Do autor O Lucro ou as Pessoas? - Neoliberalismo e Ordem Global Iraque: Plano de Guerra (com Milan Rai) NOAM CHOMSKY 11 DE SETEMBRO 92 EDIÇÃO Tradução LUIZ ANTONIO AGUIAR BERTRAND BRASIL Copyright(c) 2001 by Noam Chomsky Título original: 911 Capa: Rodrigo Rodrigues 2005 Impresso no Brasil Printed in Brazil CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. C474º 9ª ed. 02-0074 Chomsky, Noam, 1928- 11 de setembro / Noam Chomsky; tradução Luiz Antonio Aguiar. - 9ª ed. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 160p. Tradução de: 9-11 Apêndice ISBN 85-286-0861-1 1. Chomsky, Noam, 1928- - Entrevistas. 2. Atentado terrorista, 11 de setembro de 2001. 3. Terrorismo - Estados Unidos. 4. Política internacional - 1995-, I. Título. CDD - 973.931 CDU - 973 "1995/..." Todos os direitos reservados pela: EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA. RuaArgentina, 171 - 1° andar-São Cristóvão 20921-380 - Rio de Janeiro - RJ TeL: (0xx21) 2585-2070 Fax: (0xx21) 2585-2087 Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da Editora. Atendemos pelo Reembolso Postal. Gostaria de agradecer a David Peterson e Shifra Stern por sua inestimável ajuda, particularmente por sua pesquisa sobre a cobertura mais recente da mídia. - NOAM CHOMSKY SUMÁRIO Nota do Editor 11 de setembro 1. NUNCA, DESDE A GUERRA DE 1812 2. É POSSÍVEL VENCER UMA GUERRA CONTRA O TERRORISMO? 3. A CAMPANHA IDEOLÓGICA 4. CRIMES DE ESTADO 5. A OPÇÃO PELA AÇÃO 6. CIVILIZAÇÃO ORIENTAL VS CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL 7. MODERAÇÃO CONSIDERÁVEL? Apêndice A RELATÓRIO DO DEPARTAMENTO DE ESTADO SOBRE AS ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS INTERNACIONAIS (5 DE OUTUBRO DE 2001) Apêndice B LEITURAS RECOMENDADAS Pósfácio NOTA DO EDITOR Este livro reproduz uma série de entrevistas feitas com Noam Chomsky por diversos jornalistas no período de um mês que se seguiu aos atentados de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center e ao Pentágono. Grande parte das entrevistas foi conduzida por e-mail, e muitas com jornalistas estrangeiros que falavam e escreviam o inglês como seu segundo idioma. Embora algumas das entrevistas tenham sido realizadas logo nos oito dias que se seguiram aos atentados, os textos foram reeditados, aumentados e revistos, sempre considerando as informações que iam sendo divulgadas, até o livro ser liberado para impressão, em 15 de outubro. Assim, algumas entrevistas datadas de setembro podem conter referências a episódios ocorridos em outubro. Além disso, no processo de edição do texto, alguns trechos, que repetiam perguntas ou respostas já incluídas em outras entrevistas, foram cortados, embora, vez por outra, a menção repetida a um determinado fato tenha sido mantida, intencionalmente, como ênfase. NOAM CHOMSKY Como Chomsky escreveu para mim durante o processo de edição: "Estes fatos foram totalmente removidos da História, a ponto de precisarmos chamar por eles, aos berros, de cima dos telhados." Greg Ruggiero Nova York NUNCA, DESDE A GUERRA DE 1821 Baseado em entrevista a Manifesti (Itália) 19 de setembro de 2001 P: A Queda do Muro de Berlim não teve nenhuma vítima, mas mudou profundamente o cenário geopolítico. Você acha que os atentados de 11 de setembro poderão ocasionar efeito similar? Fato de enorme importância e, efetivamente, mudou o cenário geopolítico, mas, em minha opinião, não do modo que usualmente supomos. Tentei explicar minha opinião sobre isso em outra oportunidade e, portanto, não vou voltar a este assunto aqui. As horripilantes atrocidades cometidas em 11 de setembro são algo inteiramente novo na política mundial, não em sua dimensão ou caráter, mas em relação ao alvo atingido. Para os Estados Unidos, é a primeira vez, desde a Guerra de 1812, que o território nacional sofre um ataque, ou mesmo é ameaçado. Muitos comentaristas tentaram fazer uma analogia com Pearl Harbor, mas se trata de um equívoco. Em 7 de dezembro de 1941, as bases militares em duas colônias americanas foram atacadas - e não o território nacional, que jamais chegou a ser ameaçado. Os Estados Unidos preferiam chamar o Havaí de "território", mas de fato era uma colônia. Durante os últimos séculos, os Estados Unidos exterminaram as populações indígenas (milhões de pessoas), conquistaram metade do México (na verdade, territórios indígenas, mas isso é outra questão), intervieram com violência nas regiões vizinhas, conquistaram o Havaí e as Filipinas (matando centenas de milhares de filipinos) e, nos últimos cinqüenta anos, particularmente, valeram-se da força para impor-se a boa parte do mundo. O número de vítimas é colossal. Pela primeira vez, as armas voltaram-se contra nós. Foi uma mudança dramática. O mesmo é verdade, e de maneira ainda mais dramática, em relação à Europa. A Europa sofreu uma destruição homicida, mas no decurso de guerras internas no Continente. Nesse meio tempo, as potências européias conquistaram grande parte do mundo, usando sempre extrema brutalidade. Com raríssimas exceções, esses países jamais foram atacados por suas vítimas do exterior. A Inglaterra não foi atacada pela índia, nem a Bélgica pelo Congo, nem a Itália pela Etiópia, nem a França pela Argélia (que a França também não reconhecia como uma "colônia"). Portanto, não é nenhuma surpresa que a Europa tenha se sentido absolutamente chocada pelos crimes terroristas praticados em 11 de setembro. Mais uma vez, isso não se deve à dimensão do episódio, infelizmente. Quais os prognósticos, ninguém se atreve a arriscar. Mas que é algo totalmente inédito, não há a mínima dúvida. Minha impressão é que esses atentados não criam para nós um novo cenário político, mas, sim, confirmam decisivamente a existência de um problema interno do "Império". Um problema relacionado à autoridade política e ao poder. O que você acha? Aqueles que vêm sendo mencionados como os prováveis autores dos atentados são uma espécie de categoria à parte, mas, indubitavelmente, obtêm apoio de uma reserva de ressentimento e raiva contra as políticas americanas postas em prática na região, que por sua vez são uma continuidade da ação política dos antigos dominadores europeus. É evidente que há envolvido um problema de "autoridade política e poder". Na esteira dos atentados, o Wall Street Journal pesquisou a opinião de "muçulmanos ricos" da região: banqueiros, profissionais qualificados, homens de negócios, com laços firmados com os Estados Unidos. Todos expressaram desapontamento e raiva ao apoio prestado pelos Estados Unidos a governos rígidos e autoritários, e por todos os empecilhos que Washington cria contra o desenvolvimento autônomo e a democracia política, com sua prática de "sustentar regimes opressores". A principal preocupação dessas personalidades, no entanto, era diferente: a política de Washington em relação ao Iraque e à ocupação militar promovida por Israel. Entre as grandes massas da população mais pobre e mais sofredora, os sentimentos em relação aos Estados Unidos são ainda mais amargos, e é difícil pensar que eles aceitem de bom grado que toda a riqueza da região escorra para o Ocidente ou para as mãos de elites locais diminutas, controladas pelo Ocidente, compostas de mandatários corruptos e brutais, cujos governos só se sustentam graças ao apoio do poder ocidental. Assim, sem nenhuma sombra de dúvida, há problemas aqui em relação a autoridade e poder. A reação americana anunciada de imediato tentava lidar com esses problemas de uma maneira que os intensificaria. Isto, é claro, não é inevitável. Mas vai depender muito do desenvolvimento futuro que terão tais questionamentos. A América não está tendo problemas para administrar o processo de globalização - e não me refiro apenas à segurança nacional ou a sistemas de inteligência? O Governo dos Estados Unidos não controla o projeto de globalização corporativa, embora, é claro, tenha um papel preponderante nele. Esses programas tiveram contra si uma enorme oposição, principalmente no Sul, onde os protestos em massa poderiam, em grande parte dos casos, ser reprimidos ou ignorados. Nos últimos anos, os protestos também atingiram os países ricos e, em conseqüência, tornaram-se o foco de grandes preocupações por partea dos poderosos, os quais agora se sentem na defensiva, e não sem motivo. Há razões bastante substanciais para a oposição disseminada em todo o mundo contra a forma, típica da globalização, de "direitos do investidor" que vem sendo imposta. Contudo, aqui não é o lugar para se discutir tal assunto. "Bombas inteligentes" no Iraque, "intervenção humanitaria" em Kosovo. Os Estados Unidos da América nunca usaram a palavra "guerra" para descrever essas ações. Agora estão falando em guerra contra o inimigo inominável. Por quê? No início, os Estados Unidos usaram a palavra "cruzada", mas logo ficou claro que, se pretendiam arregimentar aliados no mundo islâmico, por razões óbvias, a utilização deste termo seria um erro grave. Daí, a retórica mudou, adotando a palavra "guerra". A Guerra do Golfo, de 1991, era chamada de "guerra". O bombardeio na Sérvia foi denominado "intervenção humanitária", de maneira alguma uma utilização inédita. De fato, era a descrição padrão dos empreendimentos imperialistas europeus do século XIX. Para citar alguns exemplos atuais, o principal, e bem recente, trabalho acadêmico sobre "intervenção humanitária" menciona três exemplos do gênero, ocorridos no cenário imediatamente anterior à II Guerra: a invasão japonesa na Manchúria, a invasão da Etiópia promovida por Mussolini e a tomada da região dos sudetos efetuada por Hitler. O autor do trabalho, obviamente, não está sugerindo que o termo esteja bem empregado; muito pelo contrário, mas, sim, que tais crimes eram mascarados pela palavra "humanitária". Agora, se a intervenção em Kosovo foi realmente humanitária, possivelmente o primeiro caso semelhante em toda a História, trata-se de uma questão a ser examinada objetivamente, e proclamações passionais não dão conta do problema, até porque, virtualmente, todo uso da força é justificado nesses mesmos termos. É muito impressionante a fragilidade dos argumentos que defendem o caráter humanitário no caso da intervenção em Kosovo; aliás, de modo mais acurado, praticamente não existem tais argumentos, e as motivações do governo são bem diferentes. Mas isso já é uma outra questão, sobre a qual escrevi detalhadamente em outra oportunidade. O caso é que, mesmo o pretexto de "intervenção humanitária", não pode ser usado aqui. Assim, restou-nos a "guerra". O termo mais apropriado seria "crime", talvez "crime contra a Humanidade", como destacou Robert Fisk. Mas há leis para punir crimes: deveríamos identificar os autores e responsabilizá-los pelo que fizeram, justamente o caminho que vem sendo enfaticamente recomendado pelo Oriente Médio, Vaticano e muitos outros. Ocorre que isso exige provas muito concretas e abre as portas para um perigoso questionamento: por exemplo, para citar apenas o mais óbvio, quem foram os autores do crime de terrorismo internacional? Por essas razões, é melhor usar o termo mais vago, "guerra". Chamá-la de "guerra contra o terrorismo", entretanto, é simplesmente uma boa dose a mais de propaganda, a não ser que a guerra tenha como alvo, de fato, o terrorismo. Mas não é o que está ocorrendo, pelo menos não sem subterfúgios, já que as potências ocidentais não poderiam assumir suas próprias definições oficiais do termo, como no U.S.Code2 ou nos manuais do Exército. Se o fizessem, isso revelaria de imediato que os Estados Unidos são um Estado líder do terrorismo, assim como os países que se constituem seus principais aliados. Talvez eu deva citar o cientista político Michael Stohl: "Precisamos reconhecer que, pelo que se tem convencionado - e devo enfatizar que se trata apenas de uma convenção -, a utilização de um grande poder e a ameaça de se usar a força são normalmente descritas como diplomacia coercitiva, e não como uma forma de terrorismo", embora usualmente envolva "a ameaça e freqüentemente o uso da violência para o que seria descrito como propósito terrorista, caso não fossem grandes potências a se utilizarem de tal tática", de acordo com o sentido literal do termo. Sob a circunstância (admissivelmente inimaginável) de que a cultura intelectualizada ocidental esteja desejosa de adotar o sentido literal, a guerra contra o terrorismo tomaria um rumo bastante diferente, seguindo linhas explicitadas em detalhes copiosos por uma literatura que não é admitida como um cânone respeitável. Essa citação está reproduzida num livro que divulga a pesquisa, intitulado Western State Terrorism, organizado por Alex George e publicado por uma importante editora, dez anos atrás, mas nunca mencionado nos Estados Unidos. O argumento de Sthol é exemplificado com detalhes, em todo o livro. E há muitos outros, todos documentados a partir de fontes confiabilíssimas - por exemplo, documentos oficiais do governo -, mas também nunca mencionados nos Estados Unidos, embora o tabu não seja tão rigoroso em outros países de língua inglesa ou em outros lugares. A melhor fonte sobre esse assunto é o livro Unholy Wars, escrito por um correspondente já há muito tempo trabalhando no Oriente Médio, o também escritor John Cooley. Hoje em dia está em curso, pelo que se pode presumir, um esforço para apagar os registros e fazer crer que os Estados Unidos foram meros e inocentes espectadores. Surpreendentemente, os jornais respeitáveis (para não falar nos demais) estão adotando tranqüilamente os pronunciamentos oficiais da CIA, de modo a "demonstrar" essa conclusão, como lhes é requerido, numa grosseira violação dos padrões mais elementares do jornalismo. Depois que essa guerra acabou, os afeganis (muitos dos quais, como o próprio bin Laden, não são afegãos) voltaram suas atenções para outros lugares: por exemplo, para a Chechênia e a Bósnia, onde receberam apoio, pelo menos discreto, dos EUA. Não é nenhuma surpresa que tenham sido bem recebidos pelos governos: na Bósnia, muitos voluntários islâmicos tiveram a sua cidadania garantida em troca de seus serviços militares (Carlotta Gall, New York Times, 2 de outubro de 2001). E também se voltaram para a China ocidental, onde estão lutando contra a dominação chinesa; são muçulmanos chineses, alguns, ao que parece, mandados para o Afeganistão pela China, já em 1978, para se juntar à guerrilha contra o governo, e que se incorporaram às forças organizadas pela CIA depois da invasão promovida pela Rússia em 1979 com o objetivo de apoiar o governo que a Rússia instalara - e sustentava -, a exemplo dos EUA, que instalaram um governo no Vietnã do Sul e então o invadiram para "defender" o país que, na verdade, estavam atacando (isso apenas para citar uma analogia que nos é bastante familiar). A mesma coisa ocorreu no Sudeste das Filipinas, no Norte da África e em muitos outros lugares, todos lutando em defesa das mesmas causas, segundo seu ponto de vista. E voltaram também suas atenções para seus inimigos principais, a Arábia Saudita, o Egito e outros Estados árabes, e, já nos anos 1990, também para os EUA (bin Laden considera que os EUA invadiram a Arábia Saudita, assim como a Rússia invadiu o Afeganistão). Que conseqüências você antevê para o movimento de Seattle? Você pensa que vai perder espaço, agora, ou será possível que ganhe impulso outra vez? Claro que se trata de um revés para os protestos em todo o mundo contra a globalização das corporações, os quais - mais uma vez - não se iniciaram em Seattle. Os atentados terroristas, por sua atrocidade, são um presente para os mais inflexíveis e repressores elementos de todas as facções e, com certeza, serão explorados - de fato, já foram - para acelerar o cronograma de militarização, arregimentação e reversão dos programas sociais democráticos, além de favorecer a transferência de riqueza para segmentos restritos e solapar a democracia em todas as suas formas relevantes. Mas isso não acontecerá sem resistência, e duvido que tenha êxito, a não ser a curto prazo. E as conseqüências no Oriente Médio, em particular no conflito entre palestinos e israelenses? As atrocidades cometidas em 11 de setembro tiveram um efeito devastador sobre a causa palestina, como eles próprios logo reconheceram. Israel está escancaradamente exultante com a oportunidade que se apresentou, já que agora pode esmagar os palestinos com total impunidade. Nos primeiros dias logo após os atentados de 11 de setembro, os blindados israelenses invadiram cidades palestinas (Jenin, Ramallah e Jericó pela primeira vez), e muitas dezenas de palestinos foram mortos, além de a opressão de Israel sobre a população palestina ter aumentado ainda mais, como era de se esperar. Mais uma vez, esses eventos são comuns na dinâmica de um ciclo caracterizado pela escalada da violência, muito conhecido em todo o mundo: na Irlanda do Norte, entre Israel e Palestina, nos Bálcãs e em muitos outros lugares. Como você avalia a reação dos americanos? Pareceram estar de cabeça fria, mas, como assinalou recentemente Saskia Sassen, numa entrevista: "Já nos sentimos como se estivéssemos em guerra." A reação imediata foi de choque, horror, raiva, medo e desejo de vingança. Mas a opinião pública é algo muito confuso, e pensamentos contrários não demoraram a aparecer. E estes têm sido ultimamente a principal tendência das análises, como nos jornais de hoje. Numa entrevista ao jornal mexicano La Jornada, você declarou que estamos diante de um novo tipo de guerra. O que exatamente quis dizer com isso? É um novo tipo de guerra pelas razões que mencionei em resposta a sua primeira pergunta: as armas agora estão apontadas numa direção diferente, algo inédito na história da Europa e de seus agregados. Serão os árabes, por definição, necessariamente fundamentalistas, o novo inimigo do Ocidente? Certamente que não. Em primeiro lugar, ninguém com um mínimo de racionalidade define os árabes como "fundamentalistas". Em segundo lugar, os Estados Unidos e o Ocidente geralmente não têm objeção a religiões fundamentalistas em si. Os EUA, na verdade, são uma das culturas mais extremamente fundamentalistas do mundo; não o Estado, mas a cultura popular. No mundo islâmico, o Estado mais rigidamente fundamentalista, depois do Governo Talibã, é a Arábia Saudita, um aliado dos EUA desde suas origens; o Talibã é, de fato, um ramo da versão saudita do Islã. Extremistas radicais islâmicos, freqüentemente chamados "fundamentalistas", eram os preferidos dos EUA, nos anos 1980, por se tratar dos melhores assassinos que se poderiam encontrar à disposição. Naqueles anos, o inimigo principal dos EUA era a Igreja Católica, que