falsa boa idéia. Fazem lembrar uma outra época terrível, há algum tempo, em que o homem se preparava para chorar no ombro de uma mulher - e, no lugar desse ombro, ensopava uma ombreira. ** O HOMEM E OUTROS BICHOS Para uma coisa esses tempos malucos estão servindo: mais do que em qualquer outra época da história, estamos nos preocupando com nossos irmãos de quatro, oito, doze, 24 ou mais patas (não se sabe por quê, elas vêm sempre em múltiplo de quatro). Já não era sem tempo. Considerando-se que dividimos este planeta com eles, os melhores entre nós estamos procurando um modus vivendi com os animais: nós não os exterminamos, e eles não nos exterminam. Sim, porque, até bem pouco, a coisa era diferente. Em nome de algo chamado progresso, o homem passava impunemente por cima de qualquer preocupação com os bichos. Se, para construir uma usina nuclear, fosse preciso empestear um oceano inteiro e exterminar trilhões de peixes, ninguém dava um pio. Hoje é diferente: as usinas e os petroleiros continuam empesteando os oceanos, mas, pelo menos, sofrem pesadas multas que, naturalmente, não chegam a pagar. Continua-se a exterminar por atacado e temos de nos consolar com a idéia de que, pelo menos no varejo, estamos fazendo algum progresso. A mãe de minha amiga Chris, por exemplo, tinha um mico-leão em seu apartamento no Rio. Tinha, não: tem - e desde o tempo em que os micos-leões abundavam e ninguém se preocupava com eles. Há poucos anos, numa matéria de jornal a respeito de cidadãos que mantêm bichos exóticos em casa, o mico-leão da dita senhora foi citado. Bem, segundo uma lei mais ou menos recente, é proibido manter animais silvestres em cativeiro. Acontece que o mico-leão da mãe de Chris já podia ser considerado tudo, menos silvestre: estava perfeitamente aclimatado à vida em apartamento. Tinha sua suíte particular, era tratado como filho, assistia com ela à novela das oito e até ajudava em pequenos consertos domésticos, como desentupir pias e instalar programas antivírus no computador. Mesmo assim, o Ibama foi conferir. O Ibama concluiu que o mico era feliz, estava muito bem de saúde e só precisava fazer um pouco de exercício. Então instruiu a mãe de Chris para levá-lo regularmente às matas da Tijuca para malhar entre as árvores. O que ela achou justo e tem rigorosamente cumprido: chova ou faça sol, sai de casa todos os dias e leva o mico para fazer aeróbica na Floresta da Tijuca. Uma alternativa para os dias de chuva é levá-lo a uma academia para fazer jazz. O caso do mico da mãe de Chris está resolvido, mas nem sempre as boas intenções impedem que dê zebra na harmonia entre humanos e não-humanos. Eu próprio, sem querer, já induzi pardais a terem baratos horríveis provocados por fungos alucinógenos. E apenas porque durante um bom tempo alimentei-os com bolinhas de miolo de pão carinhosamente colecionadas no café da manhã. Depois do café, pegava as bolinhas e as jogava sobre o telhado de minha casa, sabendo que a família de pardais não demoraria a aparecer. Fiz isso durante meses com rigorosa pontualidade e podia observar até como minha preocupação para com eles se refletia em sua silhueta. Quando eu lhes servia bolinhas de pão francês, eles viviam redondos e rechonchudos. Quando eu próprio resolvia passar uns tempos comendo um abominável pão diet, daqueles ensacados, os pardais também afinavam visivelmente. Até o dia em que, por distração, servi-lhes bolinhas de pão ligeiramente embolorado. Minutos depois, observei quando eles começaram a bater as asas de modo estranho, a assobiar "Lucy in the sky with diamonds" e a não dizer coisa com coisa. Fui correndo examinar o pão e só então me dei conta da catástrofe: eles estavam passando por uma bad trip provocada pelos fungos do pão - como se tivessem tomado LSD ou chá de cogumelo. A partir daí, achei mais prudente deixar que procurassem alimento por conta própria. E já aconteceu de eu também ter sido vítima de meu cuidado para com os bichos. Há alguns anos, meus gatos Piu e Glorinha receberam a visita de um gato estranho que lhes passou um razoável estoque de pulgas. As pulgas do visitante, diante de sangue fresco, fartaram-se antes que eu percebesse a invasão e proliferaram espetacularmente em meus gatos. Tomei as providências de praxe: mandei-os a banho no veterinário, apliquei-lhes o xampu antipulgas e lhes servi anticoncepcionais idem. Para quem não entende do assunto, explico: por mais que os banhos e xampus funcionem, algumas pulgas sobrevivem e continuam se reproduzindo. A solução contra elas é dar ao gato o anticoncepcional de pulga, que vem em comprimidos. O gato toma o remédio, este vai para a sua corrente sangüínea, a pulga morde o gato e fica esterilizada - aquela não procria mais. Até aí, tudo bem. Acontece que as pulgas são espertas. Diz-se delas que têm um Q.I superior ao de alguns surfistas. Assim que se vêem ensaboadas com o xampu ou lêem a bula do anticoncepcional, as pulgas abandonam imediatamente o gato e pulam para o corpo mais próximo: o do dono do gato. No caso, eu. Pois, ao sentir as primeiras espetadas, concluí logo: as pulgas de Piu e Glorinha tinham se mudado para mim. Como não ficava bem eu ir ao veterinário para tomar um banho antipulgas, resolvi o problema tomando o anticoncepcional. E com isso também me livrei delas. Os animais são muito mais inteligentes do que pensamos. Podemos estranhar a maneira como se comportam, mas, se analisarmos suas reações, veremos como, quase sempre, eles tomam as atitudes corretas diante de certas situações. Há tempos um amigo que transa barcos me contou uma história que se repete todos os dias aqui mesmo, quase debaixo do meu nariz, no Leblon. À minha frente ficam as ilhas Cagarras, aqueles seios de pedra que brotam do mar e formam gargantas apontadas para o céu. Muita gente gosta de passar de barco entre elas. Milhares de gaivotas fazem pouso permanente por ali e, se você não lhes perturbar o sossego, elas também não incomodarão ninguém. Acontece que todo comandante de barco que passa entre as ilhas e vê as gaivotas sente-se tentado a dar-lhes um susto, tocando o apito do barco. Bem, como você se sentiria se estivesse quieto no seu canto, voando de uma ilha a outra com seus amigos, e um barqueiro idiota, lá embaixo, tocasse um apito que faz BRRRUMMM! com milhares de decibéis? Pois as gaivotas nem discutem. No que o barco passa sob elas e o barqueiro produz o BRRRUMMM!, as gaivotas em massa fazem cocô sobre ele e os passageiros. Pelo menos, cada barqueiro só faz BRRRUMMM! uma vez. ** FUNGOS AMOROSOS Você ouviu a notícia e não acreditou. A Sotheby’s, de Nova York, ao leiloar os bens do falecido Duque de Windsor, arrancou US$ 26 mil por um pedaço do bolo de casamento dele com a americana Wallis Simpson. Detalhe: o leilão foi outro dia, mas o casamento, com bolo, champanha e salgadinhos, foi em 1937. Os compradores foram um casal de jovens americanos de origem chinesa, Benjamin e Amanda Yin. Não é romântico? Ponha romântico nisso. Principalmente porque o casalzinho comprou o pedaço de bolo no escuro, ou seja, sem vê-lo. O objeto estava guardado numa caixa lacrada, que, por algum motivo, não podia ser aberta durante o leilão. Os leiloeiros garantiram que ali havia um pedaço de bolo, mas não podiam jurar pelo seu estado. Talvez ainda estivesse sólido, até petrificado, mas poderia também ter virado farelo e a caixa abrigasse uma gorda colônia de fungos, todos com o colesterol nas alturas. Quem o arrematasse teria de confiar na palavra da Sotheby’s, de que, um dia, houvera um pedaço de bolo ali dentro. Para o leiloeiro, que não contava arrancar mais que US$ 500 pelo treco, foi uma surpresa: os lances começaram a suceder-se e, quando chegaram a US$ 26 mil, os outros concorrentes fugiram, e o casal levou o troféu. Fico imaginando o perfil dos jovens compradores. Devem estar muito apaixonados. A moça certamente é de família aristocrática, descendente de alguma dinastia chinesa do ano 3000 a.C. que, nesses séculos todos, ficou pobre e conservou apenas o nome ilustre. Já o rapaz deve ser um emergente deslumbrado, cujo pai começou como tintureiro na Chinatown de Nova York e hoje é um polvo da pirataria eletrônica em Taiwan. Para impressionar a garota e provar que tinha classe, o rapaz prometeu-lhe um presente de casamento à altura das tradições da velha nobreza ocidental. E que melhor nobreza, apesar dos pesares, do que a britânica? Ao saber que a Sotheby’s ia leiloar os objetos do lendário Duque de Windsor, ele não vacilou. Desprezou as outras ofertas do leilão, como escrivaninhas Luís XV, armaduras atribuídas a Joana d’Arc e as dentaduras postiças de George Washington, e concentrou-se no que lhe parecia mais romântico: um pedaço de bolo do famoso casamento que a Família Real inglesa tentou proibir. Afinal, era uma relíquia da maior história de amor do século XX: a do príncipe que abdicou do trono da Inglaterra por uma plebéia americana, fuleira e divorciada, e arrastou para o exílio um reles título de duque. Não importa que ele só tenha se casado com Wallis porque, segundo dizem, ela era a única mulher com quem ele conseguia funcionar. O importante foi o gesto - e que objeto pode simbolizar melhor esse gesto do que o bolo cortado pelo próprio amante, com suas mãos trêmulas de uísque e paixão? Sim, eu sei, você deve estar se perguntando: será possível a um bolo se conservar durante tantas décadas? Um bolo, mesmo um bolo real e confeccionado para um casamento tão sublime, é feito com os mesmos ovos, leite, farinha, manteiga, fermento, açúcar e baunilha dos casamentos plebeus e sem amor. Todos esses elementos são perecíveis e, por mais que alguns ingleses sejam craques em confeitaria, é difícil de acreditar que, tanto tempo depois, aquela que deve ter sido a obraprima do pâtissier não se tenha transformado numa múmia de bolo. É verdade que o duque e a duquesa não envelheceram muito melhor. Bem, o jovem casalzinho chinês arrematou a preciosidade, pagou na bucha e levou para casa a caixa com o hipotético pedaço de bolo. As agências não informaram se a caixa foi aberta ali mesmo, ao fim do leilão, diante de um bando de enxeridos. O casalzinho deve ter reservado a abertura para um momento solene no seu próprio lar. Pois, se foi assim, só há duas hipóteses. Primeira: o bolo estava intacto e, nesse caso, o amor é lindo. Segunda: os fungos comeram o bolo, mas o casal jamais dará a ninguém a satisfação de admitir que seu sonho se frustrou. E, mesmo nesse caso, o amor também será lindo. ** CUECAS EM LEILÃO Se há uma coisa que americanos e ingleses levam a sério é um leilão. Não há objeto, valioso ou desprezível, que não acabe um dia nos leiloeiros de Nova York ou Londres, sendo disputado a dentadas por ferozes colecionadores. Se for um objeto pessoal, que fez parte da intimidade de alguma celebridade mais querida, os lances podem chegar à estratosfera. Nos últimos tempos foram leiloados um par de óculos do band-leader Glenn Miller, um vidro de Gumex vazio que James Dean usava para fixar seu topete, uma coleção de tomara-que-caias de Marilyn Monroe e até um chumaço de pêlos supostamente extraídos das costeletas de Elvis Presley. Outro dia, no entanto, os americanos se superaram. Num leilão em Nova York, um colecionador arrematou uma cueca do falecido presidente John Kennedy por US$ 3.500. Bem, vejamos. Sou capaz de entender que, por exemplo, o diário de uma pessoa famosa se extravie com sua morte e ressuscite anos depois nas mãos de alguém que nem sequer conhecia o defunto. Diários, documentos e papéis pessoais são objetos fanaticamente disputados por eruditos de modo geral, e é normal que sobrevivam. Mas o que dizer de uma cueca? De onde saiu essa cueca de Kennedy e como foi parar num leilão, tantos anos depois do seu assassinato em Dállas, Texas, no dia 22 de novembro de 1963? Uma coisa se pode garantir: a cueca de Kennedy não saiu do espólio de sua viúva, Jacqueline Kennedy Onassis. Mesmo antes de Kennedy ser presidente, Jacqueline já estava havia anos sem vê-lo de cueca ou sem. O mundo admirava e invejava aquele casamento, sem saber que se tratava de um arranjo conveniente para ambos, em que sexo era a última coisa que rolava. Os dois dormiam em alas separadas da Casa Branca, e Jacqueline não tinha acesso à gaveta de cuecas do marido. Kennedy morreu e, passados alguns anos, ela se casou com o zilionário grego Aristóteles Onassis, que tinha suas próprias cuecas. E, finalmente, a bela Jacqueline também morreu e, se o seu espólio fosse leiloar cuecas, daria preferência às cuecas de Onassis, certamente confeccionadas à mão pelas costureiras da ilha de Skorpius e de muito melhor qualidade. Então, de onde saiu a cueca de Kennedy? Duas hipóteses. Primeira: a cueca foi desviada da lavanderia da Casa Branca durante a crise dos mísseis, em 1962, por alguma faxineira já antevendo que aquela peça íntima seria uma preciosidade no futuro. A cueca teria sido guardada durante todos esses anos e talvez até passada de mãe para filha, à espera do momento certo para ter sua existência revelada ao mundo. Segunda hipótese: a cueca teria sido deixada para trás pelo próprio Kennedy no apartamento de uma das 980 mulheres que se calcula que ele tenha papado nos seus famosos mil dias de presidência. Neste último caso, várias especulações são possíveis. Uma delas: se Kennedy tinha a mania de largar cuecas para trás, pode garantir-se que, aberto o precedente, inúmeras outras cuecas logo surgirão na praça. Em conseqüência, haverá uma desvalorização brutal na cotação das cuecas de Kennedy nos leilões. Duvido que, no futuro, alguma delas chegue à metade do valor alcançado pela cueca recém-arrematada. Outra especulação: por que Kennedy deixaria suas cuecas com as amantes? No caso desta cueca, o marido da fulana pode ter chegado de surpresa em sua casa em Washington, e, numa cena de comédia de Labiche ou Sacha Guitry, Kennedy teria sido obrigado a fugir pela janela, sem tempo para vestir-se. Mas isto é quase impossível: nos Estados Unidos daquela época, os políticos e empresários americanos rezavam para que suas mulheres tivessem um caso com Kennedy, porque ele costumava ser generoso com os maridos de suas namoradas. Nenhum senador que se prezasse chegaria de supetão em casa se soubesse que Kennedy estava fazendo uma visitinha à sua patroa. O mais provável, portanto, é que Kennedy, irresistível e irresponsável como era, presenteasse suas amantes com as cuecas. E, finalmente, como era a cueca que foi leiloada? De tecido sintético, estilo Zorba, como já se estava começando a usar nos primeiros anos 60? Não: uma clássica, confortável e prática cueca samba-canção, de pano, listrada, do tipo que não oprime nem esmaga o conteúdo, nem obriga esse conteúdo a um esforço sobre-humano para ficar em grande forma ao ser solicitado numa emergência. Kennedy era um profissional. ** FOGO SOB AS CINZAS Bem, agora você fica avisado. Se for casado e já tiver ultrapassado uma certa idade - digamos, 45 anos -, e gostar de, uma vez ou outra, dar uma escapadinha com uma gata de 23, saiba que você tem 75% de chances de ter um troço ali mesmo, no ato - um enfarte - e passar vergonha diante da moça. Mas, se esse ato estiver sendo cometido com a sua própria mulher, e especialmente se já tiver completado com ela as bodas de prata, suas chances de um enfarte se reduzem a 25%. Quem afirma isto é um cientista britânico, Granam Jackson, do hospital St. Thomas, em Londres, e a declaração foi feita num congresso de saúde sexual em Hamburgo, na Alemanha. O homem está munido de estatísticas. Dá a impressão de que, para cada cidadão que morre durante o ato sexual, ele tem um pesquisador de bloco e lápis na mão, junto à cama, anotando tudo. Mas calma, não se alarme. Também não é uma coisa tão definitiva assim. Não quer dizer que, a partir de agora, você terá de se limitar ao produto doméstico e nunca mais se aventurar pelos mares revoltos e irresistíveis fora do horizonte conjugal. Há atenuantes nesta estatística - e, como você sabe, uma estatística pode significar qualquer coisa, dependendo da maneira como é "lida", digo, interpretada. Para começar, apenas 1% das pessoas morre durante o ato sexual, diz Jackson. Desse 1%, aí sim, 75% morrem durante uma relação extraconjugal, e apenas 25%, com a legítima cara-metade. Portanto, vendo a coisa pelo lado positivo, o importante é saber que 99% das pessoas não morrem durante o ato sexual - seja este com uma dançarina malhada e siliconada de bundamusic ou com a sua própria dona Marocas. Ah, que alívio. Mas, agora, vamos entender o que pode fazer do cidadão uma vítima em potencial daquele fatídico 1%. Diz o médico que, em termos de pressão sangüínea e freqüência cardíaca, uma hora de sexo (desde que bem-feito, com intensa verbalização e várias acrobacias) é comparável a uma caminhada de 20 minutos em marcha acelerada. O orgasmo, acrescenta ele, causa uma tensão no coração semelhante à provocada por uma subida rápida num lance de escadas. Isso quer dizer que, se você sai todo dia para caminhar ou se fica subindo escadas o dia inteiro, seu corpo passa por uma alteração semelhante à de uma hora de sexo com direito a orgasmo - atividades que têm 1% de chances de provocar um enfarte. Só que, naqueles casos, com a evidente desvantagem de que você não está fazendo sexo nem tendo esse orgasmo. Donde, aqui vai um conselho: pare de ficar subindo escadas e dedique-se mais ao orgasmo. Mas, naturalmente - e o cientista britânico é bem claro -, o risco só aumenta quando se pratica o ato sexual com uma mulher que nunca se viu antes e, mesmo assim, se ela for muito mais jovem. Neste caso, chega a 1%. Já fazer sexo com uma mulher com quem se esteja vivendo há muitos anos e que podemos ver de manhã usando um roupão velho e fritando bolinhos não oferece risco - ou este risco é de apenas 1/2%. A conclusão óbvia é a de que tanto faz praticar o ato com essa mulher ou passar o dia subindo uma escada. Isso deixa muito mal as senhoras casadas e protagonistas de relacionamentos longos, estáveis e felizes - porque, afinal, o cientista comparou-as a uma escada. Bem, se você ficou indignado, imagine eu, que admiro todas as mulheres, inclusive as casadas. É uma das comparações mais ofensivas e politicamente incorretas que já vi, exceto