POESIAS ESCOLHIDAS DE PEDRO HOMEM DE MELLO Pedro Homem de Mello Poesias Escolhidas Imprensa Nacional-_casa da Moeda Desta edi‡"o executada para a Imprensa Nacional-_casa Da Moeda pela Sociedade Industrial Gr fica Telles da Silva, Lda., Fez-se uma tiragem de trˆs mil exemplares. Acabou de se imprimir em Lisboa em 10 de Agosto de 1983 Sobrecapa de J£lio de Resende Dep. Legal n.o 2951/83 CARAVELA AO MAR [1934] Ironia De tanto pensar na morte Mais de cem vezes morri. De tanto chamar a sorte A sorte chamou-me a si. Deu-me frutos duradoiros A paz, a fortuna, o amor. As musas vieram p"r Na minha fronte os seus loiros... Hoje o meu sonho procura Com saudade a poesia Dos tempos em que eu sofria... -- Que triste coisa a ventura! Infinito Em cada estrela ruiva a palpitar Na colcha azul do c‚u calmo e profundo Sinto agora outro mundo E as ondas procelosas doutro mar. Em cada estrela ruiva ergo um altar Ao Deus forte e fecundo. E sonho mais estrelas ruivas, belas. E quero por limite a todas elas, Mas nunca chego ao fim... A cada instante Vejo uma estrela ruiva mais adiante!... N"o choreis os mortos N"o choreis nunca os mortos esquecidos Na funda escurid"o das sepulturas. Deixai crescer, ... solta, as ervas duras Sobre os seus corpos v"os adormecidos. E quando, ... tarde, o Sol, entre brasidos, Agonizar... Guardai, longe, as do‡uras Das vossas ora‡(tm)es, calmas e puras, Para os que vivem, nudos e vencidos. Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos, Da multid"o sem fim dos que s"o vivos, Dos tristes que n"o podem esquecer. E, ao meditar, ent"o, na paz da Morte, Vereis, talvez, como ‚ suave a sorte Daqueles que deixaram de sofrer. Bendito O Sol liquefaz-se, ‚ rio; A sua luz, gua ao vento; Sobre o mar turvo, cinzento, Tem qualquer coisa de frio. Chamam-lhe Deus os pag"os. Depois, o Sol, quando passa, Solta os cabelos, com gra‡a, Deixa-nos oiro nas m"os... JARDINS SUSPENSOS [1937] SOPRO Passas como passa O riso do vento Mas na tua gra‡a N"o h pensamento. Por‚m, sem teu riso, Que seria a gra‡a Do meu pensamento? Cora‡"o de mulher Cora‡"o de mulher, Violino... Bem-me-quer, mal-me-quer Destino! Trovador namorado, Cautela, Torna a ria do teu fado Singela... Se o violino se cala, Se ‚ mudo, P(tm)e mel na tua fala, Veludo... Ai, quanto violino, em dor, Se parte, Nas m"os do tocador, Sem arte! Charneca _... minha volta h cinza ou guas mortas? Nem se pressente a vida. O vento, apenas, passa, Para arrancar da terra entorpecida Um grito de desgra‡a! N"o muda nunca a linha do horizonte. ... E pode caminhar-se, eternamente, Sem que se conte um passo em frente. Quero partir... Mas de que serve andar Se a terra anda comigo, Se os meus passos im¢veis, sem abrigo, S"o n ufragos no mar?... Tempestade Faz mar na ria Formaram-se ondas Que a ventania Torna redondas. Correm na ria Ondas aos centos. Cavalaria De gua e ventos! Cabra-cega _... volta de incerto fogo Brincaram as minhas m"os. ... E foi a vida o seu jogo! Julguei possuir estrelas S¢ por vˆ-las. Ai! Como estrelas andaram Misteriosas e distantes As almas que me encantaram Por instantes! Em ritmo discreto, brando, Fui brincando, fui brincando Com o amor, com a vaidade... -- E a que sentimentos v"os Fiquei devendo talvez A minha felicidade! SEGREDO [1939] Princ¡pio No largo Da aldeia, Um z¡ngaro entoa Certa melopeia. Cada nota voa! E o cƒntico amargo Reveste de gra‡a Os olhos e as almas Da gente Que passa. Depois, bruscamente, Ri, muda de cara E mudam os olhos E mudam as almas Da gente Que p ra. Por fim sobem palmas! A m£sica cessa: -- Nos olhos, nas almas Fica uma promessa... Barco vazio Nas margens do Vouga Andava um pastor. Passou, certo dia, Por esse pastor Um barco vazio. O vento quedou-se E o barco, no rio, Submisso, quedou-se... Por‚m, quando o vento Recome‡ou lento, O barco vazio Deu um passo lento... O pastor, ent"o, P"s-se a meditar Que, daquele rio, O barco vazio Podia lev -lo _ s praias do mar... E o pastor, ent"o, P"s-se a meditar Que, daquele rio, O barco vazio Podia lev -lo _ s praias distantes... E voltar com ele, Cheio de diamantes! :, Mas... Era j tarde! -- A curva do rio Escondera h muito O barco vazio... Fuga O m£sico procura Fixar em cada verso O cƒntico disperso Na luz, na gua e no vento. Por‚m, luz, vento e gua Variam riso e m goa, De momento a momento. E em v"o a rea dos dedos Se eleva! N"o traduz Os s£bitos segredos Escondidos no vento, Nas guas e na luz... Segredo Ardem c¡lios ao vento, mas a vida Foi-se esconder na p lpebra descida. Foi-se esconder na p lpebra dobrada... (-- Sono leve de p‚tala cansada!) E os c¡lios ardem, ardem, mas a vida Foi-se esconder na p lpebra ca¡da... P lpebras quietas! Quem se lembra ao vˆ-las Do sonho que sob elas tece estrelas? Sonho Comprei um ba£ na feira, Pintei-o todo de azul... No ba£ pus uma rosa... Lembrei-me da tua face. Ouvi ao longe o comboio... Cuidei que ele me arrastasse! No ba£ pus uma rosa... Ou foi um cravo encarnado? Fez-se mais perto o comboio: Passou mesmo a nosso lado... No ba£ pus uma rosa... Por nenhuma outra a trocara! Nunca vi flor mais formosa! Ai, depois, n"o vi mais nada: Nem a flor, nem o comboio, Nem o teu rosto... A ventura Passa por n¢s... mas n"o p ra. Devaneio Estendida na areia, Fr¡vola, incerta Inˆs Tinha perdido a ideia Da sua alva nudez. Mas veio uma onda mansa... Com requebros subtis, Subiu ... altura dela, E em torno dos quadris P"s-lhe uma alga amarela. O movimento brando Desse novelo de oiro! E logo a onda, voltando, Trouxe-lhe outro tesoiro. Inˆs, fr¡vola, incerta, Deixava-se enla‡ar... (A praia era deserta... E era t"o doce o mar!) Cƒntaro cheio _ beira da fonte, Com cƒntaro cheio Que vou eu fazer? Enquanto vazio Meu cƒntaro tinha Promessas da fonte: Sua alma era a minha! Mas, agora, cheio, N"o guarda sentido Al‚m do receio De ficar partido. Peixe vermelho Nas guas, ricas em oiro velho, Flutua certo peixe vermelho. Vive no meio de guas suaves Onde h furtivas imagens de aves. E os olhos claros dos namorados Na gua se alongam esverdeados; E a negra amora, com seu veludo, Na gua se alonga e tudo, tudo Menos o peixe que vive, apenas, No tanque de oiro de guas serenas. Can‡"o ... ausente Para te amar ensaiei os meus l bios... Deixei de pronunciar palavras duras. Para te amar ensaiei os meus l bios! Para tocar-te ensaiei os meus dedos... Banhei-os na gua l¡mpida das fontes. Para tocar-te ensaiei os meus dedos! Para te ouvir ensaiei meus ouvidos! Pus-me a escutar as vozes do silˆncio... Para te ouvir ensaiei meus ouvidos! E a vida foi passando, foi passando... E, ... for‡a de esperar a tua vinda, De cada bra‡o fiz mudo cipreste. A vida foi passando; foi passando... E nunca mais vieste! Quando o vento dobrou todo o salgueiro... Quando o vento dobrou todo o salgueiro E as folhas ca¡ram sobre o tanque Disseste-me em segredo: -- A vida ‚ como as folhas E a morte ‚ como as guas! Depois, ... nossa frente, Um p ssaro cortou com o seu voo azul Os caminhos do vento. E tu disseste ainda: -- O amor ‚ como as aves... Mas quando aquele p ssaro, ferido J n"o sei por que bala, Veio cair ao tanque, Mais negros e mais fundos os teus olhos Prenderam-se nos meus! E n"o disseste nada... ESTRELA MORTA [1940] Ber‡o Mansa crian‡a brava, Fui das mais, Diferente. Ent"o, tristes, meus pais Sentiram, certamente, Em mim, como um castigo! Noite e dia eu sonhava... E era sempre comigo! Depois, fugindo ... gente, Eu procurava as flores, Em todas encontrando Jeito gr cil e brando De brinquedos e amores... As violetas sombrias Dos bosques de Cabanas Essas, sim entendi-as E julgava-as humanas!... Abismo Hei-de ir de Ponte de Lima At‚ ao Carregadoiro! De barco hei-de ir rio acima Por entre milheirais de oiro! Hei-de ir al‚m de Calheiros! Al‚m, al‚m do Cardido Onde h pinheirais mais fundos Que o pinhal do Camarido! Barco leve! Hei-de ir! Hei-de ir! Hei-de ir! Hei-de ir! Rio acima Por entre milheirais de oiro... Hei-de ir de Ponte de Lima At‚ ao Carregadoiro! Hei-de ir! Hei-de ir!... Por agora N"o me sai isto da ideia: De barco hei-de ir rio acima Em noite de Lua-cheia! Hei-de ir... Nem sei se imagino Mal maior que o meu desejo! -- Beijo Obscuro Que procuro... -- Por paix"o?... -- N"o! Por destino... Naufr gio No meio da claridade Daquele t"o triste dia Grande, grande era a cidade... E ningu‚m me conhecia!... Rostos, carros, movimentos, Traziam noite e segredo. S¢ eu me sentia lento, E avan‡ava quase a medo... S¢ a saudade da P tria Long¡nqua me acompanhava! Quisera voltar ... serra E ouvir o vento e a gua brava; Quisera voltar ao bosque Onde sei que sou lembrado... Voltar ...s leiras de Afife E ouvir a can‡"o t"o mansa Do pastor que guarda o gado!... Mas, nas ruas sinuosas, Ainda o rumor crescera, E eu contemplava, assombrado, Minhas m"os, ontem com rosas... Minhas m"os, hoje de cera!... Ent"o, passaram por mim Uns olhos lindos... Depois, Julguei sonhar vendo enfim Dois olhos como h s¢ dois. :, Em todos os meus sentidos Tive press gios de adeus. E os olhos, logo perdidos, Afastaram-se dos meus! Acordei. A claridade Fez-se maior e mais fria. Grande, grande era a cidade... E ningu‚m me conhecia!... Simplicidade Queria, queria Ter a singeleza Das vidas sem alma E a l£cida calma Da mat‚ria presa. Queria, queria Ser igual ao peixe Que livre nas guas Se mexe; Ser igual em som, Ser igual em gra‡a Ao p ssaro leve, Que esvoa‡a... Tudo isso eu queria! (Ser fraco ‚ ser forte). Queria viver E depois morrer Sem nunca aprender A gostar da morte. Incerteza Toda, toda a noite fria O rouxinol cantou. Mas ao raiar do dia Logo se cala triste, Uns dizem que fugiu Outros que n"o existe. Balada do Rio Doiro Que diz al‚m, al‚m entre montanhas, O rio Doiro ... tarde, quando passa? N"o h can‡(tm)es mais fundas, mais estranhas, Que as desse rio estreito de gua ba‡a!... Que diz ao vˆ-lo o rosto da cidade? à ruas torturadas e compridas, Que diz ao vˆ-lo o rosto da cidade Onde as veias s"o ruas com mil vidas?... Em seus olhos de pedra t"o escuros Que diz ao vˆ-lo a S‚, quase sombria? E a t"o negra muralha ... luz do dia? E as ameias partidas sobre os muros? Vergam-se os arcos gastos da Ribeira... Que triste e rouca a voz dos mercadores!... Chegam barcos exaustos da fronteira De velas velhas, j multicolores... Sinos, caix(tm)es, mendigos, regimentos, Mancham de luto o vulto da cidade... Que diz o rio al‚m? Por que n"o h -de Trazer ao burgo novos pensamentos? Que diz o rio al‚m? _ vido, um grito Surge, por tr s das aparˆncias calmas... E o rio passa torturado, aflito, Sulcando sempre o seu perfil nas almas!... PECADO [1942] Pecado Caminheiro! Caminheiro Que passas t"o corcovado! Diz: qual foi o teu pecado? Diz: qual foi o teu castigo? Caminheiro! Caminheiro Que passas t"o corcovado! -- Trago os meus l bios comigo! Caminheiro! Caminheiro Que passas t"o corcovado! Diz: qual foi o teu pecado? Diz: qual foi o teu castigo? Caminheiro! Caminheiro Que passas t"o corcovado! -- Trago os meus olhos comigo. Caminheiro! Caminheiro Que passas t"o corcovado! Diz: qual foi o teu pecado? Diz: qual foi o teu castigo? :, Caminheiro! Caminheiro Que passas t"o corcovado! -- Trago a minha alma comigo... Sede Cravos vermelhos, desconhecidos! Aqueles cravos! Ningu‚m mos d ? Podem teus bra‡os andar floridos... Pode haver cravos nos teus sentidos... Ai! Cravos! Cravos! Onde ‚ que os h ? Flor que adivinho e me procura Sendo ... mistura L¡rio e beg¢nia. L¡rio t"o casto! Beg¢nia impura... Vacilam cravos na noite escura Da minha ins¢nia... N"o virem bruxos! N"o virem s bios Dizer-me todos onde ‚ que est"o Aqueles cravos para os meus l bios! E pode havˆ-los na tua m"o! Abismo Era na aldeia onde as ruas N"o s"o ruas, s"o caminhos -- Lajes polidas e nuas Por entre sebes de espinhos... Era noite ou era dia? Noite escura ou de luar? Iam os dois quase a par... Iam s¢s. Ningu‚m nos via! A mesma sede abafada Tornava-os lentos e lassos. Deles n"o se ouvia nada Al‚m do rumor dos passos. brios de sombra ou de vinho? E, lentos, foram passando, Trope‡ando No caminho... A cantadeira ambulante A cantadeira ambulante Canta-nos t"o devagar! Ao p‚ dela, nesse instante, S¢ para a ouvir cantar, Os noivos passam. N"o cessa O encanto dessa cantiga! Tristeza que n"o castiga Porque o amor ainda ‚ promessa... A cantadeira ambulante Canta-nos t"o devagar! Ao p‚ dela, nesse instante, S¢ para a ouvir cantar, Passam dois velhos -- M sorte A dor daquela cantiga! Voz negra. Voz inimiga Onde h pren£ncios de morte. A cantadeira ambulante Canta-nos t"o devagar! Ao p‚ dela, nesse instante, S¢ para a ouvir cantar, Passa um menino... T"o brando O som daquela cantiga! E a can‡"o da rapariga Vai fugindo e vai brincando... Can‡"o de Viana Eu sou de Viana cidade. Eu sou de Viana que ‚ vila. Sou de Viana e sou da aldeia Sou do monte e sou do mar. A minha terra ‚ Viana! Quem diz Viana, diz Cerveira, Quem diz Cerveira, diz Arga... -- S¢ dou o nome de terra Onde o da minha chegar! Dancei a Gota em Carre‡o, O Verde Gaio em Afife (Dancei-o devagarinho Como a lei manda bailar!) Dancei em Vile a Tirana E dancei em todo o Minho E quem diz Minho, diz Viana... _¢ minha terra vestida Da cor da folha da rosa! _¢ brancos saios de Perre Vermelhinhos na Areosa! Virei costas ... Galiza; Voltei-me antes para o sul... Santa Marta! Trajo Verde... Como o povo era poeta Aquele trajo (t"o verde!) Deram-lhe o nome de azul... :, Virei costas ... Galiza Voltei-me antes para o mar... Santa Marta! Saias negras... Mas como o povo ‚ poeta Aquelas saias t"o negras Tˆm vidrilhos de luar! Virei costas ... Galiza... Pus-me a remar contra o vento... Santa Marta! Saias rubras... _¢ Santa Marta vestida Da cor do meu pensamento! A minha terra ‚ Viana, S"o estas ruas compridas, S"o os navios que partem E s"o as pedras que ficam... este sol que me abrasa, Estas sombras que me assustam... A minha terra ‚ Viana. Ai! Este sol que me abrasa E estas sombras que me assustam! O bailador de fandango Sua can‡"o fora a Gota Sua dan‡a fora o Vira. Chamavam-lhe (r)o fandangueiro¯. Mas seu nome verdadeiro Quando bailava, bailava, N"o era nome de cravo, Nem era nome de rosa. -- Era o de flor, misteriosa, Que se esfolhava, esfolhava... E havia um cristal na vista E havia um cristal no ar Quando aquele fandanguista Se demorava a bailar! E havia um cristal no vento E havia um cristal no mar. E havia no pensamento Uma flor por esfolhar... Fandangueiro! Fandangueiro?... (Nem sei que nome lhe dar...) Tinha seus bra‡os erguidos Nem sei que ignotos sentidos -- Jeitos de Asa pelo ar... Quando bailava, bailava, N"o era folha de cravo Nem era folha de rosa. Era uma flor, misteriosa, Que se esfolhava, esfolhava... :, Domingos Enes Pereira Do lugar de Montedor... (O bailador do Fandango Era aquele bailador!) Vinham mo‡as da Areosa Para com ele bailar... E vinham mo‡as de Afife Para com ele bailar. Ent"o as sombras dos corpos, Como chamas trai‡oeiras, Entrela‡avam-se e a dan‡a Cobria o ch"o de fogueiras... E as sombras formavam sebe... O movimento as florira... O sonho, a noite, o desejo... Ai! Belezas de mentira! E as sombras entrela‡avam-se... Os corpos, ningu‚m sabia Se eram corpos, se eram sombras, Se era o amor que se escondia... Mendigo de olhos violetas Mendigo de olhos violetas! Que hei-de p"r na tua m"o? Nasci de pupilas pretas... Tu, n"o! Mendigo de olhos violetas Como o c‚u ao entardecer, Nasci de pupilas pretas Que o ch"o negro h -de comer! Mendigo de voz que mente, Amarguras n"o possuis. Nasceste de olhos azuis Mais claros que os da outra gente. Mendigo que me procuras, Que hei-de p"r na tua m"o? Amarguras N"o possuis: Nasceste de olhos azuis... ...E eu, n"o! Cantar do norte (r)Abaixa-te Serra d'_Arga! Eu quero ver S. Louren‡o! Abaixa-te Serra d'_Arga! Eu quero ver S. Louren‡o! Quero ver o meu amor! Quero acenar-lhe com o len‡o... Quero acenar-lhe com o len‡o... Ai! lai lai! larai! lai lai... la!¯ Meu amor! por que te escondes Por detr s da Serra d'_Arga? Por que te foste esconder Na terra de S. Louren‡o? Meu amor, por que te escondes Por detr s da Serra d'_Arga? E nem me deixaste um len‡o! Nem por mor de te acenar... Meu amor, quando em ti penso Nem sei o que hei-de pensar! Por que puseste a montanha Entre as nossas duas vidas? As nossas m"os s"o quebradas E as nossas vidas Partidas! :, Abaixa-te Serra d'_Arga, Minha proa de navio! Quero ver o meu amor! Amor meu! Amor vadio... Se ainda as minhas m"os chegarem _... tua m"o delicada, Hei-de ver a tua m"o... A tua m"o. . . e mais nada! E hei-de buscar tua boca... (Quem fez a flor, fez a abelha...) Por onde andarem teus l bios H -de andar rosa vermelha... (r)Abaixa-te Serra d'_Arga! Eu quero ver S. Louren‡o! Abaixa-te Serra d'_Arga! Eu quero ver S. Louren‡o! Quero ver o meu amor! Quero acenar-lhe com o len‡o... Quero acenar-lhe com o len‡o Ai! lai lai! larai! lai lai la!...¯ Degredo Naquele branco navio Que ao longe parece fumo, Que as ondas do mar salgado Parecem deixar sem rumo, Naquele branco navio Sou eu quem vai embarcado. Prov¡ncia! minha prov¡ncia Como agora me lembrais! Cheiro da terra molhada Resina dos pinheirais! Prov¡ncia! minha prov¡ncia! Arga! Bonan‡a! Peneda! Formariz e Portuzelo! Abelheira e Pomarch"o! Ai Ponte de Mantelais! Aldeia de Verdoejo! Ai S. Miguel de Frontoura! Friestas! Pa‡"! Venade! Vilar de Moiros! Carre‡o! Santa Cristina de Afife! E l no fundo Cabanas... Rio Minho! Rio Coura! Rio de Ponte de Lima! Rio de Ponte da Barca! (O mar come‡a em Vi-_Ana...) Ai! a Torre de Quintela Mai-la da Gl¢ria! Bretiandos! Ai o Pa‡o do Cardido! Nossa Senhora de Aurora! Alminhas de Al‚m da Ponte! Ai cruzeiro da Matan‡a! Ai! as rvores da Gelia! :, Bruxarias e ladr(tm)es... Certa m"o branca nos muros... Vozes na casa deserta... Ai! o Vento! a Noite! o medo! E a madrugada? E os poentes? E as rusgas? E as romarias? Mocidade! Mocidade! Capelinha de S. Bento! Carreirinhos ao luar... (Por quantos deles n"o v"o Os homens ... perdi‡"o Que logo ... morte vai dar?) Ai! leiras de milho alto! Videiras! Ai videirinhas! Can‡(tm)es na pisa do vinho! Toadilhas de aboiar! Esfolhadas! Esfolhadas! Ai! bailaricos na praia Pelas cortas do arga‡o! Tiranas! Viras e gotas! Verde Gaio! Verde Gaio! Minha viola brejeira! Minha harm¢nica tombada! Como agora me lembrais! E aquele pinheiro manso Ao dar a volta da estrada? E aqueles beijos contados Nos dedos daquela m"o? E as ondas do mar baloi‡am J n"o sei que embarca‡"o... E aquele branco navio Que ao longe parece fumo Que as ondas do mar salgado Parecem deixar sem rumo, (Aquele branco navio!) vida humana: Pecado Maior do que o mar salgado. Que o mar, sem ele, ‚ vazio! __pr¡ncipe __perfeito [1944] Justi‡a Crescem os muros, ficam fechados, Noites e noites, dias e dias... E ningu‚m pensa nas enxovias Onde h Poetas e namorados! Tantas cidades! Tantos pa¡ses! Balan‡as fr geis, t"o movedi‡as... Tantas cidades! Tantos pa¡ses! E as togas sempre! Sempre os ju¡zes E as cabeleiras hirtas, posti‡as! Os sinos dobram... Pena de morte? Do templo sa¡am os fariseus! Pena de morte? Pena de morte? N"o ser meu grito ainda mais forte! Quem julga os vivos condena Deus. E os muros crescem, ficam fechados, Noites e noites, dias e dias... E ningu‚m pensa nas enxovias Onde h Poetas e namorados! Fui pedir um sonho ao jardim dos mortos Fui pedir um sonho ao jardim dos mortos. Quis pedi-lo, aos vivos. Disseram-me que n"o. Os mortos n"o sabem, l onde ‚ que est"o, Que neles se enfeitam os meus bra‡os tortos. Os mortos dormiam... Passei-lhes ao lado. Arranquei-lhes tudo, tudo quanto pude; P ginas intactas-- um livro fechado Em cada ata£de. Ai as pedras raras! As pedras preciosas! Relƒmpagos verdes por baixo do mar! A sombra, o perfume dos cravos, das rosas Que os dedos, j hirtos, teimavam guardar! Minha alma ‚ um cad ver p lido, desfeito. As suas ossadas Quem sabe onde est"o? Trago as m"os cruzadas... Pesam-me no peito. Quem sabe se a lama onde hoje me deito Dar flor aos vivos que dizem que n"o? Epit fio Roubei um pr¡ncipe morto. N"o renego o meu pecado. Trago um vestido roubado; Mas trago-o justo ao meu corpo. Liberta‡"o Que nos teus dedos tr‚mulos a espada Um dia se destrua! Que a noite cala nos teus olhos, nua, Sonƒmbula, pesada! Que a fome alongue os bei‡os que eram duros E a sede murche um pomo em cada peito! E al‚m das sebes e dos muros Te espere em v"o o pr¡ncipe perfeito! Que toda a tua pele entregue ao vento Se torne em folha in£til, espantada! E que, em teu sopro branco e cego, nada Seja uma vez mais r pido ou mais lento! Que nem um barco b¢ie ... flor do mar! Que sobre as guas nem se aviste um mastro! E que, na praia, o sol possa queimar Os p‚s que, em sangue, h"o-de escrever seu rastro! Que essa hora de amanh" venha distante Como distante foi a que morreu! Desabe o mundo! e eu ria e baile e cante! O mundo ‚ toda a gente menos eu. (r)Mea culpa¯ Fugindo ... voz do amor, fugindo ... lota, A l grima que nasce em mim nem rola Fica-me a face branca, branca e enxuta; Cruzei os bra‡os recusando a esmola. Por ast£cia esquivei-me a qualquer crime. Com gestos h beis, c¡nicos de bruxo. Desconhe‡o o remorso que redime. Dei-me ... virtude fria como a um luxo. Escurid"o Negra, sim, como os cravos s"o vermelhos, Negra, sim, como a nove ‚ branca e fria, Negra como as m"os postas e os joelhos Assim ‚ negra a noite do meu dia. Negra como o que penso e o que n"o dizes! (Lembro n"o sei que p ssaro ao poente..) Ai! a fronteira em todos os pa¡ses! Ai! um s¢ fruto proibido e ardente! Negra como a ignorƒncia e a realeza Dos bra‡os que se cruzam com desd‚m. Negra como a raiz oculta e presa Como o nome (t"o meu) de Pedro Sem! Negra como os vest¡gios maus do sangue E o destino de toda a Poesia... Negra como esse corpo, doce e langue Que da sua beleza n"o sabia... Assim ‚ negra a noite do meu dia, Negra como as m"os postas e os joelhos, Negra, sim, como os cravos s"o vermelhos, Negra, sim, como a neve ‚ branca e fria... Cemit‚rio Dizem que h , por tr s dos muros L¡rios, p‚rolas, abelhas! Dizem que h bocas vermelhas De l bios intactos, duros! Que h quem se vista de seda Para ent"o se desnudar... E que as sombras na alameda S¢ bolem quando h luar... Por‚m, a noite comprida Cobre esqueletos medonhos... Primeira noite, dormida Sem a m£sica dos sonhos! Nos corvos brilham veludos. Nos vermes brincam an‚is. Noite em que os homens s"o mudos E em que os bichos s"o os reis. Dizem que ao longe ainda h rios, E que h barcos sobre o mar... Ai! port(tm)es, port(tm)es sombrios! Fechai-vos mais devagar! Negreira Para que em teu chap‚u luzisse a pluma E houvesse no teu manto s¢ brocado, E do teu corpo ondeante, quase alado, A veste fosse perturbante espuma, Para que a boca no teu rosto liso Lembrasse a intacta flor apetecida E andasse nos teus l bios um sorriso E chama, nesses l bios, prometida, Para que as j¢ias cintilassem todas Na tua carne virgem, inocente, Para que em dan‡as sugerisses bodas Onde um anjo se unisse a uma serpente, Para que a prata e a seda e a renda e a rosa Te servissem de tr‚mula moldura, Para que fosses mais que a mais formosa, A mais ing‚nua, a mais serena e pura, Correram rios de oiro e esse desgaste De sangue escravo ecoa em tua voz, Deixando mudos, m¡seros e s¢s, Os que n"o conheceste e n"o amaste. Press gio Ela h -de vir como um punhal silente Cravar-se para sempre no meu peito. Podem os deuses rir na hora presente Que ela h -de vir como um punhal direito. Cubram-me lutos, sordidez e chegas! Tamb‚m rubis das minhas m"os morenas! Rasguem-se os v‚us do leito em que me afagas! -- A coroa de ferro ‚ cinza apenas... E ela h -de vir a lepra que receio E cuja sombra, aos poucos me consome. Ela h -de vir, maior que a sede e a fome, Ela h -de vir, a dor que ainda n"o veio. Pr¡ncipe perfeito Aquele estranho soldado Nunca a farda ele a rompeu Aquele estranho soldado, Cujo ex‚rcito ‚ parado; Sou eu. Aquela estrela cadente, Depois de cair da altura, Quem se lembra que ela ardeu? Aquela estrela cadente Sou eu. N"o foi sobre mar revolto, Foi sobre p lido lago Que certa nau se perdeu... Aquela barca perdida Sou eu. Sei dum livro ainda fechado. Por que ‚ que ningu‚m o leu? -- Era uma vez um Poeta.. Aquele conto ignorado Sou eu. Nem os palmos de ch"o tenho Que o destino aos mortos deu! N"o tenho um palmo de terra! N"o tenho nada. O Poeta Sou eu. _¢ p ssaro de Pedra! As tuas horas longas s"o as minhas... _... nossa frente os Oceanos falam. Mas n¢s emudecemos. :, A nossa beira uns choram: outros riem. Mas n¢s ficamos frios e parados. Logo, ao cair da noite, As plantas dormem... Os corpos v"o juntar-se Livremente. Esses versos que o dia encarcerou!... E eu E tu Morremos de cansa‡o, De olhos postos no c‚u dos que voaram! Ouviu-se ao longe a m£sica da vida Ao longe ouvi-a, em meu caix"o deitado... N"o me acordou a m£sica da vida!... Dormi, sonhando, em meu caix"o deitado, Cavalos brancos e selins de prata, Carro‡(tm)es de oiro, de oiro mas vazios, Hist¢rias velhas, velhas mas sem data, Tudo como eu. L bios turbados, frios... Ningu‚m calcou a minha sepultura! A mim chegou s¢ o eco de outros passos! Can‡"o morta? Afinal, can‡"o futura. Sono de membros alquebrados, lassos... Condena‡"o! Dedo que me det‚m! Ficou um sopro sobre o meu poisado... Anjos? Dem¢nios? N"o me viu ningu‚m. Vivi dormindo em meu caix"o fechado. O ritmo... A cor... O aroma... Essas nascentes Deviam-me bastar! Mas n"o! Tenho pulm(tm)es. Preciso de ar. Trago entreaberta a boca e tenho dentes... E o sonho? E o amor? As vibra‡(tm)es secretas Deviam dar-me o alento de viver! :, De que lama s"o feitos os Poetas Que buscam s¢ prazer? Sei que h sombras e h fundos matagais... Corpo trigueiro e forte!. Por que esperas Para saciar o instinto? Nada mais Do que a fome d p"o e alma ...s feras. Devia ser um beijo E foi s¢ chaga aberta! Devia ser harpejo. E foi nota deserta! _¢ formosura acesa! Que ‚ dos voos eternos ? -- Caminhos de beleza Desceram aos infernos... Deviam ser caminhos Onde a nossa alma fosse Envolta em seus arminhos. Que ‚ da beleza doce? Deviam ser mil rosas, Todas resplandecentes! Deviam ser mil rosas, Com m¡sticas