derivara gravemente para o caminho do pecado na América Latina, com sua "opção preferencial pelos pobres", e sofreu enormemente por seu crime. O Ocidente é bastante ecumênico na sua escolha de inimigos. Os critérios são subordinação e servilismo ao poder, e não à religião. Poderíamos citar aqui muitos outros exemplos. É POSSÍVEL VENCER UMA GUERRA CONTRA O TERRORISMO? Baseado nas entrevistas para o Hartford Courant, em 20 de setembro de 2001, e para David Barsamian, em 21 de setembro de 2001 P: É possível a nação vencer uma suposta guerra contra o terrorismo? Se for o caso, como? Se não, o que deveria fazer a administração Bush para prevenir-se de atentados como os que sofreram Nova York e Washington? CHOMSKY: Se quisermos refletir seriamente sobre essa questão, devemos reconhecer que em grande parte do mundo os EUA são vistos como um Estado líder do terrorismo, e por uma boa razão. Podemos considerar, por exemplo, que em 1986 os EUA foram condenados pela Corte Mundial por "uso ilegal da força" (terrorismo internacional) e então vetou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que instava todos os países (referindo-se aos EUA) a aderir às leis internacionais. Este é apenas um, entre inúmeros exemplos. Mas, para nos mantermos especificamente na pergunta apresentada - o terrorismo alheio dirigido contra nós -, sabemos muito bem como o problema deve ser tratado, caso queiramos diminuir a ameaça em vez de agravá-la, em escala crescente. Quando as bombas do IRA explodiram em Londres, ninguém falou em bombardear Belfast, ou Boston, as fontes da maior parte do apoio financeiro recebido pelo IRA. Deu-se preferência a se providenciar a captura dos criminosos, e muitos esforços foram empreendidos para enfrentar com o que sustentava o terror. Quando um edifício federal foi explodido na cidade de Oklahoma, logo houve um clamor defendendo que se bombardeasse o Oriente Médio, o que provavelmente teria acontecido se a origem do atentado estivesse lá. Mas, quando se descobriu que ela era doméstica, com articulações de milícias de extrema direita, ninguém disse nada a respeito de destruir os Estados americanos de Montana e Idaho. Em vez disso, deflagrou-se uma caçada aos responsáveis pelo atentado, que foram presos, levados a julgamento e sentenciados, e empreenderam-se esforços para entender o ressentimento que estava por trás desses crimes, assim como para dirimir o problema. Praticamente todo crime - seja um assalto na rua ou uma atrocidade de proporções colossais - tem sua razão, e o mais usual é entendermos que essas razões devem ser levadas em conta e que precisamos resolver o problema. Há formas apropriadas e legais de se proceder em relação a crimes, sejam quais forem as suas proporções. E há precedentes. Um nítido exemplo é o que acabei de mencionar, um exemplo que não admite controvérsias, devido à reação das mais altas autoridades internacionais. Nos anos 1980, a Nicarágua foi vítima de um violento ataque conduzido pelos EUA. Dezenas de milhares de pessoas morreram. O país sofreu uma substancial devastação e jamais pôde se recuperar. O ataque terrorista internacional foi acompanhado por uma arrasadora guerra econômica, que um pequeno país, isolado do mundo por uma vingativa e cruel superpotência, dificilmente poderia enfrentar, como revelaram em detalhes os principais historiadores que estudam a Nicarágua, como Thomas Walker, por exemplo. Os efeitos sobre o país foram muito mais severos do que a tragédia ocorrida recentemente em Nova York. E eles não retaliaram bombardeando Washington. Eles recorreram à Corte Mundial, que deliberou em seu favor, ordenando aos EUA que voltassem atrás e pagassem uma reparação substancial. Os EUA desdenharam da Corte Mundial e de sua sentença, respondendo com uma nova onda de intensificação dos ataques à Nicarágua. O país, então, recorreu ao Conselho de Segurança, que em conseqüência passou a discutir uma resolução determinando aos Estados que observassem as leis internacionais. Os EUA, e tão-somente eles, vetaram a resolução. A Nicarágua foi então à Assembléia-Geral, que discutiu uma resolução similar, com a oposição, por dois anos seguidos, apenas dos EUA e de Israel (tendo certa vez a adesão de El Salvador). É assim que um Estado deve proceder. Se a Nicarágua fosse suficientemente poderosa, poderia ter convocado uma outra corte criminal. Essas seriam medidas que os EUA deveriam tomar, sendo que no caso ninguém teria como bloqueá-las. É isso que todo mundo está pedindo que os EUA façam, incluindo aí seus aliados. Convém lembrar que os governos do Oriente Médio e do Norte da África, como o governo terrorista da Argélia, um dos mais perniciosos do gênero, ficariam contentes em juntar-se aos EUA para fazer oposição às redes terroristas que os atacam. São o seu inimigo principal, mas até eles estão pedindo provas, já que querem agir dentro de moldes minimamente comprometidos com as leis internacionais. A posição do Egito é mais complexa. Eles estão inseridos no sistema original que organizou as forças islâmicas radicais, do qual a rede de bin Laden faz parte. Foram as primeiras vítimas dessa estrutura, quando Sadat foi assassinado. E têm sido as principais vítimas dela, desde então. Gostariam muito de esmagá-la, mas, segundo declaram, apenas depois que alguma prova for apresentada, indicando culpados, e em obediência à Declaração da ONU e sob a égide de seu Conselho de Segurança. É esse o curso a seguir para reduzir a probabilidade de futuras atrocidades. Há, entretanto, um outro caminho: reagir com extrema violência e aguardar a escalada de violência que virá, dentro do mesmo ciclo, levando a futuras atrocidades similares a estas que estão instigando pessoas a pedir vingança. Conhecemos de sobra essa dinâmica. Que aspecto ou aspectos foram insuficientemente noticiados pelos principais veículos de imprensa e no que deveriam prestar mais atenção? Há uma série de questões fundamentais: Primeiro, quais opções de ação temos diante de nós e quais são as suas conseqüências mais prováveis? Na verdade, não houve discussão a respeito da opção de seguir o caminho da lei, como outros fizeram, como, por exemplo, a Nicarágua, que já mencionei (que não teve êxito, é verdade, mas ninguém iria barrar uma ação dessas vindo dos EUA) ou a Inglaterra, no caso do IRA, ou como os EUA fizeram, quando se descobriu a origem doméstica das bombas de Oklahoma. Há inúmeros outros casos. Em vez disso, até agora, escutamos os tambores baterem vigorosamente, clamando por uma retaliação violenta, com raras menções ao fato de que isso não só acarretará um custo terrível na matança de inocentes, muitas delas vítimas afegãs do Talibã, como também atenderá às mais fervorosas preces de bin Laden e sua rede. A segunda questão é: "Por quê?" E esta questão é raramente discutida com seriedade. A recusa de encarar esta pergunta significa optar por incrementar significativamente a probabilidade de ocorrerem futuros crimes desta mesma espécie. Há algumas exceções. Como mencionei anteriormente, o Wall Street Journal - e devemos reconhecer o seu mérito por isso - divulgou a opinião de "muçulmanos ricos", indivíduos pró-EUA, que, apesar disso, são críticos severos quanto à política americana na região, por razões que todos minimamente atentos conhecem. O sentimento da população nas ruas é ainda mais amargo, ainda mais rancoroso. A rede de bin Laden, em si, é de uma categoria diferente, e, na verdade, suas ações nos últimos vinte anos já causaram um enorme dano às populações pobres e oprimidas da região, que não são levadas em consideração pelas redes terroristas. Mas, efetivamente, eles angariam para si o resultado de toda uma reserva de ódio, medo e desesperança, e é por isso que estão rezando por uma reação violenta por parte dos EUA, que terminará mobilizando outros em torno de sua causa hedionda. Tópicos como esses é que deveriam ocupar a primeira página de nossos jornais - pelo menos, se quisermos ter alguma esperança em reduzir esse ciclo de violência, em vez de intensificá-lo. A CAMPANHA IDEOLÓGICA Baseado nas entrevistas para a Radio B92 (Belgrado), em 18 de setembro de 2001, para Elise Fried e Peter Kreysler na Deutschlandfunk Radio (Alemanha), em 20 de setembro de 2001, e para o Giornale dei Popolo (Suíça), em 21 de setembro de 2001 P: Como você vê a cobertura da mídia sobre este evento? Há algum paralelo em relação à Guerra do Golfo, no que toca à "fabricação de um consenso"? CHOMSKY: A cobertura da mídia não é tão uniforme como os europeus costumam pensar, talvez porque estejam apenas considerando o New York Times, a National Public Radio, a TV e assim por diante. Mesmo o New York Times reconheceu, esta manhã, que as opiniões em Nova York são bastante diferentes das que têm sido veiculadas. É uma boa matéria, que inclusive sugere o fato de que os principais veículos da mídia não têm noticiado nada sob esse ângulo, o que não é inteiramente verdade, embora a colocação seja verdadeira, em larga escala, em relação ao próprio New York Times. O Times agora noticia que "o toque dos tambores conclamando à guerra... mal é ouvido nas ruas de Nova York" e que os apelos para a paz "superam em muito a exigência de retaliação", mesmo no principal "memorial a céu aberto dedicado à perda e ao luto pelas vitimas das atrocidades. De fato, isso não chega a ser incomum pelo país afora. Sem dúvida, existe um sentimento, virtualmente unânime, compartilhado por todos nós, que exige a prisão e punição dos autores dos atentados, se é que será possível encontrá-los. Mas acredito que haja um sentimento fortemente majoritário contra uma retaliação cega, que resulte na morte de inúmeras vítimas inocentes. No entanto, trata-se de uma atitude absolutamente típica da grande mídia, e das classes intelectuais em geral, alinhar-se em apoio ao poder num momento de crise e tentar mobilizar a população para esta causa. Isso ocorreu também, numa intensidade quase histérica, na época do bombardeio da Sérvia. A Guerra do Golfo não foi nada excepcional. E o mesmo padrão pode ser rastreado bem mais além, em nosso passado histórico. Presumindo que os terroristas tenham escolhido o World Trade Center como um alvo simbólico, de que forma a globalização e a hegemonia cultural ajudam a gerar ódio contra a América? Aí está uma crença bastante conveniente para os intelectuais do Ocidente. Esse pensamento os absolve das atitudes que de fato estão por trás da escolha do World Trade Center. Será que o conjunto sofreu um atentado de bombas em 1993 por causa da preocupação a respeito da globalização e da hegemonia cultural? E Sadat foi assassinado vinte anos antes por causa da globalização? É essa a razão de os afeganis recrutados pela CIA terem lutado contra a Rússia, no Afeganistão, e agora na Chechênia? Poucos dias atrás, o Wall Street Journal publicou uma matéria sobre a opinião de cidadãos egípcios ricos e privilegiados que se encontravam numa lanchonete McDonald's, trajando roupas de estilo americano, e que se manifestaram severamente críticos em relação aos EUA por razões políticas bastante objetivas, que são bem conhecidas por aqueles que realmente querem conhecê-las; e houve uma reportagem, poucos dias antes, sobre a opinião de pessoas ricas e privilegiadas da região, todas pró-EUA, mas também severamente críticas em relação à política americana. Então, o problema diz respeito à "globalização", McDonald's e jeans? A opinião das ruas é muito similar, embora muito mais radical, e não tem nada a ver com essas justificativas tão em voga. Essas justificativas são muito convenientes para os EUA, tanto quanto para boa parte do Ocidente. Para citar o editorial do New York Times (16 de setembro): "Os responsáveis agiram pelo ódio que nutrem contra os valores prezados no Ocidente, tais como liberdade, tolerância, prosperidade, pluralismo religioso e voto universal." Os atos dos EUA são irrelevantes, e portanto não há necessidade de citá-los (Serge Schmemann). Sem dúvida, é um quadro consolador, e o princípio geral em que se baseia não é estranho à história intelectual; de fato, chega a se constituir numa norma. Ocorre que está em total desacordo com tudo que conhecemos, mas tem a seu favor a auto-adulação e o apoio desprovido de sentido crítico ao poder. Mas tem uma falha, que é a significativa contribuição de que adotar tal postura trará a possibilidade de ocorrerem futuras atrocidades, inclusive atentados contra nós mesmos, talvez ainda mais hediondos do que os de 11 de setembro. Isso porque a rede de bin Laden não tem preocupações relevantes quanto à globalização e à hegemonia cultural, pelo menos não maior do que tem em relação ao povo pobre e oprimido do Oriente Médio, a quem eles tanto prejudicaram nos últimos anos. Eles têm dito para nós, em alto e bom tom, no que consiste suas preocupações: estão promovendo uma Guerra Santa contra os regimes não-islâmicos, corruptos e repressores da região, e contra todos que os sustentam, do mesmo modo que lutaram uma Guerra Santa contra os russos, nos anos 1980 (e estão fazendo a mesma coisa na Chechênia, no Oeste da China e no Egito - neste caso, desde 1981, quando assassinaram Sadat - e em outros lugares). O próprio bin Laden, muito provavelmente, jamais ouviu falar de "globalização". Aqueles que conduziram entrevistas mais aprofundadas com ele, como Robert Fisk telatam que na prática ele não conhece coisa alguma sobre o mundo e não faz a mínima questão de conhecer. Podemos optar por ignorar todos os fatos e mergulhar em auto-indulgentes fantasias se quisermos, mas isso implicaria considerável risco para nós e muitos outros. Entre outras coisas, podemos ignorar, por exemplo, as origens de bin Laden e seus outros afeganis, que não são segredo para ninguém. Mas o povo americano teria discernimento suficiente para enxergar essas coisas? Há alguma consciência sobre a relação de causa e efeito? Infelizmente, não, do mesmo moào como ocorre com os europeus. Aquilo que é crucialmente importante para indivíduos privilegiados no Oriente Médio (e mais ainda nas ruas), mal é compreendido aqui, particularmente o exemplo mais chocante: o contraste entre a política americana em relação ao Iraque e as ocupações militares de Israel. No Iraque, apesar de os ocidentais preferirem contar outra história, entende-se que a política americana dos últimos dez anos devastou a sociedade civil e fortaleceu Saddam Hussein - a quem, como eles sabem, os EUA apoiaram decididamente, mesmo enquanto Hussein cometia as piores atrocidades, incluindo aí o bombardeio com gás contra os curdos, em 1998. Quando bin Laden cita esses temas em transmissões veiculadas por toda a região, sua audiência compreende o que ele diz, mesmo aqueles que o desprezam, como é o caso de muitos. Sobre a relação dos EUA com Israel, os fatos mais importantes são sequer noticiados e praticamente desconhecidos no planeta, principalmente pelas elites intelectuais. As populações locais, evidentemente, não compartilham das confortadoras ilusões vigentes nos EUA sobre a "generosidade" e "magnanimidade" dos acordos de Camp David, no verão de 2000, sem falar em outros mitos. Há muito material publicado a esse respeito, bem-documentado e apoiado em fontes inquestionáveis, mas tudo praticamente desconhecido do público. Como você vê a reação do governo americano? Quem eles estão representando? Como outros governos, o governo americano responde prioritariamente a núcleos de concentração de poder domésticos. Isso deveria ser um truísmo. Claro que há outras influências, inclusive a opinião pública - isso vale para todas as sociedades, mesmo as que vivem sob os mais brutais regimes autoritários, e com toda a certeza vale também para as sociedades mais democratizadas. Pelo que estamos informados, o governo americano está agora tentando explorar a oportunidade de acelerar a sua agenda particular: militarização, incluindo "sistema de defesa antimísseis", que é uma expressão que serve como um código para a militarização do espaço; diminuição dos programas social-democratas; e, obviamente, das preocupações quanto aos efeitos mais nocivos da "globalização" corporativa; questões ambientais; seguro-saúde etc. Ou seja, o que se pretende é institucionalizar medidas que vão intensificar a transferência de riqueza para um segmento muito pequeno (por exemplo, eliminando os impostos pagos pelas grandes corporações) e arregimentar a sociedade para eliminar o debate público e toda forma de oposição. Tudo muito normal e inteiramente costumeiro. Por outro lado, presumo que esteja ouvindo líderes estrangeiros, especialistas em Oriente Médio e, suponho ainda, suas próprias agências de inteligência, que os estão alertando para o fato de que uma retaliação militar maciça iria atender às preces de bin Laden. Mas existem sempre os fervorosos adeptos da guerra, que querem aproveitar o ensejo para eliminar todos os seus inimigos com extrema violência, não importando quanto irão sofrer os inocentes, incluindo aí populações americanas e européias, que serão vítimas dessa escalada de violência. Tudo, repito, seguindo uma dinâmica costumeira. Há vários bin Ladens de ambos os lados, como sempre. A globalização econômica disseminou pelo mundo inteiro o modelo ocidental, e os EUA são sua base principal, às vezes utilizando meios questionáveis e com freqüência submetendo as culturas locais a humilhações. Estaríamos agora enfrentando as conseqüências de décadas da política estratégica americana? A América é uma vítima inocente? Essa tese tem sido usada com freqüência. Eu não concordo com ela. Entre outras razões porque o modelo ocidental - e particularmente o modelo americano - baseia-se numa ampla intervenção na economia. As "regras neoliberais" são iguais àquelas dos períodos anteriores. São facas de dois gumes: por exemplo, as leis de mercado são boas para você, mas não para mim, exceto como vantagem temporária, quando eu estiver numa boa posição e puder suplantar a concorrência. Em segundo lugar, o que aconteceu em 11 de setembro não tem, de fato, nada a ver com a globalização da economia, na minha opinião. As razões são outras. Nada pode justificar crimes como os cometidos em 11 de setembro, embora só possamos pensar nos EUA como "vítima inocente" se adotarmos o caminho fácil de ignorar o histórico de suas ações e das que foram praticadas por seus aliados, que são, aliás, de conhecimento público. Todos concordam que nada será como antes depois de 11 de setembro, desde restrições aos direitos usuais da vida cotidiana até a estratégia global com novas alianças e novos inimigos. Qual é a sua opinião a esse respeito? (Nota do Editor: A resposta de Chomsky a esta