pelo fato de que esse cientista é inglês e ele pode estar falando em causa própria - porque todos dizem que as mulheres inglesas casadas não são muito melhores que uma escada. (Dizem que as solteiras também, mas não serei eu a afirmar isto.) Alguém ainda se lembra do filme O belo Antônio’? Era uma comédia italiana de 1960, estrelando Marcello Mastroianni e Claudia Cardinale. No filme, o jovem Mastroianni, no papel de Antônio, acaba de se casar com Cardinale - 23 aninhos, um pitéu, linda de morrer. Passam juntos a noite de núpcias e, no dia seguinte, toda a população daquela cidade da Sicília se posta diante da casa, à espera de que sejam estendidos na varanda os lençóis com a manchinha de sangue - a prova de que Antônio deu conta do recado. (Sim, parece que na Sicília, antigamente, a coisa era assim.) Passam-se os dias e nada do lençol com a mancha. Começam os rumores de que Antônio, apesar de belo, não dá no couro. Pior ainda: talvez não goste de mulher. (Não passa pela cabeça dos cidadãos que a personagem de Claudia talvez já não fosse virgem.) Bem, como em toda comédia italiana, sucedem-se situações melocômicas, sendo a melhor a do pai de Antônio que, desmoralizado ante seus conterrâneos, anda pelas ruas esbravejando: "Mio figlio é ilibato! Mio figlio é ilibato!" - querendo dizer que ele não é o que a cidade pensa. E, para lavar a honra da família, o próprio velho vai ao bordel da cidade, com a população atrás para conferir. Entra no quarto com uma mulher, faz o que tem de fazer e, em pleno orgasmo, tem um enfarte e morre ali mesmo. Claro que esta é só uma cena de cinema - não quer dizer que viva se aplicando à vida real. O problema, na minha opinião, está na interpretação altamente parcial que o cientista inglês deu à sua pesquisa. Faltou a ele ver o outro lado: o da mulher que está casada há séculos com o mesmo marido e que já não desperta neste homem mais do que um mínimo risco de enfarte. Ora, nada impede que essa mulher possa muito bem representar 75% de chances de enfarte se for para a cama com outro homem que não o marido. Não é óbvio? Ainda há fogo sob as cinzas, dona Marocas. ** MARIDOS FRIOS, MULHERES QUENTES Uma senhora adentrou furibunda a sede do Procon, no Rio, brandindo um envelope. Depois de passar horas na fila, conseguiu chegar ao balcão para registrar queixa contra um produto que, segundo ela, não estava funcionando direito: seu marido. O Procon, como se sabe, é um órgão sério, dedicado a registrar reclamações de pessoas que compraram um produto acreditando no que a publicidade dizia e, ao usá-lo, sentiram-se tapeadas. Seus funcionários são gente habituada a todo tipo de queixa, principalmente a respeito de facas mágicas, implantações de silicone e loções para calvície. Tudo isso está previsto na bíblia do órgão, que é o Código de Defesa do Consumidor, mas, às vezes, aparece gente se queixando de algum produto que não consta do código. Certa vez, por exemplo, um homem reclamou que, ao ir a um motel com sua namorada, fora obrigado a ouvir, no quarto ao lado, os gemidos de uma mulher em pleno ato com um homem, e que ele identificou como sendo os gemidos da sua própria mulher. Note bem, o sujeito não estava se queixando do fato de ser traído, mas das paredes finas do motel, que não velavam pela privacidade dele. Os funcionários do Procon são treinados para não rir e reagir com toda paciência em casos como este. Mas a história da mulher do envelope era inédita. Pelo que eles puderam entender, a dita senhora se queixava de que, depois de 30 anos de casamento, seu marido já não a procurava havia mais de um ano. Não a procurava sexualmente, é claro - porque, para outros fins, até que a procurava o tempo todo: para lavar-lhe as cuecas, engomar-lhe os colarinhos ou preparar-lhe uma carne-seca com aipim. O envelope que ela trazia debaixo do braço era sua certidão de casamento, datada de 1970, com assinatura do juiz, tabelião e testemunhas. A mulher alegou que não tinha nada a reclamar dos primeiros 29 anos de união, mas que o desinteresse de seu marido no último ano era uma quebra das promessas que ele lhe fizera quando ainda estavam noivos - de que, a depender dele, teriam uma agitada vida sexual até que um dos dois morresse e, talvez, até depois. Donde ela se sentia vítima de publicidade enganosa e, por isso, achava que era um caso para o Procon. O funcionário do Procon anotou tudo em uma ficha. Foi aos arquivos investigar se havia um precedente de queixas parecidas e, como não havia, voltou ao balcão de mãos abanando. Só lhe restava perguntar o que a mulher esperava que o Procon fizesse por ela. E ela, sem piscar: "Dá para trocar de marido?". Bem, maridos não são exatamente fornos microondas (outro item sobre o qual o Procon vive recebendo queixas), e o dela, muito menos. Aliás, se tivesse de ser comparado a um eletrodoméstico, o marido acusado de frigidez estaria mais para um freezer. Mas não se pode trocar um marido como se troca uma enceradeira, nem há um fabricante contra o qual se queixar. O funcionário do Procon sugeriu à senhora - extra-oficialmente - que ela aplicasse Viagra no cônjuge e observasse a reação dos corpos cavernosos. E, caso o Viagra não resolvesse, aí, sim, ela poderia voltar ao Procon e registrar queixa, não contra o marido, mas contra o medicamento. Pois, não olhe agora, mas algo de muito esquisito está se passando no universo masculino. Na mesma época em que a mulher foi ao Procon se queixar do marido frio, outra história incrível saiu nos jornais: um cidadão de Nova Iguaçu, RJ, foi à polícia para pedir proteção contra o assédio sexual que estaria sofrendo de uma vizinha. O homem (43 anos, casado, pai de três filhos e, francamente, longe de ser um galã de novela) declarou não agüentar mais ser o alvo de tantas investidas. A vizinha o bombardeava diariamente com flores, cartas, telefonemas, bilhetinhos, recados, e-mails e presentes, entre os quais camisas, relógios e agendas. O surpreendente foi que, ao ser procurada pela polícia, a mulher (36 anos, morena, bonita, perfeita para um dia de chuva) não apenas confirmou tudo, como garantiu que, apesar de também ser casada, não descansaria enquanto não levasse para a cama o tal homem, objeto de sua paixão. A divulgação da história provocou um tal malestar em todos os envolvidos (incluindo a mulher dele e o marido dela) que, poucos dias depois, a morena declarou ter desistido de seus imorais intentos e prometeu deixar em paz o gostosão. O que deve ter acontecido, porque o caso sumiu do noticiário. Os vários casais que protagonizaram essas histórias só se conhecem pelos jornais, mas um encontro entre eles poderia resolver todos os problemas. Suponhamos que a assediadora sexual desse em cima do marido frio - poderia ter sucesso, porque a frigidez daquele marido só devia acontecer com a mulher com quem ele era casado há 30 anos. Esta senhora, por sua vez, poderia se aventurar para o lado do marido assediado e, quem sabe, com ela, talvez ele se animasse. Já a mulher do assediado teria uma grande chance com o marido da assediadora, já que os dois estariam sobrando do mesmo jeito. É só uma idéia. E, se não der certo, todos sempre podem ir se queixar no Procon. ** RÃS SEM CABEÇA Às vezes me pergunto se o excesso de informação não deixa a pessoa ligeiramente intoxicada. Consumimos informação demais, e isso deve ter um preço. Eu, por exemplo, de tanto passar o dia lendo livros, jornais, revistas, releases e bulas, além do lixo que chega pelo correio e pela Internet, sinto que, de vez em quando, alguns milhões de neurônios pedem férias do meu cérebro. Com isso, fico momentaneamente lerdo para processar certas informações. Outro dia, por exemplo, li no jornal um telegrama vindo de Londres: "Pesquisadores da Universidade de Bath, na Grã-Bretanha, clonaram embriões de rãs sem cabeça. Os responsáveis pela pesquisa acreditam que o processo possa ser repetido em humanos". Bem, li isso durante o café da manhã como se fosse a coisa mais natural do mundo e passei adiante, talvez para a página de futebol ou de obituários, a fim de zerar o Q.I. E só alguns minutos depois, numa espécie de reação retardada, é que engasguei com a torrada. Os cientistas clonaram rãs sem cabeça e querem fazer o mesmo com humanos. Ou seja, querem fabricar seres humanos sem cabeça? Sou capaz de entender as vantagens de se criarem rãs que já venham sem cabeça. Poucas rãs deram alguma contribuição intelectual à humanidade - o pensamento não é uma de suas maiores especialidades. Além disso, rãs sem cabeça representariam grande economia de tempo para os cozinheiros dos restaurantes, já que a única coisa que se aproveita delas são as pernas e, mesmo assim, à milanesa. Mas, para que os cientistas se dariam ao trabalho de criar seres humanos sem cabeça, se já há por aí milhares, milhões, para quem ela não serve para nada, exceto para usar um boné ao contrário? Fui ler o resto da notícia e entendi. Os humanos sem cabeça serviriam apenas como bancos vivos de órgãos para transplante. Sem cabeça, não teriam consciência ou sentimentos ("alma", para o vulgo), donde poderiam ter um fígado ou piloro extirpado sem remorsos sempre que surgisse um cliente necessitado. As tais rãs não passariam de pilotos de prova da experiência que visa criar humanos acéfalos - o que não impede, é claro, que possam ser criadas e vendidas para restaurantes. Não sei se acho boa essa idéia de produzir seres humanos sem cabeça. Parece meio monstruoso criar sujeitos que nunca contemplarão um pôr-do-sol no Arpoador, nunca verão a Luma de Oliveira à frente de uma bateria de escola de samba e nunca irão ao estádio para torcer por um time - mesmo que a ausência deste último item lhes poupe uma porção de aborrecimentos. Do ponto de vista estético, então, é que a coisa me parece mais que discutível. Tudo bem, o sujeito não terá cabeça. Mas terá pescoço? No caso de haver pescoço, este será coto ou irá se enroscando e afinando até terminar em ponta? No caso de não haver pescoço, não ficará ridículo um tronco que tenha os ombros como ponto culminante? Não será mais aconselhável equipar o cidadão com uma cabeça de manequim de vitrine, nem que seja para ficar menos chocante nas fotografias? Eu sei, essas são apenas as preocupações de um leigo. Os cientistas britânicos já devem ter pensado em tudo. Inclusive na possibilidade de criar cabeças sem corpo, no caso de haver uma demanda em massa de transplantes de cérebro. Essa, sim, me parece uma boa idéia. Eu próprio já não sei onde ando com a cabeça. ** RATOS E HOMENS Com sua paixão pelos queijos, os italianos, um dia, teriam de chegar a isso: introduzir o rato na velha e tradicional prática de um homem fecundar uma mulher. Não, você não leu errado. A partir de agora, uma criança italiana já poderá bater no peito e declarar que, em sua filiação, entraram o pai, a mãe e um rato. Não que o rato vá para a cama com o casal - o que, inclusive, nem seria permitido pelas sociedades protetoras dos animais. Na verdade, nos casos de fecundação envolvendo ratos, nem o próprio casal vai para a cama. Esta é a última descoberta de um grupo de cientistas italianos: a fecundação via rato. Consiste em cultivar o sêmen de homens considerados estéreis em testículos de ratos, até que este sêmen fique fortinho o suficiente para enfrentar a parada de fecundar um óvulo. Mas, por que um testículo de rato? - perguntará você. Porque, ao que parece, o "ambiente bioquímico" do testículo do rato se parece com o nosso e, por algum motivo, permite que o sêmen amadureça a ponto de cumprir as funções que justificam a sua existência. Tudo bem, a explicação convence - mas isto só dá certo se for num rato? Não haverá a possibilidade de se fazer o mesmo em testículos de esquilos, de preás ou, melhor ainda, de coelhos, que têm grande experiência no assunto? Qualquer ser humano fecundado por via indireta ficaria muito mais feliz se soubesse que, enquanto sêmen, foi agasalhado num daqueles bichinhos tão simpáticos, e não num rato. Pois, digam o que disserem, poucos bichos têm uma imagem pior na Terra que os ratos. E olhe que não estamos falando de ratazanas de beira de cais, daquelas bem safas, com vasta experiência nas docas do Rio, Nova York e Marselha, mas de ratinhos de laboratório. Mesmo assim, é disgusting. Tais ratinhos parecem bichos limpos, graciosos e até bonitos, mas, para estragar tudo, basta nos lembrarmos que o bisavô deles, na juventude, andou se esgueirando em tocas nojentas e roendo sacos de mantimentos em armazéns úmidos. Vestígios do passado boêmio desse rato podem ter passado para seus descendentes e, de repente, eis você sendo fecundado no testículo de um rato cujo antepassado foi da pá- virada. E sabe-se lá se esse rato não era um dos personagens do livro A peste, de Albert Camus? A prova de que nem as cobaias são 100% imaculadas está no fato de que, antes de se injetar o sêmen no testículo do rato, é preciso administrar medicamentos especiais no recipiente (o dito testículo) para evitar que o sêmen seja atacado por doenças genéticas do rato. Ou seja, o cidadão já começa a tomar remédio antes de nascer. Antes até mesmo de ser fecundado. Por sorte, muita gente na comunidade científica mundial acha que essas experiências, sem trocadilho, estão cheirando a rato morto. Segundo cientistas ouvidos pelos jornais, é mais seguro amadurecer esse sêmen in vitro, como já se faz há algum tempo. Mas os italianos julgam estar dando um passo adiante com o rato. O passo seguinte, se não abrirmos o olho, será extrair esse sêmen diretamente do rato e com ele fecundar o óvulo, o que dará origem a uma terceira espécie, meio homem, meio camundongo. Pelo andar da carruagem científica, se ainda há algo que a ciência não fez, você pode ter certeza de que - não importa quão absurdo - ela um dia o fará. E, se você acha que isso ainda está em fase de experiência, saiba que, na Itália, já nasceram quatro crianças do testículo do rato. Todas passam bem. Algumas até já guincham "Papai!", quando entra um Tom & Jerry no canal de desenhos animados da televisão. ** A APOPTOSE Eu li, ninguém me contou. Uma equipe de cientistas ingleses descobriu que o organismo masculino tem um jeito secreto de selecionar entre os milhões de espermatozóides que produz diariamente e de induzir os espermatozóides defeituosos a se matarem. Não me pergunte como eles descobriram isso. Ou, por outra, pergunte sim. Fazendo experiências com ratos de laboratório, é claro. É impressionante como os cientistas obrigam os ratos a fumar, beber, se drogar, disputar maratonas, passar noites em claro ou fabricar milhões de espermatozóides, mesmo que não estejam com a menor vontade de fazer nada disso. Visto de fora, tem-se a impressão de que a vida dos ratos de laboratório é uma farra. Mas nunca se fizeram testes com eles para saber se estão se divertindo tanto. Enfim, graças aos ratos, descobriu-se que, dos trezentos ou quatrocentos milhões de espermatozóides que o testículo humano produz diariamente, uma quantidade xis nasce com defeito de fabricação. Alguns desses espermatozóides vêm com duas cabeças, outros com três e há até espermatozóides sem cabeça. Em outro grupo de espermatozóides, o problema pode estar na cauda. Muitos nascem sem rabo, o que lhes prejudica o senso de orientação e faz com que, em vez de acertar o óvulo, penetrem em algum órgão feminino sem o menor compromisso com a reprodução, como o apêndice, o intestino grosso ou as glândulas pituitárias. Há ainda o grupo de espermatozóides meia-bomba, que, com muito esforço, conseguem chegar à parede do óvulo, mas não têm força para penetrá-lo e depois se justificam dizendo que só pode ser um problema psicológico. E há os espermatozóides estéreis, que não servem para nada, exceto para ocupar o lugar dos espermatozóides verdadeiramente campeões. Resumindo, entre tantos milhões, há um bando de espermatozóides cabeças-de-bagre que, se deixados soltos, aptos a fecundar óvulos, gerariam uma porção de sujeitos dos quais a humanidade teria uma certa vergonha e tentaria esconder das visitas. Daí, segundo os cientistas, o que faz a natureza para manter o controle de qualidade dos espermatozóides? Produz uma proteína chamada "p53" que identifica os espermatozóides mal das pernas e os leva ao suicídio. Essa indução se dá por um processo celular chamado apoptose, palavra que nem o Houaiss conhece, quanto mais os espermatozóides. É o que os torna facilmente tapeáveis. Os cientistas não sabem direito como a proteína faz isso, mas suspeitam que, através da apoptose, ela torna a vida tão chata e sem sentido para o espermatozóide, que este prefere morrer. O detalhe é que a apoptose se dá em massa. Quer dizer: milhões de espermatozóides se suicidam todos os dias. Não é tristíssimo? Os cientistas acham que não. A função da apoptose é essa mesmo: fazer um tipo de seleção da espécie a partir do próprio ovo, permitindo gerar apenas pessoas saudáveis. Se dependesse da apoptose, todo mundo seria lindo, sócio do Country, jogaria futevôlei na praia e usaria roupinhas de domingo mesmo nos dias de semana. Mas não é o que acontece, porque a apoptose não é infalível. Às vezes, ela se distrai e é tapeada por vários espermatozóides nota 3. Eles escapam, fecundam óvulos inocentes e daí nascem certos políticos, duplas caipiras, autores de livros de auto-ajuda, apresentadores de televisão, especuladores imobiliários, advogados de traficantes e dirigentes de futebol. Mas não será por causa desses fiascos que a ciência descartará de vez a apoptose. Sem a incansável e diuturna vigilância da apoptose, a humanidade produziria ainda mais cretinos que o normal. Você pode dizer que nem tudo é culpa dos espermatozóides defeituosos, porque há também fatores culturais, psicológicos etc. Certo, certo. Mas, por via das dúvidas, se você é homem, na flor da idade e está pensando em ter filhos, é bom primeiro passar num laboratório. Se a sua apoptose não estiver nos trinques, é melhor esquecer os procedimentos normais e adotar um órfão afegão ou iraquiano. ** "PUM!", DISSE O DINOSSAURO Desde que me entendo por gente, de dez em dez anos o cinema ressuscita os dinossauros. O último a fazer isso foi, creio, Steven Spielberg, num filme a que não me dei o trabalho de assistir, porque já passei da idade