sementes! Deviam ser mil rosas. E foram mil serpentes: -- Vol£pias monstruosas, Contactos decadentes... A nascente dorida dos meus rios N"o se vˆ. Meus versos, escrevi-os Para quˆ? Sofri meus pensamentos e cantei-os, (N"o foi s¢ por cantar!) Neles ficaram linhas de alvos seios E tintas apagadas de luar... :, Mas a nascente viva dos meus rios N"o se vˆ. Meus versos, escrevi-os Para quˆ? Algu‚m ao lˆ-los n"o sentiu a prece? Ah! minha rubra l grima perdida! Segredo? Uma vez dito, logo esquece... Bailado? Enquanto o dan‡o ‚ que tem vida! Pediram-me a alma. Dei-a. Chamaram-lhe bruma! Pediram-me sangue. Dei-o. Chamaram-lhe espuma! E atordoou-me o toque do clarim Do que era loiro, ardente e amanheceu. Nabucadonosor! Um nome assim, Podia ser o meu. As m"os do rei podiam ser as minhas. A sua ra‡a continua em mim. Petrificaram-me as rainhas _... mesa do festim... _¢ dan‡as Por florir! Mesopotƒmia! _¡ndia! Roma! Alc cer Quibir! Prometeram-me l¡rios, cordeiros, aves mansas... Fora pr¡ncipe cego o meu £nico irm"o! Minha sala de baile uma rocha bem quieta! Os homens n"o me viram e nunca me ver"o, A mim, que sou Poeta. BODAS VERMELHAS 1947£ Anuncia‡"o Quando nas ruas n"o houver ciganos, Nem rabes na praia sequiosa, Nem sereias no mar, nem uma rosa Se desfolhar os dedos desumanos, -- Quando as m"os brancas, rudes, que hoje afago Destru¡rem na pra‡a est tuas falsas, Quando o vento varrer lajes descal‡as, Em torno do meu lago, Quando o antigo jardim ficar desnudo, Tal qual a serra agreste, Quando o faquir rasgar a sua veste De p£rpura e veludo, E quando o cisne em £ltimo bailado Exausto se prostrar E a sombra e o seu ex‚rcito pesado Entrarem no solar, Ai! quando as naus pela mar‚ salgada Se afundarem com oiro, vinho e p"o, Quando a vol£pia n"o tiver estrada E a beleza e a mentira tamb‚m n"o, Quando os l bios das virgens, porto em porto Ao vento e ...s noites n"o pedirem nada (Quando a vol£pia n"o tiver estrada!) Ningu‚m chame por mim, que estarei morto. Can‡"o Hindu Nesta rua cansada que morreu, A luz doira e perfuma as pedras velhas. Na minha rua as m"os foram vermelhas E hoje s"o brancas, p lidas como eu. A gua, ao nascer, enterra o sol poente... Na igreja h ru¡nas, mas no altar h cravos. E, para a sede, h vinho que nos mente E que liberta os bra‡os dos escravos. Cegos, leprosos, mas que n"o tem fim. (Sofriam mais, talvez, n"o sendo assim...). Meu pa¡s sem futuro e sem presente! Minha p tria de ausˆncia e podrid"o! Negros? Judeus? Cativos? -- Tudo ‚ gente. S¢ quem ri dos Poetas ‚ que n"o. Nem s¢ o mar ‚ redondo Cantei. Houve uns que me viram E outros n"o me viram, n"o. E todos, todos sorriram. Mesmo aqueles que me viram E os que n"o me viram, n"o. Deolinda da Castelhana! Chico Bou‡a de Espantar! Marcos Rocha... Constantino... Ah! minha Nau Catrineta Que tens tanto que contar! Nem s¢ o mar ‚ redondo. Redondos s"o estes dedos Quando n"o tocam no peito. Nunca os meus dedos tocaram Nas pedras em que me deito! L longe, na serra imensa, Cada pedra est fechada. A Lua dorme... Deus pensa... N"o h vest¡gios de estrada... Passaram de sete serras As que tive de passar. De Caminha fui a Dem... Corri Venade, Trasƒncora, Orbacem, Vile, Soutelo... Foram sete serras negras, Negras, negras, negras, negras, As que tive de passar! Rezei mai-los que rezavam. (Como quem reza, rezei!) Traziam sal as promessas. :, Dos sacos, o sol vertia Gotas frias que escaldavam... Como quem baila, bailei Lentas corridas de Gota, Voltas de Fandango lento... Bailei como os que bailavam. Toda a noite andei bailando, Com m"os livres e morenas, Sem falsidades, sem nada, Al‚m de sombra e de vento... Vol£pias de amor? Silˆncio! Foram sete serras negras, Negras, negras, negras, negras As que tive de passar! Nem s¢ o mar ‚ redondo, Redondos s"o estes dedos, Quando n"o tocam no peito, A Lua dorme... Deus pensa! E se eu voltasse ao come‡o Do meu caminho desfeito? Talvez que todos chorassem, Chorando consigo em v"o: Os que a princ¡pio sorriram... Mesmo aqueles que me viram E os que n"o me viram, n"o! Esc rnio O meu amor anda em fama. Mesmo assim lhe quero bem. Cegueira? Seja o que for! Os olhos do meu amor N"o os vejo em mais ningu‚m. Tentaram deit -lo ... rua, Mas abri-lhe a minha porta. E a minha m"o, toda nua, Varreu toda a noite morta. Por‚m, mil vozes, medonhas Como peda‡os de lama, Segredaram-me vergonhas Do meu amor que anda em fama. Ai! a dor! -- casa florida... Ai! o amor! -- casa cercada. H -de-se acabar a vida Com a £ltima pedrada!... Vila Verde Cadeia de Vila Verde, Com teus ferros, tuas pedras, Arrasada sejas tu! Com os teus ferros sem alma; Tuas pedras de olhar cru. Vila Verde! Vila Verde! Ai! Cadeias como a tua Nem mesmo a fogueira as lava! Eu bem vi em Vila Verde Loucos, cegos... E, ... mistura, Dois presos. Ambos t"o jovens! Um sorria; outro chorava... Fora em Maio. Havia rosas C fora. E, ao sol, na estrada, Bailavam os namorados! Mocidade n"o tem crimes. O que tem ‚ cora‡"o! Os dois presos eram jovens. Estendi-lhes, pelas grades, A palma da minha m"o... Cuidado, Crist"os! Cuidado! Quanta vez a caridade D¢i tanto ou mais que o desprezo! :, Quem falou em mocidade? Quem falou em cora‡"o? Ao ver-me, aqueles dois presos Abra‡aram-se um ao outro, E ambos me disseram: -- C"o! Can‡"o sinistra Correm l grimas. . . E canto! Canto a carne que alumia A minha casa vazia E as cinzas do meu espanto. Flor por flor, astro por astro. Terra, mar e firmamento. _¢ carne, que deixas rastro At‚ nas dobras do vento! Canto a carne que revela O vinho que me embriaga. Canto a carne que revela (Quanto mais funda mais bela!) A n¢doa da minha chaga... Canto a carne -- in£til prece Dos meus p‚s de caminheiro. Carne. Carne -- in£til prece. Carne que ‚s o mundo inteiro! Carne. Carne que apodrece. O cantador de Mazedo Com sangue, sol e poeira, _‚ que aprendera a cantar! Mas, fosse em adro ou em feira, Sua voz rimava, inteira, Com sombras e com luar. Mazedo ‚ perto de Lara. E, ali, algu‚m escutara O que n"o soube guardar... Depois, no forte, em Cerveira, Can‡(tm)es de esfolhada e feira Ainda eram sombra e luar! E o cantador de Mazedo N"o voltou a Valadares E a Pinheiros tamb‚m n"o. Nem a Pias, nem a Bela, N"o voltou a Brejoeira, Nem ... estrada de Monc"o! Passaram anos... Um dia, Correu a f£nebre nova De que morrera na aldeia Quem, por m hora, levara O cantador ... cadeia. :, E o cantador de Mazedo, Que no c rcere cantara E at‚ na esmola colhera Motivos para can‡(tm)es, Cheias de sol, de luar, O Cantador de Mazedo, Desta vez, ficou tranquilo. N"o chorou. N"o! -- Mas esteve Oito dias sem cantar... Romance ‚ dor escondida Como a desse cantador. Eu n"o defendo nem ataco a vida! Eu n"o defendo nem ataco o amor... Eternidade A minha eternidade neste mundo Sejam vinte anos s¢, depois da morte! O vento, eles passados, que, enfim, corte A flor que no jardim plantei t"o fundo. As minhas cartas leia-as quem quiser! Torne-se p£blico o meu pensamento! E a terra a que chamei -- minha mulher -- A outros dˆ seu l bio sumarento! A outros abra as fontes do prazer E te‡a o leito em p‚talas e lume! A outros dˆ seus frutos a comer E em cada noite a outros dˆ perfume! O globo tem dois p¢los: Ontem e hoje. Dizemos s¢: -- Meu pai! ou s¢: -- Meu filho! O resto ‚ baile que n"o deixa trilho. Rosto sem carne; fixidez que foge. Venham beijar-me a campa os que me beijam Agora, fr geis, fr¡volos e humanos! Os que me virem, morto, ainda me vejam Depois da morte, vivo, ainda vinte anos! Nuvem subindo, anis que se evapora... Assim um dia passe a minha vida! Mas, antes, que uma l grima sentida Traga a certeza de que algu‚m me chora! Adro! Cabanas! Meu cantar do Norte! (Negasse eu tudo acreditava em Deus!) N"o pe‡o mais: -- Depois da minha morte Haja vinte anos que ainda sejam meus! Sonata N"o quero morrer mais cedo Nem quero morrer mais tarde. N"o sou aud cia nem medo; Nem brasa que se incendeia, Nem lenha que j n"o arde. Sou, quando muito, uma ideia T‚nue, azul, que principia... N"o quero morrer mais cedo, Nem quero morrer mais tarde. -- Mas quero morrer um dia... Can‡"o de Vila Real N"o sei se conte ou n"o conte... Contando, contarei mal. O bruxo de al‚m da ponte _‚ o Jaime. _‚ o Jaime de Vila Real. A cidade o fez bandido Quando a P tria o fez soldado. L em baixo, boiam no rio, Rio ba‡o, ba‡o e frio, Dois bra‡os nus, lado a lado... (N"o sei se conte ou n"o conte... Contando, contarei mal...) Ai! Algibeiras vazias, Fato escuro, abandonado! E de s£bito, no rio, Rio ba‡o, ba‡o e frio, Dois bra‡os nus, lado a lado... Todas as noites, um moiro, Deu nome ... ponte esquecida. Mas a mascara do moiro S"o trinta moedas de oiro E o risco da pr¢pria vida. H , na curva do horizonte, Prazer e medos sem fim. N"o sei se conte ou n"o conte... _¢ bruxo de al‚m da ponte, Que me h s-de julgar a mim! Can‡"o fatal Meu verso ‚ falso. Com vaidade fria Eu o escrevi, como quem talha um fato. H bil pintor, pintor de auto-retrato, A figurar, de p‚, na galeria. Pus um cravo na boca... Nada mais. Nos dedos, duas p‚rolas... E pronto. E cada qual, extasiado e tonto, Veio bater, faminto, aos meus portais. Carne morena, olhos azuis, desd‚m, Tudo ficou no patamar da rua. E sete vezes me traiu a Lua... A minha alcova n"o subiu ningu‚m. Nunca por nunca se derrubem muros! Neles a vida est . Vida ‚ fachada. E nunca, na mentira destronada Os vermes deixam de mostrar-se, impuros... Por isso agora, l£cido, vos brado: (E ainda ‚ vol£pia a confiss"o tardia!) -- Poetas! brasas v"s na terra fria, Vendei mais caro a vossa Poesia, E nenhum ceptro vos ser negado! Can‡"o da noite Toda a gram tica dos meus cavalos Foi um arrastar de carros, passo a passo, _¢ noite, chicoteia os meus cavalos! Trago os olhos abertos. Vem fech -los! E deita areia e tojo em teu rega‡o! Ergui no ar sonƒmbulas espadas E calei preces, em del¡rio mudo. E ‚s tu que me deformas e degradas. Ins¢nia, m"e das culpas ignoradas. _¢ noite de cicuta e de veludo! A escolta dos mendigos n"o tem fim. E s"o t"o poucos os que pedem p"o! Quisera adormecer dentro de mim... Por que enganaste o sonho do arlequim Se n"o h sombra, ¢ treva, em tua m"o? Que ningu‚m me responda! Estou cansado. (Rompi o fato. A arena era redonda...) Por que h -de ser s¢ nosso o que ‚ roubado? Que ningu‚m me responda! Estou cansado... -- Ah! n"o haver ningu‚m que me responda! Can‡"o ‚bria N"o h ciˆncia: h segredo. E a eternidadc e um minuto. N"o h silˆncios: h medo. N"o h l grimas: h luto. Triste, triste, triste, triste Tristeza de entristecer! Dan‡a, meu bem! que o prazer S¢ ele e mais nada existe. Olha os pal cios escuros Em que as salas s"o cavernas! Olha os jardins! Troncos, muros, Ra¡zes fundas, eternas... Olha tanta vida bela! Olha tanta mocidade Que nunca foi ... janela Ver se o dia era verdade! _¢ ruas negras sem luz! _¢ noites sem maresia! _¢ terra spera e fria Que tudo a cinzas reduz! E aquela pena apressada, Pior que a treva e que a neve, Que, em antes que a morte a leve, Escreve e n"o conta nada? :, Que disse a bruxa a teu pai? Ao longe cantam... Ent"o, Rasga m scaras e vai Atr s daquela can‡"o! Apenas n"o me enganaram As vozes dos meus sentidos. Todos os mapas ficaram Com nomes desconhecidos. Mar de Java? Mar Egeu? Alc cer? Dam"o e Dio? Irm"os! quem sois? Quem sou eu? Tive uma filha e morreu. Tive um amigo e mentiu. E as estrelas s"o estrelas, N"o porque assim o quiseste. As estrelas s"o estrelas Como o cipreste ‚ cipreste. Quantas contaste? -- Nenhuma. Quem tas apontou ? -- Ningu‚m. Dan‡a! Dan‡a! Enquanto a bruma Te esquecer... Dan‡a meu bem! In¡cio As horas pararam todas. As horas pararam todas. S¢ buliram os instantes! As horas pararam todas. Sombra de enterro ou de bodas Nuas, p£blicas, distantes... Realidade? Promessa? Realidade? Promessa? Mist‚rio? Seja o que for! Realidade? Promessa? Depressa, meu bem! Depressa! N"o vejo o teu rosto, amor! O corpo disse que sim. O corpo disse que sim. A alma disse que n"o. Ai! dos outros! Ai! de mim! Era o princ¡pio do fim Da luz que as estrelas d"o... Contacto breve. Era pouco. Contacto breve. Era pouco. S¢ buliram os instantes! Contacto apenas... T"o pouco! Breve... T"o breve! T"o pouco! Mas era mais do que dantes. :, N"o era nada. Era a vida. N"o era nada. Era a vida. Como evit -lo e senti-lo? N"o era nada. Era a vida. Flor pisada. Honra perdida. N"o era nada. Era aquilo! Era a vergonha suprema. Era a vergonha suprema. O desprezo universal. Era a vergonha suprema... Poetas! Era um poema Que o mundo paga t"o mal! Milagre O meu futuro fora aquele instante! (Leve, subtil, a flor buliu na haste...) O meu futuro fora aquele instante Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste! Com musgo, o pinheiral esteve ... espera... E a flor (t"o perto e azul!) buliu na haste! O Inverno do arrabalde? -- Primavera! Com musgo, o pinheiral esteve ... espera... Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste! Ent"o, o olhar da noite fez-se ba‡o; E a flor, fria talvez, buliu na haste.. -- Desertos, lagos, pƒntanos, cansa‡o... O olhar da noite v¡trea fez-se ba‡o! Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste! Prazer? V¡cio? Pris"o? N¢doa? Vergonha? Estrume sob a flor da minha haste... Prazer? V¡cio? Pris"o? N¢doa? Vergonha? Poesia indom vel e medonha! Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste! Sangrou de mais o meu pecado? Basta! Buliu de mais a flor, dobrando a haste... Sangrou de mais o meu pecado? Basta! Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste! :, O vento varreu toda a noite, ardida E, com o vento, a flor buliu na haste... Veio chuva depois Destino, vida... E o vento varreu toda a noite ardida! Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste! Os homens n"o me viram e passaram. E a flor, distante j , buliu na haste... Os homens n"o me viram e passaram... _¢ cegas m"os que, um dia, me salvaram! Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste! D. Quixote N"o cabe em nenhum teatro A voz da minha trag‚dia. _¢ meu cavalo sem r‚deas! N"o h povo. H classe m‚dia. E dois e dois fazem quatro N"o cabe em nenhum castelo O meu sonho de gigante! Mar morto, frio, distante... N"o vir onda que alevante Em mim um n ufrago belo! Por que bebi teu veneno _¢ noite, madona escura? Chaga de oiro n"o tem cura. N"o deu flor nem sepultura O ch"o de rosto sereno. _... espera dos argonautas Os deuses antigos dormem. Que venha a antiga desordem! E todos por fim acordem Ao som de harm¢nios e frautas! Ver cada ta‡a vazia! Pisar mausol‚us de prata! N"o saber a hora e a data Desse punhal que nos mata! Poesia! Poesia! :, Mas a sordidez das quelhas Desaparece na pra‡a. E, lenta, a multid"o passa... Novas, na embarca‡"o lassa, As cordas parecem velhas. Ah! como o dia demora! Desejos, ningu‚m os sente. Nenhum p ssaro fremente. Nenhum vento. Apenas gente Onde houve lobos outrora. A vida ‚ um beijo perdido... Nem virtude, nem pecado. Cegueira e luz, lado a lado. As mo‡as de amor comprado N"o tˆm n¢doas no vestido. Se aquele que vive lento Ao menos fosse infeliz! A sua fartura diz Que n"o est no pa¡s A imagem do sofrimento. S¢ eu! S¢ eu recusei A paz como £nica oferta! Minha espada n"o deserta. Procuro em batalha incerta O meu t£mulo de rei! MISERERE [1948] Remorso Lembro o seu vulto, esguio como espectro, Naquela esquina, p lido, encostado! Era um rapaz de camisola verde, Negra madeixa ao vento, Boina maruja ao lado... De m"os nos bolsos e de olhar distante -- Jeito de marinheiro ou de soldado... Era um rapaz de camisola verde, Negra madeixa ao vento, Boina maruja ao lado. Quem o visse, ao passar, talvez n"o desse Pelo seu ar de pr¡ncipe, exilado Na esquina, ali, de camisola verde, Negra madeixa ao vento, Boina maruja ao lado. Perguntei-lhe quem era e ele me disse: Sou do Monte, Senhor! e seu criado... Pobre rapaz da camisola verde Negra madeixa ao vento, Boina maruja ao lado! Por que me assaltam turvos pensamentos? Na minha frente estava um condenado? --Vai-te! rapaz de camisola verde, Negra madeixa ao vento, Boina maruja ao lado! :, Ouvindo-me, quedou-se, altivo, o mo‡o, Indiferente ... raiva do meu brado. E ali ficou, de camisola verde, Negra madeixa ao vento, Boina maruja ao lado... Ali ficou... E eu, c¡nico, deixei-o Entregue ... noite, aos homens, ao pecado... Ali ficou, de camisola verde, Negra madeixa ao vento, Boina maruja ao lado... Soube eu depois, ali, que se perdera Esse que, eu s¢, pudera ter salvado! Ai! do rapaz de camisola verde, Negra madeixa ao vento, Boina maruja ao lado! Al¡vio Por que h s-de ser apenas ilus"o Como essa rosa emoldurada em vento? Onde estar s meus olhos estar"o Como essa rosa emoldurada em vento. N"o te renego, n"o, porque ‚s a vida. Sede animal de bicho, fome pura. Cabe‡a de oiro e lume, apetecida! Sede animal de bicho, fome pura. Deix -la ir pois, int‚rmina e cansada, A rota recta que nos leva ... morte! Cabe‡a de oiro e lume, hoje encontrada Naquela rota que nos leva ... morte! Mas vai e vem, sozinha, por teu p‚, Enquanto se incendeia a minha vista! Ensurdecei! E eu grite a minha f‚: -- Dai-me a cabe‡a de S. Jo"o Baptista! Ciganos Ciganos! Vou cantar, n"o a beleza Dos vossos cora‡(tm)es que n"o conhe‡o. Mas esse busto de medalha e pre‡o Que nem ‚ carne v", nem alma acesa! Sa£do em v¢s o corpo, unicamente, Desumano e cruel como o dum bicho! Em v¢s, sa£do a gra‡a omnipotente Do l¡rio que ainda ‚ flor por entre o lixo. Eu vos sa£do, pela poesia, Que nasceu pura e n"o se acaba mais. E pelo ritmo ardente que inebria Meus olhos como fios que enla‡ais! A vossa vida n"o pertence ao rei. N"o mutilaste estradas verdadeiras. Quem ama a liberdade odeia a lei Que deu ... terra a foice das fronteiras! E, enquanto o aroma e a brisa e at‚ as almas Ficam irm"s das p‚rolas roubadas, As m"os dos homens que vos s"o negadas Tremem quando passais. Mas batem palmas. Nostalgia Tinha saudades do fato De hora a hora, roto e sujo, A que esse andar de marujo Dava jeitos de retrato. De certos modos grosseiros E bruscos, tinha saudade E daqueles companheiros Rudes, maus, mas verdadeiros Como a sua mocidade. Saudades do tempo incerto Sem livros, sem oficina. Em que o mundo era uma esquina Hoje longe, amanh" perto... Daquela m£sica triste Que s¢ da sombra nos chama... Existe a paix"o? Existe. E h leitos de urze e de lama... Olhos v¡treos de cansa‡o? M"o pesada? Negras unhas? Mas que paz naquele abra‡o, Noite alta, sem testemunhas! Marcha nupcial T"o branco o teu vestido de noivado! T"o leve essa grinalda sobre a testa! Boda feliz? Boda funesta? Ela, a virtude. Ele, o pecado. Sorrias como os anjos que h no C‚u E eu, m¡sero, chorava, Ao ver-te branca, branca sob o v‚u E linda como os anjos que h no C‚u Em tua branca t£nica de escrava! E as tuas m"os poisaram, inocentes, Em minha m"o, enegrecida j . A mim pr¢prio gritei: -- Por que lhe mentes? Ai! Os teus dedos brancos, inocentes, Em minha m"o, enegrecida j ! Mas ningu‚m viu as l grimas geladas, Bebidas, lentamente, em minha face... Tudo era sol e pr¡ncipes e fadas E lajes, de veludo atapetadas! E ningu‚m viu as l grimas, veladas, Rolando, friamente, em minha face... S¢ eu, vergado pela dor secreta, Podia adivinhar o teu futuro. Grinaldas! V‚us! Ai! sonho prematuro! Ai! branca estrela! Branca, em fundo escuro... _¢ desgra‡ada noiva do Poeta! Salve-_rainha _‚ tudo carne em mim. E at‚ na prece Em mim h n"o sei quˆ de vinho e sede _‚ carne este poema. Sen"o vede A tenta‡"o que nele transparece. Carne pesada -- roxa queimadura Cobrindo-me as fei‡(tm)es: boca, nariz... Deixei de ver o c‚u do meu pa¡s. Deixei de ouvir as fontes da gua pura. Pr¡ncipe fora. Agora sou vampiro. Durmo, algemado em sonho desconexo. carne a brisa onde, vido, respiro. _‚ carne a for‡a im¢vel do meu sexo. carne o meu receio ante a agonia: Pavor de, uma vez morto, ir para a terra. Pior que a fome e do que a peste e a guerra carne a lepra, em mim, da poesia. Ai! meus irm"os! n"o sermos como a flor Que se desprende, intacta, e o vento leva! Salve-_Rainha! M"e do pecador! A v¢s bradamos: -- B lsamo! Frescor! N¢s, degredados filhos de Eva. Grades Gra‡a! Aljube! Limoeiro! Cadeia da Reclus"o! Meu Deus que tudo redimes, Quanta beleza h nos crimes Que nos levam ... pris"o! Ali me arrasta um castigo. E a sua cruz e o seu peso, Passo a passo, andam comigo. Mas, nem por isso, consigo Entender por que estou preso. Todos tiveram come‡o De ora‡(tm)es, pureza e amor. Inferno que n"o mere‡o! A todos, por baixo pre‡o, Perdeu-nos alguma flor. Ai! se o mundo me escutasse Atento, como a enxovia! Talvez que nunca eu voltasse Para os c‚us a minha face, Onde a noite espera o dia. Gra‡a! Aljube! Limoeiro! Cadeia da Reclus"o! Ferros... Sombras... Cativeiro... _¢ retrato em corpo inteiro De todo o meu cora‡"o! Amizade Ser-se amigo ‚ ser-se pai (-- Ou mais do que pai talvez...) p"r-se a boca onde cai A n¢doa que nos desfez. dar sem receber nada, Consciente da pris"o, Onde os nossos passos v"o Em linha por n¢s tra‡ada... _‚ saber que nos consome A sede, e sentirmos bem O C‚u, por na Terra, algu‚m Rir, cantar e n"o ter fome. aceitar a mentira E ach -la formosa e humana S¢ porque a gente respira O ar de quem nos engana. Povo Povo que lavas no rio, Que vais ...s feiras e ... tenda, Que talhas com teu machado As t buas do meu caix"o, Pode haver quem te defenda, Quem turve o teu ar sadio, Quem compre o teu ch"o sagrado, Mas a tua vida, n"o! Meu cravo branco na orelha! Minha cam‚lia vermelha! Meu verde manjeric"o! _¢ natureza vadia! Vejo uma fotografia... Mas a tua vida, n"o! Fui ter ... mesa redonda, Bebendo em melga que esconda O beijo, de m"o em m"o... _ gua pura, fruto agreste, Fora o vinho que me deste, Mas a tua vida, n"o! Prociss(tm)es de praia e monte, Areais, p¡ncaros, passos Atr s dos quais os meus v"o! Que ‚ dos cƒntaros da fonte? Guardo o jeito desses bra‡os... Mas a tua vida, n"o! :, Aromas de urze e de lama! Dormi com eles na cama... Tive a mesma condi‡"o. Bruxas e lobas, estrelas! Tive o dom de conhecˆ-las... Mas a tua vida, n"o! Subi ...s frias montanhas, Pelas veredas estranhas Onde os meus olhos est"o. Rasguei certo corpo ao meio... Vi certa curva em teu seio... Mas a tua vida, n"o! S¢ tu! S¢ tu ‚s verdade! Quando o remorso me invade E me leva ... confiss"o... Povo! Povo! eu te perten‡o. Deste-me alturas de incenso. Mas a tua vida, n"o! Povo que lavas no rio, Que vais ...s feiras e ... tenda, Que talhas com teu machado, As t buas do meu caix"o, Pode haver quem te defenda, Quem turve o teu ar sadio, Quem compre o teu ch"o sagrado, Mas a tua vida, n"o! Mansarda Enquanto vagabundo Um deles fora virgem, Puro como a vertigem, Aos dois a mesma origem Os afastou do mundo. Depois, a mesma chaga Negou-lhes para¡so; E, tarde, o mesmo aviso Feriu, como quem paga. J n"o canta a sereia Da carne, enquanto ilude! Somente a Lua-cheia, Ext tica, prateia As borlas do ata£de. E ali, rotos os leitos, Tra¡dos os pecados, Os sonhos j desfeitos E os dias j contados, Ocultos no segredo Que os traz, presos, consigo, Im¢veis pelo medo, Humano do castigo. Sequiosos do perd"o, De paz, de liberdade, N"o sabem por que est"o Aqu‚m de tanta grade. :, Ao longe a vida passa... A vida? O que ‚ a vida? Sem dor, flor esquecida... A vida? O que ‚ a vida Sem tudo o que ‚ desgra‡a? FADO Eu tenho dois cora‡(tm)es Dentro e fora do meu lar. Eu tenho dois cora‡(tm)es. Mas esses dois cora‡(tm)es J me n"o podem bastar. Quando a tristeza ‚ t"o triste, Qual dos dois sofrer mais? O que ‚ real n"o existe. Eu tenho dois cora‡(tm)es, Ambos eles irreais. Dois cora‡(tm)es: o primeiro Pertence ... rua e ao pecado. O segundo ‚ cativeiro De quem se fez caminheiro Sem nunca ter caminhado! Amor que se diga amor, N"o ‚ homem nem mulher. Engano? Seja o que for! Como gostar duma flor Sem gostar doutra qualquer? Aleluia Era a mulher -- a mulher nua e bela, Sem a impostura in£til do vestido Era a mulher, cantando ao meu ouvido, Como se a luz se resumisse nela... Mulher de seios duros e pequenos Com uma flor a abrir em cada peito. Era a mulher com b¡blicos acenos E cada qual para os meus dedos feito. Era o seu corpo -- a sua carne toda. Era o seu porte, o seu olhar, seus bra‡os: Luar de noite e manancial de boda, Boca vermelha de sorrisos lassos. Era a mulher -- a fonte permitida Por Deus, pelos Poetas, pelo mundo.. Era a mulher e o seu! amor fecundo Dando a n¢s, homens, o direito ... vida! Taberna Ali, na taberna ao lado Encontrei o meu amigo Ah! quem o visse a meu lado, Cego e surdo, hirto, calado E negro como um castigo! Que havia cm seus olhos? -- Nada. Pendia-lhe o bra‡o forte, Qual desgra‡a consumada De que n"o se espera nada Al‚m da esmola da morte. E fora o pastor mais belo Do lugar de Cabra‡"o! Tinha alturas de castelo, Modo airoso, mas singelo E t"o bom como os que s"o. Era assim o meu amigo: Esse que hoje, abandonado, Encontrei, como um castigo, Aqui, na taberna ao lado. Oh! por Deus, senhor Ministro, Mandai a guarda real P"r fogo a todo o vinhal! E fique menos sinistro O rosto de Portugal! ADEUS [1951] Pedro S"o cinco letras: Pedro ‚ o meu nome. Da¡ o rumo da minha sorte... Meu nome ‚ Pedro. Que triste nome! Tem tantas letras aquele nome Como a palavra triste da morte! Pedro ‚ o meu nome. -- Nome de luto, Bom pata versos de amortalhado! Ia eu de branco e os mais, de luto... L grimas! L grimas! L grimas! Luto... Que negro, negro, meu baptizado! L grimas tive, mas n"o padrinho. Para afilhado quem me quisera? E ao ver o filho, assim, sozinho, Meu pai rezava, devagarinho... -- Era um Poeta que o C‚u lhe dera! E, ent"o, no meio do baptizado, Houve pren£ncios surdos de guerra! -- N"o -- Pedro ‚ nome... -- N"o! -- Desgra‡ado? Se Pedro Homem (est provado!) Fora (r)um dos Doze¯ l na Inglaterra? E o Padre disse: -- Eu te baptizo: Pedro! (Na Igreja fiquei sozinho...) E s¢ meu Pai teve um sorriso _... minha entrada no Para¡so! Meu nome ‚ Pedro. N"o tem padrinho. :, S"o cinco letras: Pedro ‚ o meu nome. Da¡ o rumo da minha sorte... Meu nome ‚ Pedro. Que triste nome! Tem tantas letras aquele nome Como a palavra triste da morte! Aqui Esconderam-me alegrias? Eu