questão, editada abaixo, inicia-se reiterando um argumento que ele defendeu numa entrevista anterior, quando afirmou que o atentado de 11 de setembro fora a primeira vez, desde a Guerra de 1812, em que o território americano foi atacado por forças estrangeiras. Verp. 11) Não creio que caminhemos para um longo período de restrições de direitos, internamente, em nenhum sentido mais grave. As barreiras institucionais e culturais a algo assim estão firmemente enraizadas, assim acredito. Se os EUA optarem por responder com uma escalada de violência, o que é bem o que bin Laden e seus associados estão desejando, então as conseqüências serão terríveis. Existem, é claro, outros caminhos, embasados na lei, caminhos construtivos. E há inúmeros precedentes nesse sentido. Um despertar da população das sociedades mais livres e democráticas pode direcionar a política para uma via mais humana e honrosa. Os serviços de inteligência de diferentes países e os sistemas internacionais de controle (o Echelon, por exemplo) não foram capazes de detectar o que estava para acontecer, mesmo com conhecimento da existência de uma rede islâmica internacional de terrorismo. Como épossível que os olhos do Big Brother estivessem fechados? Será que devemos temer agora um Big Brother maior? Francamente, nunca me deixei impressionar muito a respeito das preocupações amplamente alardeadas na Europa quanto ao Echelon como sistema de controle. Quanto aos sistemas de inteligência espalhados pelo mundo, suas falhas, nos últimos anos, foram colossais, e trata-se de um assunto sobre o qual eu e muitos outros escrevemos, e sobre o qual não devo insistir aqui. Isso é verdadeiro mesmo quando os alvos de tal vigilância são muito mais fáceis de lidar do que com algo como redes iguais à de bin Laden, que é, sem dúvida, a tal ponto descentralizada, e tão desprovida de estrutura hierárquica, tão dispersa pelo mundo, que se tornou praticamente impenetrável. Não resta dúvida de que os serviços de inteligência receberão recursos para trabalhar com mais afinco ainda. No entanto, um esforço sério visando reduzir a ameaça dessa espécie de terrorismo, assim como em inúmeros outros casos, requer uma tentativa de compreender as suas causas e agir em relação a elas. Bin Laden, o demônio: ele é um inimigo ou acima de tudo uma marca, uma espécie de logotipo que identifica e personaliza o Mal? Pode ser que bin Laden esteja, ou não, diretamente implicado nos atentados, mas tudo indica que a rede na qual ele é a figura de maior destaque está - ou seja, as forças estabelecidas pelos Estados Unidos e seus aliados para atender a seus propósitos e apoiadas pelos EUA enquanto lhes serviam. É sempre mais fácil personalizar o inimigo, identificar um símbolo do Grande Mal, do que buscar compreender o que está por trás das atrocidades cometidas. E, é claro, existe sempre a tendência de se ignorar o papel desempenhado por si mesmo nesta questão - o que, no caso, não é difícil de expor e de fato chega a ser familiar a todos que têm algum conhecimento da região e da sua história recente. Existiria o risco de essa guerra se transformar num novo Vietnã? O trauma continua presente. Esta é uma analogia constantemente apresentada. Em minha opinião, revela o profundo impacto de muitas centenas de anos de violência imperialista na cultura intelectual e moral do Ocidente. A Guerra do Vietnã começou quando os EUA atacaram o Vietnã do Sul, que sempre foi o principal alvo das guerras promovidas pelos norte-americanos, e terminou devastando a Indochina. A não ser que estejamos dispostos a considerar o elemento básico envolvido, não poderemos refletir seriamente sobre a Guerra do Vietnã. Comprovadamente, a Guerra do Vietnã teve um alto custo para os EUA, apesar de o impacto na Indochina ter sido incomparavelmente mais terrível. A invasão do Afeganistão também teve um alto custo para a URSS, mas essa não é a questão a se considerar em primeiro lugar, quando refletimos a respeito desse crime. CRIMES DE ESTADO Baseado em excertos de uma entrevista concedida a David Barsamian, em 21 de setembro de 2001 P: Como você sabe, há muito ódio, raiva e perplexidade nos EUA, desde os atentados de 11 de setembro. Já ocorreram assassinatos, ataques a mesquitas e mesmo a um templo sikh. A Universidade de Colorado, localizada em Boulder, uma cidade com reputação liberal, foi pichada com os seguintes dizeres: "Fora, árabes!", "Bombardeiem o Afeganistão!" e "Fora, negros do deserto!". Como você vê esse desenrolar dos acontecimentos, desde os atentados terroristas? CHOMSKY: Está tudo muito confuso. Tudo isso que você descreveu aconteceu realmente. Por outro lado, existe uma contracorrente. Percebo isso onde tenho provenientes de outras pessoas. Rússia, China, Indonésia, Egito, Argélia, todos deliciados em ver um sistema internacional patrocinado pelos EUA, que iria autorizá-los a promover suas próprias atrocidades terroristas? A Rússia, por exemplo, estaria contentíssima de ter os EUA apoiando sua guerra criminosa na Chechênia. Tivemos os mesmos afeganis lutando contra os russos e também efetuando ataques terroristas dentro da Rússia. Assim como a índia, na Caxemira. A Indonésia estaria encantada por ganhar apoio para os massacres em Aceh. A Argélia, como acaba de ser anunciado na transmissão que escutamos, ficaria muito feliz por ter autorização para ampliar o seu próprio Estado terrorista. A mesma coisa vale para a China, lutando contra forças separatistas em suas províncias do Oeste, inclusive contra afeganis que a China e o Irã organizaram para lutar contra a Rússia, e isso já desde 1978, segundo indicam alguns relatórios. E assim acontece pelo mundo inteiro. No entanto, não é todo mundo que chega a ser admitido com tanta facilidade na coalizão: afinal de contas, precisamos manter alguns critérios. "A administração Bush alerta (em 6 de outubro) que o Partido Sandinista da Nicarágua, de incJinação esquerdista, que espera retornar ao poder nas eleições no próximo mês, tem mantido laços com organizações e Estados terroristas, e portanto não pode ser considerado um aliado na coalizão internacional contra o terrorismo que esta administração vem se esforçando para forjar" (George Gedda, AP, 6 de outubro). "Como já afirmamos, não há meio-termo entre aqueles que se opõem ao terrorismo e aqueles que lhe dão apoio", declara Eliza Koch, porta-voz do Departamento de Estado. Apesar de os sandinistas afirmarem que "abandonaram a política socialista e a retórica antiamericana do passado, a declaração de Koch (em 6 de outubro) indica que a administração tem dúvidas quanto a essa nova postura moderada". As dúvidas de Washington são compreensíveis. Afinal de contas, a Nicarágua atacou de modo tão ultrajante os EUA que Ronald Reagan foi compelido a declarar "estado de emergência nacional", em 1º de maio de 1985, ato renovado anualmente, por conta da "política e dos atos praticados pelo governo da Nicarágua, que constituem uma ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional e à política externa americana". Ele anunciou também um embargo contra a Nicarágua, "em resposta à situação de emergência criada pelas atividades políticas agressivas praticadas pelo governo da Nicarágua na América Central", entendendo por isso sua resistência ao ataque dos EUA: a Corte Mundial descartou, considerando-as sem base, as alegações quanto a outras atividades. Um ano antes, Ronald Reagan designou o 1º de maio como o "Dia da Lei", uma celebração de nossa "parceria de 200 anos entre a lei e a liberdade", acrescentando que sem a lei pode haver apenas "caos e desordem". Um dia antes, ele celebrava o Dia da Lei anunciando que os EUA desconheceriam o processo conduzido na Corte Mundial, que haveria de condenar sua administração por "uso ilegal da força" e violação de tratados em sua investida contra a Nicarágua, deflagrado instantaneamente em resposta à ordem daquela Corte de deter a prática criminosa dos EUA de terrorismo internacional. Como é notório, o dia 1º de maio, fora dos EUA, é considerado um dia de solidariedade às lutas dos trabalhadores americanos. Portanto, é compreensível que os EUA exijam todas as garantias de bom comportamento a uma Nicarágua governada pelos sandinistas antes de permitir sua admissão na aliança liderada com exclusividade por Washington, que estará dando as boas-vindas aos que entrarem, agora, na guerra contra o terrorismo, que vem escamoteando há vinte anos: Rússia, China, Indonésia, Turquia e outros países, mas não todos, é claro. Ou então, vamos pensar a respeito da "Aliança do Norte", que os EUA e a Rússia tão ardorosamente apoiam. Trata-se de um grupo composto de uma coleção de senhores da guerra que trazem consigo tanta destruição e terror, que a maior parte da população recebeu bem o Talibã. Além disso, é quase certo que estejam envolvidos no tráfico de drogas para o Tadjiquistão. Eles controlam a maior parte da fronteira, e o Tadjiquistão, segundo consta, seria, talvez, a principal rota de drogas que dali seguem para a Europa e para os EUA. Se os EUA realmente aderirem à iniciativa russa de armar essas forças - com equipamento pesado - e daí deslancharem algum tipo de ofensiva baseada nesse exército, o tráfico de drogas, ao que tudo indica, irá se intensificar, e com a conseqüente criação de uma situação de caos, com fuga de refugiados. As "pessoas nocivas" são bem conhecidas; afinal, elas têm um registro histórico bastante familiar, e a mesma coisa vale para os "objetivos nobres". Seu comentário classificando os EUA de um "Estado líder do terrorismo" pode chocar muitos americanos. JPode explicá-lo melhor? O exemplo mais óbvio é a Nicarágua, de longe o caso mais extremado. E tanto mais óbvio porque não há quem o conteste, pelo menos entre as pessoas que têm um mínimo de consideração pelas leis internacionais. Vale a pena lembrar - particularmente por se tratar de um dado que foi sistematicamente ocultado - que os EUA são o único país que já foi condenado e que vetou uma resolução do Conselho de Segurança que exigia que eles respeitassem as leis internacionais. Os Estados Unidos são reincidentes no terrorismo internacional. Há alguns exemplos menos gritantes, em comparação com o da Nicarágua. Todos aqui se sentiram ameaçados com o episódio da bomba na cidade de Oklahoma e, por alguns dias, as manchetes anunciavam: "Oklahoma ficou parecendo Beirute." Mas não vi ninguém destacando que Beirute também se parecia com Beirute, e em parte é porque a administração Reagan promoveu uma explosão de bombas, em moldes terroristas, em 1985, muito parecida à de Oklahoma - um caminhão cheio de explosivos, deixado do lado de fora de uma mesquita e com um timer ajustado para explodir na hora em que as pessoas estivessem saindo, de modo a matar o maior número delas. Oitenta pessoas foram mortas e 250 feridas, a maioria mulheres e crianças, de acordo com as reportagens do Washington Post três anos mais tarde. A bomba terrorista visava um sacerdote muçulmano que não era apreciado por eles e a quem eles não conseguiram atingir. Isso não é segredo para ninguém. Não sei que nome se dá ao tipo de política que se constitui na principal causa da morte de, quem sabe?, milhões de civis no Iraque, entre eles talvez meio milhão de crianças, que é o preço que o Secretário de Estado diz que nós estamos dispostos a pagar. Há algum nome para isso? Apoiar as atrocidades cometidas por Israel é outro bom exemplo. Apoiar o massacre da Turquia contra as populações curdas, que recebeu da administração Clinton uma decisiva sustentação, na forma de 80% dos armamentos lá utilizados, um estímulo à escalada de atrocidades, é outro exemplo substancial. E aqui se trata de uma verdadeira atrocidade em massa, uma das mais ferozes campanhas de "limpeza étnica" e destruição genocida dos anos 1990, muito mal divulgada devido à proeminente responsabilidade dos EUA no caso - e quando mencionada, é tomada como uma demonstração de falta de polidez, logo descartada como uma pequena "falha" em nossa dedicada cruzada pelo "fim da desumanidade" cometida pelo mundo afora. Ou vamos falar da destruição das instalações farmacêuticas de Al-Shifa, no Sudão, uma breve nota de pé de página no histórico do Estado de terror, logo esquecida. Qual teria sido a nossa reação se bin Laden tivesse destruído metade dos suprimentos farmacêuticos dos EUA, bem como as instalações indispensáveis para repô-los? Podemos imaginar facilmente, apesar de a comparação ser injusta: as conseqüências foram muito mais graves no Sudão. Deixando isso de lado, se os EUA ou Israel, ou a Inglaterra, fossem o alvo de tal atrocidade, que reação teriam? No nosso caso, dizemos: "Ora, que pena, uma pequena falha nossa, vamos para o próximo item, e que as vítimas se danem." Mas as demais pessoas no mundo não reagem dessa forma. Quando bin Laden fala desses atentados, ele toca numa corda bastante sensível, mesmo para aqueles que o desprezam e temem. E, infelizmente, o mesmo vale para todo o restante de sua retórica. Apesar de ser uma mera nota de pé de página, o caso do Sudão é bastante instrutivo. Um aspecto interessante é a reação que ocorre quando alguém se atreve a mencioná-lo. Eu já o fiz algumas vezes e tornarei a fazer, em resposta a questões levantadas por jornalistas, logo após os atentados de 11 de setembro. Observei na ocasião que o número de vítimas do "crime horrendo" de 11 de setembro, cometido com "absoluta e medonha crueldade" (citando Robert Fisk), poderia ser comparado às conseqüências do bombardeio que Clinton dirigiu contra as instalações de Al-Shifa, em agosto de 1998. A conclusão, muito plausível, desencadeou uma reação extraordinária, que ocupou muitos jornais e web sites com condenações exaltadas, e bastante empoladas, que vou ignorar. O único aspecto importante é que esta simples frase - que, num exame mais próximo, parece até pouco enfática - foi considerada por alguns comentaristas como totalmente ultrajante. E difícil escapar da conclusão de que, em um nível mais profundo, muito embora possam negá-lo para si mesmos, eles encaram seus crimes contra os mais fracos como tão normais quanto o ar que respiram. Nossos crimes, pelos quais somos responsáveis: como contribuintes, por nos esquivarmos de pagar reparações em massa, por garantirmos refúgio e imunidade aos culpados, e por permitirmos que fatos tão terríveis caiam no esquecimento. Tudo isso tem grande significado também no passado. Já quanto às conseqüências da destruição das instalações de Al-Shifa, temos apenas estimativas. O Sudão procurou abrir um inquérito na ONU sobre as razões do bombardeio, mas mesmo isso foi bloqueado por Washington, e muito poucos neste país parecem desejosos de investigar mais a fundo o episódio. Mas é o que certamente deveríamos fazer. E talvez devêssemos começar relembrando alguns truísmos virtuais, pelo menos entre aquelas que tiverem um mínimo de consideração pelos direitos humanos. Quando estimamos o número de vítimas humanas de um crime, não podemos considerar apenas aquelas que literalmente foram assassinadas no ato em si, mas também as que morreram em conseqüência do que foi praticado. Este é o curso que adotamos para qualquer reflexão apropriada, quando examinamos os crimes cometidos por inimigos oficiais - Stalin, Hitler e Mao, apenas para mencionar os casos mais extremados. E não consideramos que a gravidade do crime possa ser mitigada pelo fato de não ter sido proposital, mas um reflexo de estruturas institucionais e ideológicas: a fome na China, entre 1958e 1961, novamente para exemplificar um caso extremo, não se desfaz, enquanto acusação, pelo fato de ter sido motivada por um erro e de Mao não ter tido a "intenção" de matar dez milhões de pessoas. E também não é mitigada por especulações a respeito de suas razões pessoais para dar as ordens que conduziram à disseminação da fome. De modo similar, descartaríamos sem pensar duas vezes a alegação de que a condenação dos crimes de Hitler na Europa Oriental superaram os crimes de Stalin. Se pretendêssemos pensar seriamente nessa questão, teríamos de aplicar os mesmos padrões a nós mesmos, sempre. Nesse caso, contamos o número das pessoas que morreram em conseqüência do crime praticado, não apenas as que foram mortas em Cartum por mísseis cruise; e não consideramos que a gravidade do crime possa ser mitigada pelo fato de refletir o funcionamento normal do modo como as instituições praticam políticas e formulam ideologias - como foi efetivamente o que ocorreu, mesmo que haja alguma validade nas especulações (que acho duvidosas) sobre os problemas pessoais de Clinton, que são irrelevantes neste caso, seja como for, pelas mesmas razões que consideramos firmadas quando examinamos os crimes cometidos por inimigos oficiais. Com esses truísmos em mente, vamos dar uma olhada em uma parte do material que tem sido colocado à nossa disposição na grande imprensa. Desconsidero as extensivas análises sobre a validade dos argumentos levantados por Washington, todas de pequena relevância moral, em comparação com a questão das conseqüências. Carnaffin, gerente técnico com "íntimo conhecimento" das instalações destruídas, citado em Ed Vulliamy, Henry McDonald, Shyam Bhatia e Martin Bright, hondón Observer, 23 de agosto de 1998, editorial, p.1). Al-Shifa "fornecia 50% dos remédios do Sudão, e sua destruição levou o país a ficar sem suprimento de cloroquina (quinino), o remédio padrão contra malária", mas, meses depois, o governo trabalhista da Inglaterra recusou-se a "repor os estoques de cloroquina, em regime de urgência, até que os sudaneses pudessem restabelecer sua produção farmacêutica" (Patrick Wintour, Observer, 20 de dezembro de 1998). As instalações de Al-Shifa eram "as únicas a produzir drogas contra a tuberculose - para mais de 100 mil pacientes, a um preço de cerca de uma libra inglesa por mês. Qualquer remédio importado (mais caro) não é acessível aos sudaneses - ou aos maridos, esposas e filhos dos doentes, que serão infectados a partir de então: Al-Shifa também fabricava drogas de uso veterinário para esse vasto país, que vive na sua maior parte da produção pastoril. A especialidade de Al-Shifa eram as drogas para matar parasitas, que passam do gado para quem cuida dele, e que são uma das principais causas, no Sudão, da mortalidade infantil" (James Astill, Guardian, 2 de outubro de 2001). E, silenciosamente, continua a crescer o número de vítimas. Todos esses relatos foram feitos por jornalistas respeitáveis, que escrevem em jornais da grande imprensa. A única exceção é justamente o mais instruído de todos os citados, Jonathan Belke, gerente de programação regional da Near East Foundation, que