de ver filme de dinossauro. Mas entendo que o assunto fascine as crianças e que elas precisem ser periodicamente atendidas nesse departamento. Fascina também a mim, desde que não me obriguem a sair de casa - até hoje vivo relendo minha velha coleção de gibis do Brucutu (lembra-se do dinossauro Dino?) e não perco uma notícia sobre dinossauros nos jornais. Sim, os jornais, em suas páginas de ciência, falam mais deles do que os segundos cadernos falam de Mick Jagger, e olhe que são quase contemporâneos. Todo dia os cientistas descobrem uma novidade sobre os dinossauros. Como eles já estão extintos há milhões de anos e não podem contestar as informações, essas afirmações passam por definitivas - até que outros cientistas as contestem com novas afirmações definitivas, e assim vamos vivendo. O que me impressiona é que, não importa o que descubram, as pessoas não param de se interessar por eles. Por que a curiosidade humana a respeito dos dinossauros parece insaciável? Porque eles eram grandes, fortes, numerosos, reinavam sobre a Terra, achavam-se o máximo - e se extinguiram do mesmo jeito. O homem deve ver nisso uma metáfora do seu próprio destino, embora, no fundo, cada indivíduo se julgue tão gostoso e imortal, que não lhe passa pela cabeça ser destruído junto com a espécie. Mas os dinossauros também não viam risco algum naqueles pterodáctilos que os viviam sobrevoando e nos rascunhos de pitecantropos que já estavam aparecendo nas suas vizinhanças. Note bem, não quer dizer que eles tenham se extinguido por causa dos pterodáctilos e muito menos do homem - porque está provado que eles não existiram ao mesmo tempo. Mas os pterodáctilos sobreviveram aos dinossauros por um tempo e, depois, o homem sobreviveu aos pterodáctilos. Quem sobreviverá ao homem? As formigas e as baratas, sem dúvida, mas já estão também incluindo o arquiteto Oscar Niemeyer nessa lista. Os dinossauros, que tinham mais o que fazer, não ficavam ruminando ou matutando sobre a possibilidade de, um dia, se extinguirem. Por isso, quando a coisa finalmente lhes aconteceu, devem ter tomado um grande susto. O último dinossauro sobre a Terra olhou em volta e, ao não ver ninguém das suas relações, deve ter experimentado uma grande solidão - e, se foi esperto, encaminhou-se espontaneamente para o cemitério dos dinossauros e se deitou num leito de folhas para a chegada do fim. Ou então ficou onde estava, à espera de ser recolhido. Até aí, tudo bem. Mas a pergunta básica continua sem resposta: por que eles se extinguiram? A teoria mais popular é a de que monumentais corpos celestes teriam passado muito perto da Terra, como num filme dos anos 50, inundando-a, fazendo cair a temperatura e arrasando tudo. É boa, mas não explica por que outros bichos sobreviveram. Mas, agora - ah-ah! -, acaba de surgir uma nova teoria, que, na minha opinião, é revolucionária. Partiu dos cientistas chineses, e só não me pergunte como eles chegaram a ela. Os dinossauros teriam sido vítimas dos seus próprios gases intestinais e arrotos. Os chineses fizeram as contas. Cada dinossauro pesava cerca de noventa toneladas e comia 170 quilos de alimento - folhinhas e raízes - por dia. Comer era a única coisa publicável que eles faziam, donde faziam isso o dia inteiro. E, como as normas de civilidade ainda não eram muito adiantadas entre eles, não se importavam de arrotar e soltar seus puns publicamente. Bem, pode-se imaginar a trilha sonora da Terra naquele tempo - algo parecido com um show do também extinto Guns N’ Roses, só que acústico. O problema é que esse tempo durou a eternidade de cem milhões de anos. Já imaginou um estrondoso "Pum!" coletivo com a duração de cem milhões de anos? Dizem os chineses que, por causa disso, a atmosfera da Terra ficou contaminada de metano - como se eles vivessem se aplicando spray uns nos outros ou abrindo a porta da geladeira. Isso teria esburacado a camada de ozônio em volta da Terra, provocado a exposição direta dos raios solares e matado os dinossauros. Não é impressionante? É. Mas é apenas uma teoria e, como tal, sujeita a durar quinze minutos. Não demora muito, outros cientistas, quem sabe coreanos ou guatemaltecos, surgirão com uma nova hipótese, propondo que a causa da extinção dos dinossauros foi o tédio alimentar - eram vegetarianos, e isto diminuiu tanto a sua libido, que eles pararam de se reproduzir. Enquanto essa teoria não vem, estou satisfeito com a dos chineses. A idéia de manadas e manadas de dinossauros soltando traques em família, na rua e mesmo nas ocasiões mais solenes, sem a menor censura, chega a ser poética. Exceção, é claro, para Dino, o dinossauro do Brucutu. Quando queria soltar "Pum!", ele fazia como os seres humanos e se retirava educadamente. Só que, no seu caso, para um quadrinho fora do gibi. ** IH, O CACHORRO FEZ Há tempos anunciou-se a aplicação de uma lei municipal aqui no Rio, segundo a qual se o seu cachorro fizer cocô na rua, e você não tomar providências, levará uma baita multa. As providências consistem em recolher a sujeira com uma pá e um saco plástico, e jogar tudo bonitinho no lixo. Segundo números oficiais, há cerca de 1,5 milhão de cachorros no Rio. Quem contou? Não sei. Imagino que a Prefeitura tenha fiscais para fazer esse tipo de recenseamento. Cada cachorro recenseado talvez assine um protocolo ou coisa assim, para não ser recenseado mais de uma vez. Seja como for, essas informações saem no jornal e você acredita ou não. Mas precisamos de algum número para trabalhar. Fiquemos então com 1,5 milhão. Pois bem. Um cachorro comum, com suas funções intestinais regulares, faz uma média de quatrocentos gramas de cocô por dia. É uma média, eu disse, mas parece que extraída de maneira científica. O processo é o seguinte. Põe-se um dogue alemão, que é enorme, e um chihuaha, que é pequenininho, em cada prato da balança. Em seguida, ordena-se que eles façam cocô. Feito este, os cachorros são retirados e eles pesam apenas o cocô. A soma dos dois pratos dividida por dois costuma dar quatrocentos gramas. Parece pouco? Pois não é. Basta multiplicar para descobrir que 1,5 milhão de cachorros produzindo quatrocentos gramas cada um dão o espantoso total de seiscentas toneladas de cocô por dia. Se você preferir calcular isso em metros, precisaremos imaginar que os quatrocentos gramas diários per capita, dispostos de forma regularmente cilíndrica e em linha reta, equivalem a quinze centímetros de cocô (devem equivaler a mais, mas vamos deixar barato). Quinze centímetros vezes 1,5 milhão de cachorros dão 225 mil metros de cocô. São 225 quilómetros - o mesmo que ir do Rio a Búzios e voltar. Sem trocadilho, é cocô pra cachorro. Por sorte, isto é apenas uma simulação, já que, como se sabe, o cocô canino não segue esse formato esticadinho que se estende pelas ruas. Chocado? Pois saiba que, em Paris, é muito pior. A Prefeitura parisiense gasta cerca de US$ 15 milhões por ano para recolher o cocô da via pública, usando setenta motos com aspirador, e, apesar disso, eles só conseguem recolher 15% do total. Isso significa que, diariamente, 85% do que os cachorros deixam pelos lindos jardins e calçadas de Paris continuam in loco. Daí que 650 cidadãos franceses são hospitalizados anualmente ao escorregar no cocô. É claro que o número de gente se estabacando na rua é muito maior - as estatísticas francesas só se referem aos que vão para o hospital e relatam a causa do escorregão. Mas a maioria não faz isto, ou porque não se machucou tanto ou porque achou graça - até o dia em que uma hérnia ou costela começa a acusar os efeitos daquele escorregão. Em Paris, é permitida a entrada de cachorros em restaurantes, perfumarias e até açougues e hospitais. Muitos motoristas de táxi rodam o dia inteiro com um cachorro no banco da frente. Há casos em que a passageira também tem um cachorrinho a tiracolo, e o cachorro do motorista não gosta de ver o outro bicho adentrando os seus domínios. E, o que é pior: em Paris, ninguém é multado se o seu cachorro premia a calçada. Torço para que a nossa lei pegue por aqui. Mas, se isto acontecer, vou-me sentir roubado de um ótimo passatempo: ficar sentado com um amigo num banco do Arpoador disputando campeonato de cocô. Consiste em apostar se este ou aquele cidadão que se aproxima distraído vai pisar no lindo bolo que está três metros à sua frente - e que ele, deslumbrado pela paisagem, não está vendo. Não é para me gabar, mas ganho sempre. ** O GOSTO SECRETO Uma instituição internacional dita séria fez um ranking da inteligência no mundo animal. Deu o homem na cabeça, com o chimpanzé em segundo lugar e o gato em terceiro. Não me lembro que critérios foram usados para se chegar a esse pódio da inteligência. Seja como for, não concordo. No meu ranking, o gato vem em primeiro, seguido não pelo homem, mas pela mulher, e, em terceiro lugar, o chimpanzé. O homem pode estar entre os dez primeiros, mas superado pelo papagaio, pela zebra e por vários outros bichos. A prova de que o homem deixa muito a desejar no item inteligência foi dada há pouco por um fabricante inglês de comida para gatos. Ele acredita ter descoberto uma fórmula infalível para vender seu produto: um comercial de TV que "fala diretamente aos nossos amiguinhos felinos". E como é isto? Mostrando imagens que supostamente agradam aos gatos: cenas mostrando peixes, ratos, pássaros e um novelo de lã sendo desenrolado. Ciente de que, entre os hábitos regulares dos gatos, não se inclui o de assistir à televisão, a agência que criou o comercial precisou inventar um macete. Um ou dois minutos antes de o anúncio ir ao ar, um locutor convoca o dono do gato a ir buscar o bichano e colocá-lo em frente ao aparelho. Esta obra-prima da inteligência e da imaginação custou US$ 825 mil ao anunciante. Como diria P. T. Barnum, imortal filósofo americano do século XIX e empresário de circo, nasce um otário por minuto. Em primeiro lugar: quem disse que gatos acham graça em ver peixes, ratos, pássaros ou novelos de lã na televisão? Segundo: quem é capaz de provar que a percepção deles é parecida com a nossa? E se for? Ao ver, digamos, a imagem da Gisele Bündchen na televisão, todos nós sabemos que aquilo é apenas a representação eletrônica da verdadeira Gisele Bündchen. Pois, sabendo disso, ninguém, a não ser um perfeito retardado, se atirará aos beijos ao aparelho, achando que Gisele Bündchen está dentro dele em carne, osso e cabelos. Da mesma forma, nenhum gato que se preze jamais foi visto salivando de prazer ao ver imagens de peixes ou ratos na televisão. Os gatos são de uma extraordinária superioridade quando se trata de certas coisas. Seres humanos, por exemplo. Uma espécie de sexto sentido os alerta sobre quais são confiáveis ou ternos. Qualquer pessoa que tenha um gato em casa já percebeu como eles se aproximam de certas visitas e guardam distância de outras. Um interrogatório mais acurado revelará que aquelas de quem eles não se aproximaram são justamente as que não gostam de gatos. Algumas pessoas neuróticas têm um medo bobo de gatos, o que eles também percebem. E, se se aproximam delas, é para tentar convencê-las de que não representam perigo nenhum. Nem sempre são bem recebidos, mas valeu a intenção. Com raras exceções, qualquer gato doméstico é indiferente até à sua própria imagem no espelho. Ao vêla, ele não tem nem sombra daquela reação de hostilidade que manifesta na presença de um gato estranho. O que prova que, de alguma maneira, ele sabe que o gato do espelho é ele mesmo ou é um gato bidimensional, ilusório, donde sem interesse. Seja como for, é brilhante - ao contrário do ser humano, que, seja qual for o sexo, não consegue passar por um espelho sem cofiar-se. Não há possibilidade de o tal comercial inglês dar certo. O dono do gato poderá tirar o bichano do seu sono ou de qualquer outra atividade e plantá-lo diante do aparelho durante o anúncio. O gato talvez aprecie por alguns segundos aquelas imagens em movimento, mas não demorará mais que isto para concluir que aqueles peixes, ratos ou o que for não têm nada a ver com a vida real. E não há hipótese de o anúncio estimular o seu apetite para o produto que está sendo anunciado. Sua reação será um sábio, longo e contagiante bocejo. Mesmo porque até sua independência de paladar nos é incompreensível. O que faz com que um gato ignore uma fatia de peito de peru defumado, preferindo uma (para nós) insossa ração seca? Ou que outro despreze aqueles tentadores patezinhos em lata, mas seja louco por uma sardinha recém-chegada da feira e ainda cheirando a sardinha? E vice-versa para tudo isso? Assim como todo gato tem um nome secreto, que seu dono nunca saberá, tem também gostos secretos, que jamais subjugará a um reles comercial de TV. A prova definitiva de que os gatos nos são superiores em inteligência é que eles não perdem tempo vendo besteiras pela televisão. ** A PESTE Os ratos estão em polvorosa. Uma pesquisa realizada por cientistas australianos descobriu que o telefone celular pode provocar câncer. O estudo foi feito num laboratório de Sydney e acompanhou uma colónia de ratos durante dezoito meses. A conclusão foi a de que, expostos a sinais de rádio similares aos produzidos pelos telefones celulares, os ratos estão correndo o dobro do risco de contrair câncer do que os ratos que não utilizam esse meio de comunicação. Aliás, alguns dos ratos pesquisados já estão sofrendo alterações no DNA de suas células cerebrais. E olhe que só foram admitidos na pesquisa ratos não- fumantes. Os ratos têm toda a razão para estar preocupadíssimos. O uso dos celulares entre eles multiplicou-se fabulosamente de uns anos para cá. É raro, hoje, ver um rato sem um aparelho ao ouvido, na rua, no aeroporto, nos restaurantes, nos concertos de música clássica, no motel, no calçadão e até na praia. Há ratos que não o dispensam nem quando estão dirigindo carros, caso em que se supõe que deviam estar com as mãos ocupadas. No Teatro Municipal, em igrejas, em missas de sétimo dia e em todos os contextos, costuma-se ouvir um celular tocando. Vai-se ver, é um rato vexadíssimo, tentando desligá-lo às pressas. Não se entende como, de uma hora para outra, os ratos inventaram tanta coisa para se dizer uns aos outros. E o que eles têm a dizer parece tão urgente, que nem podem esperar para chegar em casa ou no escritório, sentar, relaxar e só depois discar. Não. Tem de ser já, no ato, imediatamente. Entende-se que certos ratos, nitidamente importantes e atarefados, precisem comunicar-se a jato com outros ratos tão importantes ou atarefados quanto eles. Mas o que se vê por aí, pendurados em seus celulares, são ratos que você juraria que nem profissão têm. Por que então essa fissura? Há ratos que ligam a um quarteirão de casa para avisar que estão chegando. E há os que encontram um estranho prazer em ouvir a voz da patroa pelo viva-voz. O nome que se dá a isso é nouveau-richisme. E, como toda nova-riquice, é de uma absoluta cafonice. Os ratos estão fascinados por toda espécie de bugiganga eletrônica e cada qual quer ser o primeiro a exibir a última novidade da tecnologia. E, pelo visto, ainda não desconfiaram de que os celulares já estão longe de ser novidade e que há muito deixaram de ser símbolo de status. A tecnologia anda tão depressa, que, hoje, a pirâmide social se divide assim: os ratos pobres usam o celular; os ratos ainda mais pobres usam o pager, os ratos absolutamente paupérrimos usam o bip; e os ratos ricos não usam nada disso, porque já estão com a vida ganha e não precisam ficar fazendo negócios ou marcando compromissos pelo celular no meio da rua. Fico me perguntando como os ratos se viravam no tempo em que não dispunham de celulares. Tinham de apelar para o orelhão. Mas os próprios orelhões foram inventados outro dia mesmo. E, antes deles, a única maneira de se dar um telefonema na rua era apelando para o português do botequim. Receber uma chamada, nem pensar. Vivia-se bem, apesar disso, e não consta que enormes negócios tenham deixado de ser feitos porque alguém deixou de telefonar para alguém. Hoje, qualquer rato está a bordo de um celular e nem por isso sua situação social parece ter melhorado muito. Até então, pensava-se que, numa conversa entre dois ratos por um celular, a mensagem entrasse por um ouvido, atravessasse um enorme vácuo e saísse pelo outro. Se fosse só isso, os celulares seriam inofensivos. Mas, agora, há a ameaça anunciada pelos cientistas australianos. Ou os ratos limitam o uso do celular a quando tiverem realmente algo importante a dizer, ou teremos um extermínio tão em massa, que a espécie regredirá ao orelhão. ** EM FIM, UM RATO HEROI Eu sei que parece difícil de acreditar, mas acabou de acontecer. Um rato salvou uma família de morrer num incêndio numa cidade litorânea inglesa chamada Torquay, a não sei quantos quilômetros de Londres. Um rato salvou uma família de morrer num incêndio? Isso mesmo. Claro que o rato não apareceu de repente entre as chamas, pôs nas costas cada membro da família e o levou a salvo para a rua, enquanto a casa acabava de queimar. Foi bem mais simples, mas não tira os méritos do rato. A família consistia da mãe, Lisa, e suas filhas, Megan, nove anos, e Shannon, três. O pai, se existe, devia estar alhures. O rato era um ratinho branco, desses de laboratório, de sexo e idade indefinidos, chamado Fido. Havia também na casa um pastor-alemão, Boris, mas sua participação foi tão vergonhosa, que, por enquanto, é melhor esquecê-lo. A história foi assim. A família dormia quando um curto-circuito no aquecedor elétrico do andar térreo provocou uma faísca. Como você sabe, não há nada como uma faísca para pegar fogo, principalmente naquelas casas inglesas cheias de veludos, cortinas, carpetes e as obras completas das irmãs Brontê. O fogo se alastrou com rapidez por todo o andar. A família dormia no andar de cima, sem suspeitar de nada. Mas nosso herói, o ratinho Fido, dormia em sua gaiola no térreo. Quando a temperatura começou a subir, ele ficou incomodado. Banhado de suor e vendo as chamas se aproximarem, Fido não se conformou com a possibilidade de virar churrasco. Movido por um inusitado instinto de sobrevivência e munido de uma força da qual nem ele desconfiava, conseguiu abrir a porta de sua gaiola. Bem, o que um rato sensato faria ao se