tamb‚m as escondi. A minha fome era de oiro... (Quem pede oiro nunca ri!) Mas as tristezas vendi-as, Aqui. Aqui sim. Aqui,, somente, Sabendo que estava aqui. Ai! se cada qual soubesse Os tesoiros que h em si! Mas, se o sei, sei-o, somente, Aqui. Meu amor nasceu da terra. Onde hei-de morrer nasci. Meus l bios ser"o de barro, Mas de mim nunca desci. Quem me atacar, tenha guerra, Aqui! E se as chamas me consomem _‚ sinal que as n"o tra¡. E se a cruz est nos bra‡os Donde n"o me desprendi, Ao ver-me, enfim, vejo um homem, Aqui. Casa queimada Rastro de algu‚m, que h muito fora embora, A minha casa, agora, mal existe. A minha casa ‚ triste porque ‚ triste. Boca de pedra que, em silˆncio, chora... Qualquer coisa sem fim que n"o se expande Lˆ-se nos olhos do seu rosto s‚rio. Reduto magro de opulento imp‚rio, A minha casa ‚ grande porque ‚ grande. S¢ de evoc -la, escura, e, assim t"o fria, Sinto amea‡as negras de al‚m-mundo. Mastro a boiar ... noite, em mar sem fundo, A minha casa ‚ fria porque ‚ fria. Casa sem nome, sem pa¡s, sem rua, Onde uivam c"es vadios e agoirentos! Abandonada aos p ssaros e aos ventos A minha casa ‚ nua porque ‚ nua. Casa onde h corvos podres, todo o ano, Enquanto as cobras, junto, fazem ninho! Adega oculta onde se azeda o vinho, _... espera do seu dono, todo o ano. Casa em que o sangue escorre da parede, Nas telas onde mil antepassados Me esquecem, sorridentes mas culpados... Secam-se as fontes. E nasceu a sede. :, Casa real espeda‡ada em v"o! Vendeu-se, palmo a palmo, em volta, a quinta. E n"o encontro um sonho, j , que minta Para mentir ... voz do cora‡"o! Corpo que em mim unicamente existe, Alma que em mim unicamente mora. Boca sem l bios que, em silˆncio, chora, Grande, ignorada, fria, escura, triste... Arca vazia de oiro, mas repleta S¢ daqueles poemas que lhe dei! Flor sem aroma, sem raiz, sem lei... _¢ minha in£til casa de poeta! Piedade N"o batam no meu filho! Se ele ‚ meu _‚ minha toda a culta que ele tem. E porque um nome-tr gico lhe deu O fardo que hoje h nele e que ainda ‚ meu, Batam antes em mim! E em mais ningu‚m! N"o renego o que sofro e o que seria Um ¢sculo de paz em minha face. Mas n"o me beijem nunca! A noite ‚ fria... E qualquer beijo, para mim, seria Tal como se ao meu filho eu o roubasse. Alonga-se o meu corpo em suas veias Que, ing‚nuas, v"o buscando a minha altura... Pressinto as suas ¢rbitas, j cheias Da minha noite -- a noite das ideias Doentes de vol£pia e formosura. Bra‡adas na gua, fr‚mitos na dan‡a, A guitarra ondulando-lhe nos dedos, A flor na jarra, o signo da esperan‡a. Tudo o que eu fora em vez de ser crian‡a... Tudo o que eu disse, em vez de ter segredos! Se n"o mentir quem vos chamar crist"os, Se em v¢s a f‚ n"o for j¢ia perdida, Vinde abra‡ar meu filho, ¢ meus irm"os! E ao verem nele ensanguentadas m"os -- M"os de ¢dio... mesmo assim, poupai-lhe a vida! Can‡"o verde A minha can‡"o ‚ verde, Sempre de verde a cantei. De verde cantei ao Povo E fui de verde vestido, Cantar ... mesa do Rei. Por que foi verde o meu canto? Porque foi verde? -- N"o sei... Verde, verde, verde, verde, Verde, verde, em v"o, cantei! -- Lindo mo‡o! -- disse o Povo -- Verde mo‡o! -- disse El-_Rei. Por que me chamaram verde? Por que foi? Por que? -- N"o sei... Tive um amor -- triste sina! Amar ‚ perder algu‚m... Desde ent"o, ficou mais verde Tudo em mim: a voz, o olhar, Cada passo, cada beijo... E o meu cora‡"o tamb‚m! Cora‡"o! Por que ‚s t"o verde? Por que ‚s verde assim tamb‚m? :, Deu-me a vida, al‚m do luto, Amor ... margem da lei... Amigos s"o inimigos. -- Paga-me! disseram todos. S¢ eu de verde fiquei. Por que fiquei eu de verde? Por que foi isto? -- N"o sei... A minha can‡"o ‚ verde -- Can‡"o ... margem da lei... Verde, ing‚nua, verde e mo‡a, Como a voz deste poema Que por meu mal vos cantei! A minha can‡"o ‚ verde, Verde, verde, verde, verde... Mas, por que ‚ verde? -- N"o sei... Espanto Dizem-me alguns: Desgra‡ado Que fazes no mundo? O quˆ? Bailas e cantas o fado? Quando sonhas acordado Vˆs coisas que ningu‚m vˆ? Ouvindo aquilo abro os olhos, -- Os olhos que Deus me deu! E respondo com os meus olhos: (S¢ respondo com os olhos Pelo espanto abertos!): -- Eu? Vem outro que me diz: Quantas Chagas podres n"o ter s? Quantas n¢doas? Quantas? Quantas? Se at‚ nos versos levantas Suspeitas de coisas m s! Ouvindo aquilo abro os olhos -- Os olhos que Deus me deu! E respondo com meus olhos (S¢ respondo com os olhos Pelo espanto abertos!): -- Eu? Dizem-me por fim: Poeta! Ser s maior do que El-_Rei! Pois tens a chave secreta Das palavras do profeta Sabes tudo o que n"o sei... :, Ouvindo aquilo abro os olhos -- Os olhos que Deus me deu! E respondo com meus olhos (S¢ respondo com os olhos Pelo espanto abertos!): -- Eu? Folha ca¡da P‚tala branca, fr gil, ca¡da, Como em segredo, na minha face! P‚tala branca, fr gil, ca¡da Na minha face; como se a vida Leve, de leve nem lhe tocasse! Mas nunca as folhas do meu cipreste Buliram tanto, nem senti neve Como no beijo que, ent"o, me deste... P‚tala, branca no meu cipreste! Branca (t"o branca!), leve (t"o leve!) N"o mudou nada nas minhas asas; Se penas tive, tenho, ainda, penas. N"o mudou nada nas minhas asas; Por‚m as brasas, (as minhas brasas!), Depois, ficaram? menos morenas... Vieste, mudo como um segredo! Partiste, leve como um suspiro... Amor, se o houve, foi em segredo, E, se te lembro, lembro-te a medo, Fechando os olhos, quando respiro... Confiss"o Meus l bios, meus olhos (a flor e o veludo...) Minha ideia turva, minha voz sonora, Meu corpo vestido, meu sonho desnudo... Senhor confessor! Sabeis tudo -- tudo! Quanto o vulgo, ing‚nuo, ao saudar-me, ignora! Sabeis que em meus beijos a fome dormira, Antes que da orgia a f‚ despertasse... Sabeis que sem oiro o mundo ‚ mentira E, como do fruto que Deus proibira, Um luar tombou, manchando-me a face. P ssaro, cativo da noite infinita! µguia de asa in£til, pela noite presa! _¢ cruz dos poetas! ¢ noite infinita! _¢ palavra eterna! minha £nica escrita! Beleza! Beleza! Beleza! Beleza! Eis as minhas m"os! Quem pode prendˆ-las? S"o fr geis, mas nelas. h dedos inteiros. Senhor confessor! Quem n"o conta estrelas? Meus dedos, um dia, contaram estrelas... Quem conta as estrelas n"o conta dinheiros! Cisne Amei-te? Sim. Doidamente! Amei-te com esse amor Que traz vida e foi doente... _... beira de ti, as horas N"o eram horas: paravam. E, longe de ti, o tempo Era tempo, infelizmente... Ai! esse amor que traz vida, Cor, sa£de... e foi doente! Por‚m, voltavas e, ent"o, Os cardos davam cam‚lias, Os alecrins, a‡ucenas, As aves, brancos lilases, E as ruas, todas morenas, Eram topetes de flores Onde havia musgo, apenas... E, enquanto subia a Lua, Nas asas do vento brando, O meu sangue ia passando Da minha m"o para a tua! Por que te amei? -- Ningu‚m sabe A causa daquele amor Que traz vida e foi doente. :, Talvez viesse da terra, Quando a terra lembra a carne. Talvez viesse da carne Quando a carne lembra a alma! Talvez viesse da noite Quando a noite lembra o dia. -- Talvez viesse de mim. E da minha poesia... ALIAN€A Por tudo quanto sei, mas n"o sabia, (Feliz de quem um dia ainda o souber!) Por essa estrela branca em noite fria! Anuncia‡"o, talvez, de poesia... Por ti, minha mulher! Por esse homem que sou, mas que n"o era, Vendo na morte a vida que vier! Por teu sorriso em minha vida austera. Anuncia‡"o, talvez de Primavera... Por ti, minha mulher! Pelo caminho humano a que vieste Com f‚ no amor. -- Seja o que Deus quiser! Por certa fonte abrindo a rocha agreste... Por esse filho loiro que me deste! Por ti, minha mulher! Pelo perd"o que espalho aos quatro ventos, De antem"o cego ao mal que me trouxer Despeitos surdos, p‚rfidos momentos; Pelos teus passos, junto aos meus, mais lentos... Por ti, minha mulher! Nada mais digo. Nada. Que n"o posso! Mas dir mais do que eu quem n"o disser Como eu?: -- Av‚-_Maria... Padre-_Nosso... Por tudo quanto ‚ meu (e que ‚ t"o nosso!) Por ti, minha mulher! Os amigos infelizes Vendem-se os corpos? O meu ‚ firme: Rosto sereno, l¡quido olhar. E h -de a mis‚ria vir destruir-me? Onde ‚ que h oiro que o vou buscar? Vendem-se as almas? A minha ‚ pura. Cercam-na rosas, fontes, luar... Tenho alma e corpo -- sexo e cintura... Onde ‚ que h oiro que o vou buscar? Vendem-se versos -- Com a voz triste Compus poemas talvez sem par... Quando cantamos, quem nos resiste? Onde ‚ que h oiro que o vou buscar? Vendem-se as P trias? -- N"o vendo a minha. Que ‚ do meu nome? Que ‚ do meu lar? Ai! a mis‚ria que se avizinha! Onde ‚ que h oiro que o vou buscar? No entanto passas... Nada me dizes? Talvez que eu pese em teu olhar... _¢ meus amigos sempre infelizes! _¢ meus amigos sempre infelizes, Onde ‚ que h oiro que o vou buscar? Prece Talvez que eu morra na praia, Cercado; em p‚rfido banho, Por toda a espuma da praia, Como um pastor que desmaia No meio do seu rebanho... Talvez que eu morra na rua -- _¡nvia por mim de repente -- Em noite fria, sem Lua, Irm"o das pedras da rua Pisadas por toda a gente! Talvez que eu morra entre grades, No meio duma pris"o E que o mundo, al‚m das grades, Venha esquecer as saudades Que roem meu cora‡"o. Talvez que eu morra dum tiro, Castigo de algum desejo. E que, ... mercˆ desse tiro, O meu £ltimo suspiro Seja o meu primeiro beijo... Talvez que eu morra no leito, Onde a morte ‚ natural, As m"os em cruz sobre o peito... Da m"o de Deus tudo aceito. -- Mas que eu morra em Portugal! (r)Requiem(r) O meu caix"o n"o fecha... Em minha m"o Inchada, as unhas, hoje, s"o maiores. Ningu‚m te pede amigo que me chores, Mas quero, bem aberto, o meu caix"o! Liberta-me, tirando a travesseira Que me p"s n¢doas fundas na cabe‡a. Quais esses crimes pelos quais mere‡a Dormir sem tr‚gua, a eternidade inteira? Cantei, cantei, irm"o das guas leves! Bailei, bailei, irm"o da fonte ao vento! As minhas m"os incharam e n"o deves Pis -las, aumentando o meu tormento. No cemit‚rio, esconde-se uma escada... Sentou-se nela, exausto, um esqueleto. Fundiu-se o chumbo; a amarra foi quebrada E em sua m"o diab¢lica, fechada, O t£mulo, porem, guarda o esqueleto. E esse cad ver com direito ... vida Pede justi‡a! E v¢s o que fazeis Enquanto a baba ‚ n usea entorpecida, Por entre os dentes maus das vossas leis? Deixem-me intacto, no jazigo, ao menos! Possam meus versos vir a ter alarde! Leiam-nos, pois, ou queimem-nos, ao menos, E eu me desfa‡a, em cinza, ... flor dos fenos, Quando o sol-p"r embebedar a tarde! Can‡"o futura Junto ... minha sepultura, Os ladr(tm)es vˆm repartir Suas moedas roubadas, Sem que eu os possa trair Porque estou morto. Estou morto E amarrado ao meu caix"o! E eles sabem que estou morto Para sempre... e os outros n"o! Fugindo ao sol das estradas, Namorados ambulantes Vˆm buscar na minha sombra A sombra que eu busquei dantes. Nesses momentos, de raiva Tombo quase o meu caix"o, Porque sinto que estou morto Para sempre... e os outros n"o! A brisa traz-me, em segredo, Can‡(tm)es ... laia do Sul... Das ramagens partem aves Dispostas em c‚u azul! E mesmo as chuvas no Inverno S"o menos tristes do que eu! Choram menos que os meus olhos... Olhos que a terra escondeu. E em vez de ¡ntimos abra‡os E de mil beijos, dou um: Beijo a pedra ... qual meus bra‡os N"o d"o abra‡o nenhum. E a mim filho de Cam(tm)es, Ningu‚m, sequer, dera a m"o! Por que fecham os port(tm)es A mim s¢... e aos outros n"o? :, Guardai l grimas piedosas, Que os meus p‚s ainda est"o juntos! Guardai cravos! guardai rosas Que me cheiram a defuntos! Quero adormecer, apenas Liberto de tenta‡"o. Calai-vos, mo‡as morenas! Que estou morto... e os outros n"o! Ah! que h -de ser do meu filho Mais tarde, quando for rei E vir a lama que eu trilho, Sem saber o que j sei! De inimigos rodeado, Quem lhe h -de valer ent"o? Anjos! voai a seu lado! Que estou morto... e os outros n"o! Tenho not¡cias de tudo Pelo aroma das ra¡zes... E enquanto me quedo mudo, V"o nascendo outros pa¡ses E h , no mar, todos os dias, Promessas de embarca‡"o! Mas as m"os dizem-me, frias, Que estou morto... e os outros n"o! Ai! os versos que eu fizera! O poeta que eu seria! Com mais uma Primavera Ou, at‚, com mais um dia! Ant¢nio! Sid¢nio e Jaime! Que ‚ do vosso cora‡"o? _¢ meus amigos! vingai-me! Que estou morto..: e os outros n"o! OS AMIGOS INFELIZES .1952/£ Apelo Quem quer que sejas, vem a mim apenas De noite, quando as rosas adormecem! Vem quando a treva alonga as m"os morenas E quando as aves de voar se esquecem. Vem a mim quando, at‚ nos pesadelos, O amor tenha a beleza da mentira. Vem quando o vento acorda em meus cabelos Como em folhagem que, vida, respira... Vem como a sombra, quando a estrada ‚ nua, Num risco de asa, vem, serenamente! Como as estrelas, quando n"o h Lua Ou como os peixes, quando n"o h gente... Bailado Quebrada pela cintura Abre em dois frutos o peito. E o seu calcanhar procura A ponta do p‚ direito. O vento d -lhe na cara, Escondida pelo len‡o. E o luar, que a decepara, Deixa-lhe o busto suspenso... Os olhos, como hei-de vˆ-los, Se os desejos, menos v"os, Morrem s¢ por que os cabelos Nos deixam sombras nas m"os? Indiz¡vel, mas perfeito Ind¡cio de formosura! Abre em dois frutos o peito, Quebrada pela cintura... Francisco Trazia-nos o mar quando cantava... Era seu canto a pr¢pria maresia! Contudo, em sua boca, uma flor brava -- Rosa de carne -- ... terra, ainda o prendia. Nos seus dedos, as sombras das gaivotas Poisavam sem poisar... Mastro perdido! Inveros¡meis rotas Que nunca mais h"o-de recome‡ar! Seria fr gil? Sim, porque era forte. Seria bom? N"o sei... mas era puro. Tinha a beleza que anuncia a morte Do l¡rio prematuro. Quadril enxuto. E o peito? -- Asas redondas Com que se voa mais que se respira! Corpo de efebo no cristal das ondas. Em vez de vermes, algas de safira... Sombra Aquela estrela apagada Que tantas vezes luziu, _¢ meu amor n"o foi nada! Foi um de n¢s que partiu... E aquela flor? Ai! da flor! Quem a pisou? Tu ou eu? N"o foi nada, ¢ meu amor! -- Foi um de n¢s que morreu... E aquela folha ca¡da Que logo o vento levou? _¢ meu amor! foi a vida. -- Foi um de n¢s que passou... Dinheiro Quem quiser ter filhos que doire primeiro A jarra onde, inteira, caiba alguma flor! Ai dos que tˆm filhos, mas n"o tˆm herdeiro! -- Dinheiro! Dinheiro! _¢ can‡"o de Amor! As noivas sorriem, talvez, aos vinte anos. Os amantes sonham... Sonho passageiro! M£sica de estrelas: _‚tica de enganos; Ilus(tm)es, perdidas depois dos vinte anos... E logo outras nascem: Dinheiro! Dinheiro! Teus pais, teus irm"os e tua mulher Cercar"o teu leito de her¢i derradeiro (Ai de quem, ouvindo-os, nada lhes trouxer!) E h"o-de ali pedir-te o que o mundo quer: -- Dinheiro! Dinheiro! Deixa-lhes os versos que um dia fizeste, Amarrado ao lodo, por‚m verdadeiro. E eles te dir"o: -- P ssaro celeste, Morreste? Morrendo, que bem que fizeste! _¢ can‡"o de amor! Dinheiro! Dinheiro! Claustro Como se a noite fosse clara, Como se o lume fosse frio, Procuro ler em cada rio Aquela curva que separa... Como se um p ssaro pudesse Levar consigo a minha imagem, Na inconfidˆncia da folhagem Procuro o voo duma prece. Como se a morte fosse o muro E a vida apenas a parede, Procuro ver, por tr s da sede, A fome que ainda n"o procuro. Como se, negra, uma bandeira Me traspassasse o cora‡"o, Procuro, em toda a escurid"o, A minha P tria verdadeira. Como se o dia fosse de gua E respirasse como um peixe, Procuro a fonte que me deixe Beber, sozinho, a minha m goa... Espera Quando vir s na vaga proibida, Com maresia e vento ao abandono, P"r nos meus l bios um sinal de vida Onde haja apenas p‚talas e sono? Com teu olhar de nuvem ou cipreste, Com uma rosa oculta por florir, Se te chamei e nunca mais vieste Quando vir s sem que eu te mande vir? Quando, quebrando todos os segredos, Na aragem que a poeira deixa nua, Vir s deitar-te um pouco nos meus dedos Como o Sol, como a Terra, como a Lua? E por que a minha boca te sorrira Tentando abrir uma invis¡vel grade, Quando vir s, sem medo e sem mentira, Dar ao meu corpo a sua liberdade? Exorta‡"o Por todos os Poetas de Carre‡o Mortos no mar (Ai! tantos mais assim!) Por todos os Poetas de Carre‡o Rezemos a ora‡"o que eu n"o mere‡o Hoje por eles. Amanh" por mim. Pelos que j bailaram nos terreiros De Montedor! (Ai! tantos mais assim!) Pelos que j n"o bailam nos terreiros Bailemos de alma e corpo verdadeiros! Hoje por eles. Amanh" por mim. Pelos que um dia foram para a vida Com m"os sem mancha... (Ai! tantos mais assim!) Pelos que se perderam para a vida Tenhamos uma l grima sentida, Hoje por eles. Amanh" por mim. Pelos que dizem: -- Quero! -- e n"o puderam Ir al‚m disso... (Ai! tantos mais assim!) Pelos que nem sequer isso disseram Digamos tudo o que eles n"o disseram! Hoje por eles. Amanh" por mim... Os amigos infelizes Andamos nus, apenas revestidos Da m£sica inocente dos sentidos. Como nuvens ou p ssaros passamos Entre o arvoredo, sem tocar nos ramos. No entanto, em n¢s, o canto ‚ quase mudo. Nada pedimos. Recusamos tudo. Nunca para vingar as pr¢prias dores Tiramos sangue ao mundo ou vida ...s flores. E a noite chega! Ao longe, morre o dia... A P tria ‚ o C‚u. E o C‚u, a Poesia... E h m"os que vˆm poisar em nossos ombros E somos o silˆncio dos escombros. _¢ meus irm"os! em todos os pa¡ses, Rezai pelos amigos infelizes! :__o rapaz da camisola __verde .1954/£ Solid"o _¢ solid"o! _... noite, quando, estranho, Vagueio sem destino, pelas ruas, O mar todo ‚ de pedra... E continuas. Todo o vento ‚ poeira... E continuas. A Lua, fria, pesa... E continuas. Uma hora passa e outra... E continuas. Nas minhas m"os vazias continuas, No meu sexo indom vel continuas, Na minha branca ins¢nia continuas, Paro como quem foge. E continuas. Chamo por toda a gente. E continuas. Ningu‚m me ouve. Ningu‚m! E continuas. Invento um verso... E rasgo-o. E continuas. Eterna, continuas... Mas sei por fim que sou do teu tamanho! Os poetas Nunca os vistes Sentados nos caf‚s que h na cidade, Um livro aberto sobre a mesa e tristes, Inc¢gnitos, sem oiro e sem idade? Com magros dedos, coroando a fronte, Sugerem o nost lgico sentido De quem rasgasse um pouco de horizonte Proibido. .. Fingem de reis da Terra e do Oceano (E filhos s"o leg¡timos do vicio!) Tudo o que neles nos pare‡a humano _‚ fogo de artif¡cio. Por vezes, fecham-lhes as portas -- _¢dio que a nada se resume -- Voltam, depois, a horas mortas, Sem um queixume. E mostram sempre novos laivos De poesia em seu olhar... Adolescentes! Afastei-vos Quando algum deles vos fitar! Alga Grossas veias azuis, em cada perna. -- Imperfei‡"o perfeita De m rmore onde o Sol nunca se deita, Como se a madrugada fosse eterna. A m"o esbo‡a o at vico sentido -- Folha de parra de inocente jeito... Rasgaram-se as roupagens porque o peito Solta uma voz mais alta que o vestido. E, logo, a imagem, distra¡da e nua, De pescador, que o ‚ mesmo sem rede, Deixa nos olhos, em resposta ... sede, O esc rnio ol¡mpico da Lua. Inocˆncia De um lado, a veste; o corpo, do outro lado, L¡mpido, nu, intacto, sem defesa... Mitol¢gico rosto debru‡ado Na noite que, por ele, fica acesa! Se traz os l bios h£midos e lassos _‚ que a paix"o sem m cula ainda o cega E tatuou na curva de alvos bra‡os As sete letras da palavra: entrega. Acre perfume o dessa flor agreste. _ lcool azul o desse verde vinho. De um lado o corpo; do outro lado, a veste Como luar deitado no caminho... Em frente h um pinheiro cismador. O rio corre, vagaroso ao fundo. Na estrada ningu‚m passa... Ai! tanto amor Sem culpa! Ai! dos Poetas deste mundo! Serenidade De novo reconhe‡o Jeitos de gua em cada rio! E a ponta Dos meus dedos conta O pre‡o Das j¢ias que enchem meu olhar tardio. O dorso ‚ r¢seo (E mais que r¢seo: leve!) Os peitorais salientes. Da cor Da neve, A flor Dos dentes... V‚spera Ser¡amos dois faunos sobre a praia, Batidos pelo vento e pelo sal, Tendo por manto apenas a cambraia Da espuma E, por fronteira, O areal. G‚meos de corpo e alma, Ver um era ver outro: A mesma voz A mesma transparˆncia, A mesma calma De b£zio, intacto, em cada um de n¢s! Felicidade? N"o. Inconsciˆncia! E as nossas m"os brincavam com o lume _... beira da impaciˆncia E do ci£me... Velho mundo Emudeceram as can‡(tm)es aladas Nas rvores a cuja sombra venho Tra‡ar aquele imp£dico desenho Que dera ber‡o a m¡sticas estradas. Noite, umas vezes; noutras, madrugada. Primeiro, folha. Flor depois. E lenho Por fim... O sangue que ainda tenho Percorre veias, nunca abandonadas! O olhar, por‚m, bem longe de ser ba‡o, Recolhe tudo o que em redor caminha: Cada voz, cada ruga, cada passo... Amor? -- Era uma vez uma rainha... Mas que in£til e triste esse terra‡o Donde eu via chegar quem sempre vinha! Juventude Lembras-te, Carlos, quando, ao fim do dia, Felizes, ambos, ¡amos nadar E em nossa boca a espuma persistia Em dar ao Sol o nome do Luar? Tudo era f cil, melodioso e longo. Aqui e al‚m, um s£bito ditongo Ecoava em n¢s certa can‡"o pag"... Contudo o azul do mar n"o tinha fundo E o mundo continuava a ser o mundo Banhado pela aragem da manh"!... O rapaz da camisola verde _‚ com hist¢rias que se conta a vida E a minha hist¢ria ‚ breve de contar. Mas a palavra bela e proibida Tem da noite os silˆncios e o luar... Podia eu vir, a meio do caminho, Juntar-me ... Cruz, cantando para erguˆ-la. Mas o segredo, amigos, ‚ meu vinho E minha estrela. Podia, com os bra‡os, destruir A traject¢ria deste cora‡"o. Mas sou de Alc cer Quibir De E1-Rei Dom Sebasti"o. E assim, como em manh" de nevoeiro -- Manh" de Outono quando n"o de Abril -- Aqui vos deixo, oculto mas inteiro, O meu perfil... :__grande, grande era a __cidade. [ 1955 ] Div¢rcio Cidade muda, rente a meu lado, Como um fantasma sob a neblina... H cem mil rostos. Tanto soldado E tanto abra‡o desesperado Nesta cidade t"o masculina! Cidade muda como um soldado. Cidade cega. Todos os dias, A nossa vida fica mais breve, As nossas m"os ficam mais frias... Todos os dias, todos os dias, A morte paga, paga a quem deve. Cidade cega todos os dias. Cidade obl¡qua. Sexo pesado. Rio de cinza, l£gubre e lento... Bandeira negra, barco parado, Nunca o teu nome foi baptizado Nem o teu beijo foi casamento! Cidade minha, do meu pecado... Cidade estranha, sabes que existo? Os homens passam... Para onde v"o? S¢ tem amores quem n"o for visto. Por isso canto, s¢ porque insisto Em dar combates ... tenta‡"o. Oh! a vol£pia de n"o ser visto! Noite _¢ noite, escurid"o que me resume Em l bio indecifr vel e olhar ba‡o! _¢ noite de gua e sombra, vento e lume, Tentadora e subtil como um rega‡o! _¢ h lito do medo! _¢ flor do engano, Irm" de quanto lobo houver faminto! Clandestino punhal com que o cigano Descal‡a a luva e desaperta o cinto... _¢ P tria desonesta, incestuosa! _¢ prontid"o do mal a cada aceno! Suspiro... beijo... p‚tala de rosa... Amor? Em vez de amor digam veneno. Digam castigo ou crime. N"o importa. Mas digam noite na cidade morta! Constela‡"o Em frente ao meu caf‚, ali defronte Onde um quartel, outrora, apodrecia H hoje a Pra‡a, o Munic¡pio, a Fonte E, pelo meio, uma alameda fria... Aqui e acol , por mera esmola, um banco, Mas t"o exposto ao olhar de toda a gente Que ‚ raro ver certo vestido branco Engalanar-lhe o dorso, de repente. De Inverno gela. De Ver"o cai neve: O p¢ das folhas que sacode o vento... E a noite, igual ao dia, mal se atreve A mandar vir luar do firmamento! Jardim sem flor, sem relva, sem disfarce. Por‚m, seu nome ainda persuade S¢ porque as aves s"o, ao baloi‡ar-se, As £nicas estrelas da cidade. Cidade grande Onde ‚ que h sombras como as destas casas? Onde ‚ que h noites como as destas luas? Onde ‚ que as guias abrem mais as asas Do que este vento, apunhalando as ruas? T‚dio J perdi a conta aos meses. Dezembro? Janeiro? Maio? Batem-me ... porta, por vezes, N"o saio. Finjo que saio. Mas regresso ... velha mesa, Por v¡cio, n"o por enlevo. Filho da pr¢pria incerteza, Escrevo. Finjo que escrevo... Que dia ‚ hoje? Sei l ! O sinal da cruz diz: mais. E uma hora quando ‚ m Diz que as outras s"o iguais. Dem¢nio N"o saias. N"o! N"o saias. N"o. N"o saias! L fora h todo o mal com que sonhamos... E pelas avenidas as olaias Abrem na flor dos seus primeiros ramos... N"o saias. N"o! N"o saias. N"o. N"o saias! N"o saias. N"o. A solta anda a serpente E ainda que a treva te reduza a escombro Faz o sinal-da-cruz, mas lentamente Da testa para o peito e de ombro a ombro. N"o saias. N"o! N"o saias. N"o. N"o salas! N"o saias. N"o. O vento acaricia Os cedros e as palmeiras... Que importa o amor? Que importa a fantasia, Se a morte existe ainda que o n"o queiras? N"o saias. N"o! N"o saias. N"o. N"o saias! Vareiros A pesca, a pesca do oiro, est na terra. Do mar, vem-lhes, apenas, a cobi‡a, O olhar que mal se prende se descerra E o bra‡o que na noite se espregui‡a... N"o dizem nunca roubo, mas, esmola. N"o dizem v¡cio e amor, mas, sofrimento. A linha azul da sua camisola Tem o feitio que lhe der o vento! As vezes, param, de pupilas postas Num barco... Eis tudo: E ficam-se dormentes A cruz, imagin ria, sobre as costas, Na m"o, imagin rias, as correntes... Nazareno Velho, um marujo sonha... Onde ele for H"o-de arrastar-se as cordas da viola. Outrora, jovem, mendigava amor E, sendo pobre, recusava a esmola. A quem, de noite, lhe pedisse lume, Com um sorriso ing‚nuo respondia... E logo a rua m tinha perfume E em todos os rel¢gios era dia! Hoje vagueia no jardim deserto. Somente as ondas vˆm bater no cais. E a sua enxerga, s¢rdida, j perto, Revela manchas que n"o saem mais. Nenhuma estrela rasga a escurid"o. Nenhuma prece oculta nos inspira. Nem mesmo a gl¢ria de esconder em v"o Seus olhos, cor de p‚rola e safira. Intimidade H s-de voltar mais loira que as espigas _¢ musa bela do meu sonho ledo! Par vamos... Cantavas-me cantigas. Dizias-me ao partir, chorando: -- ‚ cedo. H s-de voltar! E a noite? E a poesia? E tudo quanto a idade leva embora? Talvez que um anjo, s£bito, sorria E nos conceda o olhar que se demora... H s-de voltar! Ao longe era a neblina. Car¡cia de onda pela praia absorta... -- Mas, para j , corramos