escreve a partir de sua experiência de campo no Sudão. A Fundação é uma instituição bastante respeitada, dedicada ao desenvolvimento, e cujas origens remontam a antes da I Guerra Mundial. A instituição provê assistência técnica aos países pobres no Oriente Médio e na África, enfatizando projetos que sejam desenvolvidos pelas populações locais e administrados por elas, e operando em íntima articulação com as principais universidades, organizações beneficentes e departamentos de Estado, incluindo diplomatas do Oriente Médio bastante conhecidos e figuras proeminentes na área da educação, no Oriente Médio, e em assuntos relativos a desenvolvimento. De acordo com análises confiáveis, facilmente acessíveis a todos nós, portanto, considerando as proporções entre as populações, a destruição de Al-Shifa equivale ao cenário de um único atentado de bin Laden e sua rede aos EUA que provocasse "a morte e o sofrimento de centenas de milhares de pessoas - grande parte delas, crianças -, vítimas de doenças tratáveis", apesar de a analogia, como foi frisado, não ser justa. O Sudão é "uma das áreas mais pobres do mundo. Seu clima rigoroso, com a população dispersa, a saúde sujeita a inúmeras situações de risco, precaríssima infra-estrutura, tudo combinado para tornar a vida, para muitos sudaneses, uma luta contínua pela sobrevivência". Trata-se de um país sujeito a endemias como malária, tuberculose e muitas outras doenças, além de "periódicos surtos de meningite ou cólera". Assim, medicamentos a um custo baixo são uma necessidade crucial. (Jonathan Belke e Kamal El-Faki, relatórios técnicos de campo para a Near East Foundation). Além disso, é um país com limitadas porções de terra agricultável, escassez crônica de água, um alto índice de mortalidade, pouquíssimas indústrias e dívidas impagáveis, arrasado pela AIDS, devastado por uma cruel e destruidora guerra civil, e ainda sofrendo sanções severas. O conhecimento que temos da situação interna é mera especulação, incluindo aí a estimativa (bastante plausível) de Belke de que, em um ano, dezenas de milhares "sofrerão e morrerão" como resultado da destruição das principais instalações que produziam medicamentos a baixo custo, para uso humano e veterinário. Mas isso apenas arranha a superfície da situação. A Human Rights Watch (organização não-governa-mental em defesa dos direitos humanos) informou que, como conseqüência imediata do bombardeio, "todas as agências da ONU baseadas em Cartum evacuaram o pessoal americano, assim como muitas outras organizações", de modo que "muitas iniciativas de auxílio à população foram interrompidas indefinidamente, inclusive uma bastante crucial, gerida pelos EUA, coordenada pelo International Rescue Committee (numa cidade sob controle do governo), onde mais de cinqüenta habitantes do Sul estão morrendo diariamente; essas são regiões "no Sul do Sudão, onde a ONU estima que 2,4 milhões de pessoas correm o risco de morrer de inanição", e nas quais "a interrupção da assistência" à "população submetida a tal devastação" pode produzir "uma terrível crise". Há mais. O bombardeio americano "aparentemente arruinou o lento movimento que direcionava os diferentes lados em guerra no Sudão para um compromisso mútuo", interrompendo assim promissores passos que vinham sendo dados visando a um acordo de paz e o término da guerra civil que já matou aproximadamente 1,5 milhão de civis, desde 1981, acordo esse que poderia propiciar a "paz em Uganda e em toda a bacia do Nilo". O ataque, aparentemente, "arruinou... os esperados benefícios de uma mudança política no núcleo central do governo islâmico do Sudão", que rumava para "um engajamento pragmático com o mundo exterior", acompanhando esforços para resolver os problemas internos do Sudão, o fim do apoio ao terrorismo e a redução da influência de correntes islâmicas radicais (Mark Hu-band, Financial Times, 8 de setembro de 1998). Considerando tais conseqüências, podemos comparar o crime cometido contra o Sudão ao assassinato de Lumumba, que foi decisivo no sentido de mergulhar o Congo em décadas de carnificina, ainda em curso; ou ainda à derrubada do governo democrático da Guatemala, em 1954, que levou a quarenta anos de medonhas atrocidades, e a muitos outros casos semelhantes. As conclusões de Huband foram reiteradas três anos mais tarde por James Astill, no artigo que se acabou de citar. Ele destaca "o custo político que representou para um país emergindo de uma ditadura militar totalitária, islamismo retrógrado e uma longa guerra civil", antes dos ataques dos mísseis, e que "da noite para o dia mergulhou (Cartum) no pesadelo do impotente extremismo do qual vinha tentando escapar". Este "custo político" pode ter sido ainda mais danoso ao Sudão do que a destruição de sua "frágil estrutura de atendimento médico", ele conclui. Astill cita o Dr. Idris Eltayeb, um dos muitos far-macologistas sudaneses e diretor presidente do Al-Shifa: este crime, ele diz, foi "um ato de terrorismo, tanto quanto o atentado contra as Torres Gêmeas - a única diferença é que sabemos quem o praticou. Eu sinto muito quanto à perda de vidas (em Nova York e Washington), mas, em termos numéricos, e considerando o prejuízo em relação a um país pobre, (o bombardeio no Sudão) foi mais grave". Desafortunadamente, ele bem pode estar certo quanto "à perda de vidas, em termos numéricos", isso sem contar o "custo político" a longo prazo. Não pretendo tentar avaliar o "custo relativo", e é desnecessário dizer que atribuir gradação a crimes, seja qual for a escala que se utilize, é ridículo, embora a comparação entre os montantes de vítimas seja perfeitamente razoável e mesmo um procedimento padrão no meio acadêmico. O bombardeio também causou severos danos ao povo dos EUA, como se tornou mais do que evidente em 11 de setembro, ou pelo menos deveria. Parece-me digno de nota que isso não foi aventado com o devido destaque (se é que foi), em meio à exaustiva discussão sobre as falhas dos sistemas de inteligência por trás das atrocidades do 11 de setembro. Imediatamente antes do ataque de mísseis de 1998, dois homens foram detidos no Sudão, sob suspeita de terem praticado atentados a bomba contra embaixadas americanas no Leste da África. Tal fato foi informado a Washington, segundo confirmação de funcionários americanos. No entanto, os EUA rejeitaram a oferta de cooperação do Sudão e, depois do ataque dos mísseis, o Sudão, "por vingança, libertou os suspeitos" (James Risen, New York Times, 30 de julho de 1999), que foram mais à frente identificados como agentes de bin Laden. Recentemente, um vazamento de memorandos do FBI acrescentou outra razão à "vingativa libertação" dos suspeitos. Esses memorandos revelaram que o FBI queria que eles fossem extraditados, mas o Departamento de Estado recusou a proposta. Uma "alta fonte da CIA", agora, classifica esta e outras recusas ao oferecimento de cooperação sudanesa como "a pior falha, em si, do sistema de inteligência em todo esse episódio pavoroso", referindo-se ao 11 de setembro. "É a chave para a coisa toda, neste exato momento", por conta do volume de evidências contra bin Laden que o Sudão ofereceu entregar, oferta essa que foi repetidamente repelida por causa da "animosidade irracional" da administração contra o Sudão - isso é o que consta do relatório dessa alta fonte da CIA. Incluído nesse material recusado estava "uma vasta gama de dados sobre Osama bin Laden e mais de 200 membros da rede terrorista Al-Qaeda, cobrindo anos de atividades que redundaram nos ataques de 11 de setembro". Foram oferecidos a Washington "vastos arquivos, com fotografias e biografias detalhadas de muitos dos principais quadros com posição hierárquica de destaque, além de informações vitais sobre os interesses financeiros da Al-Qaeda em várias partes do globo". E foi toda essa informação que Washington recusou-se a receber, em nome de sua "animosidade irracional" contra o alvo de seu ataque de mísseis. "É razoável dizer que, se dispuséssemos dessas informações, poderíamos ter tido chances maiores de nos precaver contra o ataque" de 11 de setembro, conclui a mesma alta fonte da CIA (David Rose, no Observer de 30 de setembro, relatando uma investigação promovida pelo jornal). É muito difícil para qualquer um tentar calcular a perda de vidas resultante do bombardeio do Sudão, mesmo sem contar as prováveis dezenas de sudaneses diretamente vitimados. Podemos atribuir o número total de vítimas a um único ato de terrorismo - pelo menos se tivermos a honestidade de adotar os mesmos parâmetros que aplicamos, com justeza, aos inimigos oficiais. A reação no Ocidente nos diz muito a respeito de nós mesmos se concordarmos em utilizar um outro truísmo: olhe-se no espelho. Ou, retornando "à nossa pequena região, que nunca perturbou ninguém", como Henry Stimson referiu-se ao Hemisfério Ocidental, tomemos o exemplo de Cuba. Depois de muitos anos de terror, iniciados em 1959, incluindo aí uma série de atrocidades, Cuba deveria se dar ao direito de recorrer à violência contra os EUA, de acordo com a própria doutrina dos EUA, que é pouco questionada. Infelizmente, seria fácil demais prosseguir nessa linha de argumentação, não apenas em relação aos EUA, mas também em relação aos seus aliados terroristas. Em seu livro Culture of Terrorism, você escreveu que "o cenário cultural é explicitado, com particular clareza, pelo pensamento dos liberais conciliadores, que estabelecem os limites para a oposição respeitável? Qual tem sido o papel deles, desde o acontecimento de 11 de setembro? Não gosto de fazer generalizações; assim, vamos examinar um exemplo concreto. Em 16 de setembro, o New York Times informou que os EUA exigiram do Paquistão que este cortasse a ajuda, sob a forma de doação de alimentos, que vinha dando ao Afeganistão. Isso já havia sido insinuado anteriormente, mas agora se tornara totalmente explícito. Entre outras exigências de Washington ao Paquistão, "foi pedida... a interrupção dos comboios de caminhões que forneciam a maior parte dos alimentos e outros suprimentos à população civil do Afeganistão" - os alimentos que provavelmente mantinham milhões de pessoas, e nada mais do que isso, a salvo da inanição completa (John Burns, Islamabad, New York Times). O que isso significa? Significa que um número ignorado de afegãos famintos morrerão. Eles são partidários do Talibã? Não, são vítimas do Talibã. Muitos deles, refugiados em seu próprio país, proibidos de deixar o Afeganistão. E qual foi a reação? Logo a seguir, passei um dia inteiro falando em rádios e estações de TY em várias emissoras do mundo. E eu insistia em trazer o assunto à baila. Ninguém na Europa e nos EUA sequer cogitou em proferir uma palavra a respeito. Mas, em outras partes do mundo, houve muita repercussão, mesmo na periferia da Europa, como a Grécia. E como deveríamos ter reagido? Vamos supor que alguma potência fosse poderosa o suficiente para dizer: "Vamos tomar uma atitude que leve um enorme número de americanos a morrer de inanição." Você consideraria este um problema sério? E, de novo, não se trata aqui de uma analogia justa. No caso do Afeganistão, deixado em ruínas depois da invasão soviética e exaurido pela guerra dirigida por Washington, a maior parte do país está despedaçada, e seu povo foi jogado no desespero, o que já se tornou uma das maiores crises humanitárias do mundo. A National Public Radio, que nos anos 1980 denunciou a administração Reagan como a í(Rádio Manágua no Potomac", também é considerada aí fora como estando no extremo liberal respeitável da polêmica. Noah Adams, o âncora de Ali Things Considered, fez, em 11 de setembro, as seguintes perguntas: "Assassinatos devem ser permitidos? A CIA deve ter mais liberdade de ação"? Não se deve permitir à CIA que promova assassinatos, mas isso é o que menos interessa no problema. A CIA deve receber permissão para detonar um carro-bomba em Beirute, como no caso que acabei de mencionar? E não se trata de segredo nenhum; aliás, é algo fartamente noticiado pela grande imprensa, apesar de tudo ter sido esquecido com a maior facilidade. Isso não chegou a violar nenhuma lei. E não se trata apenas da CIA. É aceitável a permissão para se organizar um exército terrorista na "Nicarágua, com a missão oficial, de acordo com o que escutamos diretamente da boca do Departamento de Estado, de atacar "alvos soft", ou seja, cooperativas agrícolas indefesas e postos de saúde? Lembre-se que o Departamento de Estado aprovou oficialmente esses ataques, e isso imediatamente após a Corte Mundial ter ordenado os EUA a pôr fim à sua campanha terrorista internacional e pagar uma substancial reparação. Qual é o nome disso? Ou o que significa a tentativa de organizar algo nos moldes da rede de bin Laden, não como a dele em si, mas como as organizações que estão por trás dele? A CIA deveria ter autorização para fornecer a Israel helicópteros para praticar assassinatos políticos e ataques contra alvos civis? Isso não é a CIA. É a administração Clinton, sem que tenha surgido qualquer objeção de peso. De fato, não foi sequer noticiado, apesar de as fontes serem absolutamente inquestionáveis. Você poderia, resumidamente, definir quais seriam as utilizações políticas do terrorismo? Como o terrorismo se encaixa num sistema doutrinário? Os EUA estão oficialmente comprometidos com o que é chamado de "ações de guerra de baixa intensidade". Essa é a doutrina oficial. Se alguém lesse as definições padrão de "conflito de baixa intensidade" e as comparasse com as de "terrorismo", em qualquer manual do exército, ou no U.S. Code repararia que são praticamente iguais. O terrorismo é o uso de meios coercitivos voltados contra uma população civil, no esforço de atingir objetivos políticos, religiosos ou outros. E foi o que aconteceu no ataque ao World Trade Center, um horrendo crime terrorista. O terrorismo, de acordo com as definições oficiais, é simplesmente parte da ação do Estado, da doutrina oficial, e não apenas no caso dos EUA, é claro. Não é, como freqüentemente se diz, "a arma dos mais fracos". Além disso, todas essas coisas deveriam ser bem conhecidas. É uma vergonha que não o sejam. Qualquer um que queira se inteirar deste assunto pode começar lendo o livro organizado por Alex George, mencionado anteriormente, que percorre inúmeros casos. São coisas que o público precisa saber se realmente deseja compreender qualquer coisa a respeito de si mesmo. São coisas conhecidas pelas vítimas, mas os responsáveis preferem virar o rosto para outro lado. A OPÇÃO PELA AÇÃO Baseado numa entrevista para Michael Albert, em 22 de setembro de 2001 P: Vamos supor, apenas para ajudar na discussão, que bin Laden esteja por trás dos atentados. Caso seja verdade, que motivos ele poderia ter? Com toda a certeza, não poderá com isso ajudar os pobres e desamparados de qualquer lugar, muito menos os palestinos. Assim, qual seria o seu objetivo se foi ele mesmo quem planejou os ataques? CHOMSKY: É preciso ter muito cuidado em relação a isso. De acordo com Robert Fisk, que o entrevistou repetidas e longas vezes, Osama bin Laden compartilha de um ódio que é sentido em toda a região pela presença dos EUA na Arábia Saudita, pelo apoio às atrocidades cometidas contra o povo palestino e pela devastação, coordenada pelos EUA, da sociedade civil no Iraque. Esse sentimento de ódio é compartilhado tanto por ricos quanto por pobres e por toda a extensão tanto do espectro político quanto de outros espectros. Muitos que conhecem bem a situação mostram-se também em dúvida a respeito da capacidade de bin Laden ter planejado essa operação, inacreditavelmente sofisticada, do interior de uma caverna no Afeganistão. Mas o envolvimento de sua rede é bastante plausível, e ele é a inspiração deles todos. Trata-se aqui de estruturas descentralizadas e não hierarquizadas, provavelmente com elos de comunicação interna extremamente limitados. É absolutamente possível que bin Laden esteja dizendo a verdade quando fala que não tinha conhecimento da operação. Deixando tudo isso de lado, bin Laden é bastante claro quanto aos seus objetivos, não apenas diante de todos os ocidentais que vão entrevistá-lo, como Fisk, mas, principalmente, diante da audiência de fala árabe que ele alcança por meio de fitas cassete que circulam amplamente. Adotando aqui as suas formulações, para levar à frente a discussão, seu alvo principal é a Arábia Saudita e outros regimes corruptos e repressores da região, nenhum dos quais realmente "islâmico". Além disso, ele e sua rede têm a intenção de apoiar muçulmanos que estejam se defendendo contra os infiéis onde quer que se encontrem: Chechênia, Bósnia, Caxemira, China ocidental, Sudeste da Ásia, Norte da África e talvez em outros lugares. Eles lutaram, e venceram, uma Guerra Santa, para expulsar os russos (europeus que, presume-se, não seriam diferentes dos britânicos ou dos americanos, segundo seu ponto de vista) do Afeganistão muçulmano, assim como têm o propósito ainda mais forte de expulsar os americanos da Arábia Saudita, umpaís muito mais importante para eles, já que é o lar das cidades sagradas do islã. Ele clama pela derrubada dos regimes brutais e corruptos compostos de gángsteres e torturadores, e ao fazer isso seu apelo repercute muito amplamente, assim como a sua indignação contra as atrocidades que ele, e muitos outros, atribuem aos EUA - e dificilmente poderíamos dizer que ele não tem razões para pensar assim. É inteiramente verdade que seus crimes são extremamente prejudiciais às populações mais pobres e mais oprimidas da região. Os últimos ataques, por exemplo, causaram um enorme dano aos palestinos. Mas o que parece absurdamente inconsistente do lado de fora pode parecer diferente visto de dentro. Enfrentando corajosamente os opressores, que são figuras muito reais, bin Laden pode tornar-se um herói, mesmo que suas ações prejudiquem a maioria pobre. E, se os EUA tiverem êxito em matá-lo, ele poderá se tornar ainda mais poderoso como um mártir, cuja voz continuará a ser ouvida nas fitas cassete que estão em circulação e por meio de outros recursos. Ele é, afinal de contas, tanto um símbolo quanto uma força objetiva, tanto para os EUA quanto para a maioria da população. Essa é a razão, segundo creio, para levar em conta as suas palavras. E seus crimes dificilmente serão uma surpresa para a CIA. O blowback1 das forças radicais islâmicas organizadas, armadas e treinadas pelos EUA, Egito, França, Paquistão e muitos outros, começou logo de imediato, com o assassinato, em 1981, do presidente Sadat, do Egito, um dos maiores entusiastas entre os organizadores da força reunida para lutar a Guerra Sagrada