ver numa casa em chamas? O mesmo que os ratos fazem num navio que vai afundar: cair fora. Diz a tradição que, quando vêem as coisas pretas, os ratos são os primeiros a se salvar. Não Fido. Ele fez algo inédito na longa e até então nada heróica história dos ratos: enfrentou o incêndio e atravessou o carpete em chamas rumo à escada que dava para o andar de cima. A escada também já começava a arder. Arrostando bravamente as labaredas, Fido chegou ao segundo andar seguido pelas línguas de fogo que o perseguiam como busca- pés. A porta do quarto das crianças estava fechada - e, por mais criativo que seja, nenhum rato tem força ou altura para abrir uma maçaneta. Então, o que fez Fido? Começou a guinchar e arranhar a porta para chamar a atenção de Megan, a filha mais velha. Não se sabe direito quanto tempo levou, mas Fido fez tanto barulho, que acordou Megan. Ela reconheceu seus guinchos, espreguiçou-se, vestiu o penhoar, calçou os chinelos e foi abrir a porta. Só então deu com Fido todo chamuscado e sentiu o bafo das chamas lá embaixo. Sua casa estava pegando fogo. Claro que ela acordou sua mãe, as duas recolheram a irmã e o próprio Fido e se escafederam antes que a casa viesse abaixo. E, no caminho para a fuga, ainda fizeram a caridade de acordar Boris, o pastor-alemão, que roncava na cozinha, a poucos metros do fogo, e ainda não percebera nada. Daí a pouco chegaram os bombeiros. Debelaram o sinistro, como se dizia na velha imprensa, e, durante o rescaldo, descobriram a causa - a faísca. Mas os repórteres quiseram saber como a família se salvara. A pequena Megan contou como fora acordada por Fido. A partir daí, foi fácil reconstituir a cena, e os jornais ingleses deram com grande destaque no dia seguinte: "Rato salva família de morrer em incêndio". Esse é o tipo de assunto que todo mundo adora, e mais ainda se for inglês. Durante vários dias, Fido tornou-se herói nacional na Inglaterra. Houve peregrinação a Torquay para conhecê-lo. A BBC fez um docudrama com a história. Os tablóides ouviram o príncipe Charles. Cogitou-se de uma estatueta de Fido no museu de Madame Tussaud. A indústria britânica confeccionou camisetas, bonés e bonecos com a sua figura. Em Londres, a venda de ratos brancos nas lojas de animais cresceu 78%, quase todos batizados de Fido. E a dos pastores-alemães, depois do fiasco de Boris, caiu a zero. ** EM DEFEZA DOS VILÕES Nessa época em que tudo tem de ser politicamente correto e já não se pode falar mal de ninguém, nem quando se diz a verdade, precisamos rever uma série de idéias fixas sobre uma minoria que vem sendo perseguida há séculos: a dos vilões do cinema e da literatura. Do jeito que eles são tratados, somos levados a acreditar que não passam de um bando de velhacos, traiçoeiros, sem caráter, sempre prontos a um golpe baixo, e munidos de uma alma malévola como um beque uruguaio ou um oficial da SS. Pois bem: está na hora de dar um basta a essa injustiça. Vamos supor que eles também tenham suas virtudes. O Capitão Gancho, por exemplo - você sabe, o inimigo do Peter Pan. No famoso desenho animado de Walt Disney, ele é mostrado cravando entre os dentes uma piteira com duas saídas, fumando dois cigarros ao mesmo tempo. Certamente, isso é para caracterizá-lo como vilão, já que os heróis, como se sabe, não fumam. Olha já aí o preconceito. Pois quem pode garantir que Peter Pan, depois de adulto, também não se tornasse fumante de quatro maços diários? E, se é preciso ser politicamente correto, é bom não esquecer que o Capitão Gancho era um deficiente físico. Sua mão direita foi mordida, mastigada e engolida por um crocodilo, o que o levou a implantar aquele gancho. Tente cortar as unhas, bater palmas ou tocar castanholas com um gancho no lugar da mão, para ver o que é bom. Donde, ao contrário de inspirar repulsa, o Capitão Gancho deveria despertar compaixão. A Bruxa da história de Branca de Neve é outra que vem sendo discriminada há séculos como vilã. Mas ela não nasceu bruxa, e muito menos com aquele nariz. Na verdade, era uma gloriosa Rainha - e, olhe, um pedaço de morena. (Foi a primeira mulher por quem me apaixonei em criança e, depois, soube que o mesmo aconteceu com Woody Allen.) Se tudo continuasse a correr como o figurino, a Rainha ainda poderia reinar por muitos anos, sem perder um pingo de sua majestade. E foi então que o Espelho Mágico lhe fez aquela falseta. Numa de suas consultas de rotina ao espelho, a Rainha ficou sabendo que já não era a mulher mais bonita de seu próprio reino. E que esta era agora sua enteada, Branca de Neve - uma órfã que ela acolhera e a quem dera casa, comida e roupa lavada. Com que direito a insípida Branca de Neve se atrevia a ser mais bonita do que ela? Ora, qualquer comparação menos perfunctória entre as duas mostra que o espelho errou feio. A Rainha deixava Branca de Neve no chinelo em todos os quesitos: tinha traços perfeitos, muito mais personalidade e, vamos e venhamos, era uma mulher - meio vamp, meio fatal, meio Hedy Lamarr. Quanto a Branca de Neve, era apenas uma criança e, cá entre nós, havia melhores na praça. Entre outras coisas, não tinha nariz. Além de ser meio burra, medrosa e ter uma voz francamente enjoativa. A única explicação para a súbita predileção do espelho por ela seria, talvez, uma vontade de adular a juventude. Ou então, ele tomou-se de uma gratuita antipatia pela Rainha. Seja como for, esta não merecia o julgamento de um espelho parcial, míope e, quem sabe, pedófilo. O que a Rainha fez depois - sacrificar sua enorme beleza transformando-se numa bruxa para vingar-se da menina com a maçã envenenada - foi apenas uma reação humana. Maçã envenenada que, aliás, não se destinava a matar Branca, mas apenas a adormecê-la. Apesar disso, a história (vi o filme e completei o álbum de figurinhas) reservou um terrível fim para a Rainha. Ela é que foi punida com a morte, fulminada por um raio e soterrada por uma avalanche. E, assim, Branca de Neve viu o caminho livre para casar-se com um príncipe surgido do nada, e os dois foram viver juntos no castelo da Rainha e passaram a extorquir diamantes da mina dos Sete Anões. zzz Há também os gatos, invariavelmente enquadrados na categoria vilão, em todos os desenhos animados. O principal deles é Tom, o honesto, valente e pacífico felino que há cinqüenta anos vem sofrendo toda espécie de humilhações nas garras de um rato nojento chamado Jerry, o qual deveria ter como destino o extermínio. Nos desenhos, Tom apenas tenta proteger sua casa daquele parasita. Mas o que acontece é que, armado com um inesgotável arsenal de truques sujos, Jerry consegue fazer com que Tom seja eletrocutado na tomada, afogado na pia, incendiado na lareira, esmagado por pianos e, muitas vezes, explodido através do teto. Crianças insensíveis assistem a tudo isso dando risotas diante da TV - e provavelmente repetem essas façanhas com seus próprios gatos. Outro caso clássico é o de Frajola e Piu-Piu. Neste, junta-se a ofensa à injúria: Frajola é um gato malévolo cujo único objetivo na vida, o de comer o tíbio Piu-Piu, se frustra a cada tentativa pela suposta inteligência superior do canário. Mas será o canário assim tão tíbio? Sua frase, "Eu acho que vi um gatinho", é de um cinismo quase insuperável nos anais da literatura. Os filmes o mostram sempre equipado para fuzilar, retalhar, picotar e achatar Frajola - mas isto é considerado ético pelos desenhos animados, nos quais o "mais fraco" tem de derrotar o "mais forte". Mas quem é o mais forte ali? Piu-Piu (cuja popularidade é reativada pela Warner de dez em dez anos, estampando-o mundialmente em jaquetas, meias, tênis, adesivos, camisetas e camisinhas) não é o único personagem de uma campanha destinada a enlamear a imagem dos gatos. Em Pinóquio, um dos vilões é um gato chamado Gedeão, que ajuda a raposa João Honesto a engambelar o boneco debilóide. Em Cinderela, o gato Lúcifer, gordo e mau, é uma assustadora ameaça a dois ratos esqueléticos, Gus e Jaq. Em Alice no país das maravilhas, o gato Cheshire está longe de ser um personagem simpático - sabe que Alice vai se estrepar e não faz nada para impedir. Em A dama e o vagabundo, Si e Ao são os dois siameses que destroem as cortinas, atacam o canário, afogam o peixinho dourado e investem contra o bebê da família, provocando a confusão que mandará Lady para a carrocinha. Em A espada era a lei, a bruxa Madame Min transforma-se, claro, num gato parecido com ela. E, mesmo em As Aristogatas, que deveria ser um filme pró-gatos, há em cena um punhado de gatos vadios e desagradáveis, sendo que o herói é, na verdade, um rato chamado Roquefort. Pensando bem, Walt Disney não podia mesmo gostar de gatos - ficou rico com um rato mudo chamado Mickey e coroou sua fortuna construindo ratoeiras humanas como a Disneylândia e a Disney World. Um dia, espero continuar essa defesa dos vilões incompreendidos, revelando as qualidades de Drácula, Frankenstein, King Kong, Godzilla, o Fantasma da Ópera, Mr. Hyde (o monstro de O médico e o monstro), a Fera (de A bela e a fera), a Múmia, o Monstro da Lagoa Negra, o Lobo Mau (dos Três porquinhos) e, por fim, mas não por último, o lendário tarado carioca dos anos 30, Febrônio índio do Brasil. Que plêiade! Que timaço! No futuro, a história os absolverá. ** DURA LEX NA DISNEY Há algumas semanas, na Disney World, em Orlando, Flórida, o brasileirinho Joãozinho dos Anzóis Carapuça, natural de Arapiraca, Alagoas, pisou sem querer o pé de um anão fantasiado de Mickey. Joãozinho tem sete anos e pesa 28 quilos, contando os vermes e lombrigas de sua flora intestinal. O anão fantasiado de Mickey, funcionário da Disney, guinchou de dor e saiu quicando num pé só. Ato contínuo, oito seguranças, cada qual pesando 120 quilos, caíram sobre Joãozinho, algemaram-no e o arrastaram para o escritório do xerife de Orlando. Tiraram suas impressões digitais, fotografaram-no de frente e de perfil com aquele número no peito e o acusaram de agressão ao famoso rato. Foi assim mesmo, bem rapidinho. Justamente por aqueles dias, Maricotinha FruFru, natural de Botucatu, São Paulo, também brasileirinha e também sete anos, foi flagrada pelas câmeras de vídeo de uma loja da Disney se apoderando de um chicletes de bola e o enfiando na boca sem pagar. Maricotinha já tinha começado a mastigar o chicletes, mas, antes que pudesse produzir a primeira bola, duas seguranças da loja, vestidas de Anastácia e Drizela (irmãs de Cinderela), avançaram sobre ela e tentaram arrancar de sua boca a prova do crime. Na confusão, agarraram a língua de Maricotinha e a puxaram quinze centímetros para fora, até perceberem que aquilo não era o chicletes. Com o susto, Maricotinha engolira o dito cujo. A gerência da loja submeteu-a ao detector de mentiras e a acusou de ocultar provas. Maricotinha e Joãozinho só foram liberados depois que as agências de turismo responsáveis por eles pagaram US$ 1.000 de fiança por cabeça. Mas os processos vão rolar e os dois pirralhos já estão fichados no FBI, ao lado de Al Capone, Charles Manson e João Bafodeonça. A Disney não brinca em serviço quando se trata de brasileirinhos em seu território. E com razão: os nossos meninos são mesmo de arder. Alguns puxam o rabo do Pluto, os mais ousados metem a mão por baixo da saia de Branca de Neve, e todos fazem piadinhas infames quando passa alguém parecido com o Bambi. Além disso, deixam cair pipoca no chão, lambuzam tudo de ketchup e grudam meleca em lugares não permitidos. Como poucos pais são trouxas de ir à Disney com eles e os deixam aos cuidados dos guias de turismo, há um momento em que esses guias se cansam de levar chutes na canela e entregam os pontos. Com isso, os demônios ficam soltos no paraíso.. E aí pensam que ninguém os está observando. Pois aqui vai uma dica, kids: na Disney, qualquer elemento fantasiado de Donald ou Pateta pode ser um segurança, com poderes para prender e mandar para a cadeira elétrica o primeiro que furar uma fila - ou, se preciso, entregá-lo à Cruela Malvina ou aos Irmãos Metralha. Nos Estados Unidos, quando um nome entra para os arquivos do FBI, ninguém pode apagá- lo. Dura lex, sed lex. Uma das conseqüências é que o sujeito nunca mais consegue tirar o visto americano. E, com a rapidez com que as coisas se passam hoje, isso um dia pode ser um problema. Quem sabe se, dentro de dez ou quinze anos, Joãozinho ou Maricotinha não se terá tornado um importante economista do governo brasileiro, desses que têm de ir toda hora a Nova York para aquelas intermináveis negociatas com o FMI? Pois imagine se, no futuro, ele for impedido de entrar nos Estados Unidos porque, certo dia, nos anos 90, roubou um pirulito na Disney. Bem feito. Quem o mandou ir à Disney e não ao circo Dudu? ** A INVASÃO DAS MINHOCAS Foi outro dia, e todos os jornais, rádios e televisões deram: Sorocaba, próspera urbe a 97 quilômetros de São Paulo, tinha sido invadida por minhocas. Parece que o dono de um minhocário, cansado das reclamações dos vizinhos contra o cheiro do alimento servido às minhocas - uma quantidade de terra deliciosamente adubada com estrume -, resolveu se mandar e deixou suas minhocas para trás. Abandonadas e famintas no terreno baldio, as minhocas foram à luta. Penetraram nas tubulações subterrâneas e, farejando daqui e dali, chegaram aos ralos e vasos sanitários e saíram nos apartamentos e casas dos sorocabanos. Bem, não é difícil imaginar o que aconteceu a partir dali. De repente, o garoto ia calçar uma meia ou um tênis e sentia uma coisa mole e pegajosa fazendo-lhe cosquinha na sola do pé. Ia ver e era uma minhoca. Ou então sua mãe, ao examinar o macarrão que estava cozinhando, percebia que havia um macarrão se mexendo de modo heterodoxo. Ia ver e era outra minhoca. Ou o dono da casa, ao chegar em casa e vestir o pijama para assistir à televisão, sentia movimentos suspeitos dentro das calças do dito pijama. Arriava-as e lá estavam as minhocas presas ao tecido. Enfim, um caos. Vivo procurando esse tipo de notícia nos jornais, mas esta me interessou particularmente, porque cheguei a passar mais de quarenta anos sem ver uma minhoca. Não freqüento terrenos baldios, tenho pouco contato com a terra e nunca pesquei na vida, donde minhas chances de conviver com uma minhoca são mínimas. As minhocas não estão perdendo nada com isso. Eu também não. Que há um preconceito contra as minhocas, há. Nem todos são corajosos como uma namorada minha, que, há alguns anos, numa degustação de pratos exóticos, no Rio, provou pizza de minhoca. E gostou. (Foilhe oferecido também pimentão recheado de minhoca, que ela recusou por não gostar de pimentão.) Minha filha Pilar, que é bióloga e trabalha com rãs, cobras e salamandras, tem sempre em casa um pequeno estoque de minhocas para alguma eventualidade. Em compensação, conheço uma moça que não come peixe porque se recusa a comer um bicho que comeu uma minhoca. Parece que esse preconceito contra as minhocas é uma injustiça. A catedrática de minhocas (sim, existe) de uma universidade gaúcha garante que elas são limpas e não transmitem doenças. Mas, assim como há pessoas que não comem ostras ou escargots e não sabem o que estão perdendo, outras também não querem saber de minhocas e provavelmente também não sabem o que estão perdendo. Seja como for, as minhocas que tomaram Sorocaba de assalto não eram candidatas a se transformar em pratos finos - ao contrário, queriam apenas se alimentar. Eram vítimas inocentes do irresponsável proprietário de um minhocário, que, revelando grande insensibilidade, deixou-as à míngua e à própria sorte. E os sorocabanos, que não tinham nada com isso, acabaram pagando o pato. Enquanto essas linhas são escritas, não se sabe ainda o destino dos milhares, talvez milhões, de minhocas desamparadas pelas ruas da cidade. Tivesse o Brasil uma indústria de cinema como os Estados Unidos, a invasão de Sorocaba pelas minhocas já estaria se transformando em filme. Os americanos fizeram vários do género, mesmo que tivessem de inventar as histórias. O primeiro (e melhor) deles foi O mundo em perigo, de 1954, em que formigas mutantes, do tamanho de hipopótamos, atacam o deserto e a costa oeste americana. Depois, no decorrer dos anos 50, inúmeros filmes mostraram a invasão de cidades por todo género de ameaças, de dinossauros e tarântulas até monstros da lagoa negra e bolhas assassinas. Foi preciso que, em 1963, Hitchcock fizesse Os pássaros para que as pessoas se dessem conta: quanto mais aparentemente inofensivo o bichinho, mais o seu ataque em massa seria apavorante. Hitchcock nos fez ter medo de canários, tico-ticos e bemte-vis. Imagino o que não faria com as minhocas. Nesse hipotético filme brasileiro, as minhocas, depois de tomar Sorocaba e sobreviver ao ataque da polícia local, pegariam a estrada e marchariam sobre São Paulo. Pegariam a estrada é maneira de dizer, porque, naturalmente, elas iriam por baixo, para evitar os engarrafamentos. Já posso imaginar o formidável avanço de milhões de minhocas furando a terra sob o asfalto e provocando rachaduras no dito cujo, o que impediria o avanço dos tanques do Exército sobre elas. Ao chegar a São Paulo, elas brotariam do chão em pleno gramado do Parque Antártica durante um jogo do Palmeiras. Jogadores, repórteres e torcedores entrariam em pânico, fugindo do estádio em hordas. Outro contingente de minhocas, rompendo o calçamento, viria à luz no restaurante Gero, pondo em disparada sua clientela de colunistas e colunáveis. E um terceiro pelotão sairia na USP, espaventando um ciclo de debates sobre antropofagia e concretismo. Finalmente, as minhocas sairiam às ruas e as multidões, aterrorizadas, se refugiariam nos únicos edifícios à prova de minhocas (e de qualquer contato com a vida): os shoppings. Seria o novo apocalipse, com São Paulo se acabando em minhocas para pagar seus pecados. Mas, na última hora, uma manobra inteligente da Defesa Civil atrairia as minhocas para um lugar que elas imaginariam feito para elas: o Minhocão. As minhocas subiriam o viaduto e, lá, naquele território estéril, seriam finalmente exterminadas por jatos de produtos químicos lançados de helicópteros. Fim do filme e da ameaça das minhocas e o recomeço da civilização ou de coisa parecida. Mensagem do autor: no futuro, cuide de seu minhocário com amor e carinho. E não deixe