a cortina! Fechemos, meu amor, aquela porta... Fonte Meu amor diz-me o teu nome -- Nome que desaprendi... Diz-me apenas o teu nome. Nada mais quero de ti. Diz-me apenas se em teus olhos Minhas l grimas n"o vi, Se era noite nos teus olhos, S¢ por que passei por ti! Depois, calaram-se os versos -- Versos que desaprendi... E nasceram outros versos Que me afastaram de ti. Meu amor, diz-me o teu nome. Alumia o meu ouvido. Diz-me apenas o teu nome, Antes que eu rasgue estes versos, Como quem rasga um vestido! Incˆndio Que me quereis, cabelos cor de vinho? S¢ pe‡o esmola a Deus. A mais ningu‚m. Mas vinde embandeirar-nos o caminho, Antes que os olhos vos n"o sintam bem. T‚pida corre uma onda perfumada... Quero bebˆ-la de joelhos, toda! _‚ de veludo a franja da almofada... E de oiro, de oiro, a t£nica da boda. Gota de mel, emoldurando a fronte, Depois caindo sobre l bios quedos... _¢ chamas do meu £nico horizonte, Deixai que eu vos apague com os dedos! Apartamento Lembrava seu corpo, ao longe, Um navio naufragado... Disse-lhe adeus. Era tarde. J vinha a sombra a meu lado! Como quem, morta a esperan‡a, Entra em silˆncio no mar, Vi seu corpo entrar na treva... Quis-me deitar a afogar! Levei os l bios aos dedos. Caiu-me a noite no peito. Disse-lhe adeus. Era tarde. Estava o sonho desfeito! Tudo era noite e segredo. Noite de pedra pesada. Disse-lhe adeus. Era tarde. E n"o lhe disse mais nada! Poema N"o pela dor de quantos padeceram Nem pelos versos dos que em v"o choraram. Nem pelo t‚dio dos que me esqueceram Nem pela sombra dos que j passaram, N"o pela reden‡"o, n"o pela gl¢ria, N"o pela forma est‚ril de uma data, N"o pela vida fr gil sem mem¢ria Mas pela morte, em cada curva, exacta... Companheiro Negaram-lhe a luz. Negaram-lhe a gua. Negaram-lhe o vinho, As rosas, o leite... E se encontrou cama Onde ainda se deite porque a beleza feita de m goa. Meu £nico amigo, Meu £nico irm"o, Embrulhou-o a Lua Em seu cobertor... Meu £nico amigo, Meu £nico irm"o! N"o teve jazigo, N"o teve caix"o, Teve uma guitarra: O meu cora‡"o. A Rua do Para¡so De dia Como seria? Algu‚m me disse: -- Era estreita... Mas por mim julgo: -- Era larga. Tanta saudade hoje a enfeita, Bela e amarga! Cumpriu-se nela a promessa Da raiz do cora‡"o. Era uma rua de Le‡a, Onde os outros nunca v"o. -- A Rua do Para¡so... E aquele nome foi posto, No meu peito e no meu rosto, Com gua do teu sorriso. Prece mar¡tima Venho, Senhor, pedir-_te que me deixes, Limpidamente, ser irm"o dos peixes, _... flor das guas... As n¢doas do meu corpo n"o as laves, Sen"o ao baloi‡ar-me com as aves, _ flor das guas... E as ondas verguem, verguem como ramos E n¢s, sorrindo, s¢ porque sonhamos _... flor das guas... N¢s, esquecendo o inevit vel mal Do amor numa alegria vegetal _... flor das guas... Nem fome de oiro, nem de p"o, mas vede Os ombros lisos, iludindo a sede, _... flor das guas... Que a vida, em sendo vida, ‚ isto apenas: Fechar e abrir de p lpebras serenas _... flor das guas... _£ltima carta Que linda tarde! Tr‚mula, outonal... Onde ‚ que vou? Ali, ao cemit‚rio. Lembra-te, R£ben: vivo cm Portugal. E a minha p tria ‚ feita de mist‚rio. Somente os beijos f£nebres me d"o A mim, Poeta, uma vol£pia forte. N"o vˆs que levo um cƒntaro na m"o? Quero beber, ao menos, com a morte... Sinos, caix(tm)es, adeus sem amanh". As folhas s"o as l grimas do vento! Com m£sculos de seda, Anto e Chopin Abrem um piano distra¡do e lento... N"o julgues que ‚ tristeza. Triste, triste, Sonhara eu sˆ-lo um dia, de verdade! Mas hoje vou, apenas, ver se existe Um para¡so, ainda, na cidade... OS POETAS IGNORADOS [1957] Cais Pedi licor. Trouxeram-me caf‚. A loi‡a ‚ velha; o mobili rio, novo. Quando nos d¢i, quanto nos pesa, ao p‚, Essa ignorƒncia est‚tica do povo! Jogam o domin¢. Prende-me a vista Certa boina tombada... Nada mais. Corre, em silˆncio, o tempo. _¢ reconquista, _¢ praias visigodas, onde estais? Faces redondas. Faces barbeadas De quem nunca roubou e riu, talvez... S¢ eu espero tr gicas ciladas Na minha cega e surda embriaguez! Barcos? H dois, nos quadros da parede. Quadros comprados, ontem, num leil"o. Para iludir, decerto, a minha sede, Tombaram as molduras onde est"o... Mas o romance h -de nascer ainda. Ningu‚m me fala em tempestade? E o mar? _‚ meia-noite em ponto. E a noite finda. Oh! a tortura de querer cantar! Condena‡"o Foi a m"o sem an‚is, antes da luva. Sorriso breve, antes do beijo lento. Foi a rosa, entreaberta antes da chuva. Foi a brisa, encontrada antes do vento. Foi a noite, a inocˆncia na demora. Foi a manh" -- verde janela aberta: Dois corpos lisos que se v"o embora Como a acordar a praia, ainda deserta. Foi a paz, o silˆncio antes do grito. Foi a nudez, antes de ser brocado... E foi, depois, o cƒntico interdito E todo o meu poema recusado! Triƒngulo Triƒngulo de luz na noite escura O mesmo ‚ que dizer: camisa aberta. E um cravo p ra a meio da brancura... Imaginai o Sol por descoberta! Os olhos d"o as £ltimas glic¡nias: Aroma azul que a Lua empalidece. E as asas de alvos ombros, rectil¡neas, Abrem-se d¢ceis, repetindo a prece... H rouxin¢is, atentos, devagar, De galho em galho, vindimando luto. Ai! a curva! ai! o seio! ai! o pomar! Aquele beijo: o sumo; aquela boca: o fruto. Agora, posso adormecer, tranquilo, Aqu‚m c al‚m, talvez, da hora final. Perder o para¡so ‚ possu¡-lo Lembras-te, amor? Havia um pinheiral... Segredo Tinha aqueles cabelos que ondulara A ventania tr gica do mar. Em lhe eu falando, uma palavra clara Era o bastante para o ver corar. Ent"o, num gesto r pido, ancestral, Pendia, logo, a boina para a fronte. Se eu me calasse, ele voltava: -- Conte... (O Povo ‚ todo assim em Portugal!) Algumas vezes passeou comigo Na praia, a horas mortas, no Ver"o. Como esquecer, agora, o que nem digo Ao meu desabitado cora‡"o? Fantasma Sei de um jardim algures, na cidade, Jardim onde anoitece, at‚ de dia. Jardim de sombra, sombra e claridade Ardente e muda, musical e fria. Na gua dos tanques, enrugada ao vento, Debru‡am-se as est tuas, sempre s¢s. E aquele abra‡o, misterioso e lento, N"o tem palavras, tem apenas voz. Jardim deserto para toda a gente, Satƒnico e lunar, quase irreal. Quem ali vai ‚ porque est doente E busca al¡vio s¢ no pr¢prio mal. _...s vezes parto... E a fuga ‚ um come‡o De poesia e paz ou de virtude. Mas, em voltando, logo reconhe‡o O quanto mente o amor que n"o ilude. E embora eu ria ou pare, em plena rua Como um burguˆs, como um burguˆs qualquer, Ali, o meu destino continua... Sem pai, sem m"e, sem filhos, sem mulher. Circo Morenos, de olhar verde. As suas almas Pesam de mais, talvez, porque est"o cheias. P"s-lhes o vinho aud cia nas ideias... Riem! E, enquanto riem, batem palmas. E aquela exacta e fresca melodia De m"os inexperientes e calosas Vai desfolhando, sobre mim, as rosas Que eu sonhava plantar, mas n"o sabia... Eis-me, por fim, entre eles: mais trigueiro, Com olhar verde, j , de quem namora. _¢ Poesia, n"o te v s embora! Deuses do amor, deuses de quem namora Deixai que eu parta, bˆbado, primeiro! BRISA Queimava-nos o sol. Para abrigar-te Quanto da minha vida eu n"o daria! Vinha a poeira A n¢s De toda a parte. Feira da beira-mar Em pleno dia. Mas o sorriso e o olhar Vinham de Fran‡a. Frescos, Modernos, Como o teu vestido. -- Que dizes? Perguntavas E uma dan‡a Nascia de eu falar ao teu ouvido... Presen‡a Quero dizer-te os meus versos Sempre e n"o de vez em quando. Quero dizer-te os meus versos Ou acordado, ou sonhando. Quero dizer-te os meus versos, Dizer-tos, de olhos cerrados: Os olhos com que te vi! Quero dizer-te os meus versos Com todos esses pecados Que n"o me apartam de ti. Quero dizer-te os meus versos, Fugindo a mil pesadelos, Fazer da voz uma ilha! (A minha gua ‚ o silˆncio...) Quero dizer-te os meus versos, Para, depois, esquecˆ-los. Quero dizer-te os meus versos Na hora da despedida, Quando o c‚u descer mais perto E a glic¡nia der mais flor E a noite for mais comprida... :, N"o julgues que te amo, n"o! Quero, ao dizer-te os meus versos, Mostrar-te, apenas, que existo, (Sem f‚? sem gl¢ria? sem arte?) Quero dizer-te os meus versos, J que n"o posso esquecer-te... E que n"o pude matar-te! Os poetas ignorados Sigo essa voz, igual ... minha e ... tua, -- Voz branca de Poetas infelizes! -- Resvala nela o marulhar da rua De que j fomos tr gicas ra¡zes.. E coisas que n"o digo e que n"o dizes Aquela voz, an¢nima, insinua, Como se, de repente, outros pa¡ses Pudessem refugiar-se noutra Lua. Voz da cidade -- ¢ sombras masculinas! -- Guiando-nos a todas as esquinas Onde as amantes vˆm, ao fim do dia Para aprender que a vida n"o ‚ m E o beijo que se pede e n"o se d Nem sempre morre e, ...s vezes, principia... Nocturno Pedi ... noite n"o a sombra e a Lua Nem as palavras tr‚mulas do vento. Como quem pede o pr¢prio pensamento Pedi-lhe carne, carne ardente e nua. O que pedi n"o foi a express"o langue De sofredoras almas silenciosas. Ah! n"o! o que pedi, pedia rosas... Ah! n"o! o que pedi, pedia sangue. Pedi-lhe a madressilva junto ... fonte, E, mais adiante, o aroma dos pinheiros. Pedi-lhe, firmes, p lidos, inteiros Dois ombros de marfim, por horizonte. Pedi-lhe amor... Pedi-lhe, de m"os postas, Que tudo me trouxesse. Tudo ou nada. Pedi-lhe a minha m"o, ressuscitada, No vinco, longo e azul, das tuas costas! Horizonte Este ‚ o caminho que deve Cobrir-se, apenas, de neve. O caminho da carne silenciosa Onde o verme esquece a rosa. O caminho da paz. O caminho do frio. Este ‚ o caminho intacto Mas vazio... :__eu hei-de voltar um __dia [1966] Pref cio De nada sei Como as rosas. De nada sei Como as nuvens. De nada sei Como as pedras Que nada sabem de mim. Avalanche Como os lamos crescem O meu filho cresceu... E vi frutos nos ramos E vi pombas nos ramos E o meu filho cresceu... Vi dedos e vi cordas E p ginas viradas. E o meu filho cresceu... Vi meu leito composto. Minha janela aberta! E o meu filho cresceu... Vi, por fim, a alongar-se, Uma rvore, guardada Por trinta gera‡(tm)es! E o meu filho cresceu... _¢ degraus escalando A pr¢pria eternidade! E o meu filho cresceu... :, E os seus cabelos quase Tocavam j no c‚u! E o meu filho cresceu... E eu que ficara surdo Ao que outros me diziam E eu que ficara cego Ao que outros me mostravam, Abri os meus olhos. Vi Toda a realidade, Pela primeira vez, Sem que uma gota de gua Viesse, nesse instante, Humedecer-me os l bios, Febris, de agonizante... E o meu filho cresceu... Com ele a noite muda Fora crescendo tanto, Que, s¢ do seu tamanho, Havia o meu espanto. Adolescentes Exaustos, mudos, sempre que os vejo, Nos bancos tristes que h na cidade, Sobe em mim pr¢prio como um desejo Ou um remorso da mocidade... E at‚ a brisa, perfidamente Lhes roca os l bios pelos cabelos Quando a cidade, na sua frente Rindo e correndo, finge esquecˆ-los! Eles, no entanto, sentem-na bela. (Deram-lhe sangue, pranto e suor). Quantos, mais tarde se vingam dela Por tudo o que hoje sabem de cor! E essas paragens nos bancos tristes (Aquela estranha medita‡"o!) Traz-lhes, meu Deus, s¢ porque existes, A garantia do teu perd"o! Prel£dio Menino, menino triste, Quem te odiar que te minta! Acaso nunca sentiste Que deixavas de ser triste Em quebrando pela cinta? Como contar-te segredos? Quando saber s quem ‚s? Menino dos l bios quedos, Com pedras em vez de dedos E algemas em vez de p‚s! Tolhe-te o medo talvez... Envenena-te a incerteza? N"o ouves? N"o ris? N"o vˆs? Chama que o vento desfez! Por que n"o torn -la acesa? D um passo, um passo, breve... E tudo poder s ser: Rosa ou peixe; fogo ou neve. Quem canta paga a quem deve E nunca chega a morrer! Contraste Hoje, que a noite, em h£mida toalha, Comprime a vossa fronte, cegamente, A chuva fina que vos anavalha Chega, at‚ mim, numa can‡"o dolente! Encontro, nela, a m£sica do amor Com que se esquece, quase, a morte e o medo. Mis‚ria alheia? Seja como for, Paira nos l bios um sorriso ledo... Tudo c melhor do que a monotonia. As l grimas d"o cor, tˆm movimento. Que doce a chuva! A chuva s¢ ‚ fria Nos ombros dos mendigos em que h vento. Mas eu que sou feliz e vivo farto Quando outros, por favor, dormem na rua, Respiro, ao ver, na jarra do meu quarto (Que ‚ de cristal!) uma cam‚lia nua... Anoitecer Um dia, pus o p‚ na juventude. O ramo estava em flor. E a flor ilude... Embriagou-me a luz, a cor e o aroma, Como se tudo fosse uma redoma. Olhei de frente para o meu espelho E vi um cravo! O cravo era vermelho... Depois, fiquei-me a olhar, a olhar, a olhar... Ai! sem dar f‚ de que subia o mar! E veio a idade -- im¢vel movimento -- -- Nuvem calada que me trouxe o vento... P tria A P tria n"o ‚ apenas Um corpo de bailador. N"o s"o duas m"os morenas Nem mesmo um beijo de amor Mais do que os livros que lemos, Mais que os amigos que temos, Mais at‚ que a mocidade, A P tria, realidade, Vive em n¢s, porque vivemos. In¡cio As aves s¢ s"o aves quando sinto Que a luz, o aroma c o ar de que preciso _‚ fugir de mim pr¢prio, enquanto minto Sem que em ti poise nunca o meu sorriso... Entanto, emendo, olhando o teu cabelo, Minha express"o, cruel quando tranquila. Fruto vermelho! Quem n"o quer colhˆ-lo? Porta fechada... Quem n"o quer abri-la ? Ode vermelha Amor? Que importa o amor, quando a cidade Se chega a n¢s E trata-nos por tu? Deixai que eu lembre a hel‚0nica verdade Daquele corpo, inteiramente nu... Vˆde estes bra‡os -- m£sculos suados Pelo trabalho, no calor, despidos! Que importa o amor? Que importam os pecados, Quando a pureza Est , S¢, Nos sentidos? Ladainha Vieram, tranquilamente, Desde o mar, desde a noite, desde a infƒncia Vieram, tranquilamente, Em silˆncio e afogadas na distancia. Vieram, tranquilamente, E, embora amargas pareciam doces Vieram, tranquilamente, Como se, nelas, sepultado fosses. Vieram, tranquilamente, E, embora ardentes, pareciam frias. Vieram, tranquilamente, As mesmas horas e nos mesmos dias Vieram tranquilamente Como por tr s de um vidro a claridade. Vieram, tranquilamente... Maldita felicidade! Fronteira Naquele banco sentado (_... sombra de que bandeira?) Dir-se-ia, quase, um soldado Servindo terra estrangeira. At‚ nas cores do fato Encarnado, azul e branco, Havia como um retrato (Mas... de quem ? ) naquele banco. Nuvem de oiro o seu cabelo! Na boca tinha uma rosa... Senti minha vida, ao vˆ-lo, Cada vez mais misteriosa... De olhos deitados ao ch"o, Vagamente ele sorria... E, antes que eu sonhasse, em v"o, Aquela imagem fugia! Juventude, juventude, Hoje alheia, outrora nossa! Tudo o que, outrora, j pude Fazer com que, hoje, n"o possa! Can‡"o nova Longe vai o tempo quando Eu lhes cingia a cintura, Mas o tempo est mudando E at‚ moda a formosura. Seja como for, a luz Pode brotar do vestido... Para n¢s, homens, a cruz Nunca teve outro sentido! H quem vista de encarnado Ou de branco. E, pela rua, Anda o Sol, rosto pintado, E nos ombros brinca a Lua. Mas, quase a apagar-se, a vida D passos novos. Come‡a Uma can‡"o proibida... Deixai-ma cantar depressa! Revela‡"o Festa Sem festa: Apenas movimento. Os corpos S"o a sombra E s"o o vento. Festa Sem festa Quase vinho novo... Cai o suor Das p lpebras Do Povo. Festa Sem festa, _ cida, selvagem. Festa Sem festa, Feita ... nossa imagem. Festa Sem festa, E choro de repente! -- Gosto de algu‚m, Talvez Como de gente... Istmo Verde? Ainda verde! Triste? Ainda triste... Recorda‡"o Daquela estrada Que, para mim, J n"o existe. De novo, novo, Nem mesmo tu L¡rio vestido, Ao Sol vestido E, noite, nu. Nas mesmas datas E ...s mesmas horas, Longas corridas, Breves demoras E sempre tu, L¡rio vestido, Ao Sol vestido E, ... noite, nu! Folhagem f cil E natural Vendo-a, adorme‡o E quase esque‡o Meu pr¢prio mal. :, Mas bem o sei E n"o me engano: -- N"o fora o sexo, Nada eu teria, Talvez, de humano... Intervalo Eras di fano... puro Como as fontes quando o s"o. Eras di fano... puro Tu, cujo rosto procuro Mas em v"o... Hoje, ao c‚u, levas contigo Blasf‚mias em vez de prece. Tu, cujo nome bendigo. N"o morre nunca um amigo! Adoece... Drama Como inventar palavras ou dinheiro Para deter o Sol em nossa m"o? _¢ meu amor, amor do escurid"o, Um de n¢s dois tem do partir primeiro! Como trazer ... tona da gua, inteiro, Teu corpo de beleza e de segredo? _¢ meu amor, amor feito de medo, Um de n¢s dois tem de partir primeiro! E o mar? E o vento? E a Lua? E esse veleiro A que o Poeta chama (r)Cora‡"o(r)? Separarmo-nos? N¢s? N"o! Ainda n"o! Um de n¢s dois tem de partir primeiro? _¢ meu amor, amor de que me abeiro, De olhos azuis ... noite prometidos! Amor! _¢ perdi‡"o dos meus sentidos Um de n¢s dois tem de partir primeiro! Cora‡"o Cora‡"o nas pedras frias, Im¢veis todos os dias. Cora‡"o em tantas rosas! Minhas? Nunca! Mas s"o rosas. Cora‡"o em vez de vaga, Que me esmaga, que me esmaga... Cora‡"o at‚ na tinta Com que, p‚rfido, se minta! Cora‡"o em tudo, em tudo. Cora‡"o, cora‡"o mudo. Cora‡"o em toda a parte! Cora‡"o a procurar-te... M scara Se eu me perder um dia nesta rua, Lembrando algu‚m talvez escreverei: -- Para mim houve uma hora em que fui rei, Porque a minha alma se fundiu na sua... Talvez, ent"o como a guiar o bra‡o, A m"o pelo ar, espalhe alguma tinta E, revivendo um sonho que lhe minta, Por fim se quede, tonta de cansa‡o. Eis a ignom¡nia do poeta puro, Esse artif¡cio a que chamamos arte: Fingir que espero, apenas, encontrar-te E haver poemas, s¢, no que procuro. Calv rio Vol£pia dos amores clandestinos Para quem for igual a toda a gente! N"o poder p"r o bra‡o noutro bra‡o Sem que vozes ocultas, passo a passo, Segredem, como a noite aos assassinos: -- Ningu‚m nos vˆ... Matei, mas de repente! Escurid"o Goivos ocultos. µrvores. Nenhuma Descortinada para al‚m da bruma Nesta avenida. Goivos ocultos. Sombra. E o ar t"o sereno! Amor? Basta um olhar... Basta um aceno... Nesta avenida. E o mar? Nem sequer lhe oi‡o a voz cansada. Silˆncio. Apenas alma. Alma do nada, Nesta avenida. Eis o segredo, o £nico segredo: -- Arredondar os ƒngulos do medo Nesta avenida. Passo a passo De vinho pe‡o um fio rubro apenas De gua me basta uma caricia leve E aquela a quem mais devo e mais me deve Tingiu de branco as minhas m"os morenas. Eis porque estou, aqui, nesta metade De mim mesmo, em mil gomos repartida. Uns atr s de outro, sorvo, neles, vida Que me ajude a esquecer a minha idade. Sem fr‚mitos, sem n useas, sem cansa‡os, Indiferente a n£pcias como a lutos, A mais longa viagem s"o dois passos; O mais lento intervalo dois minutos. Carta a Ant¢nio Onde est s? Onde est s se ‚ que est s perto E no meu peito continuas vivo? Onde est s? Onde est s, se ‚ que, liberto, Podes-me ouvir, a mim que estou cativo? Em sonho, lembro quando, lado a lado, ramos arcos firmes de aqueduto. Onde est s? Onde est s, rosto velado Sem l grimas, sem rugas e sem luto? Havia dois amigos: Pedro e Ant¢nio. (Que todo o mundo saiba, finalmente!) E a morte? -- N"o h morte nem dem¢nio, Mas versos: os das almas, frente a frente. Fr gil, baloi‡a a barca... fr geis remos! E a m"o de Deus? De s£bito, amanhece... N¢s, os Poetas, morremos S¢ quando algu‚m nos esquece. Muralha N"o ‚ por mim que rezo: -- pelos bra‡os, Libertos de gua e vento Astros luzindo nos meus olhos lassos Aqueles bra‡os Livres Como o vento! N"o ‚ por mim (An¢nimo recuo? Leg¡tima defesa?) N"o ‚ por mim que nada mais possuo Do que esta voz, Grito de carne acesa! N"o ‚ por mim que, ...s noites, os sentidos, Na sombra, Armam ciladas... Cautela! adolescentes distra¡dos! -- C"ncavos ventres; P lpebras cerradas... N"o ‚ por mim que o sol me sal do peito, Exactamente assim. N"o ‚ por mim que, ...s vezes, quase aceito (Louvado seja Deus!) Meu pr¢prio fim. N"o ‚ por mim, T"o pr¢ximo da morte, De h multo, prometida, N"o ‚ por mim, Mas pelo que ‚ mais forte. N"o ‚ por mim que rezo: -- pela vida! Regresso Fiz do meu corpo uma bandeira ao vento, Enquanto ia tombando a embarca‡"o... _¢ Himalaia do meu sofrimento! _¢ mar da China -- mar da tenta‡"o! Fiz do meu corpo uma bandeira ao vento Enquanto ia tombando a embarca‡"o... E nunca os olhos dos adolescentes Luziram mais ardentes! Nunca em seus ombros o luar foi tanto Para a minha alma e para o meu espanto... Cabra-cega Amizade? Cabra-cega Que tens por bandeira o riso! A alma quando se entrega, Ri o corpo, ainda indeciso... Ri como quem oferece P‚rolas, rosas e neve. Mas a alma n"o se atreve... E tudo, por fim, esquece! E uns pelos outros passamos, Felizes ou infelizes, Libertados pelos ramos, Mas presos pelas ra¡zes. Chuva de Ver"o F cil, t"o f cil Como um espasmo, Pondo os teus dedos Na minha face, Nem sei se ‚s gua Ou se o meu sangue que incendeias, Abrindo todas As minhas velas... Bailado A rvore dan‡ou. E, no entanto, Seu tronco, inveros¡mil, n"o buliu. O vento sacudiu-lhe o verde manto... Mas o que foi que o vento sacudiu? Nunca ningu‚m p"de saber, ao certo Se os ramos, de formosos, nos mentiram Ou, se de os ver, ai! se de os ver t"o perto Os nossos olhos quase n"o os viram. Quem bailaria ao som daquela voz? Quem lhe deu sangue e for‡a verdadeira? A rvore dan‡ou, oculta em n¢s. E o vento fomos n¢s na terra inteira. De profundis Como vela que se apaga Um dia me apagarei. Como os l bios de uma chaga Se fecham, me fecharei. Como fogo, j calado Cuja cinza n"o ilude, Fui pecado e sou pecado, Fui virtude e sou virtude. Como aquele cora‡"o Pela noite defendido, Como o vento e a solid"o Que me n"o sai do sentido, Do lume passando ... neve (Como tinta de escrever...) Meu corpo ficar leve Antes de se desfazer. Sem temer a eternidade Muda e quieta, quieta e fria, Dizei-me: -- Qual de v¢s h -de Chegar-se a mim, nesse dia? Se assim n"o for, vosso alarme Desafio, frente a frente Podeis despir-me e deitar-me Diante de toda a gente! Can‡"o indecisa Qual delas me engana E, assim, me domina? Talvez a cigana... Talvez a varina... Mas... quem n"o engana Com arte, o que ensina? :__eu hei-de voltar um __dia .1966/£ (Cont.) Can‡"o vermelha Aquela m"o que me estende Tantas ta‡as de cristal (Brancas? rubras?) ‚ que entende Por que rezo e rezo mal Vinho branco, vinho tinto, Vai a v¢s a minha prece! Quando bebo ‚ porque minto. Quem n"o mente, n"o esquece. _¢ nuvens do dia a dia! _¢ amea‡as do mar! _¢ vol£pias dessa orgia Com as contas por pagar! Milagre Ei-lo, cambaleante como um bicho Calcando, pela selva, os matagais! Rasgaram-lhe a camisa -- negro lixo Oculto, outrora, em p£rpuras reais... Como ‚ que -- dia int‚rmino! -- daquilo A que a alma tanta vez sacrificamos, Brotou, por fim, an¢nimo e tranquilo, O sonho -- branca pomba em verdes ramos? Vede na areia aquele corpo exposto Ferindo a praia inteira como um dardo... E pensar eu que foi para o teu rosto Que eu, homem, inventei a flor do nardo! Encontro Ao J. de S. Felicidade, agarrei-te Como um c"o, pelo cacha‡o! E, contigo, em mar de azeite Afoguei-me, passo a passo... Dei ... minha alma a pregui‡a Que o meu corpo n"o tivera. E foi, assim, que, submissa, Vi chegar a Primavera... Quem a colher que a arrecade (H , nela, um segredo lento...) _¢ fr gil felicidade! -- Palavra que leva o vento... E, depois, como se a ideia De, nos dedos, a ter tido Bastasse, por fim, larguei-a, Sem ficar arrependido... Outono Lembro n"o sei que l£brico festim... E loiras iguarias o assinalam! Entre os meus dentes, as perdizes falam Como se um beijo penetrasse em mim... Resgate A A. C. N"o sou isto nem aquilo E o meu modo de viver _‚, ...s vezes, t"o tranquilo Que nem chega a dar prazer... Todavia, onde apare‡o, Logo a paz desaparece E a guerra que n"o mere‡o D principio ... minha prece. s alegre? Vˆs-me triste? Por que n"o te vais embora? Quem ‚ triste ‚ porque ‚ triste. E quem chora ‚ porque chora. Tenho tudo o que n"o tens Tenho a n‚voa por remate. Sou da ra‡a desses c"es Em que toda a gente bate. S¢ a idade com o tempo H -de vir tornar-me forte. A uns, basta-lhes o vento... Aos Poetas, basta a morte. Sonata Uma voz nos leva Como um n¢ que o frio Solte, de repente! Como um c"o vadio... Uma voz dormente. Voz que n"o tem olhos, Sombra de altos ramos Que n"o tˆm folhagem, Uma voz que ‚ cega. Uma voz que nega A pr¢pria linguagem. Uma voz que sobe Que sobe e n"o p ra. Ser por ser branca? Ser por ser rara? Uma voz que afunda Os dedos na treva E n"o nos responde! E essa voz nos leva N"o sabemos onde... Atentado Rasguei o cabelo ao Sol. Rasguei os ombros ... Lua. Rasguei os dedos aos rios. Rasguei os l bios ...s rosas E rasguei o ventre aos frutos E a garganta aos rouxin¢is. Mas ningu‚m (nem mesmo tu!) Viu que, em tudo, o que eu rasgava Era a imagem do teu corpo Branco, Firme, Intacto, Nu. In memoriam Cabelo de oiro a que se amarram ossos. _¢dio que, al‚m do t£mulo, n"o finda. Mortos est"o. Mas continuam nossos. Mortos est"o. Mas falam-nos, ainda... N"o mates, pois, ningu‚m! In£til arte A do punhal que trazes escondido. Olha a noite! Olha as trevas a cercar-te! -- Efebo azul que, um dia, foi vencido... Chamavam-lhe o (r)Mancebo de veludo¯ Estranha sorte a desse adolescente! Lembro-o na praia: ol¡mpico, desnudo... Morreu. Mas n"o morreu, inteiramente. Espectro que, ora avan‡a, ora recua. Indeciso vaiv‚m. Abra‡o lento... _‚ do seu ombro a cor da lua. _‚ do seu riso a voz do vento. Descoberta Deu-me Deus bodas vermelhas E palavras como abelhas Esquecendo-se de mim. Deu-me a paz de alguns minutos E palavras como frutos Esquecendo-se de mim. Deu-me as ideias formosas E palavras com rosas, Esquecendo-se de mim. Deu-me a voz que persuade Muito mais do que a verdade Esquecendo-se de mim. Mas um dia, veio a dor Veio o castigo sem fim Veio esse estranho fulgor Apartando o bem do mal E vi que Deus afinal J se lembrava de mim... Ascens"o Pela n‚voa disfar‡adas, A vida, aqu‚m das montanhas, S"o na plan¡cie as estradas Aquela plan¡cie estranhas Sem que o gume de um penedo Ensanguente as madrugadas... E o que ‚ preciso ‚ ter medo! A vida s"o as mentiras S¢ com silabas am veis. A vida s"o as mentiras Que tornam o rosto ledo. Almas negras; m"os am veis. E o que ‚ preciso ‚ ter medo! A vida s"o os encontros A esquina de certas ruas. A vida s"o os encontros Que tu, Poeta, insinuas, Como se houvesse