contra os russos. A violência prosseguiu, desde então, sem intervalo. O blowback ocorreu de modo bem direto e é bastante similar ao que vimos nos últimos cinqüenta anos de história, incluindo aí o fluxo de drogas e a violência. Para citar apenas um caso, o maior especialista nesse tópico, John Cooley, relata que funcionários da CIA "conscientemente auxiliaram" a entrada do clérigo egípcio, e islâmico radical, xeique Omar Abdel Rahman, nos EUA, em 1990 (Unholy Wars). Isso quando ele já era procurado no Egito, com acusações de terrorismo. Em 1993, ele esteve envolvido no ataque a bomba ao World Trade Cen-ter, que aliás seguiu os procedimentos ensinados nos manuais da CIA, que eram, presume-se, fornecidos aos afe-ganis em guerra contra os russos. O plano era explodir o prédio das Nações Unidas, os túneis Lincoln e Holland, assim como outros alvos. O xeique Omar foi preso e está cumprindo uma longa sentença. Repetindo, se Bin Laden planejou essas ações, eprincipalmente se os temores da população de que ocorram outros pelo sistema de inteligência deste país, com o objetivo de criar dificuldades para o governo da nação estrangeira. (N. T.) atentados devem ser levados em conta, qual seria o método mais apropriado para reduzir ou eliminar o perigo? Quais os passos que devem ser tomados pelos EUA, e os demais aliados, tanto internamente quanto no exterior? Quais seriam os resultados desses passos? Cada caso tem as suas especificidades, mas vamos tentar algumas analogias. Qual foi o procedimento que a Inglaterra considerou correto para lidar com as bombas do IRA em Londres? Uma opção seria mandar a RAF bombardear suas fontes de financiamento, lugares como Boston, ou infiltrar comandos com a missão de capturar os suspeitos de envolvimento com esse suporte financeiro e assassiná-los, ou levá-los escondidos para a Inglaterra, onde enfrentariam julgamento. Deixando de lado a exequibilidade, isso seria uma idiotice criminosa. Uma outra possibilidade seria considerar realisticamente o histórico da situação, com suas implicações e os ressentimentos envolvidos, e tentar remediá-los, enquanto, em paralelo, dentro da lei, procurava-se prender e punir os criminosos. Isso seria muito mais razoável; é o que qualquer um pensaria. Ou vamos pensar nas bombas que explodiram em Oklahoma. De imediato, ergueram-se apelos para que se bombardeasse o Oriente Médio, e é provavelmente o que teria acontecido se fosse encontrado o menor vestígio que apontasse nessa direção. Quando, entretanto, descobriu-se que se tratava de um ataque planejado e executado domesticamente, por elementos articulados numa milícia, ninguém saiu por aí pedindo que se eliminasse Montana e Idaho do mapa, ou a "República do Texas", que vinha propalando a secessão, pedindo para se separar do governo ilegítimo e opressivo de Washington. Em vez disso, houve uma caça aos responsáveis, que foram encontrados, levados a julgamento e sentenciados, e, numa demonstração de sensibilidade, houve esforços para entender o ressentimento que estava por trás desses crimes, bem como para resolver o problema. Pelo menos, esse é o caminho que seguimos se temos a preocupação de fazer prevalecer a genuína justiça e esperamos reduzir a possibilidade de futuras atrocidades ocorrerem, em vez de agirmos no sentido de incentivá-las. Os mesmos princípios valem de modo geral, claro que com a devida atenção às variações de cada circunstância. Mas, especificamente, são princípios válidos para este caso. Mas que medidas os EUA estão propensos a tomar? E quais serão os resultados se eles forem bem-sucedidos em seus planos? O que vem sendo anunciado é uma virtual declaração de guerra contra todos aqueles que não se unirem incondicionalmente a Washington em sua empreitada de violência. As nações do mundo devem se defrontar com uma opção entre dois extremos: ou se agregam à nossa cruzada ou "enfrentam a morte e a destruição, sem escapatórias" (R. W Apple, New York Times, 14 de setembro). A retórica de Bush em 20 de setembro reitera insistentemente essa postura. Tomada literalmente, trata-se de uma declaração de guerra contra a maior parte do mundo. Mas estou certo de que não devemos interpretar a declaração em seu sentido literal. Os estrategistas do governo não pretendem impor seus interesses de modo tão deplorável. Na realidade, não sabemos o que eles querem. Mas suponho que vão levar em conta, muito seriamente, os avisos que estão recebendo de líderes estrangeiros, de especialistas sobre a região e, creio, de suas próprias agências de inteligência, no sentido de que um assalto militar em massa, que mataria inúmeros civis inocentes, seria exatamente "o que os responsáveis pela carnificina de Manhattan mais querem. A retaliação militar daria um caráter nobre à causa deles, tornaria seu líder um ídolo, depreciando a moderação e validando o fanatismo. Se em algum momento a história precisou de um catalisador para um novo e terrível conflito entre os árabes e o Ocidente, poderia ser exatamente este" (Simon Jenkis, Times Londres, 14 de setembro, um dos muitos que defenderam, desde o princípio, e insistentemente, esse ponto de vista). Mesmo que bin Laden seja morto - e talvez, em maior grau, se ele de fato for morto -, uma matança de inocentes faria apenas intensificar o sentimento de ódio, desespero e frustração que está irrompendo na região, além de mobilizar muitos outros para a sua causa deplorável. O que a administração Bush fizer dependerá, pelo menos em parte, do estado de espírito do país, que, assim esperamos, exercerá enorme influência. Quais serão as conseqüências de suas ações? Isso não podemos dizer, pelo menos não com convicção, tampouco com maior exatidão do que essa mesma administração pode fazê-lo. Mas há algumas estimativas plausíveis, e, a menos que o caminho da razão, da lei e das obrigações ditadas pelo respeito aos tratados seja seguido, as perspectivas são bastante sombrias. Muitas pessoas dizem que os cidadãos das nações árabes deveriam assumir a responsabilidade de eliminar os terroristas do planeta, assim como os governos que apoiam os terroristas. Como você observa isso? Faz sentido atribuir aos cidadãos a eliminação dos terroristas, em vez de elegê-los para os mais altos postos administrativos, louvá-los e recompensá-los por seus atos. Mas eu não sugeriria que devêssemos "eliminar do planeta nossos representantes eleitos, seus conselheiros, sua claque intelectual e toda a sua clientela". Nem destruir tanto o nosso próprio governo quanto outros governos ocidentais, por conta dos crimes terroristas e seu apoio a terroristas em todo o mundo, incluindo aí muitos que foram rebaixados da categoria de amigos favorecidos e aliados para a de "terroristas", no momento em que desobedeceram às determinações dos EUA, tais como Saddam Hussein e tantos como ele. No entanto, é injusto condenar cidadãos de regimes perniciosos e brutais, que nós apoiamos, por não assumirem suas responsabilidades, quando nós mesmos não o fazemos sob circunstâncias muitíssimo mais favoráveis. Muitas pessoas dizem que, quando uma nação é atacada, deve-se retribuir na mesma moeda. Qual éa sua opinião? Quando os países são atacados, eles tentam defender-se se são capazes disso. De acordo com a doutrina proposta, a Nicarágua, o Vietnã do Sul, Cuba e inúmeros outros deveriam soltar bombas em Washington e outras cidades americanas, os palestinos deveriam ser aplaudidos, caso bombardeassem Tel-Aviv, e assim por diante. Doutrinas como essas levaram a Europa à beira da auto-aniquilação, depois de centenas de anos de selvageria, e foi devido a isso que as nações do mundo forjaram um novo pacto, depois da II Guerra Mundial, estabelecendo - pelo menos formalmente - que o recurso à força é vedado, exceto em casos de autodefesa contra um ataque armado, até que o Conselho de Segurança aja visando proteger a paz e a segurança internacionais. A retaliação, em particular, é vedada. Assim, como os EUA não estão sob ataque armado, na essência do Artigo 51 da Carta das Nações Unidas, essas considerações se tornam irrelevantes - pelo menos, se concordarmos que os princípios fundamentais das leis internacionais devem se aplicar a nós mesmos, e não apenas àqueles que não apreciamos. Deixando de lado a lei internacional, temos séculos de experiência para nos dizer exatamente ao que estão vinculadas as doutrinas que agora vêm sendo propostas e saudadas por muitos exegetas. Num mundo de armas de destruição em massa, estamos falando aqui da iminência do extermínio da experiência humana - razão pela qual, afinal de contas, os europeus decidiram, meio século atrás, que o grande jogo de matança mútua no qual vinham se comprazendo por tantos séculos deveria se encerrar, ou então... Como conseqüência imediata ao 11 de setembro, muitas pessoas se mostraram horrorizadas por deparar com manifestações de ódio contra os EUA em várias partes do mundo, inclusive o Oriente Médio, embora não limitadas à região. Imagens de pessoas celebrando a destruição do World Trade Center levaram muitos a pedir vingança. Como você encara esses atos? Um exército apoiado pelos EUA assumiu o controle da Indonésia em 1965, efetuando a matança de centenas de milhares de pessoas, a maioria camponeses, num massacre que a CIA comparou aos crimes de Hitler, Stalin e Mao. O massacre, detalhadamente noticiado, ensejou uma incontrolável euforia no Ocidente, na mídia nacional e em outros centros. Os camponeses indonésios não nos causaram nenhum mal. Quando a Nicarágua finalmente sucumbiu ao ataque dos EUA, a grande imprensa louvou o êxito dos métodos adotados para "arruinar a economia e proceder a uma prolongada e mortal guerra por procuração, até que os nativos, exauridos, derrubaram o governo por eles mesmos", com um custo "mínimo" para os EUA, deixando as vítimas "com pontes desabadas, estações de energia sabotadas e fazendas arruinadas", e ainda fornecendo ao candidato pró-EUA um "slogan vencedor": "Vamos pôr fim ao empobrecimento do povo da Nicarágua." (Time) Ficamos "todos delicia-dos"com este resultado final, é o que proclamou o New York Times. É fácil prosseguir com esta argumentação. Muito poucas pessoas pelo mundo celebraram os crimes em Nova York; uma maioria esmagadora deplorou-os com veemência, mesmo em lugares onde a população foi praticamente esmagada pelas botas de Washington, sofrendo por um longo período essa situação. Mas sempre era possível, é claro, detectar o ódio existente contra os EUA. No entanto, não tenho conhecimento de nada tão grotesco quanto os dois exemplos que acabei de mencionar, e de muitos outros semelhantes no Ocidente. Indo além dessas manifestações públicas, em seu modo de ver, quais são as motivações reais em curso, determinando a política americana, neste momento? Quais são os propósitos de uma guerra contra o terror, como Bush está propondo? A "guerra contra o terror" não é nova e também não é uma "guerra contra o terror". Devemos nos lembrar que a administração Reagan chegou ao poder, vinte anos atrás, proclamando que o "terrorismo internacional" (patrocinado em todo o mundo pela União Soviética) era a grande ameaça a ser enfrentada pelos EUA, que seriam o principal alvo do terrorismo, assim como seus amigos e aliados. Deveríamos, portanto, dedicar-nos a esse objetivo principal: erradicar esse "câncer", essa "praga" que estaria destruindo a civilização. Os adeptos de Reagan responderam a essa conclamação organizando campanhas de terrorismo internacional, extraordinárias tanto em sua proporção quanto na destruição que ocasionaram, levando a Corte Mundial a condenar os EUA. Além disso, prestaram apoio a inúmeras outras iniciativas terroristas, por exemplo, na África do Sul, onde, com a conivência do Ocidente, um milhão e meio de pessoas foram mortas e ocorreram prejuízos da ordem de 60 bilhões de dólares, isso apenas durante a Era Reagan. A histeria em relação ao terrorismo internacional teve seu ápice em meados dos anos 1980, enquanto os EUA e seus aliados estavam à frente da disseminação do câncer que alardeavam pretender extirpar. Se assim decidirmos, podemos viver num mundo de confortante ilusão. Ou podemos nos voltar para a história recente, e para as estruturas institucionais que se mantêm inalteradas, em sua essência, para os planos que vêm sendo anunciados - e dar uma resposta apropriada ao problema. Não conheço nenhuma razão para supor que tenha havido uma súbita mudança nas motivações há muito correntes e nos objetivos políticos, a não ser ajustes táticos, ditados pelas circunstâncias, que, essas sim, mudaram. Devemos nos lembrar também que uma tarefa dos intelectuais sempre exaltada é proclamar, a cada punhado de anos, que "mudamos de rumo", que o passado ficou para trás e deve ser esquecido, já que marchamos para um futuro glorioso. Trata-se de uma postura tremendamente apropriada, embora seja difícil considerá-la admirável ou mesmo dotada de sensibilidade. A literatura sobre tudo isso é bastante volumosa. Não há razão alguma, a não ser por opção, para permanecermos desconhecendo os fatos - que são, é claro, bastante familiares às vítimas, embora poucos deles estejam em condições políticas de reconhecer a escala ou a natureza do assalto terrorista internacional que sofreram. Você acredita que a maioria dos americanos aceitará, quando as condições permitirem uma avaliação mais detalhada das opções disponíveis, que uma solução para os ataques terroristas contra os civis aqui nos EUA seria uma resposta caracterizada pelo mesmo tipo de terrorismo contra civis, dirigido contra populações estrangeiras, e que a solução contra o fanatismo é a vigilância e a diminuição dos direitos civis? Espero que não, mas não devo subestimar a capacidade dos eficientíssimos e bem-coordenados sistemas de propaganda, que podem muito bem direcionar as pessoas para um comportamento homicida e suicida. Para citar um exemplo que é distante o suficiente, de modo a nos habilitar a refletir desapaixonadamente sobre o problema, voltemos à I Guerra Mundial. Não é possível que ambos os lados estivessem engajados numa guerra nobre, tendo em vista os mais altos objetivos. Mas, em ambos os lados, os soldados marcharam de forma exuberante para uma mútua carnificina, reforçados pelos louvores das classes intelectuais e dos que eles ajudaram a mobilizar, em considerável extensão do espectro político, à direita e à esquerda, incluindo a força política de esquerda mais poderosa do mundo, na Alemanha. As exceções foram tão raras, que podemos praticamente listá-las, e algumas das mais proeminentes entre essas terminaram na cadeia por questionar a nobreza da empreitada: por exemplo, Rosa Luxemburgo, Bertrand Russell e Eugene Debs. Com a ajuda das agências de propaganda de Wilson e o entusiástico apoio de intelectuais liberais, um país pacifista transformou-se em poucos meses em um adepto da raivosa histeria antigermâ-nica, pronto para se vingar daqueles que haviam praticado crimes tão selvagens, muitos dos quais inventados pelo Ministério Britânico da Informação. Mas de modo algum significa que isso seja inevitável, e não deveríamos também subestimar os efeitos civilizadores das lutas populares dos anos recentes. Não precisamos nos lançar para a catástrofe, apenas porque essas são as ordens que recebemos do comando da tropa. CIVILIZAÇÃO ORIENTAL vs CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL Baseado em entrevistas com a mídia européia entre 20-22 de setembro de 2001, dadas a Marili Margomenou para a Alpha TV Station (Grécia), Miguel Mora para El País (Espanha) e Natalie Levisalles para Liberation (França) P: Depois do ataque aos EUA, o Secretário de Estado, Colin L. Powell, disse que o governo dos EUA deverá revisar as leis sobre terrorismo, incluindo a lei de 1976, que proíbe o assassinato de estrangeiros. A União Européia também deve pedir uma nova lei contra o terrorismo. Como poderá a reação aos atentados redundar numa restrição às liberdades? Por exemplo, será que o terrorismo dá ao governo o direito de nos colocar sob vigilância, com o objetivo de seguir suspeitos e prevenir-se contra futuros ataques? CHOMSKY: Uma resposta muito abstrata pode levar a mal-entendidos; assim, vamos considerar um exemplo bastante típico e atual do que os projetos visando ao relaxamento de restrições da violência do Estado podem significar na prática. Nesta manhã (21 de setembro), o New York Times publicou um editorial de autoria de Michael Walzer, intelectual respeitado e considerado uma liderança moral. Ele convocou "uma campanha ideológica que abarcaria todos os argumentos e justificativas do terrorismo e as repudiaria", já que, ao que ele saiba, não há argumentos que possam defender nem justificar o tipo de terrorismo que se tem em mente, pelo menos da parte de alguém suscetível à razão. De fato, isso traduz o apelo para que se rejeitem os esforços para explorar as razões que estão por trás dos atos terroristas dirigidos contra países que ele apoia. Ele, então, prossegue, de modo convencional, mencionando a si mesmo entre aqueles que fornecem "argumentos e justificativas para o terrorismo", endossando tacitamente assassinatos políticos, especialmente os assassinatos políticos cometidos por Israel contra os palestinos, a quem Israel acusa de apoiar o terrorismo; nenhuma prova é fornecida nem considerada necessária; e, em muitos casos, mesmo as suspeitas parecem não ter nenhuma base. O inevitável "dano colateral" - mulheres, crianças e outros que estiverem ao redor - é tratado segundo o modelo padrão. Os EUA fornecem os helicópteros de ataque, já há dez meses, e são esses os aparelhos usados em tais assassinatos. Walzer põe a palavra "assassinatos" entre aspas, indicando que, segundo seu ponto de vista, o termo é parte do que ele chama de "ardoroso e altamente distorcido relato do bloqueio contra o Iraque e do conflito entre palestinos e israelenses". Ele está se referindo à crítica contra as atrocidades cometidas por Israel, e apoiadas pelos EUA, nos territórios que têm estado sob brutal e cruel ocupação durante os últimos 35 anos e à política posta em prática pelos EUA, que teve como efeito a devastação da sociedade civil do Iraque (ao mesmo tempo que fortalecia Saddam Hussein). Tais críticas são deixadas à margem nos EUA, embora mesmo assim pareçam abusivas para Walzer. Por "relatos distorcidos", talvez Walzer tenha em mente ocasionais referências à declaração da Secretária de Estado Made-leine Albright, em rede nacional de TV, quando a questionaram sobre as estimativas de que meio milhão de crianças iraquianas havia perecido como conseqüência das sanções impostas ao país. Ela reconheceu que estas conseqüências