faltar estrume. ** BARBEIRO NO ESPAÇO O Brasil ingressa finalmente na era espacial. Um barbeiro brasileiro está sendo embarcado com a tripulação de uma expedição da Nasa. Quarenta e tantos anos depois do primeiro homem no espaço, um patrício olhará pela janelinha da nave e, lá de cima, poderá checar se a Terra é mesmo azul, como dizem, ou, quem sabe, fúcsia, ciclâmen ou burro-quando-foge. Este barbeiro não é um profissional da tesoura e da navalha, como você pode estar pensando. Embora, se fosse, não seria nada de mais. Por mais que eles cortem o cabelo reco ao embarcar, a juba dos astronautas insiste em crescer durante a viagem e são eles que se tosam uns aos outros. Ora, os astronautas podem ser brilhantes em navegação espacial, mas nada os obriga a ser craques da tesoura - o que resulta em que, ao descer da nave, meses depois, eles pareçam foragidos do Museu do Inconsciente. A Nasa poderia incluir um barbeiro profissional nas suas tripulações e, nesse caso, não seria nada de mais que fosse um brasileiro. Mas o barbeiro brasileiro no espaço não é nenhum desses, nem mesmo um mortífero motorista dominical - daqueles que sinalizam à direita e entram à esquerda, dão fechadas em ônibus e avacalham com o bom nome dos barbeiros de verdade. Seria engraçado imaginar um desses pilotando a nave, atropelando asteróides e tirando fino dos meteoritos. Mas não é o caso. O barbeiro espacial é o inseto propriamente dito, definido pelo Houaiss como um hemíptero, da família dos reduviídeos e da subfamília dos triatomíneos. Apesar dessa nobre linhagem familiar, o nosso barbeiro não é muito cotado socialmente o vulgo o conhece mais como aquele bicho noturno e nojento, que chupa sangue com a voracidade de um vampiro e transmite a doença de Chagas. Verdade seja dita: o barbeiro brasileiro não é o primeiro animal no espaço, nem mesmo o primeiro inseto. Há tempos, uma nave russa levou sem saber uma colónia de chatos, abrigada clandestinamente nos pêlos de um astronauta originário da Chechênia. Os chatos sobreviveram à falta de gravidade e até à temperatura fora da nave, porque estavam protegidos pela roupa com calefação do astronauta - roupa que, pelo design imprevidente, tornava dificílimo que ele se coçasse quando os chatos a isso o solicitavam. Quando a nave voltou à Terra, o astronauta chechênio foi logo despachado para a quarentena e cada chato grudado em seu púbis e axilas foi examinado no microscópio. Os exames revelaram que, no espaço, os chatos tinham alucinações que interferiam na sua capacidade reprodutora, tornando-se sexualmente apáticos mais ou menos como um sujeito que passasse o dia tomando ácido. Foi daí que surgiu a idéia de se levarem outros insetos como cobaias nas expedições espaciais. Donde o nosso barbeiro foi um dos felizes contemplados. Na condição de convidado da Nasa, o barbeiro viajará de primeira classe, em contêineres preparados para o seu conforto. Para se alimentar e sobreviver à viagem, receberá dosagens periódicas de sanguinho sintético. Não há possibilidade de, de tempos em tempos, o deixarem sair do contêiner e passear pela nave, para dar umas chupadas ao vivo nos astronautas. Seria perigoso demais - não só para os astronautas, mas também para o barbeiro. O que a Nasa quer exatamente ao mandar um barbeiro para o espaço, só ela sabe - e não conta para ninguém. Mas suspeita-se que seja mais um daqueles casos de uso maroto da biodiversidade brasileira, de que tanto falam os jornais. São os cientistas americanos apropriando-se dos nossos recursos para inventar remédios e patenteá-los em seu nome. Bem, se for isto, desta vez não temos do que reclamar. O barbeiro vive marginalizado no Brasil, chupando qualquer tipo de sangue e reproduzindo-se ao seu bel-prazer nos casebres e favelas, sem que ninguém lhe dê bola. O máximo de concessão que lhe fazemos é matá-lo com uma chinelada quando o apanhamos em flagrante. Se os americanos enxergaram no barbeiro utilidades que nem desconfiávamos e, para isso, vão levá-lo a um passeio no espaço, bem feito para nós, que nunca o levamos nem a Niterói. ** A REVOLTA DOS BICHOS O cinema cansou de avisar: um dia, os animais perderiam a paciência e se revoltariam contra todas as falsetas que lhes aprontamos nos últimos 5.000 anos. Centenas de filmes já mostraram o homem sendo perseguido por gorilas gigantes, pássaros, tubarões, formigas, lagartos, tarântulas, pterodáctilos e, naturalmente, dinossauros descongelados por explosões atômicas. Na imaginação dos cineastas, populações e cidades inteiras já foram pisadas, achatadas e arrasadas por esses bichos. E o pior ainda nem aconteceu: dia virá em que os filmes mostrarão a Terra sofrendo o ataque maciço de animais high-tech, como ovelhas clonadas e pit-bulls. Aí, sim, será o Grande Terror. O que, de certa maneira, já está acontecendo. Só que em investidas esporádicas e tão discretas, que os mais distraídos nem nos damos conta. Mas é só ler com atenção o noticiário internacional dos jornais para perceber as advertências que o mundo animal nos tem enviado. No ano passado, por exemplo, cerca de mil elefantes invadiram uma aldeia da Nigéria e destruíram uma plantação de bananas. Movidos por algum instinto inaudito, galoparam pesadamente sobre a fazenda, derrubaram as bananeiras e saracotearam suas toneladas sobre elas, como se estivessem dançando frevo. Depois de transformar o bananal num monumental puré, voltaram para a selva abanando os rabos e deixaram os bananeiros para limpar a lambança. Os cientistas nigerianos ainda estão, sem trocadilho, embananados, procurando as causas. Na Inglaterra e, agora, nos Estados Unidos, a indestrutível vaca louca continua fazendo das suas. Por algum problema neurológico, uma delas começa a delirar na calada da noite e a imaginar que é uma vaca de desenho animado. Na manhã seguinte, recupera-se da trip, é levada para o abatedouro e, depois de submetida a vários cortes epistemológicos, despachada para um frigorífico. Meses depois, reencarna em forma de hambúrguer numa dessas espeluncas de fast-food. Um jovem come o inocente hambúrguer (minto: nenhum hambúrguer é inocente) e cai fulminado pela terrível síndrome de Creusztfeld-Jacob, provocada pelo delírio vacum. É a vingança póstuma da vaca louca. Há suspeitas de que as vacas inglesas e americanas estejam sendo alimentadas com capim alucinógeno pelos terroristas vegetarianos. Mas, enquanto não surgem provas, parece tratar-se de mais uma revolta do mundo animal. As revistas de ciência, algumas das quais não devem ser deixadas ao alcance dos menores de cinco anos, têm publicado artigos alarmantes a respeito da resistência de certas bactérias, como os estreptococos, aos mais violentos antibióticos. Apesar de seu tamanho infinitesimal - a simples palavra estreptococo é um quatrilhão de vezes maior do que um estreptococo adulto e marombado -, eles têm-se revelado inimigos terríveis para o homem. Parece que, quanto mais potente o antibiótico, mais o estreptococo o absorve e ainda lambe os beiços e estala a língua. Depois faz um muque estilo Popeye e sai dando gargalhadas e se gabando junto a seus amigos estreptococos de ter passado mais uma rasteira na ciência. Tudo leva a acreditar num complô do reino animal. Muitas pessoas têm alertado para essa tendência, e algumas começam a ficar paranóicas. Um amigo meu, português, está preocupado com os peixes que cria em seu apartamento. Sempre que passa pelo aquário, percebe que os peixes o estão olhando de modo esquisito. É um olhar fixo, cruel, sem piscadela. Meu amigo disse que já tentou também encarar fixamente os peixes, para ver quem pisca primeiro. Mas, até agora, perdeu todas. Muito, muito estranho. ** A BARATA INVENCÍVEL Deu no jornal. Uma senhora em Tel Aviv tricotava em sua sala, quando percebeu uma barata passeando alegremente pelo território. Com aquela coragem que é privilégio das mulheres, a madame foi de chinelo para cima da barata. Encurralou-a num canto e acertou- lhe várias chineladas. A barata pôs-se de pernas para o ar, estrebuchou com grande histrionismo e pareceu morrer. A senhora recolheu-a com uma pazinha e a jogou no vaso. Ato contínuo, deu a descarga. Mas, ao fazer isso, descobriu que a bicharoca não apenas estava viva como recusava-se a descer pela descarga. Vários litros de água (que, em Israel, eles chamam de ”precioso líquido”) foram gastos nessa operação, meritória, porém debalde. A madame, incansável, foi lá dentro e pegou a bomba de flite. Fumigou generosamente a barata, fechou a tampa do vaso e foi dormir, deixando a barata para morrer intoxicada. Alguns minutos depois, seu marido chegou da rua. Trazia duzentos gramas de manteiga numa mão e o Jerusalém Post na outra. Depositou a manteiga na geladeira e foi ler seu jornal sentadinho no banheiro antes de dormir. Enquanto lia, acendeu um cigarro. Depois de fumar, atirou o cigarro no vaso sem nem mesmo levantar-se dele. O cigarro atingiu o inseticida e este explodiu dentro do vaso. A madame, habituada a explosões, acordou com o barulho e pensou imediatamente que um homembomba palestino havia se imiscuído em seu banheiro. Correu para lá e descobriu que a vítima era seu infeliz marido. A explosão o fizera dar três cambalhotas e um salto mortal, e lhe provocara queimaduras de primeiro, segundo e terceiro graus nas regiões mais delicadas. A mulher voou ao telefone e ligou para o pronto-socorro. Este, eficientíssimo, chegou em poucos minutos. Os dois homens analisaram o estrago e fizeram ”Tsk, tsk”. Puseram o acidentado numa maca e prepararam-se para descer com ele pela escada até a ambulância estacionada na porta do prédio, o qual não tinha elevador. No meio do caminho, perguntaram à mulher do explodido o que acontecera. Ela relatou tudo em detalhes. Começou pela parte em que estava tricotando na sala, quando deu pela presença da barata. Contou que tentara matá-la a chineladas, depois por afogamento e, finalmente, por envenenamento, mas que a barata tinha um inexplicável apego à vida. O resto ela podia apenas deduzir, porque não vira seu marido chegar da rua. E, naquele momento, ele, sem sentidos, estava impedido de completar o depoimento. Mas sua esposa calculou que, distraído como era, ele só podia ter jogado um cigarro aceso no vaso sanitário, sem antes checar se este não continha inseticida. Os homens da maca ouviam atentamente a história, cujo clímax aconteceu quando eles estavam começando a descer a longa escadaria. Quando a madame chegou à parte do cigarro atirado no vaso, tiveram um incontrolável acesso de gargalhadas. As gargalhadas sacudiram a maca, o marido caiu desta e rolou quarenta ou cinqüenta degraus escada abaixo. O saldo da noite foram fémures, tíbias e perónios fraturados e escoriações generalizadas, sem falar nas queimaduras. Mas não fique triste. Com tantas desventuras, o marido sobreviveu. E, considerando-se todos os seus desaires, a barata também teve uma invejável sob revida. Apesar de continuamente enchinelada, afogada, intoxicada e explodida, ela só foi morrer horas depois. E, mesmo assim, de rir. ** A SUPERPIRANHA Se for ao Rio Grande do Sul, vá de botas. E se, por algum motivo, pensar em fazer um piquenique às margens do rio Uruguai e entrar nele para um inocente mergulho, recomenda- se que, além das botas, você se calce primeiro com um bom advogado para prepararlhe o testamento. Cientistas gaúchos descobriram outro dia a existência de uma superpiranha no rio Uruguai, pesando e medindo o dobro da piranha normal: uma média de 2,1kg e 40cm de comprimento, contra 1,3kg e 28cm da piranha comum. Piranhas são como roqueiros: não sabem ou não gostam de fazer trabalho solo. Só em grupo. E, quando se juntam, são tão mortíferas quanto. A clássica cena de um cardume devorando um boi em cinco minutos e devolvendo o couro e os chifres é terrível, e olhe que sempre foi filmada com as piranhas tradicionais. Fosse filmada com as superpiranhas, o boi não apenas seria devorado em dois minutos, como elas palitariam os dentes com os chifres. Donde você não tem a menor chance. As análises do estômago de uma piranha costumam dar os resultados mais improváveis: pode-se encontrar tudo dentro dele. Piranhas comuns, capturadas há tempos com aquela isca que fica dando pulinhos, e depois abatidas a cacete para não devorar o dedão do pé do pescador, foram abertas para observação. A lista do seu conteúdo incluía pedaços de vários outros peixes, nacos de casco de tartaruga, anzóis tortos, pregos enferrujados e cacos de osso humano (possivelmente, joanetes, um dos pratos favoritos de piranhas em dieta). Por aí se tem uma idéia de como a piranha é alimentarmente eclética. Mas, outro dia, os pesquisadores capturaram vários exemplares da superpiranha, abriram-nos e concluíram que o estômago desses bichos sobrevive a qualquer coisa. O sistema digestivo das superpiranhas continha tudo o que havia no das piranhas normais e mais uma quantidade de lascas de metal prateado que, submetidas a análise, foram identificadas como pedaços de CD. Os biólogos embatucaram: desde quando piranha come CD? Mas não foi difícil solucionar o mistério: as piranhas tinham atacado um barco de contrabandistas de CDs piratas no rio Uruguai. Primeiro, elas comeram o barco; depois, comeram os contrabandistas; finalmente, comeram a carga. Um trabalho de restauração eletrônica identificou os CDs como sendo os de Chitãozinho e Xororó, Los Hermanos e padre Marcelo. Não se sabe como as piranhas sobreviveram à indigestão. O nome técnico dessas piranhas é palometas, o que tem provocado confusões às vezes trágicas entre turistas argentinos em visita ao Rio Grande. Ora, não há quem não conheça, em qualquer língua, a palavra piranha. Mas palometa é quase um codinome. Então, ao saber que o rio tal está cheio de palometas, alguns gringos lambem os beiços e sonham com uma bela pescaria. Sentam-se com seus anzóis à beira do rio e, quando acordam, já ficaram sem os anzóis, os pés, as mãos e qualquer protuberância mais exposta. Vacas desavisadas, pastando à beira do rio, também já foram vistas sem as tetas, abocanhadas pelas superpalometas com uma só dentada. A ciência ainda procura uma explicação para a ferocidade dessas piranhas. Mas haverá uma explicação? Talvez seja apenas a natureza delas. Os socos pescam, os pintassilgos cantam, e as piranhas atacam e devoram tudo. O engraçado é que as piranhas não se devoram entre si. Nesse ponto, estão muito atrasadas em relação a nós, que, literal ou metaforicamente, vivemos nos comendo uns aos outros. Não apenas destruímos o que vemos à nossa volta, como nos aniquilamos a faca, pistola, metralhadora e bomba, com uma fúria capaz de chocar... De chocar o quê? De chocar uma piranha. ** PRAZERES DA CARNE Quando se vêem num daqueles dias sem assunto, os jornais vão às gavetas e pescam um telegrama alertando contra os tremendos riscos para quem come carne vermelha. Embora os jornalistas sejam, em grande maioria, carnívoros, eles sabem que esse é o tipo de notícia que nenhum incauto deixa de ler. A fonte do telegrama é sempre uma revista americana sobre a qual não resta a menor dúvida, como a respeitada International Journal of Câncer ou a não menos famosa Horrendous Diseases Report. Você lê a matéria, e seu aparelho digestivo começa a desprender chispas, faíscas e ruídos - sem dúvida, ecos dos 415 maravilhosos bifes que você devorou nos últimos meses. Outro dia os jornais deram uma dessas matérias e, como todas do gênero, cheia de detalhes repulsivos. Os cientistas disseram que ”quem come carne vermelha mais de treze vezes por semana corre o dobro do risco de ter câncer no estômago ou esôfago do que alguém que nunca come carne vermelha”. Note bem: ”mais de treze vezes por semana”. Bem, vejamos. Isso quer dizer que não há problema em comer carne vermelha até treze vezes por semana? Se for assim, vamos cair nos braços uns dos outros e pedir ao garçom mais uma fatia de maminha. Mas suponhamos que, por um erro de tradução do telegrama, a matéria quisesse dizer que o número fatal são exatamente as treze vezes. Pois, mesmo nesse caso, quem está correndo risco? Carne vermelha treze vezes por semana significa almoçar e jantar carne vermelha todos os dias, exceto, talvez, na noite de domingo. E, por mais que goste de carne vermelha, nem o leão da Metro agüentaria essa dieta. Muito melhor (e, sabemos agora, mais saudável) é variar um pouco. Por sorte, o mundo está cheio de alternativas à diabólica carne vermelha. Eis algumas. Segunda-feira: carne vermelha no almoço e vatapá com moqueca de siri-mole no jantar. Terça: carne vermelha no almoço e galinha ao molho pardo no jantar. Quarta: carne vermelha no almoço e buchada de bode no jantar. Quinta: carne vermelha no almoço e pirarucu à belle meunière no jantar. E por aí afora, com uma pequena variação no sábado, que constaria de uma feijoada no almoço e, aí sim, a carne vermelha no jantar. NO domingo, a carne vermelha do almoço poderia ser rebatida com um frugal alka-seltzer no jantar. Com isso, você terá reduzido o seu consumo de carne vermelha a sete vezes por semana, o que significa que o seu risco de contrair câncer caiu para a metade. Ou seja, exatamente igual ao de quem nunca come carne vermelha. E, segundo os cientistas ouvidos pelos jornais, esse risco pode ser reduzido ainda mais. Basta que, ao pedir o seu filé no restaurante, você exija que ele venha malpassado. Isso mesmo: segundo os médicos, a carne bem-passada é um veneno. Contém ”substâncias agregadas ao cozimento que agridem os tecidos e podem levar à formação de tumores”. A partir de agora, portanto, você poderá exercitar sem o menor remorso a sua antiga e secreta preferência pelas postas meigas e sangrentas da picanha, que o fazem sentir-se quase um irmão do boi que acabou de ser depositado no seu prato. Ninguém, nem mesmo sua nova namorada vegetariana, poderá despejar-lhe um daqueles olhares de faquinhas, como se você fosse um abominável canibal. E, se ela se atrever a isso, você dirá que esta apenas seguindo conselhos médicos. Você talvez queira saber como os cientistas chegam a essas impressionantes conclusões. A resposta é a de sempre: torturando ratos em laboratórios. Para a tal pesquisa sobre a carne vermelha, uma colônia de ratos americanos foi obrigada a comer steaks ao sal grosso durante