um segredo A esquina de certas ruas! :, E o que ‚ preciso ‚ ter medo! Como fugir ao prazer Mais do que ...s ondas do mar E, finalmente, aprender O que est por ensinar? Sintamos que nunca ‚ cedo Para o Sol, para o Luar. O que ‚ preciso ‚ ter medo, Ter medo para rezar! Eu hei-de voltar um dia Versos, meus versos, ide a toda a gente Levar este ci£me, oculto em brisa, Se ‚ que ainda estou -- eterno adolescente -- No mundo que do amor ainda precisa! Fazei, em cada silaba sonante, Com que desperte o corpo adormecido. E sinta algu‚m, talvez, naquele instante, Que os beijos (certos beijos...) tˆm sentido. N"o h -de haver longe de tais pecados Um m¡nimo de paz que nos conforte? Falam comigo, os lamos tombados Que d"o aroma, at‚ depois da morte. :__n¢s portugueses somos __castos [1967] Catedral E tudo nasce aqui... Tudo porque n"o oi‡o A amea‡a do lume E ao ritmo de um baloi‡o A carne se resume. Tudo porque as imagens, A flor de cada altar, Apontam-me paisagens Que h para al‚m do mar... Tudo porque do peito A voz sai sem disfarce Nesse h lito perfeito Da alma a libertar-se... Tudo porque o prazer Tem o f"lego curto. (Teimando em nos prender Abeira-se do furto!) Tudo porque ningu‚m Invoca o nevoeiro E o £ltimo que vem Aqui ‚ o primeiro... Casa ensombrada Trocam an‚is as almas entre si E h juramentos de fidelidade Em certas pedras... Quanta vez ouvi Ecoar em mim a sua eternidade! E voltam, sempre, as vozes, a horas mortas Como a iludir a febre dos sentidos Na ventania que sacode as portas -- M£sica ... flor de c lices partidos... Contudo, nem sei de olhos ou cabelos Ou l bios que recordem, quase, algu‚m. Fantasmas? N"o! Era preciso vˆ-los Na face oculta que as paredes tˆm. Donde vˆm? Onde v"o? Tudo ‚ segredo! Paira uma ang£stia, f¡sica, infinita... E a casa cresce, cresce com o medo... Apetece fugir. E ningu‚m grita! Riem as guas bruscas da levada Atento, o bosque est de sentinela O render de armas ‚ de madrugada! Quem diz que a noite j passou por ela? De inverno ou de ver"o, ‚ sempre outono. Vacila a torre; aninham-se as varandas... Casa ensombrada! _¢ casa ao abandono, Quantos punhais: an¢nimos nos mandas! Ai! de n¢s! Ai! de n¢s! Que possu¡mos Al‚m de chagas, dividas, pavores? Ali, onde escorregam verdes limos Os mortos s"o os £nicos senhores. Liberta‡"o Pesa-me, inteira, A flor que falta Para a roseira Ficar mais alta. Pesa-me a Lua! E a noite vem, De espada nua, Buscar algu‚m... Pesa-me a neve. Ou a montanha? Dizem que ‚ leve. Mas ‚ tamanha! Chumbo ou veludo. Seja o que for! Pesa-me tudo. Menos a dor. Prel£dio Cuidei que a chuva quebrasse Os vidros desta janela E para lutar com ela Encostei-me ... sua face. E um dil£vio de gua ba‡a Ocultou-me tanta luz Que, por momentos, supus Que me ferisse a vidra‡a. Por‚m, tombavam, calados, Os helic¢pteros da chuva! Como dedos de uma luva Sobre os meus l bios poisados... E assim me fui apagando... Cega a chuva n"o me via! Minha ing‚nua poesia, Ser s ing‚nua, at‚ quando? Mansarda -- Um caminho estreito Em plena cidade Rasteja... E em meu peito Morre a claridade. Estranho rumor O dessas valetas Que a tarde, ao sol-p"r, Cobre de violetas! E h , sempre, uma porta Ali, entreaberta, Sem n£mero... _¢ porta Da casa deserta! Casa aonde a escada Desce at‚ ao crime! Obl¡qua, velada... Quem ‚ que a redime? L no alto, a janela D para os telhados... E o sol poisa nela Olhos espantados! Quem diz (r)mea culpa(r) De p lpebra acesa? Quem diz (r)mea culpa(r) Contra a natureza? Inicia‡"o A Eug‚nio de Andrade Que somos sen"o sombras que tra¡mos? Por fim, rompe a manh"! mas continua Em nossa boca o travo azul dos limos E em nossas m"os a palidez da Lua. E os peixes passam! Fitam-nos, calados, Com grandes olhos, grandes e vazios. E a sua dan‡a onde n"o h pecados Vai decifrando a m£sica dos rios... Mist‚rio Teu corpo veio a mim. Donde viera? Que flor? Que fruto? P‚tala indecisa... Rima suave: Outono ou Primavera? Teu corpo veio como vem a brisa... Rosa de Maio, encastoada em luto: O dos meus olhos e o do meu cabelo. Um quarto para as onze! E esse minuto Ai! nunca, nunca mais pode esquecˆ-lo! Viu-se, primeiro, o rosto e o ombro, depois. E a m"o subiu das ancas para o peito... -- Quem ‚s? Sou teu... (Quando um e um s"o dois. Dois podem ser um s¢ cristal perfeito!) Um quarto pata as onze! Caiu neve? Abri os olhos! Era quase dia... Ou bater de asas, cada vez mais leve, De p ssaro na sombra que fugia? EMBOSCADA Olhar de pedra que se atira a um fosso. Olhar que r¢i como quem r¢i um osso. Olhar que p(tm)e o corpo todo em chaga, Quando arde. E que destr¢i quando se apaga. Olhar -- moeda de oiro. Altar de prata. Vˆ-lo ‚ fugir-lhe... Abandon -lo, mata. Olhar fechado. Olhar onde h segredos Com m£sicas das quais nascem os dedos... Olhar em que n"o creio. Olhar que nego. O meu amor que me deixaste cego! Aguarela De perto, guardam seu corpo Redomas de c‚u vazio. Donde veio esse poeta De verde prado ou do rio? Donde veio esse poeta Que nada t"o descansado? Ao longe lembra uma sela O do no verde prado.. Verde prado. Verde agora. Verde, talvez, para sempre! No rumor daqueles bra‡os H ecos de gua corrente... Donde veio esse poeta Que, envolto em gua, respira? No rumor daqueles bra‡os N"o h pausas nem mentira! Dir-se-iam conchas eternas, Indestrut¡veis, as ancas. E ... flor das ondas, as pernas S"o duas p‚talas brancas... Algarismos Sem r‚deas, passa um cavalo... Volta um relƒmpago antigo! E, nesse breve intervalo, No desejo de along -lo, Penso em coisas que nem digo... E n"o tem cura a doen‡a De cantar s¢ por cantar! Nem que ... noite j perten‡a A carne fica suspensa Entre um jardim e um pomar... Agua fresca da nascente, A palma da minha m"o Como te espera contente! _‚ inverno, de repente E, de repente, ‚ ver"o! Conta errada! Conta errada! Somar ou diminuir? Conta errada! Conta errada! -- Sou dos que morrem na estrada Que vem de Alc cer-_Kibir... Ra¡zes Aromas enla‡ados De Abril, Maio e Setembro! Estar"o as ra¡zes Na palavra que lembro? Quanto mais perto a morte Mais nos deslumbra a vida! Estar"o as ra¡zes Na palavra esquecida? H dedos que procuram O Sol todos os dias! Estar"o as ra¡zes J bˆbadas mas frias? Nos t£mulos? Nos lagos? Nas fontes ou nos rios? Onde est"o as ra¡zes Dos meus olhos vazios? Sentinela H cem anos j moravam No mesmo lugar sombrio. Depois nasci... E falavam! De mim seria? E falavam Quase a par, ao desafio... Eram grandes e eu, pequeno, Junto deles, mal chegava O meu bra‡o... mero aceno Ao frio, ... noite, ao veneno, Quando a poeira os doirava. Como espingardas, est"o Im¢veis, na galeria. Passo por eles a m"o... Bater seu cora‡"o Tal como dantes batia? Mas cada p gina ba‡a Afunda caminhos tortos E h por detr s da vidra‡a Um ex‚rcito que passa Passando em revista os mortos. Persegui‡"o Subitamente, no meu ombro, quedo, Um p ssaro deixou de ser promessa. Anoitece... E o luar veio t"o cedo! E as roseiras floriram t"o depressa! Deixou de ser a m£sica segredo Apenas, onde, sensual, come‡a... Anoitece... E o luar veio t"o cedo! E as roseiras floriram t"o depressa! Tenho medo da sombra porque ‚ doce. Tenho medo do mar como se fosse Meu peito, a praia e a onda,. a tua m"o. Tenho medo e esse medo me atordoa E fujo ... brisa que desabotoa As p lpebras, fechadas sempre em v"o! Sorriso Estava eu s¢, naquele quarto, ao frio. Ao frio, ao vento e aos trope‡(tm)es da neve... Estava eu s¢ naquele quarto ao frio E no meu cora‡"o, todo vazio, Longa era a noite. E o sono era t"o breve! Estava eu s¢, naquele quarto estreito. (Al‚m do leito, havia uma parede...) Estava eu s¢ naquele quarto estreito. Nas minhas m"os cruzadas sobre o peito, Havia fome, havia fome e sede. E negro, negro como a noite morta, E negro, negro como o negro dia, Senti-me triste como a noite morta. Por‚m, de manso, abriu-se aquela porta... E o Sol entrou! E, para mais, chovia... Contacto Arm‚nio? Russo ou rabe? Espanhol? -- Sei l onde v"o ter minhas ra¡zes! A ilus"o das asas ‚ o Sol. Daqueles que nasceram infelizes. Assim, ... mesa do caf‚ sentado Olho em redor... Os homens lembram flores! Paira no ar um laivo de pecado... Confundo os sons, as p‚talas, as cores. E, clandestinamente, vou pintando... (Hoje? Amanh"? Talvez a vida inteira!) Cabe em meu verso (at‚ quando? at‚ quando?) O mundo que respira ... minha beira. _...s vezes, aproximo-me da gente Que me rodeia... Ef‚mero prazer! O jardim seca... E odeio, de repente, Os que, depois de mim, h"o-de morrer! Entre laranjais me vejo Entre laranjais me vejo E uma laranja tombada Faz-me sede... Ai! o desejo De sorver a madrugada! Quero apanhar a laranja, Essa laranja ca¡da... Laranja, diz-me: -- Laranja, N"o sou eu a tua vida? Sem o marfim dos meus dentes Do teu corpo o que seria? Entre laranjais me vejo... De olhos a arder no desejo De sorver o pr¢prio dia! Quero apanhar a laranja Com a minha m"o morena... Laranja, sabes, laranja, De mim ‚ que tenho pena. De mim s¢, que te desejo De mim que, ao ver-te, ajoelho... E entre laranjais me vejo Vendo um ladr"o no espelho. Como viver sem trair-me, No pomar ou no jardim, Pondo os p‚s em terra firme Sem me ver, somente, a mim? Tiraram-lhe os dedos todos Tiraram-lhe os dedos todos Naquele terr¡vel dia, E at‚ mesmo a gua dos lodos Onde, ...s vezes, escrevia. Tiraram-lhe os dedos todos Puseram-lhe a faca ao peito. E o seu bra‡o que era o esquerdo Passou a ser o direito. Vieram nuvens... Logo, elas Toldaram-lhe o corpo esguio. Enquanto os olhos quedavam Como um barco sobre o rio... Vozes de ¢dio e de silˆncio Vieram... Ficou sem fala! Dizem que o mataram... Quando? Se a saudade me apunhala E, cumprindo uma promessa O Poeta que fui eu Em cada verso regressa Do pa¡s onde morreu? De olhos cerrados os sinos De olhos cerrados, Os sinos Baloi‡am... D -lhes o vento! E os bra‡os dos bailarinos? Est tuas sem pensamento! E, uns atr s dos outros, v"o Escalando o c‚u t"o leve: -- Melodia sem can‡"o Que ao som de si pr¢pria escreve... Confiss"o Como eucaliptos minhas rugas sobem Em arco de triunfo at‚ ao fim E ningu‚m vˆ neste Poeta um homem -- Esse homem pobre que vegeta em mim. -- Faz versos... -- dizem. Mas ser preciso Mostrar ao mundo os olhos e o nariz? Nasci na Terra e n"o no Para¡so. Se pe‡o esmola ‚ s¢ neste pa¡s. _¢ dor velada! _¢ l grima, indecisa, Ao p‚ da qual _‚ branca a escurid"o! Amar, mentindo sempre. Eis a divisa. Mentir, Mentir, Mentir, At‚ mais n"o! Fantasma L£cida e lisa Lenta, agoniza... L£cida e firme Sempre a fugir-me... L£cida e ausente Mesmo presente. L£cida e nua... Eterna Lua! T£nica Palavras de oiro e vermelhas Como abelhas. Uma abre as asas e tomba... -- Branca pomba! Outra veste de cinzento Como o vento. Qual delas desfaz a bruma? -- Ai! nenhuma! Inverno Dois troncos. Dois ramos. E neles poisados Dois p ssaros... Vamos Com dias contados? N"o fogem as aves E ficam ao frio Tranquilas, suaves, No cedro sombrio. E os ramos, agora, _... mercˆ do vento, S"o negros por fora Mas brancos, por dentro. Brancos, pela vida Que o sonho revela! Dobrada, tolhida, Por‚m ainda bela. Dois troncos. Dois ramos. Duas aves. Duas Sombras onde estamos Como espadas nuas. Uma paz perfeita. T"o serena a luz Quando a terra aceita O sinal da cruz! _ˆxtase Este jardim, este jardim calado Este jardim, este jardim escuro Este jardim que ‚ todo o meu passado Este jardim que ‚ todo o meu futuro Este jardim -- jardim de onde at‚ onde? -- Este jardim que ‚ todo o meu pa¡s Este jardim em que ningu‚m responde A todas as perguntas que lhe fiz, Este jardim onde repouso a fronte -- Long¡nqua voz seguindo-me de perto... Este jardim, meu £nico horizonte, Este jardim, este jardim deserto, Este jardim que, ao sol, dobra o joelho Este jardim que ‚ toda a minha prece, Este jardim que ‚ todo o meu espelho Quando o meu rosto de fingir se esquece... Este jardim que tem a cor do dia Este jardim sem nome, este jardim Que ‚ verde, agora, sob a aragem fria, Como se algu‚m me acariciasse, enfim! L Seus olhos negros trazia Dependurados nos ramos Ai! a noite, a noite e o dia Somos n¢s quando sonhamos! Sonhava ... luz das estrelas De ocultas m"os, pelo escuro Adivinhando, ao erguˆ-las, O fruto, logo maduro. E longe dos homens falsos Deslizando como um rio Arrastava os p‚s, descal‡os, Descal‡os no ch"o macio... E era uma sombra at‚ quando Entre p ssaros fugia! Sonhando, sempre sonhando Era a noite, a noite e o dia... E as nuvens? Seriam brasas Ou longas manchas de neve? Eram rvores? Ou asas Que esvoa‡assem de leve? Entanto, o Sol sobre o mar -- Sol de prata e de oiro velho -- Vinha deitar-se a afogar Como quem parte um espelho. E cada flor lhe trazia O aroma dos verdes ramos... Ai! a noite, a noite e o dia. Somos n¢s quando sonhamos! Rotina A David Mour"o-_Ferreira No entanto, aqui, no meio da cidade (Grande, t"o grande!) aquela rua existe, An¢nima, talvez, como a verdade. E bela como tudo quanto ‚ triste. As casas n"o s"o muitas. O quintal Ostenta o luxo, apenas, de uma grade. Na esquina, as letras dizem sobre a cal: Rua da Paz ou Rua da Saudade. Certo dia, em Paris, pensei na rua Onde, afinal, mais tarde, vim morar. Foi como que lembrasse a pr¢pria Lua Ou mesmo um barco, ao longe, no alto-mar... E ‚ desta solid"o que necessito, Est£pida, sem d£vida infeliz. Silˆncio im¢vel, traduzindo o grito Que me condena a amar o meu pa¡s! Poesia Deu meia-noite! E o mundo principia... Quem h -de vir flori-lo, hoje, quem h -de? Silˆncio quer dizer felicidade E ‚ de silˆncio este primeiro dia. Por isso avan‡o... Mas nem sei ao certo Onde os meus passos, vagarosos, v"o. E o c‚rebro? S¢ trago o cora‡"o... Ser que Deus est ali mais perto? F‚? Sim, talvez... E a paz, a paz imensa Da vida, ap¢s aquela que se foi... Perdoarei, se houver quem me perdoe. Deixai-me crer nalgu‚m que ainda n"o pensa! Deixai-me com a m£sica secreta Que nenhum sono calmo j desfez! E seja esta cegueira e esta surdez A £ltima esperan‡a do Poeta! AS PERGUNTAS INDISCRETAS [1968] As perguntas indiscretas Esque‡o-me de ti, quando em ti falo. Esque‡o-me de ti, quando em ti penso. Dizer teu nome ‚ p"r um intervalo Entre o que fui e sou. Espa‡o imenso! Esque‡o, ent"o, os fr‚mitos perdidos. Ecos esque‡o de long¡nquos passos... Esque‡o o lume frio dos sentidos, Em tantos olhos, para sempre, lassos! Jardim ausente? S£bito deserto? -- Dor? -- N"o j dor... -- Prazer? -- N"o j prazer... E as horas param quase... Estarei perto Daqueles que deixaram de sofrer? Bailado Com suas m"os femininas O vento alisa o brocado Poeirento das cortinas Do sal"o abandonado. E a luz (o calor que h nela!) Corre por detr s do vento E vem poisar numa tela... E o brocado, poeirento, Resplandece! Ardem fogueiras No sal"o quase doirado. Fingem de asas verdadeiras As cortinas de brocado... Velas de cor de ametista E outras, alongando opalas, Incendeiam-nos a vista, N"o de as ver, mas de lembr -las... E as cortinas de brocado Agitam leques e plumas! E, mesmo ... flor do sobrado, Dan‡am em pontas algumas. Poetas (ai! dos Poetas! ) Dando ao vento ta pr¢pria voz, S"o perguntas indiscretas A chamar por todos n¢s. Mas o sonho vai parando Enquanto o vento se cala... E ningu‚m sabe j quando Voltar ele a ter fala! :, E, nessa amplid"o deserta Deixa de reinar o vento. Fechou-se a porta, entreaberta, Talvez por esquecimento? Caem, por fim, lentamente, As cortinas de brocado Como l grimas de gente No sal"o, abandonado... Auto-retrato Calaram-se as palavras que eu sabia. De s£bito, fiquei desencontrado. E n"o sou mais que a sombra do soldado Com a espingarda ao ombro, mas vazia. Por isso, lembro os n ufragos, dispersos, Que, ... tona de gua, vˆm, de vez em quando. S¢ recupero, l£cido, bailando, O ritmo leve dos antigos versos. E h como que um regresso nos instantes Em que oi‡o os bra‡os, m£sculos falantes, Chamar o que lhes coube por heran‡a. _¢ minha arca fechada, por‚m cheia! -- Arca sem chave... E afundo-me na ideia De que o tempo nos despe, enquanto avan‡a... Inspira‡"o Inclino a fronte. Acendo o meu cigarro. E a m"o direita, Erguida, Traz-me lume. Depois, em fumo, opaco se resume T"o breve o beijo que nasceu bizarro! Por isso, nos meus versos, oi‡o, ao menos, Ecos de longa, int‚rmina toada... H s¡labas Que exalam Os venenos Da carne. Carne de homem, torturada! E o Poeta n"o pensa. Nunca fala! Mas corre, se, de s£bito, uma opala Azula o seu olhar.. Por‚m, dizei-me agora: -- Acaso h vida Al‚m daquela cor, indefinida, Que s¢ pertence A quem a for roubar? Ang£stia As guas correm no regato... Brota Sangue das veias de alta rocha azul? _...s vezes, poisa, nele, uma gaivota... E o vento, quando sopra, vem do Sul. No entanto, as guas, estendendo um v‚u, Cobrem de prata o dorso da montanha. As guas, essas, fitam, sempre, o c‚u. Por isso a voz que soltam ‚ tamanha. O que haver nas guas? E o que sente, Ouvindo-as, a passar, constantemente, A flor que torna a serra, doce e calma? _ guas e flores n"o perguntam nada. Por‚m, a nossa inquieta‡"o calada Ter sentido, s¢ porque tem alma? Romance Sei de uma hist¢ria... Devo cont -la? _¢ fonte clara de pedra firme! Tudo lhe dei: at‚ a fala! Sei de uma hist¢ria... Mas, ao cont -la, (Ai! do Poeta!) vou destruir-me! Sei de uma hist¢ria... E j regressa Algu‚m ao ber‡o de qualquer vida. S¢ de a lembrar, oi‡o a promessa (As horas negras voam depressa...) Bela, t"o bela e adormecida! Morrendo, os olhos de Moys‚s Viram a Terra da Promiss"o. L bios ou cravos? Asas ou p‚s? S"o meus os olhos de Moys‚s! Pergunto: -- Sim? Respondem: -- N"o! :, E a rosa cresce... Nasce no peito. E, a pouco e pouco, sobe ... garganta. Respiro a medo, s¢, no meu leito. Quando me acordam, quando me deito, Tudo me assusta, tudo me espanta. Palavra in£til, quase incorp¢rea? Se h quem me ignore devem-no a ti. Sonho ou remorso? Vexame ou gl¢ria? E nunca finda a minha hist¢ria... -- _ gua da fonte que n"o bebi! Espera No momento em que chegasse Sei l bem como seria! De longe, tra‡o-lhe a face, Dando-lhe os olhos do dia... Dou-lhe os cabelos do vento! Dou-lhe os olhos das estrelas! Dou-lhe as rosas com que tento Embriagar-me, ao colhe-las... Mas nem que, dentro de instantes, Me desiluda a mentira, Lembro algu‚m, maior que dantes, Porque, sonhando, respira... Presen‡a Sobe at‚ mim a semente Da flor do Jacarand . Abro os olhos, do repente! Estou onde o sangue est . Sol dos Tr¢picos, detido Na luz, no aroma, na cor. Haver , ainda, um vestido Que os homens n"o saibam p"r? De boca espessa, mas firme, Tem o lƒnguido sorriso... S¢ de a ver, julgo trair-me, Como Ad"o no Para¡so! Fruto de flor que ‚ semente. Semente de flor que ‚ fruto. Abro os olhos... De repente, Fica, logo, o mar enxuto. Seca-me a voz na garganta Como indiz¡ve1 algema. E tudo, tudo me espanta Como os versos de um poema. E, noite e dia, me chama A flor do Jacarand ! Aqui, na rua ou na cama, Estou onde o sangue est . Castigo Sempre cuidei que, tarde ou cedo, Uma hora havia de chegar, Em que se ouvisse, j sem medo, A voz do mar. E em que eu, do alto da montanha, Com todo o vale percorrido, Achando a vida tamanha, Cansasse de a ter vivido. E em que, ap¢s dias, outros, ignorados, Marcassem o meu fim, Como, a apagar o rasto dos pecados, Que, porventura, ainda falasse em mim. Mas um desejo, em lƒmpada crescente, Tolda-me o c‚u, desesperadamente. La‡os fatais _...s almas voluptuosas Que se deram de mais Ao vento, ao Sol, aos p ssaros e ...s rosas... A dan‡a ‚ um segredo A dan‡a ‚ um segredo. Por‚m bailaste e vi O p ssaro que, a medo, Esvoa‡ava, em ti... E as m"os, com que rasgaste S¢ m scaras austeras, Formaram um contraste Com o que, dantes, eras. Trouxeste-me, bailando, A languidez do rio, Da brisa o sopro brando, Da Lua, o olhar macio... E a noite, ao meu ouvido Veio dizer, por fim, Que tinhas renascido, Talvez, s¢ para mim... Vivˆncia Desci, Hoje, Aos Infernos. Mas foi curto O l£gubre desvio, Como se o amor Representasse Um furto _... inconsciˆncia Juvenil Do rio... Evas"o Um tapete Verde? Uma flor Vermelha? Um corpo Mais alto Quando se ajoelha? O aroma, Indom vel, Do fruto Que verga Os dedos do vento? Onde h vida H rosas? N"o h pensamento? Um rio foge Um rio foge entre os meus dedos v"os, Por mais que a n‚voa, ...s vezes, o disfarce... -- _ gua! -- gritam os l bios. Mas as m"os N"o chegam a juntar-se. Obl¡quo rio, Dilu¡do em vento. O Sol, que o espelha, Bate-nos na cara. Obl¡quo, rubro, p‚rfido, agoirento, O rio avan‡a, avan‡a... E nunca p ra! N"o chegam a juntar-se as minhas m"os. E dos meus dedos Esse rio escorre... Im¢veis, ficam os meus dedos v"os, Porque ‚ de sede que o Poeta morre! Relƒmpago Deram-me cinco minutos (Nem sequer mais um segundo!) Deram-me cinco minutos Para que eu deixasse o mundo. Cinco minutos manchados Pela sombra do ponteiro! Remorsos? De que pecados? De que beijo trai‡oeiro? Nuvem ... flor dos sentidos. Vida breve; longa m goa... Ai! quantos rios detidos S¢ por uma gota de gua! Ai! sub£rbios da cidade Ref£gio de malcasados, Onde o Poeta se evade Tendo os minutos contados! Veio a noite de veludo... E, com ela, veio a Lua! Veio aquele ombro desnudo Que, nos meus olhos, flutua... E veio uma rosa; ent"o, Abrir-se t"o devagar! Cinco minutos que s"o Quando se morre a sonhar? Fado Ao passar pelo ribeiro Onde, ...s vezes, me debru‡o, Fitou-me algu‚m. Corpo inteiro, Curvado como um solu‡o! Que palidez nesse rosto Sob o len‡ol do Luar! Tal c qual quem, no Sol-_Posto, Estivesse a agonizar... Aquelas pupilas ba‡as Acaso seriam minhas? Meu amor, quando me enla‡as, Porventura as adivinhas? Deram-me, ent"o, por conselho, Tirar de mim o sentido. Mas, depois, vendo-me ao espelho, Cuidei que tinha morrido! :__povo que lavas no __rio [1969] T£nel Os ranchos iam passando.. Mata escura! Mata escura! Mata escura de Cabanas! Sob as noves de verdura Tudo eram formas humanas. Cen rio. Tudo cen rio. Ramos de sombra e silˆncio... Cen rio que tudo ilude. Beleza que era beleza S¢ porque era juventude. -- Onde tens as tuas filhas? -- Casei-as. Est"o casadas. -- E a que foi para a cidade? -- E a que anda pelas estradas? Cen rio. Tudo cen rio. Cen rio que tudo engana. Beleza que era beleza Animal, f¡sica, humana... -- Diz-me o nome do teu Pai! Porque tens terra lavrada? -- A m"e se o souber que o diga! Que os filhos n"o sabem nada... -- Que ‚ da Cust¢dia da Fonte? -- Que ‚ da Of‚lia das Caxenas? E o vento Lento Vergava Ramos de sombra e silˆncio Com suas asas morenas... :, E n"o se ouvia mais nada! Os ranchos iam passando... Elas de roupa vermelha; Eles de faixa entran‡ada. E assim foi at‚ ao dia. -- Cada qual vivendo a vida Sem saber por que a vivia... DESTERRADO [1970] Conquista Vendo todos os meus versos. (r)Poeta de compra e venda(r) Zombam de mim. Mas os versos Haver quem os entenda? Vendo na rua, ao balc"o, E, ...s vezes, at‚ na praia! E o dinheiro que eles d"o Logo, fr¡volo, desmaia... Sonham tulipas na jarra Do quarto onde ambos dormimos. E a paz -- uma paz bizarra! -- P(tm)e-nos, nas p lpebras, limos. E acordo, s¢ se outra rima Lembra, de s£bito, a feira. (r)-- Acima, Gageiro, acima! Vˆ se vˆs a P tria inteira!