constituíam uma "dura escolha" para a sua administração, mas, segundo disse, "ainda achamos que vale a pena". Mencionei este simples exemplo, que poderia ser facilmente multiplicado, para ilustrar o significado substantivo do relaxamento das restrições à ação do Estado. Podemos recordar aqui que Estados violentos e homicidas, muito comumente, têm justificativas para suas ações de "contraterrorismo". Por exemplo, os nazistas, em sua luta contra a resistência dos partisans. E tais atos são, comumente, justificados por intelectuais respeitados. Não se trata aqui de História Antiga. Em dezembro de 1987, no ápice da preocupação contra o terrorismo internacional, a Assembléia-Geral da ONU aprovou sua principal resolução sobre o problema, condenando a praga nos mais duros termos e conclamando todas as nações a agir com empenho para vencê-la. A resolução foi aprovada (153 a 2) com votos contrários dos EUA e Israel. Apenas Honduras se absteve. O trecho ofensivo diz "que nada, de acordo com a presente resolução, pode, sob qualquer alegação, prejudicar o direito à autodeterminação, liberdade e independência, originários da Carta da ONU, de populações privadas à força desses direitos... particularmente populações sob regimes coloniais e racistas e sob ocupação estrangeira ou outras formas de dominação colonial, nem... o direito de lutar para pôr fim a essa situação, buscar e obter apoio (em consonância com a Carta da ONU e outros princípios das leis internacionais)". Esses direitos não foram aceitos pelos EUA e por Israel, e nem pela sua aliada na época, a África do Sul. Para Washington, o Congresso Nacional Africano era uma organização terrorista, mas a África do Sul não se uniu a Cuba e a outros países como "Estado terrorista". A interpretação de Washington do termo "terrorismo", é claro, prevaleceu, na prática, com conseqüências bastante graves. Hoje há muito falatório a respeito de se formular uma Convenção Extensa contra o Terrorismo - tarefa nada modesta. A razão, meticulosamente posta de lado nos relatórios, é que os EUA não aceitarão nada parecido com a injuriosa resolução de 1987, e nenhum dos seus aliados tampouco aceitará a definição de terrorismo conforme está no U.S.Code ou nos manuais do exército, mas apenas se for reformulada para excluir o terrorismo praticado pelas potências e sua clientela. Por precaução, há muitos fatores a considerar quando pensamos na questão. Mas o registro histórico é de fundamental importância. Num nível demasiadamente genérico, a questão não pode ser respondida. Tudo depende das circunstâncias específicas e das propostas em jogo no momento. O Bundestag, na Alemanha, já decidiu que soldados alemães irão se reunir às forças americanas, apesar da discordância de 80% do povo alemão, obtida em uma pesquisa do Forsa lnstitute. O que você pensa a respeito? Por enquanto, as potências européias têm se mostrado hesitantes em aderir à cruzada de Washington, temendo que um assalto em massa contra civis inocentes proporcione a bin Laden e a outros como ele uma maneira de mobilizar o povo, em sua raiva e desespero, para a causa desses fanáticos, com conseqüências que poderiam ser ainda mais assustadoras. O que você pensa de as nações agirem como uma comunidade global em tempo de guerra? Não é a primeira vez que os países se vêem nessa contingência de ou se aliarem, todos, aos EUA, ou serem considerados inimigos. Ocorre agora que o Afeganistão está declarando a mesma coisa. A administração Bush apresentou a todas as nações do mundo, simultaneamente, a seguinte escolha: unam-se a nós ou enfrentem a destruição. A "comunidade global" se opõe decididamente ao terror, incluindo aí o terror em massa praticado pelos Estados mais poderosos, e às atrocidades cometidas em 11 de setembro. Mas a "comunidade global" não age. Quando os Estados do Ocidente e os intelectuais usam o termo "comunidade internacional", estão se referindo a eles próprios. Por exemplo, a OTAN, ao bombardear a Sérvia, estava assumindo um desejo da "comunidade internacional", segundo a consistente retórica do Ocidente, embora qualquer um que não estivesse com a cabeça enfiada num buraco na terra soubesse que aquele ato tinha a oposição da maior parte do mundo, e expressa de maneira bastante incisiva. Aqueles que não suportam os atos praticados pela riqueza e pelo poder não são parte da "comunidade global", assim como "terrorismo" significa, convencionalmente, "terrorismo contra nós e nossos amigos". Não chega de fato a surpreender que o Afeganistão esteja tentando imitar os EUA, conclamando os muçulmanos a apoiá-lo. A dimensão aqui, é claro, é imensamente menor. Mesmo estando tão distanciados do mundo, os líderes do Talibã, presumivelmente, sabem muito bem que os Estados islâmicos não são seus amigos. Esses Estados têm sido, na verdade, alvo de ataques pelas forças radicais do islamismo que foram organizadas e treinadas para lutar uma Guerra Santa contra a URSS, vinte anos atrás, e logo a seguir começaram a traçar suas próprias prioridades, ou seja, disseminar o raio de alcance do terrorismo que praticavam, iniciando pelo assassinato do presidente egípcio, Sadat. Você acredita que um ataque contra o Afeganistão seja uma "guerra contra o terrorismo"? Um ataque contra o Afeganistão, muito provavelmente, matará um número enorme de civis inocentes e também, provavelmente, fará muitas outras vítimas, um imenso número delas, na verdade, pois se trata de um país em que milhões de pessoas já estão morrendo de fome. Uma matança desenfreada de civis é terrorismo, e não uma guerra contra o terrorismo. Você conseguiria imaginar como ficaria a situação se o ataque terrorista aos EUA tivesse acontecido durante a noite, quando muito poucas pessoas estivessem no WTC? Em outras palavras, se fossem poucas as vítimas o governo americano reagiria da mesma maneira? Até que ponto o governo está sendo influenciado pelo simbolismo do desastre, ou seja, o fato de que foram o Pentágono e as Torres Gêmeas os alvos atingidos? Duvido que isso fizesse qualquer diferença. Teria sido um crime horrendo, mesmo que o número de vítimas fosse bem menor. O Pentágono é mais do que um símbolo, por razões que não precisamos comentar. Quanto ao World Trade Center, mal sabemos o que os terroristas tinham em mente quando o bombardearam em 1993 e, depois, quando o destruíram, em 11 de setembro. Mas podemos estar absolutamente convictos quanto ao fato de ter pouco a ver com a "globalização", "imperialismo econômico" ou "valores culturais", assuntos que são absolutamente desconhecidos por bin Laden e seus associados ou outros radicais islâmicos, como aqueles postos na cadeia pelas bombas de 1993. Nenhuma dessas questões os preocupa, assim como não se preocupam, evidentemente, com o fato inegável de que as atrocidades que cometem, há anos, causam enorme dano às populações mais pobres e oprimidas do mundo muçulmano e de outros lugares, e que isso vá se repetir em conseqüência ao 11 de setembro. Entre suas vítimas diretas estão os palestinos, que se encontram sob ocupação militar, e os responsáveis pelos atentados com certeza têm conhecimento disso. São outras as suas preocupações, e bin Laden, em várias entrevistas, tem sido pelo menos eloqüente o bastante em expressar o que essas populações desejam: derrubar os governos corruptos e repressores do mundo árabe, e substituí-los por regimes "islâmicos" ortodoxos, apoiar os muçulmanos em sua luta contra os infiéis na Arábia Saudita (que ele entende como um país sob a ocupação dos EUA), Chechênia, Bósnia, Oeste da China, Norte da África e Sudeste da Ásia - e talvez em outros lugares. É bastante conveniente para os intelectuais do Ocidente falar de "causas mais profundas", tais como ódio contra os valores ocidentais e o progresso. Essa é a maneira usual de evitar questões sobre a origem do próprio bin Laden e de sua rede terrorista, assim como sobre as práticas e atos que levaram à disseminação do ódio, do medo e do desespero por toda aquela região, gerando um reservatório de sentimentos contrários aos EUA, do qual as células islâmicas terroristas podem se abastecer. Como as respostas a essas questões são bastante claras, embora inconsistentes segundo a doutrina oficial, é melhor descartar este aspecto do problema como "superficial" e "insignificante", e nos voltarmos para as "causas mais profundas", que, na verdade, são mais superficiais, mesmo que, em certa medida, sejam relevantes. Deveríamos chamar o que está acontecendo agora de guerra? Não existe uma definição precisa de "guerra". As pessoas falam em "guerra contra a pobreza", "guerra contra as drogas" etc. O que se está delineando, entretanto, não é um conflito entre nações, embora possa se tornar algo assim. Podemos falar num choque entre duas civilizações? É uma maneira de falar que acompanha o que está em voga, mas que faz pouco sentido. Sugiro que percorramos rapidamente uma história que nos é bastante familiar. O Estado islâmico mais populoso do mundo é a Indonésia, um dos favoritos dos EUA, desde que Suharto tomou o poder em 1965, quando as forças armadas promoveram massacres que vitimaram centenas de milhares de pessoas, a maioria camponeses sem terra, e tudo com o auxílio dos EUA, acompanhado de um surto de euforia no Ocidente que nos causa tanto constrangimento relembrar, que foi, efetivamente, apagado de nossa memória. Suharto continuou sendo o "tipo do cara de que eu gosto", como a administração Clinton o denominou, enquanto perpetrava os mais horrendos recordes em número de vítimas de carnificinas, torturas e outros século XX. O mais extremado Estado fundamentalista, depois do Talibã, é a Arábia Saudita, cliente preferencial dos EUA desde a sua fundação. Nos anos 1980, os EUA, conjunta mente com a inteligência paquistanesa (e ajudados pela Arábia Saudita, Inglaterra e outros), recrutaram, armaram e treinaram os fundamentalistas islâmicos mais radicais que puderam encontrar, com o objetivo de causar o maior dano possível aos soviéticos no Afeganistão. Como Simon Jenkins observa no TdQLaate a partir de grupos afoitamente financiados pelos americanos" (a maior parte do dinheiro foi, provavelmente, saudita). Um dos beneficiários indiretos foi ninguém menos que Osama bin Laden. Caso semelhante ocorreu nos anos 1980, quando os EUA e a Grã-Bretanha prestaram forte apoio ao seu amigo e aliado Saddam Hussein - um indivíduo mais secular, sem dúvida, embora ainda no lado islâmico do confronto -, e isso exatamente no período em que ele cometia suas piores atrocidades, inclusive a utilização de gases contra os curdos, e muito mais. Ainda nos anos 1980, os EUA entraram numa terrível guerra na América Central, que resultou em 200 mil cadáveres torturados e mutilados, milhões de órfãos e refugiados, e quatro países devastados. Um dos alvos principais visados pelos EUA era a Igreja Católica, que cometera o deplorável pecado de adotar "a opção preferencial pelos pobres". No início dos anos 1990, principalmente movido pelas cínicas motivações do poder, os EUA escolheram os muçulmanos bósnios, e não em benefício destes, como seus clientes nos Bálcãs. Sem me alongar, onde exatamente está essa fronteira entre "civilizações"? Devemos concluir que exista um "confronto entre civilizações", com a Igreja Católica da América Latina de um lado, e os EUA e o mundo muçulmano, incluindo aí os piores assassinos e os mais fanáticos elementos religiosos, do outro lado? Claro que não estou sugerindo um absurdo desses. Mas o que devemos concluir, acuradamente, em bases racionais? Você acha que estamos utilizando a palavra "civilização" apropriadamente? Um mundo realmente civilizado nos levaria a uma guerra global, nos termos que estamos vendo? Nenhuma sociedade civilizada toleraria nada do que eu mencionei, e que não passa de um mero exemplo até mesmo da história dos EUA - e a história da Europa é ainda pior. Com toda a certeza, nenhuma "sociedade civilizada" mergulharia o mundo numa guerra abrangente, em vez de seguir os procedimentos prescritos pelas leis internacionais, de acordo com precedentes bastante notórios. Os atentados têm sido chamados de atos de ódio. De onde você acredita que venha esse ódio? O ódio é a maneira de se expressar dos islâmicos radicais mobilizados pela CIA e seus associados. Os EUA se dispuseram a apoiar, com satisfação, o ódio e a violência deles quando era dirigida contra os inimigos dos EUA; e ficaram contrariados quando o ódio que ajudaram a gerar foi dirigido contra eles próprios e seus aliados, como tem acontecido, repetidamente, há vinte anos. Já quanto à população da região, uma categoria bastante distinta, os seus sentimentos não têm razões obscuras. As origens desses sentimentos também são fartamente conhecidas. O que você sugere como linha de ação para os cidadãos ocidentais no sentido de se restabelecer a paz? Isso depende do que esses cidadãos desejam. Se querem promover uma escalada de violência, num padrão já bastante familiar, deveriam conclamar os EUA a cair na "arapuca diabólica" de bin Laden e sair massacrando civis inocentes. Se querem reduzir o índice de violência, deveriam usar a sua influência para dirigir as grandes potências para um novo rumo, de acordo com o que esbocei anteriormente, e que, insisto, possui amplos precedentes. Isso inclui a vontade de vasculhar que mentiras estão por trás das atrocidades cometidas. Muitos dizem que não devemos levar em consideração essas questões, porque funcionam como justificativas para o terrorismo, mas esta é uma posição tão tola e destrutiva, que nem merece ser comentada, embora, infelizmente, seja bastante freqüente. No entanto, se não desejamos colaborar para disseminar a violência, que faria vítimas também entre os ricos e poderosos, isso é exatamente o que devemos fazer, como em todos os demais casos, inclusive posturas muito familiares na Espanha. Os EUA não "pediram"por estes atentados? Eles não são uma conseqüência da política americana? Os atentados não são uma conseqüência direta da política americana. Mas, indiretamente, são: não há a mínima controvérsia a esse respeito. Parece haver pouca dúvida quanto ao fato de os responsáveis virem de uma rede de terrorismo que tem suas raízes nos exércitos mercenários que foram organizados, treinados e armados pela CIA, Egito, Paquistão, pela inteligência francesa, pelos fundos provenientes da Arábia Saudita e similares. A história desse episódio permanece de alguma forma obscura. A organização dessas forças iniciou-se em 1979, se dermos crédito ao Consultor de Segurança Nacional do governo Cárter, Zbigniew Brzezinski. Ele afirma, e pode não estar contando vantagem, que em meados de 1979 estimulou um apoio secreto à luta dos mujahidin contra o governo do Afeganistão, de modo a atrair os russos para o que chamou de "arapuca afegã", uma expressão que vale a pena retermos na memória. Ele se mostrou bastante orgulhoso do fato de ter conseguido que os russos caíssem nessa "arapuca afegã", enviando forças militares para apoiar o governo, seis meses mais tarde, com as conseqüências que todos conhecemos. Os EUA, juntamente com seus aliados, reuniram um enorme exército mercenário, composto talvez de mais de 100 mil homens, arregimentados dos setores mais radicais que puderam encontrar, que eram justamente os islâmicos radicais, também chamados de "islâmicos fundamentalistas", e isso trazendo homens de todas as partes, principalmente de fora do Afeganistão. São os chamados afeganis, mas, assim como bin Laden, muitos deles vêm de outros países. Bin Laden juntou-se a esse exército em algum momento dos anos 1980. Ele estava envolvido com as redes de arrecadação de fundos, que provavelmente ainda existem. Essas forças lutaram uma guerra santa contra os invasores russos. E desencadearam o terror no próprio território russo. Eles venceram a guerra, e os invasores russos bateram em retirada. Mas a guerra não era a única ocupação que tinham. Em 1981, forças organizadas a partir daqueles mesmos grupos assassinaram o presidente do Egito, Anwar Sadat, que foi um instrumento de peso na formação do exército mercenário. Em 1983, um atentado suicida a bomba, talvez ainda relacionado a essas mesmas forças, foi decisivo para a retirada das forças americanas do Líbano. E a coisa continuou. Já em 1989, haviam vencido a guerra santa no Afeganistão. Logo que os EUA estabeleceram uma presença militar permanente na Arábia Saudita, bin Laden e seus pares anunciaram que, do seu ponto de vista, tal fato se comparava à ocupação do Afeganistão pelos russos, e assim voltaram suas armas contra os americanos, como já havia acontecido em 1983, quando os EUA tinham forças militares no Líbano. A Arábia Saudita é o principal inimigo de bin Laden e de sua rede, assim como o Egito. É o que eles pretendem derrubar, o que denominam de governos não-islâmicos do Egito, Arábia Saudita e de outros países do Oriente Médio e do Norte da África. E a coisa continuou. Em 1997, eles assassinaram brutalmente sessenta turistas no Egito, destruindo a indústria do turismo do país. E têm promovido ações por toda a região, além de se estenderem para o Norte e o Leste da África, o Oriente Médio, os Bálcãs, a Ásia Central, o Oeste da China, o Sudeste da Ásia e os EUA - isso há anos. Sempre o mesmo grupo. E tudo isso é um desmembramento das guerras dos anos 1980, e, se dermos crédito a Brzezinski, o processo começou anteriormente, ao ser armada a "arapuca afegã". Além do mais, como é notório a quem alimentam de uma reserva de desespero, raiva e frustração que atinge ricos e pobres, desde a sociedade secular até os islâmicos radicais. Tudo isso tem raízes, em larga medida, nas políticas americanas, como se torna evidente e é expresso com bastante freqüência por aqueles que desejam dar atenção aos fatos. Você disse que os principais adeptos do terrorismo são países como os EUA, que usam a violência por motivos políticos. Quando e onde? Trata-se de uma questão desconcertante. Como já disse em outras ocasiões, os EUA são o único país que já foi condenado pela Corte Mundial por terrorismo internacional - ou por "uso ilegal da força" com objetivos políticos -, e a sentença ordenou-lhes que pusessem fim a tal prática criminosa e pagassem substanciais reparações por conta dela. Os EUA, é claro, não levaram em consideração o julgamento da Corte Mundial e chegaram mesmo a desdenhá-lo, reagindo com um recrudescimento da escalada de terrorismo contra a Nicarágua e vetando a resolução do Conselho de Segurança que conclamava todos os Estados a obedecer às leis internacionais (foi voto isolado, junto com Israel e, em determinada circunstância, com El Salvador, contra uma resolução semelhante