meses, sem o benefício de um chope e de reles prato de fritas, até que os doutores chegassem a uma conclusão. Não admira que, ao fim da pesquisa, metade dos ratos tivesse se tornado vegetariana, e a outra metade tivesse preferido contrair câncer. Um desses laboratórios planeja agora estudar o risco de o queijo também provocar câncer. Mas parece que, desta vez, usarão cobaias humanas. ** A DIETA DOS SONHOS Se a sua grande preocupação na vida é, ao subir à balança que você mantém no banheiro, não conseguir enxergar o ponteiro - porque sua barriga insiste em ficar na frente -, leia isto e fique certo: o nirvana existe. Enquanto você conta as calorias em cada refeição e se limita a comer faufilhas com breufas no almoço e chuchu desidratado no jantar, há homens que se instalam a uma mesa e, de uma só sentada, devoram um leitão e duas dúzias de ovos - tudo regado por uns três litros de leite, gemada ou coisa assim. Como sobremesa, mandam para o pandulho dois ou três pudins (eu disse pudins, não fatias). Finalmente, arrematam a bestial refeição com um cafezinho (descafeinado) e, embora eles não gostem de álcool, um licor. Cumprida a tarefa, dão um discreto arroto (levando a ponta dos dedos à boca, como manda a educação) e já começam a planejar o lanche. Sim, o lanche - porque o jantar exige mais profundidade e elaboração, não é só sentar e ir comendo. Será possível? Será. Donde, morra de inveja. Mas quem são esses felizardos? Pois aí vai: são lutadores de sumo. Sumo, você sabe, é aquele esporte praticado por homens muito gordos, de fraldas, creio que besuntados com vaselina, com um pitoresco rabicho de cavalo e cada qual querendo derrubar o outro. Perde quem toca no chão com qualquer parte do corpo que não sejam os pés. É uma das modalidades mais bonitas da luta corporal, apesar de lembrar um pouco um bale entre hipopótamos. Os japoneses a praticam há uns quinze mil anos (tudo no Japão é muito antigo) e, de uns tempos para cá, ela começou a pegar também no Ocidente. Para se lutar sumo, é preciso ser de peso-pesado para cima (não me consta que eles tenham categorias como peso-galo ou pena). Para isto, o lutador precisa andar ali pela casa dos duzentos e tantos quilos - e, nesse sentido, também precisa ficar de olho na balança, só que ao contrário: torcendo para não perder nem um quilo. A fim de conservar essa esplêndida forma, o sujeito precisa comer, e comer muito. Como se não bastasse, sua dieta é à base de proteínas - e, para isso, deve ser um esporte muito bem pago. Enquanto outros atletas gastam os tubos compersonal trainers, os do sumo gastam até mais, só que com cozinheiros que não se importam em trabalhar horas extras e lhes garantem uma gorda dieta. Em vez de anabolizantes, os lutadores de sumo devem consumir toneladas de aipim frito, empadinhas, torresmos ou algo no gênero - via oral, mesmo. Deve ser uma loucura a conta da feira ou do supermercado desses lutadores. Nada disso tinha me ocorrido até outro dia, ao ler uma notícia sobre os atletas que vieram ao Brasil para disputar o campeonato mundial de sumo, realizado em São Paulo. Como acontece em qualquer competição, as delegações se hospedaram em hotéis. De repente, qual não foi a surpresa dos gerentes desses hotéis ao ver que seus ricos bufês, que costumavam passar do almoço para o jantar e, deste, para o almoço do dia seguinte, estavam desaparecendo como num desenho animado. Sim, porque cada lutador aproximava-se do balcão com seu pratinho e, de uma só vez, levava para a mesa oito coxas de galinha, 34 costeletas de porco e dez colheres de arroz. Despensas feitas para durar uma semana evaporavam-se em dois dias. O próprio café da manhã de cada um desses atletas já era um espetáculo: doze ovos, quatro bisnagas, 24 salsichas, 48 fatias de queijo e um quilo de ”bacon. E não pense que exagero: um deles declarou a um repórter que, enquanto um cidadão normal sobrevive muito bem com duas mil calorias por dia, o lutador de sumo precisa de, no mínimo, seis mil. Tudo isso para agüentar três horas de treinamento diário como preparação para uma luta que, se um dos litigantes bobear, pode terminar em segundos. Como qualquer pessoa normal - ou seja, eternamente de dieta -, fico maravilhado com essas demonstrações de vitalidade. Até então, a melhor história de dieta que conhecia era a de Robert De Niro, ao se obrigar a engordar de verdade para rodar as cenas finais de Touro indomável, aquele filme de 1980 em que ele interpreta o boxeur Jake LaMotta. No fim da história, Jake está decadente e mais gordo que um dos Três Porquinhos, e De Niro queria dar uma interpretação realista. O cinema não tinha então os recursos eletrônicos de hoje, mas De Niro poderia muito bem ter-se valido do tradicional recurso dos atores para ”engordar” - maquiagem, roupas recheadas ou coisa assim. Mas é evidente que, como um egresso do Actor’s Studio, ele preferiu engordar para valer, para ”entrar” no personagem. E tinha de fazer isso rápido, porque a produção do filme não podia ficar parada por muito tempo. Então estabeleceu a meta de engordar trinta quilos em um mês. O diretor Martin Scorsese interrompeu as filmagens e De Niro se mandou para a Itália, onde dedicou-se a comer seis panelas de macarrão por dia. Exclusivamente macarrão, variando apenas os molhos. Havia dias em que nem tirava o guardanapo do pescoço. Ao ler isto e visualizar a cena, é provável que você esteja lambendo os beiços, mas, para mim, que não gosto de macarrão, seria um suplício. Enfim, De Niro engordou os trinta quilos, fez o filme e foi unanimemente aclamado. Mas eu o admiraria mais se ele, magro como era, usasse apenas seus recursos de ator para parecer gordo - afinal, não é para isto que servem os atores? (Só queria ver se, ao interpretar Jesus Cristo, ele exigiria pregos de verdade.) Já a dieta do pessoal do sumo está me encantando. Às vezes sonho com refeições à base de uma bandeja de pastéis, um panelão de vatapá e, de sobremesa, nove bolas de sorvete. Só o sonho já faz engordar. Mas, se eu lutasse sumo, isso seria apenas o hors d’oeuvre. Pensando bem, talvez não seja tarde para me dedicar a esse esporte. O cabelo ainda dá para um rabicho. Quanto a ser besuntado com alguma espécie de óleo, é uma questão de hábito. E, quanto a usar fraldas, por que não? Houve um período em que elas eram todo o meu guarda-roupa. ** GALINHAS QUADRUPEDES Até há pouco, quando se queria afirmar que tal coisa só aconteceria no dia de São Nunca, dizia-se que ela só aconteceria quando as galinhas tivessem dentes. Supunha-se que as galinhas nunca teriam dentes porque, afinal, não precisam deles para mastigar, sabendo-se que, ao nascer, cada galinha já vem equipada com uma moela e um pacote de milho. Mas nunca diga nunca e, nos arraiais científicos, a ausência de dentes nas galinhas deixou de ser uma impossibilidade. As galinhas do século XXI só não terão dentes se não quiserem porque não demora para que uma equipe de cientistas ingleses ou americanos providencie que, desde o ovo, elas já nasçam com um belo jogo de 32 dentes naturais, incluindo os sisos. O pessoal da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, por exemplo, acaba de criar uma galinha com pernas no lugar das asas. Você perguntará: Para que uma galinha precisaria de pernas no lugar das asas? Os cientistas responderiam: E por que não? Além disso, a própria galinha seria a primeira a concordar em que poucas coisas são mais inúteis do que suas asas. São fraquinhas, curtas e mal conseguem levantá-la a meio metro do chão, no caso de ela resolver voar. E nada é mais triste e, ao mesmo tempo, involuntariamente cómico do que uma galinha gorda tentando voar, assustada e cacarejando. Já as asas dos galos têm um pouco mais de uso: ajudam-nos a estufar o peito e aumentar o volume dos seus cocorococós matinais. As asas da galinha só têm utilidade para o ser humano, já que são uma delícia e, mesmo assim, se você não for uma vítima do colesterol. Transformar a galinha num quadrúpede certamente alterará as relações sociais e até económicas na granja. A galinha ficará mais ágil, mais rápida, e poderá defender-se melhor de seus inimigos naturais, como a raposa e o granjeiro. Ficará mais difícil capturar uma galinha à mão livre para o abate, disso resultando que a dita galinha viverá mais tempo e talvez ponha mais ovos. Sem falar em que a extinta categoria profissional dos ladrões de galinha não terá o menor motivo para voltar a existir. Estamos falando, é claro, de galinhas saudáveis, que ainda conhecem a liberdade de ciscar para lá e para cá num terreiro - e não daquelas infelizes que já nascem confinadas e passam suas duas semanas de vida apenas comendo e engordando, antes de reencarnarem insossas nos freezers dos supermercados. Bem, por que os cientistas de Harvard, com tanta coisa mais importante para descobrir, estariam perdendo seu tempo com galinhas? Seria para produzir uma galinha com quatro coxas, o que duplicaria instantaneamente o seu valor na gôndola do supermercado? Neste caso, a ciência teria se subordinado de vez aos vis interesses do comércio. Mas, por sorte, parece que não é o caso. Os cientistas de Harvard pretendem usar a galinha de quatro coxas para conhecer melhor a formação dos membros humanos e prevenir possíveis malformações. Ah, bom. Eles começaram com um gene recém-descoberto, o ”Pitx-1”, que, segundo dizem, é o gene da galinha que controla o crescimento das pernas. Os resultados já saíram na revista americana Science: os cientistas trans- feriram o ”Pitx-1” para a região que dá origem às asas da galinha, e os primeiros pintos produzidos com essa alteração vieram com musculosas e resplandecentes coxas no lugar das asas. E com o conseqüente par de pés, é claro. Não se pode dizer que o bicho tenha ficado mais bonito - nada mais antiestético do que um pé de galinha, mesmo que no rosto da Candice Bergen. Imagine, então, na própria galinha. Mas, com o tempo, creio que nos acostumaremos. Os primeiros pintos de quatro patas demonstraram uma compreensível dificuldade para caminhar. Davam dois ou três passos incertos e depois caíam espetacularmente de bico no chão. Mas isso também é passageiro. Dentro de quatro ou cinco gerações (o que, no caso das galinhas, consegue-se em poucos meses), as galinhas quadrúpedes já estarão aptas a disputar corridas de fundo até contra coelhos. Ou seja, funcionou. Mas agora é que vem o mais importante: os cientistas acreditam que os seres humanos contenham um gene análogo ao ”Pitx-1” e pretendem conferir. Se isso se confirmar, o ”Pitx-1” ou o seu equivalente humano poderá ser aplicado a fetos que já se sabe portadores de problemas. Se tudo der certo, ninguém mais nascerá maneta ou perneta. Ninguém mais em países do Primeiro Mundo, bem entendido. Uma coisa que a ciência fica dispensada de experimentar será fazer com que os homens nasçam com quatro patas, digo pernas - porque esse é um espécime que nunca esteve em falta na humanidade. Por que os cientistas de Harvard não aproveitam o embalo e estendem sua pesquisa à criação de dentes nas galinhas? A primeira conseqüência seria acabar com aquela frase-feita que nos acompanha há séculos. Além disso, uma galinha com dentes poderia variar de alimentação e, quem sabe, recuperar o antigo sabor, dolorosamente perdido depois que passaram a criá-la em moldes industriais. Equipadas com dentes, as galinhas ganhariam também uma nova capacidade de enunciação e acrescentariam sons diferentes ao seu repertório, além do secular e já gasto cocorococó. Não que elas tenham muita coisa a dizer. Mas quem tem? ** GALINHEIRO DOIDÃO O uso da maconha para fins não-regulamentares continua. Há tempos foi um deputado carioca que importou alguns quilos da dita, para provar que a fibra da maconha é ideal para a fabricação de cuecas, calcinhas e outras peças íntimas. A polícia federal achou que aquilo não estava cheirando bem, apreendeu o bagulho e mandou queimá-lo - num incinerador, espera-se, e não no varejo, em baganas. Depois, foi a vez de um criador de galinhas de Brasília, que mandou vir da Hungria 1.200 quilos de sementes de maconha para alimentar seu galinheiro. A polícia brasiliense abotoou o carregamento e prendeu o importador, acusando-o de tráfico de drogas. Mas, outro dia, numa decisão inusitada, um juiz da Vara de Entorpecentes de Brasília mandou a polícia liberar a carga de sementes e soltar o traficante, digo, o importador. O juiz alegou que o porte de semente de maconha não é crime, porque, segundo a lenda, elas não contêm o The, que vem a ser o princípio ativo da maconha - aquilo que deixa seus usuários doidões, chatérrimos e pensando que sabem tocar violão. O dono do galinheiro respirou fundo, recolheu a maconha e logo a distribuiu entre as suas 2.000 galinhas. As coitadas já estavam fissuradas para cair de bico no produto porque, enquanto a pendenga se arrastou, elas tiveram de se contentar com aquela coisa careta chamada milho. Quer dizer que as sementes da maconha não contêm o The? Bem, um observador imparcial e incógnito, em visita recente à granja do tal importador, revelou que as galinhas estavam com os olhos vermelhos e pareciam com a boca seca, porque não paravam de beber água de uma gamela do galinheiro. Pela agitação de algumas delas, inquietas nos poleiros, era como se seus coraçõezinhos de galinha estivessem disparados, tipo taquicardia. Algumas tentavam voar, mas mal conseguiam sair do chão e já se esborrachavam contra a tela do galinheiro. Pelas suas carinhas, no entanto, você diria que elas estavam voando como os condores. Já outras galinhas deixavam-se ficar pelos cantos, meio abobadas, talvez sonhando com um galinheiro num mosteiro do Tibete. E ainda outras se imaginavam no choco e passavam o dia sentadas sobre um ovo imaginário. Todas estavam fazendo um papel ridículo, mas, como se sabe, galinhas sob o efeito de sementes de maconha não têm muita autocrítica. Em certo momento, o galo subiu num toco para cantar e, em vez de fazer ”Co-co-ró-co-có!” emitiu um inesperado corrupaco - talvez pensando ser um papagaio. O galo, por sinal, era o mais esquisito do galinheiro. Depois de mandar um punhado de sementes de maconha para o papo, andou arrastando a asa para diversas galinhas, mas sem resultado prático - no que elas se punham em posição para o abate, ele se afastava e empinava a crista, todo pimpão, como se já tivesse cumprido o dever. Aparentemente, estava muito satisfeito consigo mesmo - embora dali a pouco tropeçasse nas próprias esporas e fosse ingloriamente ao chão. Quanto aos pintos, não tinham um comportamento muito melhor - em certo momento, começaram a piar em uníssono um reggae de Bob Marley. Mas como se explica isso, se - sempre segundo a lenda - as sementes de maconha não contêm o The, que provoca o efeito alucinógeno? Pois vamos supor que a lenda esteja errada. Estudos sérios (e não comprometidos com o lobby dos traficantes) já indicaram que as sementes contêm 6% de canabinóides - pouco menos que o haxixe favorito do falecido Tim Maia, que continha 8%. Galinhas alimentadas regularmente com essas sementes tenderão a desenvolver depressão, paranóia, insónia, perda de memória, perda de discriminação de espaço e tempo, baixa hormonal e síndrome amotivacional, a qual é uma vontade irresistível de não fazer nada. Enfim, não chega a ser um problema social. Mas fique de olho nas galinhas que começarem a faltar a svíows, a ler Castaneda e Timothy Leary, a falar em taoísmo e macrobiótica e a usar dreadlocks nas penas. ** TRAFICO DE ARANHAS Um jovem alemão foi preso outro dia no aeroporto do Galeão tentando embarcar para seu país com 112 aranhas caranguejeiras brasileiras. Nenhuma das aranhas tinha cartão de embarque ou fora declarada na bagagem. Da mesma forma, o alemão não conseguiu apresentar a nota fiscal provando que tinha comprado as aranhas no comércio. Donde, concluiu a polícia federal, era um caso típico de tráfico de aranhas. A evasão de animais silvestres é uma loucura no Brasil. A cada dia, cada hora e cada minuto, através de nossas vastas fronteiras, saem micos, cotias, periquitos, arapongas, jacarés, marrecos, pererecas, gaturamos, bagres e toda espécie de bicho. Em troca, entram armas, drogas e discos de Celine Dion. A combinação do que sai e do que entra seria suficiente para devastar qualquer país, mas, por algum milagre, o Brasil continua de pé. O equilíbrio ecológico só não é seriamente afetado porque, hoje, qualquer família de pererecas, por exemplo, já sabe que será obrigada a produzir o triplo de pererequinhas para atender à demanda dos contrabandistas e, ao mesmo tempo, não ter sua descendência evaporada do pântano. Micos, periquitos e pererecas são alguns dos campeões do contrabando, mas não é a primeira vez que um gringo tenta sair do Brasil com caranguejeiras e outros patrícios na bagagem. Há pouco tempo, um japonês foi apanhado no mesmo Galeão levando na mala, entre as meias e cuecas, uma colônia de minhocas. Ao ser interrogado pelo Ibama, o japonês não conseguiu provar que exercesse nenhuma atividade agrícola ou piscatória em seu pais. Donde a policia federal concluiu que as minhocas estavam sendo levadas para o Japão para fins imorais. A suspeita se confirmou quando se descobriu a existência em Tóquio de um grupo de senhoras japonesas que, insatisfeitas com seus maridos, estavam usando minhocas como vibradores. A situação do japonês se complicou porque, alem do contrabando, ele foi acusado de estar praticando tráfico sexual. Um caso semelhante foi o da exportação clandestina de cágados da Amazônia para um bordel de animais na Tailândia. Não me pergunte para que serviam os cágados. A polícia está de olho nesse tipo de operação porque, depois da concentração de piranhas brasileiras nos bosques de Paris, os gringos começaram a achar que tratamos tão mal a nossa fauna, que ela resolveu emigrar em massa. Imagine se as minhocas e os cágados tivessem conseguido sair. Até o Itamaraty provar que eles não saíram por conta própria, mas que foram arrastados à força, o pouco que resta de nossa imagem no exterior teria ido para a cucuia. O tal alemão que tentou escapar com as caranguejeiras destinava-se a Dusseldorf, cidade famosa pelo tarado que circulava em suas ruas no começo dos anos 30 - fizeram até um filme a