(r) Por fim, bailo. T"o sozinho Como os Poetas que o s"o. E o oiro sabe-me a vinho... E os versos sabem-me a p"o! Al¡vio Noite. Do crime Nasce o perd"o. O tempo foge. Os homens n"o. Cegos e surdos, Nos afundamos. Tronco sem flor. Jardim sem ramos. Bra‡os e p‚s Em mar de areia. E aquele mar Brusco, incendeia. Quem diz que o fogo Tudo consome? Resta, ainda, a sede! Resta, ainda, a fome! E a escurid"o, Mal rompe o dia, Lembra um bal"o Que se esvazia... Romance Ai! da ang£stia dos telhados Ao longe, vistos de cima, Tremendo, acotovelados! _... sombra desses telhados _‚ com a minha que rima... E uns aos outros dando as m"os (Ai! do ex‚rcito cercado!) Como os desejos mais v"os Uns aos outros dando as m"os Desenterram o passado! E, ... pressa, de esquina n esquina, Tento deitar m"o ... bruma! Desnudaram nova ru¡na? Logo, o cora‡"o me ensina A am -la, se encontro alguma... Por isso, guardo, no peito E nas p lpebras cerradas, O rosto, quase desfeito, Da cidade que, em meu peito, Dava aroma ...s madrugadas. Que ‚ das £ltimas vielas? Boca fresca em corpo imundo... Telhas fr geis, mas t"o belas! E vou morrendo, sem elas, Que n"o s"o, j , deste mundo... Vertigem Saia amarela. Estreita a cinta. Busto delgado. (Negros cabelos Cobrem-lhe o peito!) E, nos cabelos, Cravo encarnado -- L bio desfeito... Dos cotovelos, Postos na mesa, Sobem os bra‡os (Fogueira acesa, Riem os dentes!) Dos cotovelos Sobem os bra‡os, Depois, as m"os; Por fim, os dedos. -- Sobem serpentes... (Fogueira acesa Riem os dentes!) E os dedos bailam... E ‚ tal a teia Desse bailado (Cabelos negros... Cravo encarnado! ) Que nada vejo, Na minha frente, (Saia encarnada. Estreita a cinta...) Sen"o o beijo Que mais nos minta! Aceita‡"o A Alberto de Serpa Quando a estrela se apagar, Apagou-se. Que importa a onda do mar Que me trouxe? Quando o dia estiver findo, Partirei, Os espinhos nem sentindo Que h na Lei. Logo, sob o c‚u convexo. M"o serena... Ter m£sculos, rins e ter sexo Vale a pena. Sendo, sempre o que n"o for A mentira. Fruto, peixe, rvore, flor Que espira... _¢ Poetas cuja ra‡a Vem de Roma, N"o quebreis nunca a vidra‡a Da redoma! Juventude A noite ‚ longa, mas o dia ‚ breve E, de oiro, a pena com que nos escreve. Promete ...s m"os o h lito dos frutos E a brisa molha os olhos quase enxutos. Quem j viu Esse olhar Possuiu tudo. Sem ele, o que haveria? -- Ch"o desnudo. Sem ele, o que haver ? -- Silˆncio e frio. Corredor magro, int‚rmino, vazio... Passa a correr. Quebrou-se a espada! Morre uma flor... Assassinada! Come‡o Principio a cantar para quem tenha Fome de ouvir a m£sica do vento... Por‚m, sabeis que fiz, da m goa, lenha E que das suas brasas me sustento? Fiel, acorro ... £ltima chamada. Ningu‚m, comigo, pode estar ausente! Trago uma farda inteira, j mudada E que se h -de mudar eternamente. S¢ dura o mundo enquanto dura a trova. Rasgado o cora‡"o, pairam gemidos... Nascemos, porque a dor ‚ sempre nova E n"o h sofrimentos repetidos. Muralha Defendido pelas rugas Que vincam a minha face, Por mil cabelos grisalhos Como se o tempo os queimasse, E pela £nica prece Em que o Poeta, ainda, crˆ, Quando a m"o lhe treme, ainda, Sem que ele saiba porquˆ, Defendido pelo Povo, Bom, que me guarda respeito, E mal cuida quanto fere Com a sua ingenuidade, Meu cora‡"o imperfeito. Com os p ssaros voando, Com as rvores crescendo Pelo susto, pela d£vida, Por mim pr¢prio defendido, Corro, corro, atras do vento, Ai! sem chegar ... fogueira Que n"o me sai do sentido! Brisa Se eu fosse pintor pintava De verde, verde e cinzento, O ventre da onda brava E os olhos cegos do vento. S¢ com essas duas cores Talvez que a tinta ocultasse Meu prazer, as minhas dores... Tudo que me lˆs na face! E, sob o feltro dos dedos Poisando nas tuas ancas, As ondas dos teus cabelos De loiras ficavam brancas. Nem sequer falas de gente! Nem alegria, nem m goa. Ou luar ou sol poente. Corpo de cristal com gua... Em vez de carne, cerejas. Legumes, em vez de peixe, Antes que meus l bios vejas E, presos, um beijo os deixe. Quem se lembraria ent"o Do Poeta (ou do pecado?) Atirado para o ch"o Como um f¢sforo apagado? Galgos Quando s"o mansos, parecem l¡rios. Parecem rosas, quando s"o bravos. A igreja ‚ bosque, cheia de c¡rios, G¢tica igreja, cheia de cravos. Leves, t"o leves! leves, esguios... N"o sujam praias; n"o lembram gente. E, reflectidos na gua dos rios, Dir-se-iam asas... E a gua n"o mente! Deram as R£ssias aos portugueses! C"es de fidalgo. C"es de solar. _¢ meus irm"os, parai, por vezes, Parai a vˆ-los, que v"o findar! Desterrado O mar j n"o sou eu! E ‚s, ainda, o rio... FANDANGUEIRO [1971] Ins¢nia Noite. Fundura. A treva _‚ mais doce, talvez... E uma ƒnsia de nudez Sacode os filhos de Eva. N"o a nudez, apenas, Dos corpos sofredores, Mas a das almas plenas De indecisos amores. A voz do sangue grita E a das almas responde: -- Labareda infinita Que, na sombra se esconde! Mas, quase sem ru¡do Na carne ao abandono O h lito do sono Desce como um vestido... Revela‡"o Respiro. E sei, Assim, Que j vieste! -- H uma rosa Na manh" agreste... O sis Aquela praia-contraste Entre a liberdade e a lei (Aquela praia ignorada!) Foste tu que ma mostraste Ou fui eu que a inventei? Len‡ol de seda ou de linho? Len‡ol de linho bordado? Deitei-me, nele, ao comprido... Len‡ol de seda ou de linho? Len‡ol de espuma, comprido... Len‡ol de areia queimado! Ai! aquela praia! Aquela Que, na minha embriaguez Manchei sem d¢! Fiquei triste Logo da primeira vez Em que a vi... N"o o sentiste? Agora, lembro-me dela Como de um len‡ol de renda Rasgado por minha m"o... E fico triste, t"o triste! Todas as praias s"o brancas E s¢ aquela ‚ que n"o! Moinhos que andais no vento, Leite que escorres na Lua, Quero pedir-vos perd"o! Mas ‚ t"o grande, t"o grande Ai! ‚ t"o grande o contraste Entre a liberdade e a Lei Que, ...s vezes at‚ nem sei Se aquela praia ignorada Foste tu que ma mostraste Ou fui eu que a inventei... Inferno Mordido em corpo inteiro (E ‚ Deus quem no-lo diz!) Mordido em corpo inteiro, Na flor e na raiz Mordido na lembran‡a Constante dos sentidos. Mordido na lembran‡a Dos fr‚mitos perdidos. Mordido em cada bra‡o, Mordido em cada rim, Nos bei‡os e nos ossos Mordido at‚ ao fim. Mordido, mais mordido, Mordido mais e mais, Cada vez mais mordido At‚ n"o poder mais. E seja como for Mordido sempre em v"o. Mordido pelo amor Como nos morde um c"o. Peixes Inteligˆncia de gua. Alma de flores. Para eles n"o h lume, al‚m das cores. Por isso, ‚ claro o seu olhar enxuto E a sus dan‡a ‚ como um aqueduto. Pomar oculto. M£sica perdida. Silˆncio azul que dura toda a vida. Nem l grimas, nem mesmo ecos de prece. Se um deles morre n"o desaparece. E a sua pele, espelho que flutua, Serve, em segredo, de tapete ... Lua. Marcha f£nebre Vinham dois. Vinham quarenta. Vinham j cem mil talvez E uma poeira sangrenta Cobre o solo portuguˆs. De Este a Oeste, Norte a Sul, Tais como as ondas do mar, Olhar negro, ontem azul Vinham deitar-se a afogar. Vinham mudos e sombrios Como a noite na garganta Vinham cegos como os rios Como-a sede quando espanta. Vinham sem saber onde iam, Mergulhando o corpo todo Nas pr¢prias veias que abriam Como quem se afunda em lodo. Eram eles a fronteira Da P tria sem pensamento Como escravos sem bandeira Tendo por bandeira o vento. Cidade, cidade minha, Quem o havia de dizer? Atr s de um, mais outro vinha... vinha para morrer! Po‚tica A arte vive do furto E quase nos persuade Que o seu reinado t"o curto Quase que n"o tem idade Quando, afinal, j sem furto, Nada, em n¢s, fala verdade. Noite Noite. Na cidade grande, Sangram e alongam-se as mas. E a cor que delas se espande Vem tingir esp duas nuas. Gritos de bichos ou de homem Entrela‡am-se... Talvez Que os olhos, vidos, tomem Por virtude, a embriaguez. Oiro ou fel, tudo consome, A cidade. Sen"o vˆde; Os que roubam s¢ tˆm fome, Os que n"o roubam tˆm sede. Finge a luz de fogo posto E a sombra finge de chama. Por‚m, as rugas do rosto (_¢ morte sempre adiada!) Negam direito a quem ama. E entra em meu peito uma espada... Ai! a m£sica dos bra‡os Atr s dos quais os p‚s v"o! E o ritmo traz a ilus"o De que o sonho continua A varrer espelhos ba‡os Aonde escorrega a Lua... Nem ‚ tarde nem ‚ cedo. Mas em n¢s h o sentido De chegar, como um segredo, A tempo de ser ouvido... Fronteira Numa banda a Espanha morta. Noutra, Portugal sombrio. E entre ambos galopa um rio Que n"o p ra ... minha porta. E grito e grito: -- Acudi-me! Topei dor. Busquei prazer. E sinto que vou morrer Em plena p tria do crime. As trevas dan‡am. Mas canta Certa voz. Voz de mulher? Mordem a minha garganta Apelos que ningu‚m quer. Por mor de aprender o Vira Fui tra¡do... Mas, por fim, Disseram que era a mentira Que, ent"o, chamava por mim. Onde ‚ que est s, Artemisa, Leandro, Patego e tu, Corpo intacto, intacto e nu, Correndo na praia lisa? Nada haver que me acoite? Meu amor! Meu inimigo! E aceito das m"os da noite A mem¢ria por castigo... EMIGRANTE Partiram todos. Fico desterrado Na mesma P tria que me viu nascer. E foi t"o longo e breve o meu reinado! E foi t"o longo e breve o meu prazer! Os p‚s finco na Terra. E, do outro lado, Vagueia o mar onde h -de sempre haver Caminhos onde o moiro destronado Pode ouvir fontes ao anoitecer... Partiram todos. Mas de flor ao peito, (Flor de algu‚m que, ao deixar a minha rua Se lembrasse de mim naquele instante?) Beijo-lhe, ent"o, as p‚talas, no jeito De quem recolha l grimas da Lua, Neste pa¡s, neste pa¡s distante... Ileio Toda alta roda, por fora! Fr gil a que est no meio... Ilus"o que se demora? -- Deram-lhe o nome de (r)Ileio(r). Dan‡a de homens afinal, Que a da mulher mal se vˆ... Muralha por tr s da qual Bailam sem saber porquˆ. Pois a verdade ‚ que, unidos, Os dedos formam cadeias. Fala a febre dos sentidos... Fogueira que o ritmo ateia! E uns aos outros dando as m"os (A brisa entrela‡a os ramos...) Descobrimo-nos... Quem somos? Onde estivermos, estamos? -- Nus, como ontem, sem disfarce... E a dan‡a (mentindo ainda Quando eles ao separar-se V"o ter com as mo‡as?) finda. Os poetas Inventam at‚ o fruto Que mel chega a dar prazer. E, de minuto a minuto, Mudam, a cantar, de luto, Que o seu destino _‚ morrer ... Vivem, apenas, por v¡cio. Ai! voos de asas quebradas! Neles, h sempre um cil¡cio Feito de virtude ou v¡cio Que lhes tolda as madrugadas. Tudo o que sentiram disse-o A voz que nunca diz nada. -- E os poemas? -- Exerc¡cio. De gin stica aplicada... Biografia Com l¡rios nas m"os de neve, Subi ao £ltimo andar. A haver farda, era t"o leve Que fui subindo a cantar! E fui subindo, subindo... S¢ parei no patamar. Abri portas e janelas Para poder respirar. Tudo o que se via delas Tinha a cor do meu olhar. Da varanda me inclinei, Para medir-lhe o tamanho. Ai! dos vassalos de El-_Rei Aos quais El-_Rei fica estranho! L do alto, c em baixo, o rio Transformara-se em regato. Reparei que, debru‡adas, Sobre o seu leito vazio, Faias, apontando espadas, Lhe exigiam um retrato. Soprou, de s£bito, o vento! Varreu a noite a direito, Rindo... Que risada fria! Entanto o solar, ao vento, Erecto, fazendo peito, Resistia, resistia... Mas, das brechas do telhado, _ gua, s"frega, escorrera. E o torre"o do solar -- Ameias de pedra ou cera? Era um p ssaro assustado Sem asas para voar! :, Vendo o pal cio desnudo, Mandei chamar mil pedreiros Quiseram-me apunhalar. Consigo levaram tudo As alfaias, os dinheiros E at‚ as rosas do altar! Todavia, de repente, Serenou. E a Torre tinha N"o s¢ p lpebras de gente Como a luz do meu olhar E na casa, outra vez minha, Recomecei a cantar Tonto, cada vez mais tonto, De p‚, naquele solar, Parando, De vez em quando Sem saber at‚ que ponto Podia a noite voltar! Quadrante Respeitai a adolescˆncia Cabos da Guarda Fiscal! Deus que fez homens morenos N"o lhes pode querer mal. Olhai para as suas m"os: -- Dedos de p£rpura e seda... -- Bandidos? -- Por‚m, crist"os Que se benzem na alameda... Ai! quando assim se benzeram Por que, sem d¢, os matais? E tantos n"o conheceram Nem sequer os pr¢prios Pais! Filhos das ervas... No entanto, Deram fruto; deram flor. _¢ milagre desse espanto De sonho, seja onde for! Cada passo, ao vento e ... neve, Mede cem l‚guas de medo E a sombra, apenas, se atreve A, de penedo em penedo, Sustendo a respira‡"o, Ir, sozinha, ...quela hora, Onde aqueles homens v"o, Enquanto a morte os namora... E, no rel¢gio, os ponteiros D"o, sempre o mesmo sinal: -- De um lado, carabineiros; Do outro, a Guarda Fiscal. M scara A toada, essa era minha, As palavras ‚ que n"o. Quem souber ler adivinha Outras linhas noutra m"o. Punha-me ... escuta e se ouvia Cantigas que fossem belas Toda, toda a poesia Dos poemas que eu dizia Vinha delas. E, ao acaso -- ¢ mar sem fundo! -- _¢ mares da dor alheia! Trouxe, ... tona de gua, o mundo Sem o ter tido na ideia. Pre‡o de j¢ia roubada? Caix"o de chumbo ou veludo? De meu nunca tive nada. Fiz-me ladr"o. Tive tudo. Saindo, sempre, por tr s Fui entrando pela frente, Dei guerra, buscando paz. Viver ‚ andar ausente. Confiss"o por confiss"o, Morrerei sem dizer nada. E as palavras? O que s"o? -- Livro igual, capa trocada. Ausˆncia Ningu‚m dorme. Quem escreve? Dou a viagem por finda. Dizem que chove... Cai neve? E mel sei se vivo ainda! Cabelos negros, compridos... _¢ roupagem de mulher! Havia cinco sentidos De que um n"o resta sequer. E os que perderam a fala Choram... Mas at‚ na dan‡a Cada palavra se cala: Nem recua; nem avan‡a. Sem fechaduras, as portas Ficam ... mercˆ do vento. _ gua paga? Luz cortada? E o dinheiro, unicamente, Aponto aos olhos a estrada Onde ajoelha toda a gente... Sud rio Vejo uma ogiva invertida Nos bra‡os dos dan‡adores Desde a Murtosa ... Bestida, Desde Aveiro a Mogofores. O ventre proeminente Que a faixa n"o dissimula Tem um perfil de serpente. Mas, depois, volta-se a gula Para as blusas brancas, brancas, Das mo‡as da Mealhada. Passam... E baloi‡am ancas Sob a cintura delgada. _ gueda! Semana Santa. Tudo me cheira a alecrim. Tudo me sobe ... garganta Para me falar de mim. Do que fui restam-me os ossos E estes versos por sud rio. Lembro a viola do Mac rio E a Gl¢ria dos Padre-_Nossos. Havia o Barril, no meio, E casebres ao redor. Cravo rubro em cada seio Cujo nome sei de cor. _ gueda! Semana Santa! Tudo me cheira a alecrim. Tudo me sobe ... garganta Para me falar de mim. De mim que sou o que o Povo Quer que eu seja: neve ou lixo. Canto, s¢ porque ele canta. E, ent"o, respiro de novo, Rastejando como um bicho... Rabazolas Traz uma flor entre os dentes! Dan‡a? E a flor se esfolha inteira, P‚tala por p‚tala. Cheira A rosa, oculta em serpentes... Poesia _... mesma hora, Todos os dias, Durmo ou desperto De m"os vazias. No mesmo quarto, Na mesma casa, Quedo-me, ... espera Da campa rasa. Rezo na Igreja A mesma prece. A ora‡"o longa Logo se esquece... Na mesma rua, A mesma gente Vˆ-me passar Indiferente. Chamam a isto Monotonia, Concha vazia, Luz que se adia? Mas dou-lhe o nome De poesia... Distƒncia _¢ alta Serra de S"po Onde a Peseta nasceu! Bailador de faca em ponta Quem vos quer bem n"o sou eu. De olhos em amˆndoa claros, L bios de cravo e morango. Erguendo as asas do Vira, Golpeadas pelo Fandango, Vossas d divas conhe‡o Quer de noite, quer de dia. Com os meus p‚s fiz o pre‡o Da palavra que mentia T"o verde a alf dega! E a cinta Estreita que ainda trazeis? Serra ignorando a cidade E a infƒmia dos suas leis! Contas de pedras, talhadas Por l£gubres, vidos dedos. Algemas de namorados, Entre alecrim e penedos. Raiva que n"o dobra nunca Aves de agoiro ... procura (_¢ alta Serra de S"po!) Que lhe dˆem sepultura. E, ao longe, a Serra do S"po, Fronte varrendo as estrelas, Cala-se, cruzando os bra‡os E, trope‡ando, caminha... Foi indo atr s dos ciganos Que cheguei ... tua beira, _¢ alta Serra de S"po! Minha £ltima fronteira. Pode haver serras mais altas Por‚m nenhuma ‚ t"o forte. O alta Serra do S"po! Quem souber amar a vida N"o pode esquecer a morte. Fado Por que ‚ que Adeus me disseste Ontem e n"o noutro dia, Se os beijos que, ontem, me deste, Deixaram a noite fria? Para quˆ voltar atr s A uma esperan‡a perdida? As horas boas s"o m s Quando chega a despedida. Meu cora‡"o j n"o sente. Sei l bem se j te vi! Lembro-me de tanta gente Que nem me lembro de ti. Quem ‚s tu que mel existes? Entre n¢s, tudo acabou. Mas pelos meus olhos tristes Poder s saber quem sou! Can‡"o da noite perdida Frente a frente, peito a peito, Jogam, calados, os dois. Silˆncio quase desfeito... Ningu‚m pergunta: E depois? Parede posta em sossego. -- Sombras pairam? -- Quase engano... Fixos perfis um, de grego. -- E o outro? -- Perfil romano. Baralho. Incˆndio crescente. Fogueira tr‚mula, acesa! Trˆs facas (dir-se-iam gente...) Quedam-se aos cantos da mesa. Luta de almas e tamanha Que a noite, ali dentro, ‚ dia! Dali, daquela montanha, Nunca o ¢dio se desvia. E as facas, de quando em quando, Amparam copos de vinho. Quem joga sonha! E, sonhando, Sonha abrir novo caminho... Com a £ltima jogada. Cessa o f"lego da vida Chega a morte! N"o diz nada. Quando vem, vem distra¡da... Pƒntano Amar por amar n"o posso. Amar por amar n"o sei. Amar por amar n"o posso. Amo aquilo s¢ que ‚ nosso Amando ... margem da lei Amar por amar n"o posso. Amar por amar n"o sei. Quem compra, compra e n"o paga, Vende o que nunca lhe d"o. Quem compra, compra uma chaga. Quem compra, compra e n"o paga, Compra ou vende uma ilus"o. Quem compra, compra e n"o paga Vende o que nunca lhe d"o. Ningu‚m me fa‡a perguntas! Trago o cora‡"o j frio... Ningu‚m me fa‡a perguntas, Que as minhas l grimas juntas Davam para encher um rio... As minhas l grimas juntas Davam para encher um rio! Cruz de pau Ontem seria uma nuvem... Hoje foi aquela voz. Deus que tendes piedade Tende piedade de n¢s! Adormecida, a cantar, Em leves ondas deitada Essa luz vinha do mar... Data, de ent"o, meu regresso A certa praia tranquila. E eu, Poeta, me confesso. De pecar, s¢ por ouvi-la. E h serpentes entre as rosas, H dem¢nios entre os anjos Se h punhais naquela voz... Deus que tendes piedade Tende piedade de n¢s! Moinho das quatro velas Moinho das quatro velas -- Moinho de Montedor -- Quatro velas de madeira Decepadas pelo ar, Enquanto h bra‡os que alongam E refrescam e baptizam Os nossos olhos cansados... Bra‡os nus. Bra‡os de gente. E o Floriano dan‡a o Velho, Dan‡a o Ant¢nio a Cana Verde E dan‡a a G¢ta o Vicente! Altas velas de madeira -- Moinho de Montedor -- Recordam c¡rios de altar. Fogem sombras de fogueira Ou bra‡os de bailadores? Floriano, Ant¢nio, Vicente Lembram as ondas do mar... Mas sem barcos, mar de (r)arga‡o(r). _... transparˆncia das guas, Quase at‚ que adivinhamos Firmes as pernas e os p‚s De quem baila mas vivendo A fazer frente ...s mar‚s. Por detr s desse moinho -- Moinho de Montedor -- Domingos Enes Pereira Nasceu. E foi junto dele Que se tornou bailador... :, Mar‚s de m£sica cheias! Floriano, Ant¢nio, Vicente, Como o azul das suas veias Com certeza que n"o mente. A par daquele moinho -- Moinho de Montedor -- (O das velas de madeira!) Dan‡a o Ant¢nio a Cana Verde E o Floriano dan‡a o Velho E dan‡a a G¢ta o Vicente. (Hel‚nico, intacto, inteiro Surge, ainda em nossa frente, O perfil do Fandangueiro!) Floriano, Ant¢nio, Vicente, Como, o azul das suas veias Com certeza que n"o mente, Vˆm de perto ou vem de longe Mar‚s de m£sica cheias? Moinho das quatro velas Decepadas pelo ar! Bailam trˆs mo‡os com elas, Depondo c¡rios no altar Da minha saudade, ... beira Do farol de Montedor, Dando luz -- luz trai‡oeira... A luz que me h -de queimar! :__eu desci aos __infernos [1972] Eu desci aos infernos Como depois dele h -de vir Setembro, Agosto veio, agora, inutilmente, (Riso cruel -- formoso pesadelo) Sem olhos claros para recebˆ-lo, E um corpo nu, intacto, ... sua frente: Meu pr¢prio corpo que, incessante, lembro! Sinto, assim, ƒnsias de que volte o Inverno, O frio e a neve atr s da qual me escondo. Faz-se o mundo, pequeno, mais redondo. A passo e passo, foi descendo ao Inferno... Que nos ficou do antigo Para¡so? Espelhos mal quebrados, por‚m ba‡os: -- Neles flutua a linha de alvos bra‡os E boia a Lua com seu ventre liso. Auto-retrato Vive como respira: calmo, lento. E casto (ou pecador?). At‚ na prece Da boca -- impercept¡vel movimento -- A limpidez do sopro transparece. Ouve-se o mar ao vˆ-lo: -- Por que esperas, Alma de grego? neve o seu cabelo. Conta setenta primaveras. Mas logo que a bra‡ada rompe, acesa, Sem n¢doa e sem mentira, Grita que a pr¢pria natureza Da idade nunca o prevenira. Confidˆncia S¢ por ¡ntimo impulso a m"o corria Na tela, de olhos cegos, mas fremente. Que as horas (vinte e quatro em cada dial) Mal chegam para sermos tanta gente. E essa m"o, ofegante, era a direita. Dela jorrava a luz em que me inundo... Quanta beleza nunca se aproveita A dar fei‡(tm)es ao m¡nimo segundo! Esqueleto sem carne, j , por fora, As unhas afogavam-se, na tinta. _ gua de cor que a brisa leva embora, Antes que seque, ou, l¡vida, nos minta. E, em derrocada, a m"o flutua ao n¡vel Das p‚rolas, no mar, colhe as ra¡zes Das violetas, nos bosques, acess¡vel Aos poetas de todos os pa¡ses. Cinza O cravo que me deste J n"o ‚ uma flor. Nem mesmo sobre os ramos do cipreste As pombas, ... cautela, se vˆm p"r. A estrela que, sorrindo, atrai‡oaste, Esmagando-a, com o dedo, ao apont -la, Rosa entre rosas, ao tombar da haste, J perde a fala... E como o c‚u, o mar emudeceu, Quando as ondas, ainda, eram tamanhas! Bastou que, nele, um corpo estranho ao seu Marcasse, agudo, o s¡tio em que te banhas. Resta a fogueira imagin ria, acesa Ao lume inveros¡mil da prece. E, assim, pecando contra a natureza, Negamos tudo o que desaparece. P ssaros Quem, lembrando-os, n"o lembra a pureza perdida? Tamb‚m eu, tamb‚m eu j trouxe intacta a face Naquele gesto lento, Na f‚ daquela vida, E murmurei, depois: -- E se eu atr s voltasse? Abri-lhes o caminho, deixando que os seus passos Criassem alegria. E voaram os p‚s, at‚ ali escassos, Libertados da lama onde a cobra os prendia. Int‚rmino caminho, esse caminho breve Que doravante, assina a sua condi‡"o. N"o deram pelo corpo... o corpo era t"o leve! Sem palavras in£teis, como m£sica se deve Negar o que nos devem e aquilo que nos d"o. Naufr gio Agarro os versos pelo cacha‡o Como se fossem lobos vadios. Uns s"o gaivotas; outros s"o rios. Outros s"o guias altas que abra‡o. E quantas vezes cuido (ai! de mim!) Que ficam vivos na minha ideia E prisioneiros, quando por fim Nem mesmo a sombra j nos rodeia! E corro, corro, corro a salv -los Da escurid"o do anonimato... Galopam, longe, negros cavalos... E um n¢ me aperta que n"o desato. Tudo o que passa, nunca mais volta. Se chega a sorte, vem distra¡da. H embu‡ados na minha escolta... E ‚ de palavras que ‚ feita a vida! Dai-me papel, papel e tinta! Deixai que eu traga dor ou prazer! Deixai que eu chore, deixai que eu minta, Mas que eu n"o morra sem o dizer! Velho bairro Aqui e al‚m, onde em onde Sacudo o suor da cara. Mas o rio n"o responde! Quem passa, passa e n"o p ra... E as pedras, tr"pegas, v"o, Com o casario ...s costas, Atrav‚s da escurid"o... De joelhos e m"os postas, Rezam! E seus passos lentos Nunca mais chegam ao fim. H , naqueles movimentos, Cadˆncias que vˆm de mim. _‚ delas a minha fala: -- Olhos entornando a prece Da can‡"o que nos embala _ medida que anoitece... Natureza Maiata no len‡o. Maiata na faixa. Maiata da Maia. Maiata nos brincos E nos cord(tm)es de oiro. Maiata na saia. Maiata nas ancas. Maiata na saia E nas blusas brancas. Maiata se reza Maiata se chora, Maiata se ri. Maiata se dan‡a, Maiata se canta. Maiata se fala. (T"o loiro o cabelo!) Maiata no rosto -- Rosto cor de opala... Maiata no lume Do amor sem tristeza, Maiata no Adro. Maiata na eira, Maiata de dia, Maiata de noite, Maiata na fonte, Maiata na cama, Dando luz e ardendo Como vela acesa, Quando se derrama... Carne _¢ rvore de ramos Quebrados pelo vento! -- E t"o caro compramos Um arrependimento! Arte po‚tica M£sica s¢. E mais nada. Que as ideias n"o tˆm som. Quando h cor, h madrugada. Tempo mau ou tempo bom Nunca foram esculpidos, Mas trazem olhos pintados. Quando os homens distra¡dos Se esquecem de ser soldados, Entra pelos seus ouvido O verde aroma dos prados E as cantigas mais secretas Lembram sempre a sua voz. Nascem, ent"o, os Poetas. E nascemos todos n¢s. Encruzilhada A dan‡a e o bailado s"o Entre si t"o diferentes! A dan‡a procura o ch"o Modelado por serpentes. Sexo? Fome? Juventude? Ritmo? Sol? Paz? Descoberta? -- O bailado n"o ilude. Voz? N"o tem voz incerta... Propinas pagas. Tablado Que da terra se desvia. Sabedoria ‚ bailado -- Dan‡a ‚, sempre, poesia... Romance _¢ co‡ado sobretudo! _¢ algibeiras vazias! Vinha a noite e me sorrias Naquele quarto desnudo... Lembras-te? A nossa afli‡"o Se algu‚m nos batesse ... porta E fing¡amos, ent"o, Estar ausentes, ausentes... Por fim a treva- gua morta Pelo silˆncio afogada -- Deixava que os nossos dentes Trincassem todos os frutos At‚ vir a madrugada... Cinco dedos mal enxutos, Cinco dedos tinha a luva Do vento contra a janela... Cinco dedos tinha a chuva E cinco dedos aquela M"o que me enla‡ava a cinta. Lembrando-a, fico a lembrar Olhos negros, donde a tinta Escorria devagar... Quanta ciˆncia secreta Naquele analfabetismo! -- Dizer que leia a um Poeta conduzi-lo ao abismo. Camb¢rio A mim, Camb¢rio, te irmano E, portuguˆs me dirijo (Voz de cigano a cigano!) A todo o teu corpo rijo Que o meu corpo, corpo duro, Encontrou na sua frente No Coral da Moraria Certa noite, de repente. Como tu, lume espalhei Dan‡ando, tamb‚m dan‡ando Pelo prazer de o apagar E tamb‚m renasci, quando (Se at‚ de dia h luar, M"os ou serpentes morenas?) Fiz do ritmo lenitivo, Nau em nau e porto em porto. Camb¢rio? Sei de um apenas... O meu Camb¢rio est vivo. O de Garcia est morto. Arrabalde A _¢scar Lopes -- Paga a quem deves! -- disseram. Mas eu n"o pago a ningu‚m. Saio, ... noite da cidade... S¢, ali, me sinto bem, A espera de qualquer vento... (E se esse vento n"o vem?) M"os abertas, desatento, Distribuo os meus poemas: -- P‚rolas negras talvez... Ou diab¢licas algemas? Ou relƒmpagos? Estrelas? E a nossa antiga nudez Esquecemos, hoje ao vˆ-las. Vento oculto! Ignoto vento, Onde est a tua espada? Guarda o trono em que me sento! Defende a noite acordada! :, Pois se o mal chegar, sozinho Quando rondar, perto, perto Perto, cada vez mais perto Desse trono em que me sento, Com minha voz, verdadeira, J eu terei descoberto Outra luz, outro caminho, J ter soprado o vento Como se ergue uma bandeira. J ter"o vindo soldados Espalhar rosas no ch"o, Murmurando o que s¢ digo Com mar de todos os lados, Longe, ... noite, da cidade, Sem cuidar que ainda comigo H"o-de entrar na eternidade! A ora‡"o da malcasada Escutai naquela cama A ora‡"o da malcasada! -- Dir-se-ia a £ltima chama Que ainda n"o foi apagada... Nem se move. Nem respira. N"o v a carne acordar! Amor? -- J n"o h mentira... Noite? -- J n"o h luar... E mais negra, de hora a hora, (Negra ou branca, branca e fria?) em silˆncio que chora A sua monotonia... Espelhos Calhaus. Pequenos, uns; Outros maiores. Regam-nos l grimas... Regam-nos suores... Por isso, em orla _... sua volta h buxo. (Junto ... aridez Toda a verdura ‚ luxo.) E penso nesses versos Que, tr‚mulo, escrevi, Quando a cegueira, amor, Quando a frieza, amor, E a crueldade, amor, Falavam-me de ti... Sombras Dedos que nascem aonde Os frutos nascem silvestres. O livro, quando se esconde, _‚ que se escondem os mestres. No pomar? No roseiral? Uma vez flor? Outra pomos? Dedos que s"o, afinal, O que n¢s afinal somos. Haver cinco sentidos? H cinco dedos tamb‚m. Dedos nunca repetidos Por eles, nem por ningu‚m. Homenagem Adelgacei a cinta; ergui os ombros. E o sexo, sob a t£nica, pesado, Rompeu a escurid"o em que os escombros O haviam sepultado. A torre, ent"o, recuperou o sino. Sonƒmbulo, o pal cio abriu as portas. Poetas, podeis crer: Nosso destino _‚ pedir vida, ainda, ...s coisas mortas! Recusa -- Rir? -- Melhor fora chorar De p‚ ou, talvez, de bru‡os! Nasci ... beira do mar... -- L grimas? -- Sim. N"o solu‡os. Frederico n"o ‚, nem nunca foi parente De Pedro Homem de Mello. Um p"de ser esdr£xula serpente... Outro, castelo. Separa-nos, aqui, Uma fronteira aqu tica e tamanha Que, bailando eu, h dez dias, em Madrid, Ainda n"o vi, nem verei nunca a Espanha. Escarno Perseguem-me estas ruas espanholas Com seu passo met lico, onde escuto Epil‚ticas e frias castanholas. Viro-lhes costas, em sinal de luto. Que ironia a brancura destes dentes Feitos para morder e, depois, rir! _¢ rouquid"o da sede! _ guas dementes! Garganta seca do Guadalquivir! N"o h virgens aqui. Todas, morenas, Trocam os beijos por moedas de oiro. A mantilha, ainda, ‚ v‚u de sarracenas. Oculta sangue moiro. E, apunhalada, a rosa possu¡da Por dedos prontos a rasgar o mundo, Tomba da fronte, inerte, sobre o peito, Mostrando-nos a cor que n"o aceito: -- A de um vestido novo em corpo imundo! Confirma‡"o O pr¢prio nome que uso ‚ roubado Como a virtude, como o pecado. -- D. Pedro! -- E, rindo, por mim chamaram E, para sempre, me baptizaram