da Assembléia-Geral). A guerra terrorista se expandiu, em consonância com a política oficial de atacar "alvos sofi" - civis indefesos, como, por exemplo, cooperativas agrícolas e postos de saúde -, em vez de enfrentar o exército nicaraguense. Os terroristas só foram capazes de executar sua missão graças ao completo controle do espaço aéreo nicaraguense pelos EUA e pelos avançados recursos de comunicação fornecidos a eles por seus supervisores. Deve-se deixar claro também que essas ações terroristas foram amplamente aprovadas. Um proeminente comentarista, Michael Kinsley, no extremo liberal da principal corrente de opiniões, afirmou que deveríamos não apenas descartar as justificativas do Departamento de Estado para os ataques terroristas a "alvos soft"; ele escreveu que "uma política mais sensível" deve "defrontar-se com o teste da análise custo-benefício", uma análise "do montante de sangue e sofrimento que custará contra a possibilidade de que a democracia possa emergir no final" - "democracia" como os EUA entendem o termo, uma interpretação exemplificada com enorme clareza na região. Não se questiona o direito de as elites americanas conduzirem tal análise e prosseguirem com seu projeto, caso suas atitudes sejam aprovadas nos testes. Ainda mais dramática foi a idéia de que a Nicarágua ter o direito de defender-se ser considerada ultrajante por todo o principal espectro do pensamento político nos EUA. Estes pressionaram seus aliados para que interrompessem o fornecimento de armas à Nicarágua, ansiando por que o país se aproximasse da Rússia, como de fato aconteceu, já que com isso teriam em mãos uma imagem conveniente em termos propagandísticos. A administração Reagan, repetidamente, lançou rumores de que a Nicarágua estaria recebendo aviões a jato da Rússia - para proteger seu espaço aéreo, como era de conhecimento público, e para prevenir-se contra os ataques terroristas dos EUA contra "alvos soft". Os rumores eram falsos, mas a reação foi bastante instrutiva. Os conciliadores questionaram tais rumores, mas dizendo que, se fossem verdadeiros, é claro que deveríamos bombardear a Nicarágua, porque o país se tornaria uma ameaça a nossa segurança. Pesquisas de dados informatizados mostraram que sequer foi insinuado o direito de a Nicarágua se defender. Isso comprova o grau de enraizamento da "cultura do terrorismo", que prevalece na civilização ocidental. E este não é em absoluto o exemplo mais extremado. Eu o menciono porque não pode haver controvérsias a respeito, dada a decisão da Corte Mundial, e porque os inúteis esforços da Nicarágua de se valer dos meios legais, em vez de soltar bombas em Washington, proporcionam um modelo de ação para a situação atual não sendo o único. A Nicarágua era apenas uma peça da guerra terrorista promovida por Washington na América Central, naquela década terrível, e que deixou como resultado centenas de milhares de mortos e quatro países arruinados. Na mesma época, os EUA estavam promovendo uma guerra terrorista em larga escala em outros lugares do mundo, inclusive no Oriente Médio. Para citar apenas um exemplo, o carro-bomba em Beirute, em 1985, estacionado do lado de fora de uma mesquita e com o timer ajustado para explodir no momento em que mataria o maior número de civis, redundou em 80 mortos e 250 feridos. O alvo era um xeique muçulmano, que escapou ileso. Os EUA, igualmente, apoiaram terror ainda mais hediondo: por exemplo, a invasão do Líbano, promovida por Israel, que matou algo em torno de 18 mil civis entre libaneses e palestinos, e que não teve nada a ver com autodefesa, como no próprio ato foi reconhecido. E ainda as cruéis atrocidades do "punho de ferro", realizadas nos anos que se seguiram, todas dirigidas contra "vilarejos terroristas", de acordo com Israel. E também as subseqüentes invasões de 1993 e 1996, ambas contando com forte apoio dos EUA (até a reação internacional ao massacre de Qana, em 1996, que forçou Clinton a recuar). O número de vítimas somente no Líbano, posterior a 1982, provavelmente acrescentaria outros 20 mil civis. Nos anos 1990, os EUA forneceram 80% das armas que a Turquia utilizou para esmagar a insurreição dos curdos, no Sudeste de seu território, matando dezenas de milhares de pessoas e deixando entre 2 e 3 milhões de desabrigados, além de 3.500 vilas destruídas (7 vezes o que ocorreu em Kosovo, com o bombardeio da OTAN), uma guerra na qual foram cometidos todos os tipos de atrocidades. As armas continuaram a chegar fartamente em 1984, quando a Turquia desencadeou seu ataque terrorista e somente começaram a declinar, aproximando-se dos níveis anteriores, por volta de 1999, quando as atrocidades já haviam atingido o seu objetivo. Então, em 1999, a Turquia perdeu o posto de maior destinatário das armas americanas (junto com Israel e Egito) para a Colômbia, país onde mais se violaram os direitos humanos em todo o Hemisfério, nos anos 1990, mas, ainda assim, o líder, por larga margem, entre os que recebem armas e treinamento militar dos EUA, seguindo um padrão constante. No Timor Leste, os EUA (e a Inglaterra) continuaram apoiando os agressores indonésios, que já haviam dizimado um terço da população graças à crucial ajuda americana. O fornecimento de armas prosseguiu até as atrocidades ocorridas em 1999, com milhares de pessoas assassinadas, mesmo antes do ataque final, em setembro, que expulsou de suas casas 85% da população e destruiu 70% do país - enquanto a administração Clinton alegava que a situação era da "responsabilidade do governo da Indonésia, e não podemos tirar esta responsabilidade deles". E isso se deu em 8 de setembro, bem depois das atrocidades de setembro terem sido relatadas. Mas, nessa época, Clinton já estava submetido a enorme pressão no sentido de fazer qualquer coisa que diminuísse o ritmo dessas atrocidades, pressão essa provenientes principalmente da Austrália, mas também do próprio povo norte-americano. Alguns dias mais tarde, a administração Clinton comunicou aos generais indonésios que a brincadeira havia terminado. Eles instantaneamente mudaram de curso. Até então, vinham insistindo convictamente que nunca deixariam o Timor Leste, e haviam chegado de fato a instalar defesas na parte indonésia, o Timor Oeste (usando aviões a jato que a Inglaterra continuava a enviar), para afastar a ameaça de uma intervenção com uso da força. Quando Clinton deu a ordem, mudaram radicalmente a postura, anunciando que iriam se retirar e permitindo que as forças de paz da ONU, comandadas pela Austrália, entrassem no país sem nenhuma resistência das suas forças armadas. O curso dos fatos mostra de maneira bastante minuciosa o poder latente sempre à disposição de Washington, e que poderia ter sido usado para impedir 25 anos de genocídio virtual, culminando numa nova onda de atrocidades desde o início de 1999. Em vez disso, sucessivas administrações dos Estados Unidos, com a adesão da Inglaterra e de outros países, quando as atrocidades começaram, preferiram prestar apoio de peso, tanto militar quanto diplomático, aos assassinos - ao "tipo de cara de que eu gosto", como a administração Clinton descreveu o carniceiro presidente Suharto. Esses feitos, tão dramáticos que falam por si, identificam sem sombra de dúvida o Jsaxr principal da responsabilidade por esses 25 anos de crimes terríveis - que, na verdade, prosseguem em hediondos campos de refugiados no lado indonésio, o Timor Oeste. Podemos igualmente aprender bastante sobre a civilização ocidental no momento em que este vergonhoso episódio é alardeado como prova de nossa recente dedicação à "intervenção humanitária" e uma justificativa para a OTAN bombardear a Sérvia. Já mencionei a devastação da sociedade civil iraquiana, com cerca de 1 milhão de mortos, mais da metade composta de crianças pequenas, de acordo com relatos que simplesmente não podem ser ignorados. Mas se trata apenas de uma ínfima amostra. Francamente, estou surpreso com o fato de essa questão poder ser levantada - particularmente na França, que fez sua contribuição própria para o estado de terror e violência, de conhecimento público. Há uma unanimidade nas reações dos EUA? Você com-partilha dessa unanimidade, parcial ou totalmente? Se você se refere à reação de indignação quanto ao atentado, criminoso e hediondo, e à solidariedade em relação às vítimas, então temos uma reação virtualmente unânime, e isso em todos os lugares do mundo, inclusive em países muçulmanos. Claro que toda pessoa lúcida compartilha totalmente desse sentimento, e não "em parte". Agora, se está se referindo ao apelo para uma retaliação assassina, que, com toda a certeza, matará inúmeros inocentes - e, aliás, irá atender às preces mais fervorosas de bin Laden -, então essa "reação unânime" não existe, a despeito da impressão superficial que se possa ter a partir dos noticiários de TV. Quanto a mim, alinho-me com uma enormidade de pessoas que se opõem a tais ações. Uma enormidade de pessoas. Ninguém pode dizer qual é o sentimento da maioria; trata-se de algo por demais difuso e complexo. Mas "unanimidade"? Não, com toda a certeza, exceto quanto à natureza do crime cometido. Você condena o terrorismo? Como poderemos determinar quando um ato é terrorismo e quando é um ato de resistência contra um tirano ou uma força de ocupação? Em qual categoria você classifica os recentes atentados contra os EUA? Entendo o termo "terrorismo" exatamente no sentido definido nos documentos oficiais dos EUA: "o uso calculado da violência ou da ameaça de violência para atingir objetivos políticos, religiosos ou ideológicos, em sua essência, sendo isso feito por meio de intimidação, coerção ou instilação do medo". De acordo com essa definição - aliás, inteiramente apropriada -, os recentes atentados contra os EUA foram, sem dúvida, um ato de terrorismo; de fato, um horrendo crime terrorista. Dificilmente iremos encontrar qualquer divergência quanto a isso, em todo o mundo, e nem deveria haver nenhuma, realmente. Mas, junto com o significado literal do termo e da citação pura e simples dos documentos oficiais americanos, também há um uso propagandístico, que desafortunadamente é a definição padrão: o termo "terrorismo" é usado para designar atos terroristas cometidos por inimigos contra nós ou nossos aliados. Este uso para efeitos de propaganda é praticamente universal. Todos "condenam o terrorismo", neste sentido do termo. Até mesmo os nazistas condenaram duramente o terrorismo e promoveram atos que chamavam de "contraterroris-mo" contra os partisans terroristas. Os EUA, basicamente, concordam com tal postura, já que organizaram e coordenaram um "contraterroris-mo" similar na Grécia e em outros lugares nos anos pós-guerra. Além disso, os programas antiinsurrecionais dos EUA são derivados, de modo bastante explícito, do modelo nazista, que foi tratado com toda a consideração: oficiais da Wehrmacht foram consultados, e seus manuais, utilizados, ao se delinearem esses programas antiinsurrecionais, disseminados por todo o mundo, denominados caracteristicamente de "contraterrorismo", assunto estudado, meticulosamente, num importante trabalho de Michael McClintock. Estabelecidas essas convenções, as mesmas pessoas e seus atos podem ter sua denominação mudada da categoria de "terroristas" para a de "defensores da liberdade" e, de novo, para "terroristas". Isso tem acontecido bem perto da Grécia. A KLA-UCK foi oficialmente condenada pelos EUA como "terrorista" em 1998, por conta de seus ataques contra a polícia sérvia e civis, num esforço de deflagrar uma resposta brutal e desproporcional da Sérvia, como declarou abertamente. Ainda em janeiro de 1999, os ingleses - os membros mais destemperados na defesa da via belicista nessa questão na OTAN - acreditavam que a KLA-UCK fosse responsável por um número de mortes maior do que a Sérvia, o que é difícil de acreditar, mas pelo menos nos diz alguma coisa sobre a percepção dos fatos na mais alta cúpula da OTAN. Se é possível dar crédito à fartíssima documentação produzida pelo Departamento de Estado, pela OTAN, pela OSCE1 e por outras fontes ocidentais, nada de substancial mudou até a retirada dos monitores KVM e o bombardeio, em março de 1999. Mas a política mudou: os EUA e a Grã-Bretanha decidiram desfechar um ataque sobre a Sérvia, e os "terroristas" tornaram-se imediatamente "defensores da liberdade". Depois da guerra, os "defensores da liberdade" e seus associados mais próximos tornaram-se de novo "terroristas", "bandidos" e "assassinos", quando promoveram o que, do seu ponto de vista, seriam atos similares, e por razões também similares, na Macedónia, uma aliada dos EUA. Todos condenam o terrorismo, mas temos de nos perguntar o que ele significa. Todos podem esclarecer suas dúvidas sobre a minha compreensão do assunto em muitos artigos e livros que já escrevi sobre o terrorismo nas últimas décadas, embora eu use o termo em seu sentido literal e, portanto, condene todas as ações terroristas, e não apenas aquelas que são assim chamadas por razões propagandísticas. O islã é tão perigoso assim para a civilização ocidental? Será que o modo de vida ocidental constitui uma ameaça para a espécie humana? A questão é tanto ampla quanto vaga demais para que eu possa respondê-la. No entanto, deve ficar claro que os EUA não encaram o islã como um inimigo, ou vice-versa. Quanto ao "modo de vida ocidental", isso inclui uma enorme variedade de elementos, muitos deles admiráveis, muitos adotados com entusiasmo pelo mundo islâmico, e muitos criminosos e até mesmo constituindo uma ameaça à sobrevivência da espécie humana. No que se refere à "civilização ocidental", talvez precisemos levar em consideração as palavras atribuídas a Gandhi. Quando perguntado a respeito do que achava da "civilização ocidental", ele respondeu que poderia ser uma boa idéia. Quer ele seja silenciado por encarceramento ou morte, sua voz continuará ressoando, em dezenas de milhares de fitas cassete que já estão circulando por todo o islã, e em muitas entrevistas, inclusive dadas em setembro último. Uma invasão que viesse a matar afegãos inocentes seria, no final das contas, uma convocação de novos recrutas para a medonha causa de bin Laden e sua rede, e de outras figuras graduadas das forças terroristas organizadas pela CIA e seus associados vinte anos atrás, com o objetivo de lutar uma guerra santa contra os russos, simultaneamente atendendo a suas próprias prioridades. A mensagem, aparentemente, alcançou a administração Bush, que decidiu - sabiamente, do ponto de vista deles - seguir um outro caminho. No entanto, "moderação" me parece uma palavra questionável. Em 16 de setembro, o New York Times noticiou que "Washington também exigiu (do Paquistão) a suspensão do envio de suprimentos de combustível... e a eliminação dos comboios de caminhões que atualmente fornecem a maior parte da comida e de outros suprimentos à população civil do Afeganistão". É digno de nota que a matéria não tenha detectado nenhuma reação de monta no Ocidente, uma assustadora lembrança sobre a natureza da civilização ocidental, que tantos líderes e intelectuais clamam que deva ser sustentada. Em poucos dias, as exigências foram atendidas. Em 27 de setembro, o mesmo correspondente informou que as autoridades paquistanesas "declararam hoje que não iriam reconsiderar sua decisão de fechar a fronteira de mais de dois mil quilômetros de extensão com o Afeganistão, mais uma medida exigida pela administração Bush, porque, nas palavras dessas autoridades, queriam se certificar de que nenhum dos homens do senhor bin Laden estaria se escondendo entre a enorme vaga de refugiados" (John Burns, Isla-mabad). "A ameaça de ataque por forças militares forçou a remoção de funcionários do auxílio internacional, mutilando os programas de assistência; refugiados chegando ao Paquistão "depois de uma árdua jornada desde o Afeganistão descrevem cenas de desespero e medo em sua terra, enquanto a ameaça de ataques liderados pelos americanos transformam seu sofrimento, que já vem durando tanto tempo, numa catástrofe em potencial" (Douglas Frantz, New York Times, 30 de setembro). "O país está equilibrado num fio tênue", declarou um voluntário, "e acabamos de cortar o fio" (John Sifton, New York Times Magazine, 30 de setembro). Segundo o maior jornal do mundo, então, Washington agiu de imediato para assegurar a morte e o sofrimento de um imenso número de afegãos, milhões deles já à beira da inanição. Este é o significado das palavras da citação que acabei de fazer, assim como de muitas outras semelhantes. Inúmeras pessoas afligidas pela miséria estão debandando em direção à fronteira, aterrorizadas, depois que Washington ameaçou bombardear o frangalho de existência que subsiste no Afeganistão e converter a Aliança do Norte numa força militar armada com equipamento pesado. Com toda a razão, elas temem que, se essas forças forem atiçadas, e agora enormemente fortalecidas, poderão retomar o ciclo de atrocidades que despedaçou o país e levou muitos setores da população a dar as boas-vindas ao Talibã, quando este expulsou as facções envolvidas numa luta homicida, que agora tanto Washington quanto Moscou têm esperanças de explorar com propósitos próprios. O histórico é apavorante. O diretor-executivo da divisão de armamentos da Human Rights Watch, Joost Hiltermann, especialista em Oriente Médio, classifica o período em que essas forças controlaram o Afeganistão, entre 1992 e 1995, "como o pior da história do país". Grupos de defesa dos direitos humanos relatam que as facções em guerra mataram dezenas de milhares de civis, além de praticar o estupro em massa e outras atrocidades. E continuaram fazendo a mesma coisa, mesmo depois de expulsos pelo Talibã. Para dar um exemplo, em 1997 eles mataram três mil prisioneiros de guerra, de acordo com o HKW, além de promover a limpeza étnica em áreas suspeitas de simpatizarem com o Talibã, deixando um rastro de vilas incendiadas (veja, entre outros, Charles Sennott, Boston Globe, 6 de outubro). Temos todas as razões para supor que o terror do Talibã, terrível por si só, aumentou enormemente em resposta às mesmas expectativas que provocaram a enorme leva de refugiados. Quando chegarem às fronteiras fechadas, estarão presos numa armadilha, condenados a morrer em silêncio. Somente um fio de água nascente pode passar por aquelas trilhas remotas no alto das montanhas. Quantos já morreram tentando, jamais descobriremos. Em poucas semanas, eles estarão em meio a um rigoroso inverno. Há alguns jornalistas e voluntários nos campos de refugiados no outro lado da fronteira. O que eles descrevem é tenebroso, mas eles sabem, e nós