respeito. Por aí se vê que para boa coisa as nossas caranguejeiras não iriam servir em Dusseldorf. Mas não pense que elas estariam necessariamente no papel de vilãs. Dizem os cientistas que, apesar do nome assustador, as caranguejeiras são quase tão inofensivas quanto as libélulas ou os beija-flores. Uma picada de seu ferrão despeja uma dose mínima de veneno - nada que um bom chupão na picada e um soro na veia não resolvam. Donde, de tão catitas, as caranguejeiras só podiam estar embarcando para servir de animais domésticos para algum grupo neonazista. Ou para se transformarem em vacinas, antídotos ou, quem sabe, serem ilegalmente clonadas. Nenhuma das hipóteses faria bem à saúde das nossas aranhas. Já que os gringos estão tão interessados na fauna brasileira, por que não se detêm num bicho que, embora não seja nossa exclusividade, é o que tem demonstrado o maior poder de imaginação, adaptação e resistência em toda a escala zoológica? Sai governo, entra governo, e lá está ele, indestrutível - de todos os tamanhos, formas e cores políticas. Sim, você adivinhou: o corrupto. Se os gringos passassem por aqui e abarrotassem navios com ele, ainda nos sobrariam exemplares até o ano 3000. ** FORMIGAS NO COMPUTADOR Quando me contaram, eu não acreditei: formigas adoram computadores. Pois devia ter acreditado. Meu computador começou a dar mais xabu do que o habitual nos últimos tempos e, como sempre, sem motivo justo. Tudo bem, admito que é um espécime da Idade da Pedra, comprado há quase dois anos. No mundo eletrônico, isso o torna tão velho quanto os Manuscritos do Mar Morto. E, como se não bastasse, durante esse tempo submeti-o a um cruel regime de trabalho escravo, em que, ocasionalmente, eu o chicoteava para ele não relaxar no serviço. Pois, além do desgaste natural (por mais sofisticados, os computadores são fabricados com material vagabundo, feito mesmo para quebrar), houve também as formigas. Se você tem um jardim de inverno ou mesmo um vasinho de planta a menos de dez metros do seu computador, é só se esconder atrás de um móvel e observar. Em coluna-por-um, uma família de formigas acaba de sair do formigueiro e está marchando em direção ao seu equipamento, com aquela determinação de que só as formigas parecem capazes. Você sabe como é: quando cismam de ir a algum lugar, não há obstáculo que as detenha. Mesmo que você delicadamente lhes aplique água fervendo ou a sola do seu ténis novo, as formigas remanescentes continuarão firmes em direção ao objetivo, como se este fosse a coisa mais importante do mundo, tipo os aliados desembarcando na Normandia. Em 1900 e quebrados, Mark Twain escreveu uma crónica sobre a cega determinação das formigas e, desde então, elas não evoluíram nem um pouco. Mas, como eu estava dizendo, lá vêm as formigas em direção ao seu computador. A princípio, pensei que o fascínio de um computador para uma formiga média e semi- analfabeta fosse algum cheirinho desprendido pela engrenagem lá dentro. Mas não: pelo que me informaram, o interior do computador é inodoro até para formigas. O que as atrai é o calorzinho das entranhas da geringonça. Mas como pode um ser vivo e residente no Rio precisar de calor com quase 40 graus aqui fora? Justamente por isto: elas não vivem aqui fora, mas no interior do formigueiro, o qual é tão frio que as obriga a dormir de meias. Por isso saem em excursão e vão se aquecer no seu computador. E, com aquela insensibilidade eletrônica que as caracteriza historicamente, as formigas ferram com ele. Mas, enfim, lá vêm as formigas. A líder delas (pelo menos, a que vai na frente, com a bandeira) já está escalando a torre do seu precioso computador e prepara-se para penetrar por um daqueles buraquinhos de ventilação. Atrás dela, vêm as outras, dispostas a fazer o mesmo. Em poucos minutos, um exército de formigas, composto de pelotões e batalhões, estará zanzando de um lado para o outro entre os chips, sem que você possa fazer nada. Aliás, quem vai fazer é elas. E sabe o quê? Xixi. Sim, é o que, segundo os entendidos, escangalha com o computador: xixi de formiga. Não de uma formiga, mas de uma multidão delas, urinando em uníssono sobre as delicadíssimas peças do aparelho. Nunca soube que formiga fizesse xixi, mas pode ser verdade, porque há outras coisas sobre formigas que ignoro. Não sei, por exemplo, se as formigas transam. E, se transam, será que o fazem através dos canais competentes ou usam alguma espécie de telepatia? Enfim, façam ou não xixi, são as formigas que estão arruinando o meu computador. Nem que seja indiretamente. Porque pode ser também o formicida que despejei lá dentro para acabar com elas. ** O RESGATE DA MARIA-FARINHA E você, já salvou a sua maria-farinha hoje? Outro dia, eu salvei a minha. Marias-farinhas, como se sabe, são aqueles pequenos caranguejos brancos que dão na praia, primos-pobres dos siris, os quais dão no mar e em casquinhas nos restaurantes. O ser humano não tem a maria-farinha entre suas grandes prioridades - gerações inteiras de marias-farinhas nascem, vivem e morrem na areia sem que ninguém tome conhecimento. As pessoas só percebem a existência de uma maria-farinha, quando uma delas passa correndo na praia ou quando morde o dedão de um banhista com aquelas pinças. Enfim, perambulava eu outro dia pelo calçadão do Leblon, quando uma maria-farinha passou à minha frente a um quilômetro por hora - o que, para elas, é muito rápido, considerando-se que as marias-farinhas têm pernas curtas e preferem andar de lado. Ora, o calçadão, mesmo num fim de tarde e em dia de semana, não é lugar para uma maria-farinha. Por ali correm jovens e coroas, crianças patinam, casais se beijam, fulanos tomam água de coco e outros apenas caminham distraídos. Qualquer um poderia pisar sem querer na bicha e deixar órfã uma família inteira de marias-farinhas. Só isso já seria uma desgraça. Mas, para meu horror, a mariafarinha cruzou a ciclovia e postou-se no meio-fio, preparando-se para atravessar a pista em plena hora do rush. Naquele momento, a maria-farinha esteve a um passo da eternidade. Assim que descesse no asfalto, seria achatada por carros de todos os tipos, marcas e cores. Em poucos instantes, não restaria vestígio de sua passagem pelo planeta. Nunca saberíamos se havia sido uma líder, uma cidadã comum ou mesmo uma doidivanas na sua comunidade de marias- farinhas. Mas não foi isto o que se passou por minha cabeça naquele segundo. O que me aterrorizou foi a possibilidade de perdermos uma maria-farinha - justamente agora que, depois de anos em que andaram sumidas, as mariasfarinhas voltaram a ser vistas nas praias do Rio. E quantas marias-farinhas não representa a perda de uma maria-farinha? Suponha que aquela fosse uma fabulosa reprodutora, algo assim como certas senhoras de antigamente, que chegavam a ter 28 filhos, 168 netos e 1.008 bisnetos. A perpetuação da espécie das marias-farinhas ficaria comprometida. E tudo porque, num momento de alucinação, uma trêfega maria-farinha abandonou sua areia natal, subiu na calçada de pedras portuguesas e ia aventurar-se a atravessar a rua, sendo que, com todas as probabilidades, não tinha nada a fazer do outro lado. A não ser que fosse uma maria-farinha suicida - e, nesse caso, teríamos de repensar nossos conceitos seculares sobre a estabilidade emocional das marias-farinhas. Mas não havia tempo para essas divagações. Era preciso agir. Em três passos, alcancei o meio-fio e, arriscando-me eu próprio a ser achatado pelos carros, postei-me à frente da maria-farinha e a induzi a voltar para a ciclovia. Mais um passo e consegui fazê-la chegar à calçada. Faltava agora convencê-la a retornar à areia. Foi aí que se deu o impasse. A maria-farinha me encarou com seus dois olhos pretos na ponta das antenas, ambos fora de órbita, e me desafiou com as pinças em riste. Nitidamente não estava gostando de ser contrariada. Do alto de meu metro e setenta e poucos, encarei-a de volta. A maria-farinha não se intimidou. Aplicou-me um drible entre as canetas e passou correndo de volta rumo à pista. Mas os velhos reflexos ainda funcionaram e consegui barrar-lhe a passagem na ciclovia. De novo na calçada, começou o que, à distância, devia parecer um ridículo ritual: a maria-farinha zanzando para um lado, eu a acompanhando, a maria-farinha zanzando para o outro lado e eu idem. A vinte metros da cena, um grupo de turistas num quiosque observava sem entender nada. Claro: àquela distância, não podiam ver a maria-farinha. Só viam um sujeito de bermuda, camiseta listrada e óculos, executando estranhos passos de dança, como se estivesse ensaiando um baião. Vários minutos depois, a maria-farinha se cansou. Pulou para a areia e se enfiou na primeira toca que encontrou. Estava salva. E só então me dei conta de que o quiosque inteiro me olhava em apatetado silêncio. Ah, tudo bem. Numa vida futura, estou com crédito no reino das marias-farinhas. ** O MAL DO VEADO LOUCO Quem disse que nada de interessante acontece no Canadá? Pois, depois que os ingleses descobriram o mal da vaca louca, os canadenses vêm aí com o mal do veado louco. É o eterno problema do colonizado - sempre tentando ser diferente do colonizador e, no fundo, não passando de um remake involuntariamente cômico. Mas, desta vez, é um fato. Há uma doença rara entre os veados canadenses, semelhante à que acometeu as vacas britânicas. É a mesma encefalopatia espongiforme, nome horrível para designar uma disfunção neurológica que causa lesões no cérebro e torna a carne do bicho perigosa para consumo humano. Foi provocada pela ração animal com que passaram a alimentá-lo, imprópria para veados. Você dirá: ”Tudo bem - e o que nós, que não comemos veado, muito menos canadense, temos com isso?”. Realmente, entre as importações brasileiras, a carne dos veados canadenses está num dos últimos lugares. Para comer, temos farta escolha e preferimos a de vários outros bichos, inclusive a das vacas. Nossa diversidade de rebanhos é tão monumental, que tem incluído, nos últimos tempos, até as búfalas. É só consultar o cardápio dos restaurantes: 99% deles servem mozzarela de búfala como entrada. E, em todos esses restaurantes, ninguém consegue me responder à singela pergunta: quem ordenha a búfala? (Sim. Se a mozzarela é um queijo, e se esse queijo é feito com o leite da búfala, gostaria de saber quem é o valente que, com a água do pântano pelas canelas, tem coragem de pendurar-se às tetas da bruta e ordenhá-la sem levar uns coices.) Mas, enfim, num país em que até as búfalas abundam, para que precisaríamos dos veados canadenses? Podemos não precisar, mas muita gente precisa. Tanto que os importa do Canadá em grande quantidade. E não apenas a carne dos veados, mas também a dos alces e renas, de que o Canadá é igualmente pródigo. A Coréia do Sul é uma que não consegue passar sem eles - é quase o prato de domingo nas melhores famílias coreanas. Toda a Ásia, aliás, é voraz consumidora do veado canadense. Pois estão todos em pânico, tanto os canadenses - uma epidemia em seus veados pode provocar um baque nas exportações - quanto seus clientes asiáticos. O Canadá decidiu seguir as normas internacionais de higiene e saúde e abater os seus veados loucos. Milhares deles foram mortos nos últimos anos, mas agora as autoridades descobriram que é pouco e o que se prevê é uma chacina monumental de veados por lá. Em compensação, enquanto os canadenses vêem diminuída a sua exportação de veados, nós, que temos outros problemas, estamos vendendo moscas para os Estados Unidos. Não estou brincando. Os americanos estão importando em massa os nossos forídeos, que são mosquinhas mixurucas, de menos de um centímetro, mas essenciais para combater a praga das formigas-lava-pés que assola suas plantações de soja e milho na Flórida. Combater uma praga com outra praga sempre representa o risco de um desequilíbrio ecológico, mas, por uma dessas coincidências, o forídeo é um caso raro de especialização: só come as formigas-lava-pés e ignora qualquer outra espécie de formiga, mesmo que esta venha coberta de açúcar. O mais engraçado é que as formigas-lava-pés que incomodam os americanos também são brasileiras. Sim, é isso mesmo, e aí está a linda coincidência. As lava-pés, hoje, podem ter- se naturalizado americanas, mas saíram originalmente da América do Sul, inclusive do Brasil. Já se disse até que elas foram para lá no turbante de Carmen Miranda, mas não é verdade. Carmen chegou aos Estados Unidos em 1939, e elas já estavam lá desde 1930, misturadas aos grãos que lhes exportávamos. Desde então, sem ninguém para combatê-las, elas se reproduziram à vontade - a tal ponto que, pelo que se calcula, há atualmente cinco vezes mais formigas-lava-pés nos Estados Unidos do que no Brasil. Em compensação, sem tantas lava-pés para comer, os forídeos brasileiros remanescentes já andavam passando fome. Daí a idéia do governo americano, de levá-los para lá em massa e oferecer-lhes um banquete grátis pelas próximas décadas. O problema é que, com a ganância dos americanos por tudo que corre, voa, nada, rasteja ou fica parado, temo que, em breve, todos os nossos forídeos já tenham ido para os Estados Unidos. E aí, como ficará o Brasil quando precisar deles? Consultei nossas autoridades em moscas, e elas me tranqüilizaram, garantindo que ainda teremos forídeos para dar e vender até o ano de 2100. Será? E como ficará a coisa em 2101? Tudo aqui se faz para hoje, ninguém pensa no amanhã. Gostaria de ter certeza de que, com o incremento de formigas-lava-pés no Brasil por falta de forídeos, não seremos obrigados a importar forídeos americanos. E não me surpreenderei se tudo isso não for uma manobra dos americanos, já tendo em vista o século XXII porque eles, sim, pensam no futuro. Com o que voltamos ao mal do veado louco canadense. Tanto quanto a vaca louca inglesa, ele está sendo vítima da imprevidência humana. Foram os homens que, contrariando sua dieta de milênios, deram-lhe ração animal para comer, e ele ficou daquele jeito. Essas dietas exóticas são sempre arriscadas. É por isso que me pergunto sobre o que será das futuras gerações brasileiras. A garotada come toda espécie dejunkfood e passa o dia escutando rap,funk e hiphop. A combinação de tudo isso ao mesmo tempo não deve fazer bem à saúde. Aliás, se a música que os garotos escutam fosse para comer, eles já estariam mortos há muito tempo. ** BRRR!!! OS CHANNAS ESTÃO CHEGANDO! Durante os últimos quatro mil anos, temos nos reconfortado com a certeza de que as galinhas não têm dentes, de que cão que ladra não morde e de que cada macaco fica quieto no seu galho. Os mais velhos, no entanto, sabem que são apenas jogos de palavras, porque há exceções em todas essas instâncias. Há casos documentados de galinhas que criaram dentes, embora os poucos exemplares observados não estejam em laboratórios à prova de qualquer suspeita, mas em mafuás de roça ou de subúrbio, ao lado de vacas de cinco patas ou de Konga, a mulher-gorila. Sabe-se também que há cães que ladram e mordem ao mesmo tempo, principalmente se forem pit-bulls, sendo que seus donos também costumam ladrar e morder. E, quanto a cada macaco no seu galho, este é um conceito filosoficamente falso, já que os macacos são notórios por viver pulando de galho em galho, sendo dificílimo fazer com que cada um se limite ao galho que lhe foi destinado. Donde, para mim, não foi surpresa ao ler outro dia nos jornais sobre um peixe de água doce, de um metro de comprimento, chamado channa asiática, que não apenas ataca e devora tudo o que vê pela frente, inclusive mamíferos, como - e aí está o terror da história consegue sobreviver até três dias fora d’água. Daí que, desde já, podemos abolir a expressão ”sentir-se como um peixe fora d’água”. Porque os channas, pelo menos, sentem-se muito bem em terra firme. Como o nome indica, o channa vem da Ásia, onde já existia há milhares de anos sem que ninguém, exceto os asiáticos, tomasse conhecimento dele. Mas bastou que começasse a fazer estragos nos Estados Unidos e a se tornar uma ameaça para o ecossistema de rios e lagos americanos para mobilizar os guardas florestais, a polícia fluvial, os bombeiros, o FBI, a CIA, o Pentágono, a Casa Branca e a CNN, por ordem crescente de importância. Segundo relatos, há cardumes de channas aterrorizando sete estados: Havaí, Flórida, Califórnia, Maine, Massachusetts, Rhode Island e Maryland. Neste momento, nenhum outro peixe, sapo ou ave aquática dessas regiões está a salvo. E o pior é que, como os channas são peixes muito grandes, não há limite para o que podem atacar. Mas como foi que o channa saiu da Ásia, atravessou os oceanos e foi parar nos rios americanos? Não a nado, certamente. A resposta é simples e, como sempre acontece, tudo começou da maneira mais inocente. Um grupo de criadores americanos de peixes, sabendo que os channas não eram de muitos luxos em comida, importou uma quantidade deles para fazer a limpeza de seus reservatórios - devorando as porcarias que se assentam nos fundos. Mas os channas, pelo visto, gostaram da dieta e se reproduziram de tal forma, que começaram a ser vendidos - vivos - para os supermercados dos Estados Unidos. De repente, espalhados pelos vários estados, foram vistos fazendo estragos, e isso intrigou o governo. Uma consulta às autoridades piscatórias chinesas revelou que os channas eram um perigo se deixados soltos e que, em algumas cidades da China, já tinham devorado até seres humanos. Pronto. Instalou-se o estado de alerta, e os americanos, que já vivem de olho nos céus por causa de ameaças terroristas, estão agora perscrutando também os rios e suas margens, temendo que algum channa saia caminhando das águas e venha atacá-los à traição. Você está rindo? Pois saiba que, recentemente, um desinformado morador da cidade de Crofton, Maryland, comprou na feira meia dúzia de channas para fazer uma sopa. Mas como era peixe demais, sobraram vários e, julgando-os mortos, ele os jogou num lago perto de sua casa. Poucos dias depois, um casal de channas foi visto passeando pelas margens acompanhado de cerca de cem filhotes! E é isto que está aterrorizando os americanos. Se conseguem ficar até três dias fora d’água, os channas podem transpor por terra a distância entre um rio e outro, banhando-se eventualmente num lago ou lagoa (ou mesmo ficando alguns dias sem tomar banho), e, assim, espalhar-se por vastos territórios. Imagine se pegarem um afluente que leva ao rio Hudson e chegarem à querida e estressada Nova York. E o pior é que não precisam de rios. Já há gente tremendo ante a visão de cardumes e mais cardumes avançando pelas auto-estradas, atacando rebanhos bovinos que encontrem pelo caminho e resistindo aos lança-chamas das tropas convocadas para combatê-los. Os americanos não serão loucos de bombardeá-los com napalm, como fizeram no Vietnã, onde desfolharam e incendiaram quase o país inteiro. Tudo indica que terão de tomar medidas mais profundas. Parece que uma delas já está sendo tomada. Uma junta de especialistas recrutados em várias agências federais descobriu que a solução pode ser a rotenona. Apesar desse nome de empresa especializada em matar barata, a rotenona é uma substância extraída da raiz do barbasco, que é uma planta originária das margens do rio Amazonas, no Brasil. A rotenona, jogada nos rios, deixará os channas meio grogues, o que facilitará a sua captura. Como se vê, mais uma vez a fabulosa biodiversidade brasileira vem em socorro da humanidade. Tudo bem, a rotenona poderá liquidar os channas que ainda estiverem dando sopa nos rios. Mas, e os channas que já se evadiram e, na calada da noite, estão perambulando pelos bosques e estradas do interior dos Estados Unidos? A esta altura, podem ser milhares, milhões. E quem garante que, para se defender, já não chegaram a desenvolver hábitos humanos, um deles o de matar seletivamente? Pensando bem, até que esta pode ser a solução. Se os channas estiverem passando por essa mutação, tudo ficará mais fácil. A exemplo dos humanos americanos, eles serão proibidos de fumar em bares e restaurantes, qualquer galanteio a uma fêmea será considerado assédio sexual e sua rica dieta será substituída por Big Mães. Não será surpresa se muitos resolverem voltar para a Ásia. ** GALO NA CABEÇA Em Adorável pecadora, um antigo filme americano com Yves Montand (lembra-se dele?) e Marilyn Monroe (lembra-se dela?), Yves Montand (OK, você não se lembra) era obrigado a imitar um galo cacarejando. A imitação de Montand começava bem. Ele abria os braços em ângulo reto e fazia aqueles movimentos que os galos fazem ao cacarejar. Só que, ao emitir o cacarejo, o som rouco que ele produziu foi mais ou menos assim: ”Cock-a-doodle-doo!”