Sonhei, mais tarde: -- Mas, por que n"o Se o mundo esteve, na minha m"o, Nessa cantiga, T"o doce E amarga Quando eu bailava Na Serra de Arga? Itiner rio Em Aboim da N¢brega, uma tarde, Em que a Espanha espreitava da janela (Invis¡vel fantasma, por‚m arde!) Lan‡ando os olhos ... Serra Amarela. Um homem (nunca l cito a mulher!) Com seu chap‚u de espelhos enfeitado, Passou por n¢s sem se lembrar sequer Que onde h beleza pode haver pecado. A m"o na cinta -- esse padr"o da ra‡a! -- Falava de oito s‚culos de hist¢ria. Hoje, como ontem, cada pedra esvoa‡a Na montanha que a luz torna incorp¢rea. Por‚m, fiel a rubras descobertas, Vou sublinhando o que antes, mal sabia... _¢ p ginas de carne, sempre abertas Dos meus compˆndios de geografia! Rua Rua estreita. Rua estreita Que a noite deixa acordada! Rua fria. Rua fria Onde nunca rompe o dia Nem mesmo de madrugada. Certa vez, nela, escondi-me Como se esconde um ladr"o: Costas viradas ao crime. Rua de paz e perd"o. Homens de corpo bonito (Rua com dedos humanos!) V"o ali... Quase acredito No amor que s¢ tem vinte anos! (Rua, jovem de repente!) Rua, de ouvido encostado, Escutando o que n"o digo! Imos os dois, lado a lado, Ambos, de ouvido encostado -- Cala-se a rua comigo... S£plica Perdoai que, por um cravo, Nunca ouvisse eu a promessa De libertar esse escravo Que, por mor daquele cravo, A si pr¢prio j regressa. Perdoai que, por um cravo, S¢ por ele ser vermelho, Recusando o bra‡o firme, Dobrasse eu, logo, o joelho, Pronto, assim, a destruir-me. De alma cega, mas acesa, Sem ver, quase, p"o inteiro A luzir na minha mesa, Perdoai que, por um cravo, Roubasse eu tempo ao dinheiro! Pureza A espuma aqui ‚ a £nica poeira. E assim, a descoberto, sobre o mar Um rosto de homem serve de bandeira A terra, que, de longe, o vˆ passar... Suas fei‡(tm)es encrustam-se no barco E d -lhes corpo e sombra, nome e jeito: As velas onde os bra‡os formam arco E a proa onde se alarga cada peito! E enquanto cresce a r pida corrida (Quem toca hoje no c‚u? Quem marcha ... frente?) Mais verdadeira do que nunca, a vida Desenha, ao alto, o seu perfil silente. N"o h m scaras v"s, n"o h mentira Se os loiros v"o na m"o que os semeara! Das algas nasce o ar que se respira E sobe o vento que nos despe a cara. Her¢is do Atlƒntico! Irm"os g‚meos das fr guas! Reis das ondas azuis -- senhores seus... Provas de vela -- inquiri‡(tm)es das guas! Trof‚us do mar -- confirma‡(tm)es de Deus! Can‡"o breve As minhas personagens est"o mortas Segui o enterro delas. E, uma a uma Foram fechando, atr s de si, as portas Mas sobre as suas campas n"o h bruma. Nunca, sonhei, nem tive por ideal Mais do que as asas que levanta a ponte. Das pr¢prias m"os fiz ta‡a de cristal. O vinho que bebi fui eu busc -lo ... fonte. E nesse arfar da carne sempre inquieta, Na vertigem dos olhos sempre tontos, Dei ao meu sopro o jeito de uma seta; -- A mais curta distƒncia entre dois pontos. Carta a Eug‚nio de Andrade Porto. Abril. Tantos de tal... E continuo a teu lado, Hoje como ontem. Igual A mim pr¢prio: abandonado Por todos, menos por ti. Posto que t"o diferente Seja o ber‡o em que nasci Da praia, livre, onde passas Com Sol a pino. Sorriste Alheio ...s minhas desgra‡as? Vˆ: mendigo sou que aceita Mesmo uma c"dea de p"o, Mas que traz na m"o direita A flor que as roseiras d"o... Vela apagada ou acesa? -- Sei que me podem comprar Tudo, menos a nobreza De sorrir quando h luar... Escola Sobe do barro o poema Com dedos que andam cansados. Haver algu‚m que tema, Nele, a mancha dos pecados? Olhos, bei‡os e nariz, Em cada rima, se h"o posto. A boca fala e nos diz Que Deus tem bra‡os e rosto. Passam nuvens ou mulheres? Amputaram-lhes as pernas? Ama-as, beija-as se o puderes, Que eu s¢ busco almas eternas. S¢ me detenho onde ‚ firme O bra‡o que nos ampara. Canto! Mas para esculpir-me, Semeio e colho a seara. Nunca eu trouxe a m"o vazia. Meus versos s"o eu e tu. Dou um nome ... Poesia: -- Academia Do nu. Espanha A Espanha s"o as ra¡zes Dos lobos e das serpentes. As cobras largam pe‡onha. Os lobos mostram os dentes. Verde vento, verde neve Verde vento. Verde neve. Brancura? -- Palavra vaga .. Quem lhe chamar pesadelo _‚ que n"o paga A quem deve. Verde olhar. Verde cabelo Feito de rvores e flores. Verde n¢doa. Verde chaga, Sempre a sangrar, a sangrar... Verdes s"o todas as cores S¢ porque ‚ t"o verde o mar! Acaso Minha vida ‚ como a rua Que tem ao fundo um jardim... Por ela passas? -- _‚ tua! N"o passas? -- _‚ s¢ de mim. J foi tempo em que eu cuidava N"o poder viver sem ti. Depois, quanta rosa brava, Debru‡ada sobre o moro, Logo na primeira esquina, Meu olhar chamou a si! Desde ent"o, j n"o procuro Quem, por ai, leia a sina. Que sabem os homens? -- Nada! Se nascemos? Se morremos? Sou embarca‡"o parada. Chega a brisa! E d -me remos... Amor Hist¢ria breve: Oito dias Dormiram no mesmo leito, M"os nas m"os, de oiro vazias, M"os nas m"os e peito a peito, Peito a peito, face a face, (Sonho t"o leve e t"o doce! A morte, quem pensa nela?) E as horas pararam todas Sem que um deles se lembrasse De ir entreabrir a janela, S¢ para que o sol entrasse Dando fim ...quelas bodas... N"o tem resposta a promessa Se j nada nos ensina. Nem sempre a vida come‡a... Mas a morte n"o termina. A morte De longe, a vi chegar, constantemente. Mar‚ de lama ensanguentada e brava E, agora, que ela est na minha frente, _‚ bem menos cruel do que eu pensava. De alma tranquila, quase adormecida, N"o a procuro, mas n"o a receio. A morte vem, s¢ porque a vida veio... A morte o que ‚, sen"o a pr¢pria vida? Esta palavra, apenas: Poesia. Que, uma vez dita, n"o se cala mais Fala da noite enquanto eu me escondia Com mil serpentes, sob os roseirais... E, assim, fiz versos. Neles, desenhei Linhas azuis de tanto corpo humano, Em desafio ... m scara da lei! -- Como um pr¡ncipe? -- N"o! Como um cigano... Francisco Francisco de Vila Verde De Parada de Gatim, (_¢scar Lopes bem o disse!) Tens o que me falta a mim: Esse pesco‡o que se ergue Como se ergue uma coluna. N"o h f‚ nem esperan‡a, Que a tua alma n"o reuna. Ai pobres academias, Apenas c¢pia de escassos Ritmos de Fandango, quando A Escola est nos teus passos! Do sul de _ frica, vieram (Quanto livro enganador.) S bios para conhecer Portugal. Chamei-te. E viram Muito mais fortes que o amor (O amor, esse, vido, cansa! ) As letras que n"o mentiram De quem n"o sabe escrever. Cinco letras dizem: -- Dan‡a. Seis letras dizem: -- Prazer. Ant¢nio dos Santos Ant¢nio dos Santos. Travessa da P¢voa. Cora‡"o parado. Est"o nos seus dedos Todos os meus versos. At‚ meus segredos Dormem a seu lado... Ant¢nio dos Santos. Travessa da P¢voa. _¢ ecos da infƒncia A falar de mim! Menino que sonha. Que sonha, acordado... Ant¢nio dos Santos Sabe que essa infƒncia N"o pode ter fim. Ant¢nio dos Santos. Travessa da P¢voa. Cora‡"o parado. Espingarda im¢vel Em vig¡lia, atenta Como a de um soldado! Vento redondo _¢ voz que sopra quando o vento passa E alarga-me as narinas! -- Aquele vento que ‚ da minha ra‡a De reis e de varinas! Que traz o sal do mar E esse oiro antigo Que s¢ aos deuses dedicava o grego. -- Voz que doce, premeia, E d¢i como um castigo, _...s vezes, para meu desassossego. Ombros redondos a imitar a Lua, Erguem-se, indiferentes! A lama fica atr s. Mas, neles, continua... Sempre onde h rosas, h -de haver serpentes. E o olhar desvenda, aos poucos, o teclado Que d aos dedos s¡labas em v"o! Poema que nos lembra, naufragado, Um barco, um marinheiro, um cora‡"o... Sequeira Antes de ouvir-me o poema J desnudara o Fandango... Pela n¢doa de um poema Dera ... luz o seu Fandango? Era (por que n"o dizˆ-lo?) De Fazendas de Almeirim Fronte alta; negro cabelo; Olhar que morria em mim... Tudo se compra no mundo (Tudo!) a n"o ser a nobreza. Vi barcos? Vi mar profundo? Vi chamas de carne acesa? _‚ que Deus em n¢s respira, Ou ... espera da beleza Ou a varrer a mentira Dan‡as de Espanha! Est"o vistas. Andamos delas cansados E enquanto houver fandanguistas A P tria ter soldados. Ah! n"o nos deixem viver Sem que decoremos passos Que ensinem esse prazer Que torna os bˆbados lassos! Encontro Um ap¢s outro, os mais foram-se embora. Fic mos ambos, eu e eu, sozinhos. Dos teus ombros rolaram os arminhos Que eram neve na p£rpura de outrora. O rio, aqui, encontra-se velado. E, de olhos postos nele, ‚ que sorrias. Ao reparar nas tuas m"os vazias, Lembras talvez, os loiros do passado? Desces degraus do tempo em que reinavas... Degraus de um trono que partiu de mim. Sonhei-os para ti, sempre, sem fim, Por entre alas int‚rminas de escravas! _ tua beira, existir quem possa Ocultar-ta o Poeta que mal viste? N"o creio, n"o, que o sonho acabe triste, Se a vida, amor, assim, ainda ‚ mais nossa! Degraus Uma cama. Noite breve. Amor que tudo aproxima... Uma cama. Noite breve. Amor que tudo aproxima! Cora‡"o que nem se atreve A quebrar aquela rima. Cora‡"o que nem se atreve A quebrar aquela rima! Duas camas? Dois pecados. Mas para o crime h perd"o. Duas camas -- dois pecados. Mas para o crime h perd"o... E os antigos namorados Em duas camas est"o. E os antigos namorados Em duas camas est"o! Solta o rio (e nunca p ra!) Dois bra‡os, de gua j fartos... Solta o rio (e nunca p ra!) Dois bra‡os, de gua j fartos! Mar‚ cada vez mais rara. Duas camas? N"o. Dois quartos... Mar‚ cada vez mais rara! Duas camas? N"o! Dois quartos... Realidade Fomos longe demais, para voltar Aos antigos canteiros onde h rosas. Em n¢s, o ouvido, quase e, quase, o olhar Buscam nas cores vozes misteriosas... Mas o mist‚rio ‚ flor da juventude. N"o rima com poemas desumanos. A idade -- a nossa idade! -- nunca ilude. S¢ uma vez ‚ que se tem vinte anos. Quebr mos todos, todos os espelhos E o sol que, neles, est hoje posto J n"o reflecte os l bios t"o vermelhos Que nos iluminam, sempre, o rosto. Realidade? H uma: apenas esta! -- Somos espectros na cidade em festa. CARTAS DE INGLATERRA [1973] Bedford Street Alas de rvores, no meio Da rua lenta, avan‡ando... Das casas h -de vir quando, A foice que ainda n"o veio? Noite. Noite em que me afundo... Noite. Noite em pleno dia... Sonhei: -- E se uma dessas rvores ca¡a Como se, nela, Se apagasse o mundo? De que nacionalidade S"o as s¡labas da voz Que o silˆncio do Poeta invade? E a P tria? -- A P tria est onde estivermos s¢s. Beauchamp Street (Fado) Manuel que, bˆbado, sigo -- Nome? -- O de Nosso Senhor. Manuel que, bˆbado, sigo Quisera eu beber contigo Seja em que taberna for! Falei-lhe em Deus... Ao ouvir-me, Levou a m"o ao chap‚u. Que m"o tr‚mula mas firme A descortinar o c‚u! Manuel, bˆbado, que sigo, Nada pediste ...s estrelas Que estas n"o pudessem dar! Quisera eu vˆ-las Contigo, Por len‡ol tendo o luar! O noite sempre perdida No vicio de querer bem! Manuel que, bˆbado, sigo, Como pagar a dormida Sem trope‡ar em algu‚m E trope‡ando contigo? :, Manuel que, bˆbado, sigo, Sonhas? Sonhas? -- Que isto baste! -- Sonho int‚rmino, t"o lento! Quisera eu sonhar contigo, Vacilando, como a haste Da flor que se entrega ao vento... Nevoeiro londrino A ver se me deixa em paz O lume que as rosas d"o. . Vou tingi-las de lil s. Semente que se desfaz E cai no meu cora‡"o! -- A ver se me deixa em paz O lume que as rosas d"o... E, assim, abrindo a torneira De um olhar desconhecido, Jorra cor t"o verdadeira Que me n"o sai do sentido! Sempre pintei como choro. -- L grimas, Que s"o? -- Pinc‚is... E choro! De cada poro, Sai tinta... Quando a vereis, J a flor h -de ir na bruma, Que sendo tudo, afinal, Nunca foi coisa nenhuma. Vergonha in£til, in£til decep -lo. Sem bra‡os e sem voz, restam-lhe os dentes! Entre eles e os mais h sempre um intervalo, Imut vel, de corpos diferentes. E em silˆncio, em silˆncio, vai pintando As palavras, ditadas, uma a uma, Enquanto a brisa ati‡a o lume brando, E v"o descendo as p lpebras da bruma... (Em silˆncio, em silˆncio vai pintando As palavras ditadas uma a uma!) Fica o espectro da flor... Que flor aquela Cujas p‚talas rolam pelo ch"o? Quantos perfis intactos, sobre a tela Os poemas, nost lgicos, nos d"o! Irm"os, pais, filhos -- terra proibida? _¢ riso breve! _¢ l grima discreta! E assim termina, antes da morte, a vida... A Fam¡lia ‚ a infƒmia do Poeta. Can‡"o intacta Cada rua soletra-me um poema At‚ h pouco an¢nimo, estrangeiro. Chove luz, chove cor (¢ t£nica suprema!) Das varandas, em flor como canteiros. Preciso foi sobrevoar o Atlƒntico Vindo a Inglaterra descobrir enfim Que eu, portuguˆs, romƒntico, romƒntico, Ali s¢ tinha irm"os ao p‚ de mim. E purifico-me no lusitano Prestigio de quem, masculamente (Sensualidade?) (e sei que n"o me engano!) Buscou dar lume, lume a toda a gente. Fora estreita a paleta? Onde nasci Se os dedos pintam, pintam, namorados. Enquanto que outras l grimas, aqui Em virtude, traduzem os pecados. O rio corre... Chamem-lhe (r)Tamisa(r). L¡quidos l bios. Muda, muda fonte. Incerto, ba‡o, pl£mbeo ele desliza, J cego e surdo ao que a Hist¢ria ainda conte. E, embora eu sinta a lƒmina directa Da tenta‡"o, por vezes, ignorado Continuo rezando... Sou Poeta! Trago, no dedo, o anel do meu noivado... Sargaceiro Ap£lia... Ap£lia... O mar, l , entontece. (E sofri tanto!) _... noite, onde estar"o As ondas? Rezo! Em repetida, a prece Em meus quadris desliza a sua m"o! Ap£lia... Ap£lia... Aqui repouso a fronte Nos flancos estendidos (verdadeiros Templos de paz!) tendo por horizonte As pernas brancas dos meus sargaceiros. Ap£lia... Ap£lia.. Sol. E Sol, perfeito E a pino, luminoso na mentira; Oi‡o um rel¢gio, s¢! Oi‡o-o em meu peito: -- O mar! O mar da Ap£lia que respira... Ap£lia... Ap£lia... De ancas opulentas, Loiras meninas que j s"o mulheres Afastam toda a imagem das tormentas... Aprende a evit -las se puderes! Ap£lia... Ap£lia... _... custa das pupilas, Bebi a luz das rochas e a do vento, Ouvindo, longe, vozes! E, de ouvi-las, O mundo p ra, mais feliz, mais lento... Fonte Que h nos meus versos? -- Vede A chama que os consome, _ vida mais que a sede, Mais negra do que a fome, A s¡laba t"o curta Que deixa inacabada A imagem que se furta _... luz da madrugada, Essa tinta que ilude S¢ porque tem a cor Posti‡a da sa£de, Febril seja onde for, O ritmo que mant‚m Meu sexo em movimento E faz com que ningu‚m Me sinta passar lento, Que permite que eu seja Maior que a tenta‡"o E lave os p‚s na igreja Onde os meus passos v"o E livre da velhice Setenta primaveras -- Nome que nunca disse: _¢ palavras austeras! :, V‚u que deixa entrever, El sticos, os m£sculos (Frutos que d"o prazer Tornaram-se min£sculos...) Minhas can‡(tm)es morenas? Minhas rimas vermelhas? -- Sensualidade, apenas, At‚ nas sobrancelhas! Sinceridade Deixa que eu beije Teus olhos que me viram! Mas n"o beijes os meus Que te mentiram... Harpa e¢lia Se te roubo, Ant¢nio Nobre, _‚ que sou pobre, t"o pobre Que aceito qualquer cantiga. _¢scar Lopes que te diga Quanto, em mim, passos perdidos N"o v"o al‚m dos sentidos! Alta a voz, mas sem ideia, Ao sabor da mar‚ cheia, Pe‡o esmola, pe‡o esmola Ao vinho, ...s flores, ... brisa!.. O regato se desliza, Sem obst culos, no prado, Sou eu, correndo a seu lado, Parando quando ele p ra. Sede cada vez mais rara Abafada pelo rio, E barco, barco vazio. Rezo como reza o povo, N"o trago nada de novo. Vem da lama repelida Toda, toda a minha, vida. _ gua? -- N"o chega a ser fonte. E, antes que a dor amedronte, Rezo (palavras vazias! ), (r)Galopando Av‚-_Marias.(r) (r)Galopando Av‚-_Marias...(r) (r)Galopando Av‚-_Marias!(r) Liberdade Por minha simples vontade, Uso o nome que entender. E, se isso me d prazer, Nem El-_Rei me dissuade. Serei tudo, tudo, tudo, Homem, deus, menos mulher. E serei o que eu quiser Por minha simples vontade... Beberam comigo ... mesa E quase ... margem da lei Os que nem de dia ... rua Saem. Quanta gente presa Esteve que libertei. E ela mais eu, lado a lado, Vamos procurar o C‚u... (O C‚u ‚ sempre inventado?) Liberdade, liberdade, Quem a tem chame-lhe sua! Benzo-me e tiro o chap‚u Por minha simples vontade. E se algu‚m vir o que eu vir Ainda que nada eu vira? Ai! meu Alc cer-Kivir! Toda a mentira ‚ verdade, Toda a verdade ‚ mentira Por minha simples vontade. Carta a Bill Bill! Se algum dia voltares Aos caminhos do passado, Achar s tudo mudado: A dan‡a, o trajo, os cantares... Fica a m scara por fora? Por baixo dela, ainda igual, Se ergue a bandeira real -- Branca e azul -- intacta, agora? Bailam a Gota? -- Eu te digo: Veio, h tempos, um amigo (Meu pa¡s foi sempre o teu E esse pa¡s n"o morreu!) Ver de perto com seus olhos O l¡rio de que eu falava (L¡rio t"o branco entre abrolhos!) Em versos de silva brava. Branco l¡rio! Branco l¡rio! Ao alto da serra da Arga! Lembro nele o Fandangueiro Que, ao bailar, de corpo inteiro, Era uma flor, doce e amarga... Mas, em chegando, ouvi s¢ Insultos de altifalantes! :, Onde estavam os amantes Do Poeta? Apenas p¢. E olhos, olhos espantados E toda a monotonia Da voz que o rosto desvia Dos rouxin¢is dos silvados. Que loucura! (Pense-o, pense-o Quem quiser de l bios mudos.) -- Comprei por dez mil escudos, Dez minutos de silˆncio. Calou-se o altifalante! Castanholaram os dedos... De novo, Naquele instante, Voltou o povo a ser povo! E voltaram homens ledos: -- Veio o Nelson e a Artemisa, Veio Afife c Gondar‚m E os de Carre‡o tamb‚m Misturar-se aos da Galiza... E bastaram dez minutos (Os dez minutos comprados!) Para dez mil namorados Sorrirem, de olhos enxutos. Que loucura! -- (Pense-o, pense-o Quem quiser de l bios mudos.) Comprei por dez mil escudos Dez minutos de silˆncio! Jardins suspensos Em Hampton Court, Em Hampton Court, estive... Ou foi em Ninive? Ou foi em Ninive? Soho s pela mansarda fria, Pelos tr‚mulos telhados E pelas paredes nuas? _‚s pela monotonia, Pelos pap‚is espalhados, Ao acaso, pelas ruas? s pela s¢rdida tinta Das pedras que cheiram mal, E que o pederasta procura Como quem, de longe, sinta, Perto, ref£gio, afinal, Para dar sombra ... loucura? _‚s pelos becos obscuros Onde a pol¡cia n"o vem Deter o rumor dos passos? Pela garganta dos muros Cobertos de era em vaiv‚m, Feitos de m£sculos lassos? _‚s pelo bei‡o encostado Ao silˆncio e ...s escondidas? Fonte a espraiar-se no peito... Sem futuro, sem passado, H duas bocas unidas Num s¢ corpo liquefeito. :, s, alheio ...s primaveras, Pelos crimes ancestrais E pela pra‡a, indefesa? Irm"o de Byron, que esperas, Se at‚ mesmo os animais Pecam contra a natureza? V¢mitos, fezes e lodo. Falta ... janela a vidra‡a. A voz do medo me chama... O vinho? -- Bebi-o todo! E o vagabundo que passa Tem direito ... minha cama. Pris"o vazia ou fechada? Afogaram-se na bruma Sempre, os espasmos bizarros. Nada sei. N"o sei de nada. Conto as almas, uma a uma Pelo lume dos cigarros. s pela porta entreaberta Por tr s da qual dorme o quarto Que a nossa carne procura? s pela m"o que liberta Das luzes de que ando farto? -- M"o de homem, igual ... minha... Procura E com poemas, noite e dia, fiz Degraus, degraus de um trono triste, triste... Onde est , onde est o meu Pa¡s? Onde est o meu rei que n"o existe? Mea culpa Mergulhei no caf‚, n"o no caf‚-bebida, Mas no caf‚, casa de habita‡"o. Nele decorre toda a minha vida. As minhas horas todas, nele, est"o. Ali, fico a sonhar, at‚ que me n"o deixe O sino da Bas¡lica escrever, Faminto como um lobo, sequioso como um peixe. (Sem dor o que ‚ prazer?) _... nossa frente a rua corre, aflita -- Rio de l grimas e preces! -- Talvez estranhos esta carta, escrita De uma cidade escura onde apodreces... Quem diz (r)Vossa Excelˆncia(r) ou trata algu‚m por tu? Valho o que vale a x¡cara... E o criado Com sua indiferen‡a p(tm)e a nu O quanto, aqui, sou ignorado. Vem um francˆs; chega um americano. Logo, ...s duas por trˆs, rompe a conversa. E esse vaiv‚m, esse calor humano (Ingenuidade na perf¡dia imersa?) Faz de n¢s f ceis embaixadores. Por‚m, no fundo, h sempre a mesma s£plica, A dos sexos frustrados e traidores: -- Viva a Rep£blica! Auto-retrato _‚ tal o desprezo pelo oiro que vejo, Que, mal ele poisa nestes dedos frios, Logo o liquefa‡o, transformando-o em rios Onde se dilua todo o meu desejo. Amo, azul, o sangue porque amo o passado. Oi‡o a voz do sangue, mas a do oiro, n"o. Ciganos! Ciganos! Onde estou, est"o. O sangue tem asas, mas o oiro ‚ pesado. Nudez dos artistas! vida nudez. Ancas, pernas, bra‡os, corpo sem disfarce Que, ante a formosura, prefere entregar-se De gra‡a, a vender-se, por mais que lhe dˆs. Desperdi‡o passos, a fazer a festa. Dou li‡(tm)es de dan‡a (n"o trazem dinheiro!) N"o como, n"o bebo, sem bailar, primeiro Esva¡do em sangue -- sangue que me resta... Por isso, talvez, n"o ficam na estante, Como os versos s bios que ningu‚m procura, Meus poemas pobres, sem literatura. D. Pedro! D. Pedro -- poeta cantante! ECCE HOMO .1974] Ecce homo Ecce homo no c rcere! Ignorado, Nele, o suor ‚ sangue em pedra escrito. Ecce homo na sombra que a seu lado Deu pensamento h lito ao granito. Ecce homo na dor! Que, da s¢, possa Deixar crescer esta rvore florida! N"o somos nada. E a vida Nunca ‚ nossa. Ecce homo na luz que viu de frente! No olhar que vai direito ... estrela acesa! Ecce homo que morre, consciente Da £nica beleza! Fruto vermelho, sumarento e doce, O amor fora o seu tr gico pecado Ecce homo, Poeta e namorado! E amorda‡aram-no com se fosse Um c"o danado! Erguendo os bra‡os era a pr¢pria dan‡a! Movendo os l bios sugeria o canto. Vestiram-lhe a camisa que hoje o cansa. Silˆncio? N"o. Ah! quando multo espanto. :, Colheu uvas em v"o porque as n"o pisa. Toda a alegria de ontem o amortalha. Ecce homo que a sua fronte lisa Nem ‚ toga, nem farda, nem muralha! Lenta, a l grima escorre e cai no ch"o... Mancha-se o mundo em cor rubra, insubmissa. Ecce homo! que, livre, diz: -- Perd"o! Ecce homo, que preso, diz: -- Justi‡a! Tela A David Mour"o-_Ferreira A rua estreita, a int‚rmina avenida, Vistas por tr s (e ao longe!) das persianas, (_¢ p lpebras de vidro, sobre humanas, Boiando com a noite adormecida!) Uma rvore de arrabalde parisiense, Aquele cravo ao p‚ daquele banco, Um len‡o azul ou um vestido branco E at‚ o c"o no qual j ningu‚m pense, At‚ o p¢; o cheiro a naftalina, At‚ o guarda-chuva que se inclina Para enfrentar a ondula‡"o da brisa Servem de fonte ... minha poesia, _...s vezes rubra e tantas vezes fria, Musical, sempre, an rquica, indecisa... Estufa fria A estufa cresce... E cresce t"o serena Que julgo f cil qualquer nascimento. Mas n"o esque‡o nunca a tua pena Tatuada, ¢ minha terra, pelo vento! Aqui, s¢ eu existo. Ningu‚m mais! Chamam ... mar‚ vasa, mar‚ cheia. Fr geis Bocages que ... deriva, andais, _¢ provincianos desta imensa aldeia! Mesmo ao fadista, pago a peso de oiro, Falta-lhe sangue azul, falta-lhe ra‡a. Bebe whisky. Veste mal. Finge de moiro Mas logo encolhe os ombros quando passa... Estufa fria... Capital do medo: (Nada, al‚m dele, c , ‚ verdadeiro.) O cantador, tu, sim, que ‚s de Mazedo Lembras-me os bra‡os do meu Fandangueiro! Sina Canto porque n"o oi‡o Os v¢mitos do lume E ao ritmo de um baloi‡o O Corpo se resume. Canto porque as imagens De p‚, no seu altar Apontam-me paisagens Que h para al‚m do mar... Canto porque do peito A voz sal sem disfarce Nesse h lito perfeito Da alma a libertar-se Canto porque o prazer Tem f"lego curto (Teimando em nos prender Abeira-se do furto!) Canto porque ningu‚m Afasta o nevoeiro E o £ltimo que vem Cantar ‚ o primeiro. Porto ... noite A noite desce... Com que lentid"o Comigo ela se deita! E luminosos os an£ncios: v"o Tornar a vida em n¢s menos estreita. Em cada rosto esfolha-se uma rosa E cada ruga j desaparece! E a carne, a minha carne voluptuosa S"frega vai de encontro a qualquer prece Voltam as ruas a imitar os rios (H quem deslize, ...s vezes, como um barco...) Voltam a encher-se os cora‡(tm)es vazios Nesta cidade embandeirada em arco. Sapek-_Adubos; Tagus ou Bonan‡a? Jardim suspenso cujo aroma diz Que os homens crescem quando a noite avan‡a A desprendˆ-los, quase, da raiz. Cidade rubra ao longe e, ao perto escura Gula insaci vel de vilanovenses! De que poetas andas ... procura Se aos meus poemas vidos pertences? Natureza _... mem¢ria de Domingos Enes Pereira (O Fandangueiro) O vento sopra! E sopra de sudoeste... Se na praia ando nu Ele me veste. O vento sopra! E sopra de sudoeste... S¢ bebo luz que, ...s m"os cheias e cegas, O Sol me atira. (O Sol que depois negas) -- Enlouqueci? -- Talvez... Mas, como escravo Com gua -- gua da chuva -- ‚ que me lavo! Revolu‡"o Ao Duque d'_harcourt Das rvores os pomos Caindo v"o, tornando a terra sua. J n"o ‚ o metal que diz quem somos. -- O sangue continua... Minha bandeira est na cana do nariz, Na palidez das m"os e nos dedos compridos... Com a estreiteza da cintura fiz Palavras que ficaram nos ouvidos. Muralha finalmente derrubada! _¢ Casa da Moeda, enfim vazia! Quando o oiro, s¢ por si; nos n"o traz nada, O reino dos Poetas principia... Biografia Abrindo ao melo a noite misteriosa, Dedo nos l bios, Silencioso, vim Buscar a flor... (A flor era uma rosa!) A flor que era uma rosa para mim! Quem a colheu chamou-lhe, um dia, sua? E desde ent"o s¢ vejo esse arlequim Que baila, baila, dando o bra‡o ... Lua... Melodia Dedos, P‚s, M"os N"o podem ser mentira. -- Porque o teu corpo _‚ harpa que respira... Disc¡pulos Dancei na frente deles. Foi bailando Que os fiz sorrir, sortir, de vez em quando. Seus bra‡os que eram curtos, alonguei-os. Mostrei-lhes asas no lugar de seios. Fr geis alguns, tornaram-se violentos. Espadas aptas a vergar os ventos! Ro¡am-nos os vermes das ideias Fixas? -- Movedi‡o, libertei-as! E aqu ticos, ent"o, foram-se unir Ao Tejo, ao C vado, ao Guadalquivir... Disc¡pulos ou mestres derradeiros? Dizei-me: -- Haver mar sem marinheiros? _£ltimas vontades Na branca praia, hoje deserta e fria, De que se gosta mais do que de gente, Na branca praia, onde te vi. um dia Para sonhar, j tarde, eternamente, Achei (ia jur -lo!) ... nossa espera, Intacto o rasto dos antigos passos. Aquela praia, inamov¡vel, era Espelho de p‚s leves, depois lassos! E doravante, imploro, em testamento, Que, nesta areia, a espuma seja a tiara Do meu cad ver, preso ao teu e ao vento... -- Vaiv‚m sexual, que o mar lega aos defuntos? -- Se em vida, agora, tudo nos separa _¢ meu amor, apodre‡amos juntos! A Can‡"o de Pedro a Ruy: Se ‚s como eu adolescente Hoje igual ao que ontem fui Se ‚s como eu adolescente Deixa l falar quem mente! Baila! Baila! Baila Ruy! Se uma s¡laba te basta Hoje igual ao que ontem fui Se uma s¡laba te basta Ind¡cio da tua casta Baila! Baila! Baila Ruy! Solta ex‚rcitos o vento? Hoje igual ao que ontem fui Abra‡ado a ti o enfrento E ao meu, teu nome acrescento Baila! Baila! Baila Ruy! Baila! E, ent"o, ditar s leis Hoje igual ao que ontem fui Baila! E, ent"o, ditar s leis... Tens na m"o todas as leis! Baila! Baila! Baila Ruy! PEDRO [1975] Miragaia A Fernando le"o Aqui, onde esta noite nunca cessa, Foi Miragaia a minha Madragoa. Aqui, em frente ao rio, oi‡o a promessa Do mar que ajoelha, enquanto me atordoa. Aqui, sei onde sangra o l bio oculto. De quem me vˆ, at‚ de olhos fechados! E, como os cegos, reconhe‡o um vulto, Pelo ro‡ar dos dedos namorados... Deviam chamar Pedro, em vez de Porto, Ao burgo, se ‚ tal qual do meu tamanho! Aqui Nasci, Por‚m nasci j morto, Im¢vel, surdo, triste, mudo, estranho... Deu-me Deus ele, apenas, por amigo. Deitamo-nos, cismando, lado a lado... Seu corpo, rijo e nu, dorme comigo. Mas fico, entre-os seus bra‡os, acordado! Bodas vermelhas As almas pedem luz. Apodrecida A noite dorme, quieta, em seu arm rio. Cantei sem medo! A cruz foi no Calv rio Que Deus a ergueu, como a anunciar a vida! Cantai, rapazes! E, essa juventude Que n"o foi minha, seja, ao menos, vossa! Que dentre todos, um, ao menos, possa Quebrar tanto silˆncio que ainda ilude! As asas s¢ s"o asas quando h vento. Cantai! Cantai na for‡a dos vinte anos! Cantai! Cantai! Ing‚nuos, mas humanos, Com l bios rubros de prometimento! N"o morrer hoje, que importƒncia tem? A paz, ...s vezes, lembra-nos veneno... E tudo ‚ falso no pais sereno Que n"o se bate nunca por ningu‚m. ALELUIA [1979] Revela‡"o Foi preciso o calor e um s£bito cansa‡o Para vermos, de novo, o busto dos escravos E a rua ter a cor de alucinantes cravos, Cujo aroma embebeda e nos arrasta o passo. Bendito seja o Sol que despe o que se esconde Sob a f‚tida estola, imposta pelo frio! Onde ‚ que h bra‡os n£s? Onde ‚ que os h ? Aonde? Trago olhos virgens, cora‡"o vazio... _¢ gratuito espect culo, tra¡do Quando o Povo (o bom Povo) mais moireja! Espelho luzidio, a pele. E uma cereja A brisa tinge; co‡a-nos o ouvido. Goto o prazer de que ningu‚m suspeita De ir ao teatro sem pagar bilhete. Mendigos passam, tiram-me o barrete (S¢ tˆm vinte anos!) com a m"o direita... Satƒnica, sangrenta poesia De l bios, nela, ocultamente, imersos! Dir"o talvez, um dia, ao ler meus versos: -- Quem era esse homem que eu n"o conhecia? O pacto Sei, da cidade, um s¢ caf‚: o Infante. -- Boa bebida? -- Sim. Por‚m mais que isso: -- De l , topando o Doiro ro‡agante Sinto-me embarcadi‡o... E aquela nesga De gua fresca Basta Para o Torcato, ing‚nuo pescador, Achar em mim algu‚m da sua casta. -- Irm"o no corpo esguio e at‚ na cor! Dai, o jeito f cil, natural, Desde o primeiro encontro, em nossa fala. Se h poesia entre homens, afinal, Devemos ignor -la? Flor¡ramos vaidoso o nosso peito E ele, ao pesco‡o, p"s um fio ardente... Descal‡o, meio nu (vinha do mar!) em frente Vi (ai de mim!) o Pr¡ncipe Perfeito! noite... somos livres? -- N"o mudemos. E odiando a morte, al‚rgico ...s algemas, Torcato, pescador, afunda os remos! E a ningu‚m mais direi os meus poemas... Aleluia Nas minhas matas roubam... Tanta lenha Encontro, ...s vezes, posta no caminho, Sobre a caruma, onde o Sol desenha Palavras que adivinho! Logo, sonhando, balbucio preces, Ao reparar em ti, que, neste mundo, Ao 'lume de alguns galhos, maus, aqueces O enregelado olhar, meditabundo... E realizo o imenso para¡so Que, ante o que furta, em flor, se descortina. Refresco o rosto gesto, num sorriso Feito de paz -- ¢ sensa‡"o divina! E penso: -- Que injusti‡a h no castigo De quem n"o chega nunca ao oiro e ... prata! Com que direito eu, pr¢digo, o persigo Se o meu pal cio est por tr s da mata? Bandido Irm"o -- irm"o em Jesus Cristo Beijo a madeira onde os teus dedos p(tm)es. Vol£pia ‚ o receio de ser visto... Que t‚dio a vida sem haver ladr(tm)es! Espelho Topei a paz enfim! (Tinha eu subido A encosta empedernida, at‚ achar O Po‡o Azul!) N"o oi‡o a voz do mar Mas a de leve, aqu tico gemido... Logo, o meu corpo de homem foi tentado Por l¡quida e total embriaguˆs! Disse-me o rio: -- Aqui tudo o que vˆs Traduz amor, isento de pecado. Sem dar por tal, quase insensivelmente, Desapertei o estreito colarinho. Olhei em volta (n"o viria gente? ) Por‚m, N"o vi ningu‚m! Vi-me sozinho... E, sem camisa j , gravata e cal‡as, Tal como vim ao mundo, mergulhei... _¢ lei da liberdade! -- £nica lei Cujas palavras nunca foram falsas. Sei pois que um beijo -- beijo que n"o mente! -- Entre a gua e a carne pode ser trocado. Dei-me a ele todo! E, agora quando nado, Dois corpos b¢iam: nus e frente a frente... :__expulsos do governo da __cidade [1979] Ilha Procuro o Para¡so. E nasce, em mim, a magoa. Estranho mal o meu, O mal da poesia! Surdez de n"o ouvir sen"o a gua... Cegueira de n"o ver sen"o o dia. Sub£rbio Esta cidade, este bordel e a rua, Desesperadamente percorrida, S"o a certeza de que a minha vida Aqui, aqui, somente, continua. Aqui se expande, em c¡rculos maiores, Avermelhado, o sangue, como rio Onde o Sol beba... Aqui, noites de estio Levam ... verde paz dos arredores. Aqui, entre pinheiros e resina Que n"o p(tm)e n¢doas mas que prende mais, Descubro-vos, poemas que ficais Iluminando toda a minha ru¡na. Abre-se a flor; enterra-se a raiz. Aqui estendo os bra‡os, fecho as pernas. Remorso breve. E, logo, o sonho diz Que as nossas asas voar"o eternas! Arrabalde Tamancos. Grossas meias. anta estreita. Busto fen¡cio emoldurado em mar. Sei de uma esquina, agora, onde se deita Certo perfil, ...s noites, devagar. Ali, dir"o alguns que pede esmola. Envergonhado? Cismar"o, talvez... Ai dos que a formosura n"o consola! Beleza ‚ vida que o amor desfez. Mas a verdade (a tr gica verdade!) _‚ que dois olhos poisam nessa rua, Hoje maior porque o seu rastro a invade E d um nome adolescente ... luz... Sina Carregados, carregados, Cor de tudo quanto vejo. Verdes, cor dos meus cuidados, Negros, cor do meu desejo. Carregados, carregados Carregados, como um beijo. Carregados, carregados Longos e abertos ao meio, Vindos na brisa que veio Dar nome ...s fontes e aos prados. Carregados, carregados Da esperan‡a e de receio. Carregados, carregados Da beleza, o que sabeis? Negar a letra das leis E dar virtude aos pecados? Carregados, carregados Como a coroa dos reis. Carregados, carregados De estrelas todas ao Norte. In£til fugir ... sorte: A desses olhos pesados, Carregados, carregados S¢ de vida, at‚ ... morte! Intimidade Estavas naquele banco De jardim, amargo e doce, Que a noite aos meus olhos trouxe E o luar vestiu de espanto... E foi assim que, depois, Tudo em volta amanheceu! Bastara um sorriso teu... Ou antes: de n¢s os dois. Segredo Por ser t"o clara A curva do caminho E trai‡oeira A formosura, A sede, inadi vel quando h vinho, Levou-os a beber ... fonte impura... (Por ser t"o clara A curva do caminho E trai‡oeira A formosura! ) Mas o luar Vestiu-lhes a nudez Enquanto eles trocavam Duas rosas Ca¡ram? Sim. Ca¡ram, sim, talvez Como as estrelas caem, misteriosas... Dil£vio Viela. V¡cios maus c roupas brancas. N¢doas lavadas. Estendal. Que importa? Onde houver seios rijos, largas ancas, A P tria nunca ‚ morta. E o sangue? O sangue azul tornou-se rubro? E os bolsos? Esfarrapam-se, vazios? Mas volta s noite! E, s£bito, descubro O mar onde v"o ter todos os rios... Entrega Na curva, al‚m, sem velas e sem remos, Desaparece a embarca‡"o calada. Contacto de algas, de algas e de remos? N¢s, os Poetas, n"o sabemos nada. A sombra ‚ gua. Os homens lembram peixes. Pode a chuva cair. N"o os desvia. E um jovem sonha: -- Nunca mais me deixes! E a noite manda menos do que o dia. Ficam os rostos novamente ledos. _ˆxtase longo e ass¡duo como o rio. Basta um simples aceno para os dedos. Basta um olhar, obl¡quo, fugidio... De um lado a praia -- int‚rminos cansa‡os. E, do outro, o campo -- int‚rmina pregui‡a. Crep£sculo. E a cidade estende os bra‡os Enquanto fecha as p lpebras, submissa... Rep£dio Aceitei-a como o sol, Como o sol, quando era dia. Aceitei-a com o amor, Com o amor, quando era noite E cada corpo se abria... Mudo, vencido, aceitei-a, Com as ondas mais inquietas, Com o tempo j perdido.. Aceitei-a com a infƒncia Que falava ao meu ouvido. E o vento, quando a trouxera,. Prometera-me um navio! Contudo, n"o era aquela, Nem na cor, nem no feitio. N"o era aquela, n"o era. Oh! n"o era aquela, n"o. Era outra, talvez mais bela, -- A mais bela embarca‡"o! --. Liberta‡"o O espa‡o livre ‚ uma l¡ngua estreita! Ponte suspensa, indefinida... Desequil¡brio donde a vida Acena com a m"o direita. Por fim, Como pergunta, apenas esta; -- Despirmo-nos, saltando sobre espinhos Abrindo, assim, novos caminhos Com todo o sangue que nos resta? Consciˆncia Como ignorar As noites de ver"o, Quando os amantes, Trope‡ando, V"o E o mar lhes dita O que a vol£pia escreve? Como esquecer As rosas De repente, E adormecer (Talvez eternamente!) Se tudo o que eu buscava Era t"o breve? Outono No mar est . Naquele mar sozinho.. Naquela malfadada embarca‡"o! E todo o mar, agora, ‚ um caminho Em que os meus olhos de afogado est"o. No entanto, ao mar, ...quele mar, funesto Como intervalo s£bito e sem fim, Com olhos, enterrados na gua, empresto A cor, o aroma e a aragem de um jardim. Agarro-me, perdido e vacilante, A espuma, ao vento e ...s algas, porque vejo Desde a cintura aos p‚s, a cada instante A sombra do seu beijo. Ent"o, faminto, imaginando rosas Ou cravos, cravos brancos, de repente, Suicido-me nas ondas voluptuosas Onde se deita o meu amor ausente... Gioconda Traz um punhal na cinta ou na garganta? Nunca o sorriso lhe descobre os dentes. E as p lpebras pisadas que levanta Dizem que tem irm"s porque h serpentes. Contudo, fico indiferente, alheio... Que sabe ela do cƒntico abafado S¢ peio meu receio? Que sabe ela de tudo quanto insiste, Para al‚m da beleza do que ‚ falso E da vol£pia f cil do que ‚ triste? Que sabe ela da voz que o dia nega, Dos romances que o Sol interrompera? Que sabe ela da noite muda e cega? N¢doa Dois barcos. Duas manchas onde a tinta Bebe luz, como p ssaro sedento. Em v"o a proa lhes prolonga a cinta, Eles n"o d"o por esse movimento. Dois barcos de si pr¢prios esquecidos. M scara fria, herm‚tica, lunar. Dois barcos, ou dois p ssaros feridos, Im¢veis, com relƒmpagos no olhar. S"o dois barcos reais, cuja presen‡a, Tem um perfil de torre abandonada. Dois barcos. A li‡"o da indiferen‡a. Dois barcos afogando a madrugada. Decepado Arrancaram-no, sim. Arrancaram o nome da parede Quando, sem mancha, o amor o tinha escrito. E era uma fonte -- gua da minha sede! E era uma voz -- princ¡pio do meu grito! Arrancaram-no, sim. Arrancaram-no, sim, indiferentes, Como se houvesse em n¢s solu‡os v"os. Arrancaram-no, sim. Mas se a bandeira me ficar nos dentes, Poderei rir de quem me corta as m"os! Felicidade Vinha eu j n"o sei donde... Ah! bem o sei! Fora da praia m gica de Le‡a... An¢nimo e distante, igual a um rei No ex¡lio. Sem demoras e sem pressa... E, enquanto as folhas de oiro da alameda Distribu¡am fr‚mitos de valsa, O mar, amarfanhando a t£nica de seda, Dizia a rir: -- Toda a mis‚ria ‚ falsa. De s£bito, das f bricas, ent"o, Sa¡ram ondas l£gubres de povo. E ao ver t"o negra e magra multid"o, Tive o prazer de um arrepio novo. O vento, na poeira, levantou-se. Uivaram c"es, famintos como gente. Por‚m, sentindo a vida, ainda mais doce, Calcei as luvas, demoradamente... Mar‚ vasa Expulsos do governo da cidade, Descal‡os, pela noite, vimos todos Restituir-_te, ... flor dos nossos lodos, A d diva suprema da verdade. N¢s, o amor, ou antes: a pureza. N¢s, a virtude, ou antes: o sorriso. Expulsos do terreno para¡so E com a carne, para sempre, acesa. E n"o foi mais que sonho o nosso crime! E n"o foi mais que sopro o nosso abra‡o! Mas todos Te seguimos, passo a passo, _... espera do remorso que redime... Expia‡"o de quˆ? De que pecados, Se demos rumo eterno a tantas vidos? _¢ capit"o das tropas esquecidas Que, assim, deixas morrer os teus soldados! _¡ndice de Primeiros Versos A arte vive do furto 323 A rvore dan‡ou. E, no entanto, 233 (r)Abaixa-te Serra d'_Arga! 59 _... beira da fonte, 32 Abrindo no meio a noite misteriosa, 421 A cantadeira ambulante 53 Aceitei-a como o Sol, 447 A dan‡a e o bailado s"o 357 A dan‡a ‚ um segredo. 290 Adelgacei a cinta; ergui os ombros. 365 A Espanha s"o as ra¡zes 376 A espuma aqui ‚ a £nica poeira. 372 A estufa cresce ... E cresce t"o serena 416 Agarro os versos pelo cacha‡o 352 Ai! da ang£stia dos telhados Alas de arvores, no meio Ali, na taberna ao lado Amar por amar n"o posso. Amei-te? Sim. Doidamente! _... mesma hora, A mim, Camb¢rio, te irmano A minha can‡"o ‚ verde, A minha eternidade neste mundo A minha volta h cinza ou guas mortas? Amizade? Cabra-cega Amor? Andamos nus, apenas revestidos A noite desce... Com que lentid"o A noite ‚ longa, mas o dia ‚ breve . Antes de ouvir-me o poema Ant¢nio dos Santos. Ao passar pelo ribeiro A P tria n"o ‚ apenas A pesca, A pesca do oiro, est na terra Ap£lia ... Ap£lia ... Aquela estrela apagada Aquela m"o que me estende Aquela praia-contraste Aquele estranho soldado Aqui e al‚m, onde em onde Aqui, onde esta noite nunca cessa, Ardem c¡lios ao vento, mas a vida Arm‚nio? Aromas enla‡ados Arrancaram-no, sim. A rua estreita, a int‚rmina avenida, As guas correm no regato ... Brota As almas pedem luz. Apodrecida As aves s¢ s"o aves quando sinto As horas pararam todas. As minhas personagens est"o mortas A toada, essa era minha, A ver se me deixa em paz A volta de incerto fogo Bill! Cabelo de oiro a que se amarram ossos Cada rua soletra-me um poema Cadeia de Vila Verde, Calaram-se as palavras que eu sabia. Calhaus. Caminheiro! Cantei. Houve uns que me viram Canto porque n"o oi‡o Carregados, Carregados, Cidade muda, rente a meu lado, Ciganos! Vou cantar, n"o a beleza Com l¡rios nas m"os de neve, Como depois dele h -de vir Setembro, Como eucaliptos minhas rogas sobem Como ignorar Como inventar palavras ou dinheiro Como os lamos crescem Como se a noite fosse clara, Como vela que se apaga Comprei um ba£ na feira, Com sangue, sol e poeira, :, Com suas m"os femininas Cora‡"o de mulher, Cora‡"o nas pedras frias, Correm l grimas ... E canto! Cravos vermelhos, desconhecidos! Crescem os muros, ficam fechados, Cuidei que a chuva quebrasse Dancei na frente deles. Foi bailando Das rvores os pomos De dia Dedos, Dedos que nascem aonde Defendido pelas rugas Deixa que eu beije De longe, a vi chegar, constantemente. De nada sei De novo reconhe‡o De olhos cerrados, De perto, guardam seu corpo Deram-me cinco minutos Desci, De tanto pensar na morte Deu-me Deus bodas vermelhas Deu meia-noite! E o mundo principia De um lado, a veste; o corpo, do outro lado, De vinho pe‡o um fio rubro apenas Dizem-me alguns: Desgra‡ado Dizem que h , por tr s dos muros Dois barcos. Duas manchas onde a tinta Dois troncos. Dois ramos. Ecce homo no c rcere! _‚ com hist¢rias que se conta a vida. E com poemas, noite e dia, fiz Ei-lo, cambaleante como um bicho _‚ in£til, in£til decep -lo. Ela h -de vir como um punhal silente Em Aboim da N¢brega, uma tarde, Em cada estrela ruiva a palpitar Em frente ao meu caf‚, ali defronte. Em Hampton Court, Emudeceram as can‡(tm)es aladas Enquanto vagabundo :, Entre laranjais me vejo Era a mulher -- a mulher nua e bela Era na aldeia onde as ruas Eras di fano ... puro Esconderam-me alegrias? Escutai naquela cama _‚s pela mansarda fria, Esque‡o-me de ti, quando em ti falo Esta cidade, este bordel e a rua, Estava eu s¢, naquele quarto, ao frio. Estavas naquele banco Este ‚ o caminho que deve Este jardim, este jardim calado Estendida na areia, _‚ tal o desprezo pelo oiro que vejo, _‚ tudo carne em mim. E at‚ nn prece, E tudo nasce aqui Eu sou de Viana cidade. Eu tenho dois cora‡(tm)es Exaustos, modos, sempre que os vejo, Expulsos do governo da cidade, F cil, t"o f cil Faz mar na ria Felicidade, agarrei-te Festa Fiz do meu corpo uma bandeira ao vento, Foi a m"o sem an‚is, antes da luva. Foi preciso o calor e um s£bito cansa‡o Fomos longe demais, para voltar Francisco de Vila Verde Frente a frente, peito a peito, Fugindo ... voz do amor, fugindo ... lata, Fui pedir um sonho ao jardim dos mortos. Goivos ocultos. _ rvores. Nenhuma Gra‡a! Aljube! Limoeiro! Grossas veias azuis, em cada perna. H cem anos j moravam H s-de voltar mais loira que as espigas Hei-de ir de Ponte de Lima Hist¢ria breve: Oito dias Hoje, que a noite, em h£mida toalha, :, Inclino a fronte Inteligˆncia de gua. Alma de flores. Inventam at‚ o fruto J perdi a conta aos meses. Junto ... minha sepultura, Lembras-te, Carlos, quando, ao fim do dia, Lembrava seu corpo, ao longe, Lembro n"o sei que l£brico festim... Lembro o seu vulto, esguio como espectro, Longe vai o tempo quando L£cida e lisa Maiata no len‡o. Mansa crian‡a brava, Manuel que, bˆbado, sigo Mendigo de olhos violetas! Menino, menino triste, Mergulhei no caf‚, n"o no caf‚-bebida, Meu amor diz-me o teu nome Meus l bios, meus olhos (A flor e o veludo...) Meu verso ‚ falso. Com vaidade fria, Minha vida ‚ como a rua Moinho das quatro velas Mordido em corpo inteiro Morenos, de olhar verde. As suas almas M£sica s¢. E mais nada. Na branca praia, hoje deserta e fria, Na curva, al‚m, sem velas e sem remos, N"o batam no meu filho! Se ele ‚ meu N"o cabe em nenhum teatro N"o choreis nunca os mortos esquecidos N"o ‚ por mim que rezo: N"o h ciˆncia h segredo. N"o pela dor de quantos padeceram N"o quero morrer mais cedo N"o saias. N"o! N"o sei se conte ou n"o conte... N"o sou isto nem aquilo Naquele banco sentado Naquele branco navio Nas guas, ricas em oiro velho, Nas margens do Vouga :, Nas minhas matas roubam ... Tanta lenha Negaram-lhe a luz. Negra, sim, como os cravos s"o vermelhos, Nesta rua cansada que morreu, Ningu‚m dorme. Quem escreve? No entanto, aqui, no meio da cidade Noite. Do crime Noite. Fundura. A treva Noite. Na cidade grande, No largo No mar est . Naquele mar sozinho No meio da claridade No momento em que chegasse Numa banda a Espanha morta. Nunca os vistes _¢ alta Serra de S"po _¢ rvore de ramos _¢ cocado sobretudo! O cravo que me deste O espa‡o livre ‚ uma l¡ngua estreita! Olhar de pedra que se atira a um fosso. O mar j n"o sou eu! O meu amor anda em fama. O meu caix"o n"o fecha ... Em minha m"o O meu futuro fora aquele instante! O m£sico procura Onde ‚ que h sombras como as destas casas? Onde est s? Onde est s se ‚ que est s perto _¢ noite, escurid"o que me resume Ontem seria uma nuvem... O pr¢prio nome que uso ‚ roubado _¢ solid"o! A noite, quando, estranho, O Sol liquefaz-se, ‚ rio; Os ranchos iam passando... O vento sopra! _¢ voz que sopra quando o vento passa -- Paga a quem deves! -- disseram. Palavras de oiro e vermelhas Para que em teu chap‚u luzisse a pluma Para te amar ensaiei os meus l bios... Partiram todos. Fico desterrado Passas como passa Pedi ... noite n"o a sombra e a Lua :, Pedi licor. Trouxeram me caf‚. Pela n‚voa disfar‡adas, Perdoai que, por um cravo, Perseguem me estas ruas espanholas Pesa-me, inteira, P‚tala branca, fr gil, ca¡da, Por minha simples vontade, Por que ‚ que Adeus me disseste Por que h s-de ser apenas ilus"o Por ser t"o clara Porto. Abril. Tantos de tal... Por todos os Poetas de Carre‡o Por tudo quanto sei, mas n"o sabia, Povo que lavas no rio, Principio a cantar para quem tenha Procuro o Para¡so. Qual delas me engana Quando a estrela se apagar, Quando nas ruas n"o houver ciganos, Quando o vento dobrou todo o salgueiro Quando s"o mansos, parecem l¡rios. Quando vir s na vaga proibida, Quebrada pela cintura Que diz al‚m, al‚m entre montanhas, Que h nos meus versos? Queimava nos o sol. Que linda tarde! Tr‚mula, outonal... Que me quereis, cabelos cor de vinho? Quem, lembrando-os, n"o lembra a pureza perdida? Quem quer que sejas, vem a mim apenas Quem quiser ter filhos que doire primeiro Que nos teus dedos tr‚mulos a espada Queria, queria Quero dizer-te os meus versos Que somos sen"o sombras que tra¡mos? Rasguei o cabelo ao Sol. Rastro de algu‚m, que h muito fora embora Respeitai a adolescˆncia Respiro -- Rir? Roubei um pr¡ncipe morto. Rua estreita. :, Saia amarela. S"o cinco letras: Pedro ‚ o meu nome. Se ‚s como eu adolescente Se eu fosse pintor pintava Se eu me perder um dia nesta rua, Sei, da cidade, um s¢ caf‚: o Infante Sei de uma hist¢ria... Sei de um jardim algures, na cidade, Sempre cuidei que, tarde ou cedo, Sem r‚deas, passa um cavalo... Ser¡amos dois faunos sobre a praia, Ser-se amigo ‚ ser-se pai Se te roubo, Ant¢nio Nobre, Seus olhos negros trazia Sigo essa voz, igual ... minha e ... tua, Sobe at‚ mim a semente Sobe do barro b poema S¢ por ¡ntimo impulso a m"o corria Sua can‡"o fora a Gota Subitamente, no meu ombro, quedo, Talvez que eu morra na praia, Tamancos. Grossas meias. Cinta estreita. T"o alta a roda, por fora! T"o branco o teu vestido de noivado! Teu corpo veio a mim. Donde viera? Tinha aqueles cabelos que ondulara Tinha saudades do fato Tiraram-lhe os dedos todos Toda a gram tica dos meus cavalos Toda, toda a noite fria Topei a paz enfim! (Tinha eu subido Trazia-nos o mar quando cantava... Traz uma flor entre os dentes! Traz um punhal na cinta ou na garganta? Triƒngulo de luz na noite escura Trocam an‚is as almas entre si Uma cama. Noite breve. Um ap¢s outro, os mais foram-se embora. Uma voz nos leva -- Um caminho estreito Um dia, pus o p‚ na juventude. Um rio foge entre os meus dedos v"os Um tapete :, Vejo uma ogiva invertida Velho, um marujo sonha... Onde ele for Vendem-se os corpos? O meu ‚ firme: Vendo todos os meus versos. Venho, Senhor, pedir-_Te que me deixes, Verde? Verde vento. Verde neve. Versos, meus versos, ide a toda a gente Viela. V¡cios maus e roupas brancas. Vieram, tranquilamente, Vinha eu j n"o sei donde... Vinham dois. Vinham quarenta. Vive como respira: calmo, lento. Vol£pia dos amores clandestinos _¡ndice Geral BODAS VERMELHAS .1947/£ Anuncia‡"o Can‡"o Hindu Nem s¢ o mar ‚ redondo Esc rnio Vila Verde Can‡"o sinistra O cantador de Mazedo Eternidade Sonata Can‡"o de Vila Real Can‡"o fatal Can‡"o da noite Can‡"o ‚bria In¡cio Milagre D. Quixote MISERERE .1948/£ Remorso Al¡vio Ciganos Nostalgia Marcha nupcial Salve-_rainha Grades Amizade Povo Mansarda Fado Aleluia Taberna ADEUS .1951/£ Pedro Aqui Casa queimada Piedade Can‡"o verde Espanto Folha ca¡da Confiss"o Cisne Alian‡a Os amigos infelizes Prece (r)Requiem(r) Can‡"o futura OS AMIGOS INFELIZES .1952/£ . Apelo Bailado Francisco Sombra Dinheiro Claustro Espera Exorta‡"o Os amigos infelizes O rapaz da camisola verde .1954/£ Solid"o Os poetas Alga Inocˆncia Serenidade V‚spera Velho mundo Juventude O rapaz da camisola verde . Grande, grande era a cidade .1955/£ Div¢rcio Noite Constela‡"o Cidade grande T‚dio Dem¢nio Vareiros Nazareno Intimidade Fonte Incˆndio Apartamento Poema Companheiro A Rua do Para¡so Prece mar¡tima _£ltima carta Os poetas ignorados .1957/£ Cais Condena‡"o Triƒngulo Segredo Fantasma Circo Brisa Presen‡a Os poetas ignorados Nocturno Horizonte Eu hei-de voltar um dia .1966/£ Pref cio Avalanche Adolescentes Prel£dio Contraste Anoitecer P tria In¡cio Ode vermelha Ladainha Fronteira Can‡"o nova Revela‡"o Istmo Intervalo Drama Cora‡"o M scara Calv rio Escurid"o Passo a passo Carta a Ant¢nio Muralha Regresso Cabra-cega Chuva de Ver"o Bailado De profundis Can‡"o indecisa :__eu hei-de voltar um __dia .1966/£ (Cont.) Can‡"o vermelha Milagre Encontro Outono Resgate Sonata Atentado In memoriam Descoberta Ascens"o Eu hei-de voltar um dia :__n¢s portugueses somos __castos .1967/£ Catedral Casa ensombrada Liberta‡"o Prel£dio Mansarda Inicia‡"o Mist‚rio Emboscada Aguarela Algarismos Ra¡zes Sentinela Persegui‡"o Sorriso Contacto Entre laranjais me vejo Tiraram-lhe os dedos todos De olhos cerrados os sinos Confiss"o Fantasma T£nica Inverno _ˆxtase L Rotina Poesia AS PERGUNTAS INDISCRETAS .1968/£ . As perguntas indiscretas Bailado Auto-retrato Inspira‡"o Ang£stia Romance Espera Presen‡a Castigo A dan‡a ‚ um segredo Vivˆncia Evas"o Um rio foge Relƒmpago Fado :__povo que lavas no __rio .1969/£ T£nel DESTERRADO .1970/£ Conquista Al¡vio Romance Vertigem Aceita‡"o Juventude Come‡o Muralha Brisa Galgos Desterrado FANDANGUEIRO .1971/£ Ins¢nia Revela‡"o O sis Inferno Peixes Marcha f£nebre Po‚tica Noite Fronteira Emigrante Ileio Os poetas Biografia Quadrante M scara Ausˆncia Sud rio Rabazolas Poesia Distƒncia Fado Can‡"o da noite perdida Pƒntano Cruz de Pau Moinho das quatro velas EU DESCI AOS INFERNOS .1972/£ Eu desci aos infernos Auto-retrato Confidˆncia Cinza P ssaros Naufr gio Velho bairro Natureza Carne Arte po‚tica Encruzilhada Romance Camb¢rio Arrabalde A ora‡"o da malcasada Espelhos Sombras Homenagem Recusa Escarno Confirma‡"o Itiner rio Rua S£plica Pureza Can‡"o breve Carta a Eug‚nio de Andrade Escola Espanha Verde vento, Verde neve Acaso Amor A morte Francisco Ant¢nio dos Santos Vento redondo Sequeira Encontro Degraus Realidade CARTAS DE INGLATERRA .1973/£ Bedford Street Beauchamp Street Nevoeiro londrino Vergonha Can‡"o intacta Sargaceiro Fonte Sinceridade Harpa e¢lia Liberdade Carta a Bill Jardins suspensos Soho Procura Mea culpa Auto-retrato ECCE HOMO .1974/£. Ecce homo Tela Estufa fria Sina Porto ... noite Natureza Revolu‡"o Biografia Melodia Disc¡pulos _£ltimas vontades A can‡"o de Pedro e Ruy PEDRO .1975/£ Miragaia Bodas vermelhas ALELUIA .1979/£ Revela‡"o O pacto Aleluia Espelho :__expulsos do governo da cidade .1979/£ Ilha Sub£rbio Arrabalde Sina Intimidade Segredo Dil£vio Entrega Rep£dio Liberta‡"o Consciˆncia Outono Gioconda N¢doa Decepado Felicidade Mar‚ vasa _¡ndice de primeiros versos Fim