. Mais ou menos, não - porque a legenda em inglês do DVD na telinha dizia taxativamente: ”Cock-a-doodle-doo!”. ”Cock-a-doodle-doo!”? Desde quando os galos fazem ”Cock-a-doodle-doo!”? Para mim, os galos fazem ”Co-co-ró-co-có!”. Pelo menos, os galos das minhas relações. Há algum tempo morei no Jardim de Alah, aqui no Rio, ao lado de um morro onde uma família mantinha um galo à guisa de despertador. Todas as manhãs, às sete em ponto, durante anos, ouvi o canto deste galo e posso garantir que ele fazia ”Co-co-ró-cocó!” - o que batia perfeitamente com outros cocorococós de galos e instâncias anteriores. Consultei várias pessoas que já tivessem passado pela experiência de ouvir um galo cacarejando ao vivo e todas me tranqüilizaram: os galos fazem ”Co-co-ró-co-có!”. Como prova definitiva, o jovem Caetano Veloso tinha uma música em que afirmava categoricamente: ”O galo cocorocou”. Dando um crédito à velha Hollywood (o filme é de 1960, do tempo em que Hollywood caprichava nessas coisas), ainda tentei imaginar se ”Cock-a-doodledoo!” pudesse ser a transcrição fonética de ”Co-co-róco-có!” em inglês. Mas, ao fazer o filme voltar à cena em que Montand imita o galo, ouvi-o cacarejar com nitidez: ”Cock-a-doodle-doo!”. Bem, então é isto. Os galos americanos fazem ”Cock-a-doodle-doo!”, e os galos brasileiros fazem ”Coco-ró-co-có!”. Por que tal discrepância? Com os gatos, por exemplo, não é assim: eles produzem uma infinidade de sons, mas, quando se trata de miar, todos miam do mesmo jeito, variando apenas a maneira com que se escreve isto em cada língua - ”meow” ou ”miaow” em inglês, ”miaou” em francês, ”miau” em alemão e em português. Todos soam como miau, inclusive, não me pergunte como, ”miukumauku” em finlandês. Se os gatos, que falam todas as línguas, sintetizaram o seu miado básico num som perfeito e universal, por que os galos (classificados entre os bichos menos intelectualizados do planeta) teriam dois sons diferentes para a única coisa que eles sabem dizer? A resposta a esta pergunta, que vinha me fazendo perder o sono, surgiu num livro lançado na Inglaterra, intitulado 1421. Seu autor, Gavin Menzies, é mais um historiador tentando provar que Cristóvão Colombo não descobriu a América. O título do livro se refere ao ano em que, segundo ele, outro navegador chegou à América, 71 anos antes do genovês: o almirante chinês Tseng He, também conhecido como Sin Bao. (Sim, o mesmo Sinbad, o Marujo, depois cooptado pelas 1001 noites e transformado em marinheiro árabe.) Sua viagem de 1421 ficaria famosa como a Frota do Tesouro. Para Menzies, o chinês fez o serviço completo: meteu-se pelo Pacífico, contornou a Califórnia e o México, desceu pelo Peru e o Chile, deu a volta lá embaixo e subiu de novo, rumo à África, a qual pegou de raspão no Cabo da Boa Esperança, e só então voltou para casa. Dois anos singrando os sete mares. Uma viagem e tanto - que, a se provar verdadeira, desmoralizaria não apenas Colombo, mas Vasco da Gama, Cabral, Vespúcio e os outros navegadores que suaram o gibão tentando nos descobrir. E como Menzies chegou a essa palpitante conclusão? Por causa de um mapa feito por um alemão em 1507, mostrando desenhos do continente e que ele acredita ter sido baseado numa carta náutica chinesa do século XV - carta esta que teria vindo da Frota do Tesouro e sido consultada pelo próprio Colombo. Menzies se baseou também em noticiários de jornais falando da descoberta de jade asiático em tumbas astecas e de ideogramas chineses em cacos de cerâmica pré-colombiana. Com tais informações, ele escreveu 1421, que uma editora inglesa lançou com formidável aparato publicitário e transformou num best-seller. Os historiadores de verdade riram, mas já começam a se irritar com esses amadores que vulgarizam a história e vendem livros aos milhares - coisa que eles, por serem sérios, jamais conseguiriam fazer. Menzies, de 65 anos, não é um historiador de verdade. É um diletante que gosta de documentos antigos e, ao aposentar-se, está fazendo o que milhares vivem tentando fazer: reescrever a história. O pobre Colombo é um alvo fácil. Já foi vítima de tantos livros do gênero, que, se esses ”historiadores” estiverem certos, não se sabe como ele não veio à América numa excursão da Vovó Stela - porque, pelo visto, todo mundo andou por aqui antes de 1492. As provas que Menzies reuniu são manjadas entre os historiadores: ”mapas” da Renascença, desenhados com muita imaginação e sem qualquer noção de cartografia. Quanto à famosa carta chinesa, ninguém jamais a viu, nem Menzies. E os cacos de potes ainda não provaram nada. Para eles, Menzies é só mais um picareta - com trocadilho. Mas Menzies acredita ter um ás na manga: as galinhas da América do Sul. Para ele, sabendo-se que as galinhas dos Estados Unidos são descendentes das que vieram com Colombo, é normal que seus galos façam ”Cock-a-doodle-doo!”. Mas, então, por que os galos sul-americanos fazem ”Co-co-ró-co-có!” como os asiáticos? Para ele, esta seria a prova de que o chinês Tseng He (que, por sinal, era eunuco) não apenas chegou primeiro às nossas costas, como desceu do navio e saiu espalhando galinhas pela região. E, com esta bombástica dedução, Menzies acredita ter embatucado definitivamente seus críticos. Bem, a mim é que ele não embatucou. Quem lhe garante que todos os galos europeus fazem ”Cock-adoodle-doo!”? Os galos ingleses talvez façam, mas os franceses, por exemplo, fazem ”Co-co-co-ri-có!” - muito próximo do nosso ”Co-co-ró-co-có!”. O galo, aliás, é o símbolo da França e, em Paris, quando se quer dizer que o sujeito é excessivamente ufanista ou patriota, acusamno de viver fazendo ”cococoricó”. Não esquecer que Yves Montand era francês (embora nascido na Itália) e, se foi obrigado a cacarejar ”Cock-a-doodle-doo!” em Adorável pecadora, é porque este era um filme americano. Sem falar nas perguntas sem respostas. Se Tseng He saiu deixando suas galinhas pela América do Sul, por que não deixou algumas também em São Francisco ou Los Angeles, por onde também passou? E quem garante que as galinhas chinesas não chegaram ao Brasil muito depois de Colombo, Cabral ou Vespúcio? E se tiverem vindo com os primeiros chineses que Dom João trouxe para o Rio em 1808 e que deram origem à nossa Vista Chinesa? E se tiverem vindo ainda mais tarde, com um time pioneiro de pingue-pongue? Mas, pelo menos, o livro de Menzies me resolveu um problema. A partir de agora, ao acordar ouvindo o cacarejo de um galo, já saberei onde estou. Se ele fizer ”Co-co-ró-co- có!” é porque estou em casa, no Leblon. Se ele fizer ”Cock-a-doodle-doo!”, é porque estou num hotel em Nova York - ou, então, continuo no Leblon, e o galo está apenas fazendo uma imitação de Yves Montand imitando um galo americano em Adorável pecadora. ** BANHOS, INCLUSIVE DE GATO Pobre Woody Allen. Por uma dessas sutilezas lingüísticas, em que até quem é bom de línguas às vezes escorrega, ele passou por sujinho. Há tempos, uma frase sua, ”To take a bath is snobbishness”, foi mal traduzida (por mim mesmo) e tornou-se ”Tomar banho é esnobismo”. Pronto: bastou isso para que, em certos círculos brasileiros, o querido Woody começasse a ser visto como alguém que se devia admirar como ator e cineasta, mas de quem podia ser perigoso chegar perto. Brasileiro não perdoa quem não toma banho, e com razão. Houve até quem comparasse Woody a outro cineasta, o francês Jean-Luc Godard, de quem se diz que tomou um banho na época de seu filme Acossado, em 1960, e só foi tomar outro na época de Pierrot lê fou, em 1966. O pessoal da Nouvelle Vague talvez fosse assim - mas Woody Allen? E, de repente, descobre-se que não era bem o que Woody queria dizer. Em inglês, ”to take a bath” é tomar banho, mas de banheira. O que nós aqui entendemos normalmente como banho, ou seja, de chuveiro, para eles é ”to take a shower”. E a prova de que não há nenhuma incompatibilidade entre Woody e o banho é que ele já foi visto debaixo do chuveiro em diversos filmes, sem um duble para substituí-lo. Donde, pelo menos no que se refere a banhos, Woody está inocente. Isso prova que um ligeiro desvio semântico entre duas línguas, ou um tradutor distraído, pode resultar em grandes equívocos. A palavra ”banho”, por sinal, é perigosíssima, até mesmo em português. Quer exemplos? Fico imaginando um americano ou inglês, menos versado no nosso coloquial, tentando entender o que significa quando se diz que o Flamengo ”deu um banho” no time xis. Vá lhe explicar que isto quer dizer que o Flamengo ganhou de goleada, deu um show de bola etc. Ele terá todo o direito de perguntar: ”Mas que relação tem isso com um banho de chuveiro ou de banheira?”. Nenhuma, é claro, mas é assim que falamos. E se você lhe disser que Fulaninha pegou o namorado pela orelha e lhe deu um banho de loja? O gringo entenderá que, descontente com a cafonice do namorado ao se vestir, ela o levou a umas dez butiques e reformou de alto a baixo o guarda-roupa dele? Eu próprio já fui vítima de uma confusão envolvendo banhos. Certa vez, ao morar em Portugal nos anos 70, mas ainda recém-chegado, li atônito a manchete de um jornal de Lisboa que dizia: ”MORREU AO TOMAR BANHO!” Logo visualizei um sólido cidadão meio desabituado a banhos e que, ao abrir o chuveiro numa 196 emergência, morreu vitimado por um choque ao sentir aquele inédito líquido contra seu corpo. Ao ler melhor a notícia, descobri que o cidadão apenas se afogara numa praia próxima, por dar um mergulho sem saber nadar. É que, em Portugal, pelo menos no meu tempo, dizia-se mais ”ir aos banhos” do que ”ir à praia”, e ”tomar banho [de mar]” era mais usado do que ”nadar”. Donde se conclui que, se eu, que domino razoavelmente as duas línguas (a do Brasil e a de Portugal), estava sujeito a um grosseiro engano como este, o que se pode esperar de um estrangeiro contra as arapucas da palavra banho? Ele chegará a entender, digamos, que, quase sem sair do lugar, pode-se tomar tanto um banho de mar quanto de sol? E o que ele compreenderá ao ler num dos nossos jornais que um grupo de chacinadores invadiu um barraco sei lá onde e promoveu um banho de sangue? Pior ainda se o mesmo jornal, completando a notícia, disser que a polícia está tratando o caso do banho de sangue em banho-maria. ”De onde saiu esta Maria?”, ele perguntará, confuso. Vá explicar-lhe que ”banho-maria” é uma maneira de cozinhar com fogo baixo, significando que levará horas para ficar pronto ou, pelo menos, muito mais tempo do que se o fogo estivesse alto. Nosso interlocutor terá o pleno direito de perguntar se as Marias brasileiras são assim, de fogo baixo. E ficará surpreso ao ouvir que, ao contrário, 99% delas têm um fogo altíssimo e que não temos o que reclamar das moças em matéria de calor. Suponha agora que o tal banho de sangue que a polícia está tratando em banho-maria tenha acontecido porque alguém deu o banho em alguém. O quê??? ”What does that mean?” - ele, já zonzo, também perguntará. O inocente ato de dar banho em alguém pode provocar tamanha carnificina no Brasil? Claro que não, seu pateta. ”Dar banho”, na linguagem dos marginais, significa dar calote, não pagar uma dívida contraída. E, nesse caso, se aplica o código comum a todos os marginais do mundo: deu banho, morre. Os educados e os eruditos, como você sabe, preferem dizer ”dar o beiço” - seja lá também o que isto queira dizer. Enfim, é muito banho para pouca água. Quanto a mim, gosto também de um outro tipo de banho: o de gato. E, como os demais, este também tem vários significados, dependendo se leva ou deixa de levar um hífen. Sem hífen, pode significar um gato se lambendo, o que é sempre uma delícia de observar. Com hífen, significa alguém nos lambendo. Neste último caso, há os banhos-de-gato no ego, os quais não são nada desprezíveis, e os banhos-de-gato propriamente ditos. Eu prefiro os dois. ** PELOS OLHOS DE UM GATO Há pouco mais de cem anos, quando cientistas ingleses inventaram uma complicada geringonça que chamaram de endoscópio, houve quem perguntasse: ”Ora, ora, o que mais falta inventar?”. Os primeiros endoscópios eram uma ferramenta composta de tubos e funis, com um jogo de lentes e espelhos permitindo que se ”enxergasse dentro” do ser humano. Claro que, a princípio, os endoscópios só serviam para escarafunchar o interior das orelhas, do nariz e de outros orifícios menos nobres do ser humano. Hoje, a endoscopia ficou tão carne-de-vaca que, à falta de orifício para se penetrar com uma microcâmera, o bisturi abre um. Mas, desta vez, eles se superaram. Uma equipe de biólogos moleculares da Universidade de Harvard, na Inglaterra, implantou eletrodos no cérebro de um gato e conseguiu ”ver o mundo” pelos olhos dele. Não queira saber como, mas os eletrodos foram fixados a 177 células do tálamo do bichano e conectados a um computador. Os sinais luminosos registrados pelo nervo óptico do felino foram convertidos em pulsos elétricos, enviados ao tálamo e deste ao computador, o qual decodificou os sinais para formar a imagem. Chose de loque. A primeira coisa que os cientistas viram na tela foi a imagem de um deles, que estava sendo visto pelo gato. Naturalmente, não era uma imagem como as que você se habituou a ver no seu home theater. Era borrada, difusa, parecida com a do aparelho velho que você despejou no quarto da empregada. Mas o cientista enxergado pelo gato também não era nenhum galã, e o cenário, sem o menor glamour, era um misto de sala de cirurgia com o switcher de um estúdio de televisão. Seja como for, era o que o bichinho estava vendo naquele momento. Horas depois, o gato foi solto num bosque e os cientistas, com algum esforço, conseguiram distinguir na tela a folhagem vista por ele. Tudo ainda muito precário, mas não se esqueça de que o primeiro endoscópio também só faltava ser movido a manivela. E agora a pergunta: por que esse interesse da ciência em ver o mundo pelos olhos de um gato? Será porque os gatos enxergam de modo especial? Não. Para a ciência, ele é apenas uma cobaia. Os cientistas o estão usando para ver como seria, no futuro, aplicar os eletrodos ao cérebro de um ser humano e espiar o que se passa pelos olhos dele. A medicina seria uma das primeiras beneficiadas - os médicos já esfregam as mãos pensando nas possibilidades -, mas, pelo que dizem, a engenharia, a informática e até a espionagem também ganharão com isso. Bem, não sou engenheiro, não estou interessado no desenvolvimento da informática e, quando se trata de espiões, sempre me contentei com aquele sujeito de gabardine e chapéu que finge ler jornal encostado no poste. A idéia de transformar o olho humano numa câmera é fascinante, mas antiga, e já vem do tempo do cineasta russo Dziga Vertov, com sua ”câmera-olho”, de 1929. Em 1946, um ator e diretor americano, Robert Montgomery, filmou A dama do lago usando a ”câmera subjetiva” - a câmera eram os ”olhos” do detetive Philip Marlowe, o qual só aparecia na tela quando passava diante de um espelho. Era um filme noir, baseado num romance de Raymond Chandler. O macete era divertido, mas só nos primeiros vinte minutos. Depois enjoava - tanto que nunca mais foi tentado de novo. Enfim, se até a Hollywood dos grandes tempos fracassou com essa experiência, não vejo como os cientistas ingleses se darão muito melhor. Já a idéia inicial, essa sim, me empolga: tentar enxergar o mundo pelos olhos de um gato. Teríamos tudo a lucrar com isto. Em primeiro lugar, com sua sabedoria em relação ao que o cerca, sua agilidade de percepção, sua capacidade de alerta, sua delicadeza ao se mover entre bibelôs sem derrubar ou quebrar nenhum. E certamente melhoraríamos muito se nos víssemos a nós mesmos como o gato nos vê - de cima para baixo, com infinita tolerância e paciência, ciente de que está lidando com seres que, com toda a presunção humana e arrogância bípede, ainda têm muito o que evoluir antes de aprender a, pelo menos, miar. Fim do Livro