também, que aqueles que estão nesses campos são vistos como os que tiveram sorte, os poucos que puderam escapar - e que expressam a esperança de que "mesmo os cruéis americanos acabem sentindo alguma piedade pelo nosso pobre país arrasado", enquanto amargam esse silencioso genocídio (Boston Globe, 27 de setembro, p. 1). O World Food Program da ONU conseguiu transportar centenas de toneladas de alimentos para o Afeganistão no começo de outubro. No entanto, as estimativas dão conta de que isso daria para cobrir 15% das necessidades do país depois da retirada das equipes internacionais e da interrupção de três semanas nas entregas de suprimentos, depois de 11 de setembro. No entanto, o WFP anunciou que suspenderia os comboios de alimentos e toda a distribuição de comida por seu pessoal local em função dos ataques aéreos de 7 de outubro. "As cenas de pesadelo em que um milhão e meio de pessoas sofrem com os ataques aéreos leva ao cancelamento do esforço de auxílio", "Funcionários das organizações de auxílio se retiram diante da combinação de cargas despejadas pelos aviões e ataques aéreos", Financial Times, 9 de outubro, depois de ouvir a Oxfam, Médicos sem Fronteiras, Christian Aid, Save the Children Fund e funcionários da ONU). Agências de auxílio mostravam-se "sarcásticas e críticas quanto às cargas despejadas dos aviões à noite". "Daria na mesma se despejassem apenas folhetos", comentou um funcionário inglês de uma agência de auxílio, referindo-se aos pacotes de folhetos contendo mensagens de propaganda. "Os funcionários do WFP declaram que (as cargas despejadas de aviões) só seriam eficientes, caso houvesse funcionários no solo para recolher a comida e distribuí-la", e isso "precisaria ser feito à luz do dia", depois de uma divulgação apropriada ("Muitas suspeitas em torno das cargas despejadas pelos aviões americanos", Financial Times, 10 de outubro). Se essas reações são acuradas, então o efeito imediato dos bombardeios e das cargas despejadas pelos aviões que os acompanharam foi, na verdade, reduzir substancialmente os suprimentos de comida disponíveis à população faminta, pelo menos a curto prazo, e isso sem contar o fato de ter trazido as "cenas de pesadelo" mais para perto. Podemos apenas esperar que a tortura termine antes que nossos piores receios se tornem realidade e que a suspensão da entrega de alimentos, desesperadamente necessária, seja breve. Não é fácil ser otimista a este respeito, considerando as atitudes que vêm sendo tomadas. Por exemplo, uma matéria do New York Times, numa página interna, menciona casualmente que "pela aritmética da ONU, logo haverá 7,5 milhões de afegãos em aguda necessidade de um pedaço de pão que seja... e com as bombas continuando a cair", e as entregas por meio de caminhões (a única ajuda efetiva) foram reduzidas pela metade. Estando o país a apenas algumas semanas de um rigoroso inverno, isso reduz ainda mais drasticamente a possibilidade de entrega de alimentos (Barry Bearak, 15 de outubro, B8). Os prognósticos não são fornecidos, mas não é difícil imaginá-los. Aconteça o que acontecer, o fato de que isso apareça aqui como uma suposição sem maiores preocupações tanto do planejamento de ação, quanto dos relatos sobre ela, dispensa comentários. Deveríamos também ter em mente que, desde os primeiros dias depois dos atentados de 11 de setembro, nada aconteceu que pudesse interromper as cargas de alimentos maciçamente despejadas dos aviões sobre as populações aprisionadas no interior do país, as quais, insisto, estão sendo, desse modo, cruelmente torturadas; nem, aparentemente, a entrega de cargas com quantidades ainda maiores, por meio de caminhões, como demonstrou o esforço da ONU antes de ser suspenso. Seja qual for a política adotada daqui para a frente, já ocorreu uma catástrofe humanitária, embora o pior esteja para vir. Talvez a melhor descrição tenha sido dada pela maravilhosa e corajosa escritora, e ativista política indiana Arundhati Roy, referindo-se à Operação Justiça Infinita, proclamada pela administração Bush: "Testemunhem a infinita justiça do novo século. Civis morrendo de fome enquanto esperam para ser mortos." (Guardian, 29 de setembro) Sua opinião não perde força pelo fato de os especialistas da administração em relações públicas terem se dado conta de que a expressão "justiça infinita", sugerindo uma auto-imagem de divindade, foi mais um erro de propaganda, assim como a "cruzada". Por isso, essa expressão foi mudada mais tarde para "liberdade duradoura"- à luz dos registros históricos, uma expressão que dispensa comentários. A ONU informou que a ameaça de morte em massa por inanição no Afeganistão é enorme. Mas a crítica internacional a esse respeito cresceu bastante e agora os EUA e a Inglaterra discutem acerca da possibilidade de fornecer auxílio sob a forma de comida para debelar a fome. Será que eles estão realmente divergindo ou isso não passa de encenação? Quais seriam as motivações em jogo? Quais seriam a dimensão e o impacto de seus esforços? As Nações Unidas estimam que algo em torno de 7 a 8 milhões de pessoas estejam em risco de morrer de fome. O New York Times informa numa pequena nota (25 de setembro) que perto de seis milhões de afegãos dependem da ajuda de alimentos da ONU, assim como 3,5 milhões, nos campos de refugiados fora do país, alguns dos quais conseguiram escapar pouco antes de a fronteira ser fechada. A nota informava que uma pequena quantidade de comida está sendo enviada para os campos fora do Afeganistão. Estrategistas e pessoas encarregadas de relatar o andamento do processo com certeza se dão conta de que devem fazer alguma coisa a respeito se desejam apresentar-se como pessoas humanitárias, em busca de uma solução para evitar a terrível tragédia que se desencadeou como conseqüência direta da ameaça de bombardeio e ataque militar, e do fechamento das fronteiras que eles próprios exigiram. "Especialistas insistem em que os EUA devem melhorar sua imagem aumentando o auxílio aos refugiados afegãos, assim como ajudando a reconstruir a economia." (Christian Science Mo-nitory 28 de setembro) Mesmo sem especialistas em relações públicas para lhes dar orientação, os funcionários da administração devem compreender que precisam mandar algum alimento para os refugiados que conseguiram atravessar a fronteira e, pelo menos, sinalizar algo no sentido de fornecer comida para a população faminta que está no país, tanto com o objetivo de "salvar vidas" como porque isso iria "ajudar no esforço de encontrar os grupos terroristas que estão no interior do Afeganistão" (Boston Globe, 27 de setembro, citando um funcionário do Pentágono que descreve tal ação como "ganhar os corações e as mentes da população"). Os editores do New York Times se ativeram ao mesmo tema no dia seguinte, 12 dias depois de o jornal informar que a operação assassina estava sendo posta em prática. Quanto à dimensão da ajuda, devemos apenas esperar que seja enorme, ou a tragédia humana será indescritível em poucas semanas. Se o governo for sensível, pelo menos haverá um espetáculo de "cargas despejadas por aviões em massa", que os funcionários mencionam, mas ainda não efetivaram, até hoje, 30 de setembro E não foi por falta de recursos. As instituições legais internacionais ratificariam os esforços para prender e julgar bin Laden e outros terroristas, inclusive com o uso da força, pressupondo que a culpa deles poderia ser provada. Por que os EUA evitam recorrer a essas instituições? Seria apenas uma questão de recusar-se a legitimar um procedimento que poderia ser usado contra nossos atos de terrorismo ou há outros fatores em jogo? Grande parte do mundo está pedindo aos EUA que apresente provas que liguem bin Laden ao crime cometido. Se tais provas puderem ser apresentadas, não seria difícil arrolar um enorme esforço de apoio internacional, sob a rubrica da ONU, para aprisionar e julgar bin Laden e seus colaboradores. Não é impossível que isso chegue a ser feito por meios diplomáticos, como o Talibã vem indicando de vários modos, embora esses movimentos estejam sendo descartados desdenhosamente em favor do uso puro e simples da força. Ocorre que fornecer provas que mereçam crédito não é nada fácil. Mesmo que bin Laden e sua rede estejam envolvidos no crime de 11 de setembro, pode ser muito difícil levantar provas irrefutáveis a esse respeito. E, ao que saibamos, a maioria dos responsáveis matou-se ao cumprir sua medonha missão. A dificuldade de fornecer provas que mereçam crédito foi evidenciada em 5 de outubro, quando o primeiro-ministro Tony Blair proclamou, com grande fanfarra, que "agora já não há nenhuma dúvida" quanto à responsabilidade de bin Laden e do Talibã, liberando documentos levantados a partir do que deve ter sido o mais intenso esforço investigativo da história, combinando recursos de todas as agências de inteligência do Ocidente e muitas outras. Apesar da plausibilidade da acusação à primeira vista e do esforço sem precedentes para comprová-la, a documentação é surpreendentemente escassa. Apenas uma pequena fração dela se refere aos crimes de 11 de setembro, e mesmo essa pequena porção não seria levada a sério se apresentada como prova de uma acusação contra um Estado ocidental criminoso ou seus clientes. O Wall Street Journal, com bastante acuidade, descreveu os documentos como "mais uma acusação do que provas detalhadas", relegando o relatório a uma simples página interna. O Journal, com a mesma acuidade, destaca que isso não tem importância e cita um funcionário sênior da ONU, que diz: "O processo criminal é irrelevante. O plano é varrer fora o senhor bin Laden e sua organização." A razão do documento é permitir a Blair, Secretário-Geral da OTAN, e a outros que assegurem ao mundo que a prova é "clara e inquestionável". É difícil acreditar que o caso apresentado convença o povo do Oriente Médio, como imediatamente noticiou Robert Fisk, ou a outros que saibam enxergar as manchetes. Os governos e suas organizações, entretanto, têm suas razões próprias para cerrar fileiras. Alguém pode perguntar por que os especialistas em propaganda de Washington decidiram que Blair é que deveria apresentar o caso: talvez para ter na reserva a imagem de que provas altamente confiáveis estariam sendo mantidas em segredo "por motivo de segurança" ou na esperança de que ele teria um bom desempenho imitando algumas poses de Churchill. No fundo da questão existem alguns campos minados que os estrategistas devem atravessar pisando com extremo cuidado. Para de novo citar Arundhati Roy: "A resposta do Talibã à exigência dos EUA de extraditar bin Laden soou surpreendentemente razoável - apresente as provas, que o entregaremos. Já a réplica do presidente Bush foi que a exigência era inegociável." A escritora acrescenta ainda mais uma razão, entre as muitas pelas quais essa linha de conduta seria inaceitável para Washington: "Enquanto se conversa sobre a extradição de CEOs, não poderia a índia colocar como uma reivindicação correlata a extradição de Warren Anderson dos EUA? Ele foi nada menos que o presidente da Union Carbide, responsável pelo vazamento de gás em Bhopal, que matou 16 mil pessoas, em 1984. Nós inclusive já reunimos todas as provas necessárias. Poderiam, por gentileza, entregá-lo a nós?" Não precisamos inventar exemplos. O governo do Haiti pediu, em determinada ocasião, a extradição de Emmanuel Constant, um dos mais brutais líderes paramilitares que atuava no país durante a primeira administração Bush e depois a administração Clinton, contrariando muitas ilusões, emprestavam tácito apoio ao poder exercido pela junta e seus ricos representados. Constant foi julgado à revelia no Haiti e sentenciado à prisão perpétua, pelo papel que desempenhou nos massacres. Mas foi extraditado? Será que a questão levantou algum tipo de preocupação na tendência da opinião predominante? Só para não deixar dúvida, houve boas razões para a resposta negativa: a extradição levaria à revelação de ligações que poderiam embaraçar Washington. E além disso ele foi uma das lideranças no massacre de aproximadamente 5.000 pessoas - em termos proporcionais entre as duas populações, o número equivaleria a algumas centenas de milhares de pessoas nos EUA. Tais observações suscitaram frenéticos acessos de raiva na periferia da opinião pública ocidental, alguns dos quais chamados de "a esquerda". Mas, para os ocidentais que mantiveram sua sanidade e integridade, e para muitas das tradicionais vítimas, foram significativas e bastante instrutivas. Os chefes de governo, presumivelmente, entendem isso. O exemplo isolado citado por Roy é apenas o começo, é claro, e um dos menores exemplos, não apenas pela dimensão da atrocidade, mas também porque não se de um crime de estado, vamos supor que o Irã requisitasse a extradição dos altos funcionários das administrações Cárter e Reagan, recusando-se a apresentar as provas mais consistentes possíveis quanto aos crimes que vinham implementando - provas essas que sem dúvida existem. Ou vamos supor que a Nicarágua viesse a exigir a extradição do recém-no-meado embaixador na ONU, um homem cuja vida apresenta registros que incluem serviços como "procônsul" (como era freqüentemente chamado) no feudo de Honduras, onde, com toda a certeza, tinha conhecimento das atrocidades dos terroristas de Estado que financiava; e, um dado ainda mais importante, estava entre suas atribuições a supervisão da guerra terrorista contra a Nicarágua, deflagrada a partir de bases em Honduras. Será que os EUA concordariam em extraditá-lo? Ou o pedido seria até mesmo ridicularizado? Isso é apenas a ponta do iceberg. Aí está uma porta que é melhor deixar fechada, assim como é sempre melhor manter o impressionante silêncio que reina desde que foi indicada, pelas mais altas entidades internacionais, uma das maiores lideranças na orquestração das operações condenadas como terrorismo, para liderar uma "guerra contra o terrorismo". Até mesmo Jonathan Swift ficaria sem fala. Esta pode ser a razão pela qual os especialistas em propaganda desta administração preferem o ambíguo termo "guerra" ao mais específico "crime" - "crime contra a Humanidade", como Robert Fisk, Mary Ro-binson e outros, mais acuradamente, o denominaram. Se o Talibã for derrubado e bin Laden, ou alguém que assuma a responsabilidade pelos atentados, for capturado ou morto, o que acontecerá a seguir? O que acontecerá com o Afeganistão? O que acontecerá, mais amplamente, nas demais regiões? Com a sua peculiar sensibilidade, o plano da administração será prosseguir em seu programa, já em curso, de silencioso genocídio, combinado com gestos humanitários que terão como objetivo levantar aplausos dos habituais coros dos contentes, que sempre são convocados a tecer louvores aos nobres líderes tão dedicados a "princípios e valores", como nunca outros existiram na História, e que estão levando o mundo a uma "nova era" de idealismo e compromisso com o "fim da desumanidade" em todo o planeta. A Turquia agora está muito satisfeita de se juntar a Washington nesta "Guerra contra o Terror". E mesmo de mandar tropas para combatê-lo. A razão, segundo declarou o primeiro-ministro Ecevit, é que a Turquia tem um "débito especial de gratidão" com os EUA, já que, diferentemente dos países europeus, Washington "apoiou Ancara em sua luta contra o terrorismo". Ele está se referindo à guerra de quinze anos cujo auge foi no final dos anos 1990, em função do auxílio americano, e que deixou um saldo de dezenas de milhares de mortos, 2 a 3 milhões de refugiados e 3.500 cidades e vilas destruídas (sete vezes o que aconteceu em Kosovo, sob o bombardeio da OTAN). A Turquia foi também generosamente louvada e premiada por Washington por juntar-se aos esforços humanitários de Kosovo, usando os mesmos F-16 fornecidos pelos EUA, que utilizou com tanta eficiência na sua própria limpeza étnica, tão cruel, e nas operações terroristas realizadas pelo Estado. A administração pode também tentar converter a Aliança do Norte numa força viável e introduzir no palco de guerra outros senhores da guerra hostis a ela, como o antigo favorito de Washington Gulbuddin Hekmatyar, hoje no Irã. É presumível que os comandos americanos e britânicos assumam algumas missões no interior do Afeganistão, acompanhadas de bombardeios seletivos, mas reduzidos, agora, de modo a não servir como motivação para que novos recrutas venham aderir à causa dos islâmicos radicais. As campanhas dos EUA não devem ser, displicentemente, comparadas à fracassada invasão promovida pela Rússia, nos anos 1980. Os russos estavam enfrentando um exército de peso, que contava, talvez, com 100 mil homens ou mais, organizados, treinados e altamente equipados pela CIA e seus associados. Já os EUA estão se defrontando com uma força em frangalhos, num país que já foi, na prática, destruído depois de vinte anos de terror, fato pelo qual não devemos sentir nem o menor vestígio de responsabilidade. As forças do Talibã, devido a suas características próprias, devem entrar em um rápido colapso, exceto um núcleo mais coeso, embora bastante pequeno. E é de se esperar que a população sobrevivente dê as boas-vindas a uma força invasora que não esteja visivelmente associada às gangues de assassinos que despedaçavam o país antes de o Talibã tomar o poder. Nesta altura, deve haver muita gente lá que daria as boas-vindas a Genghis Khan. E depois? Afegãos expatriados e, aparentemente, alguns elementos ainda no país e que não são parte do círculo mais próximo do Talibã têm apelado à ONU para que se desenvolva um esforço qualquer para a formação de um governo de transição, um processo que pode alcançar algum êxito no sentido de reconstruir qualquer coisa mais ou menos viável depois da ruína total, se lhes for fornecida uma substancial ajuda para a reconstrução, intermediada por forças independentes como a ONU ou ONGs confiáveis. Esse deveria ser o mínimo de responsabilidade a ser assumido por aqueles que tornaram esse país tão miserável numa terra de terror, desespero, cadáveres e vítimas mutiladas. E isso poderia acontecer, mas não sem um enorme esforço popular de pressão dentro das sociedades mais ricas e poderosas, já que, atualmente, qualquer curso dos acontecimentos que tenha este caráter foi descartado pela administração Bush, que já anunciou que não se engajará em qualquer "reconstrução nacional" - ou então, o que parece mais difícil (30 de setembro), poderia surgir um esforço que teria um caráter muito mais honroso e humano: o apoio substancial sem interferência, deixando a "reconstrução nacional" para outros que poderiam efetivamente ter algum sucesso nesse empreendimento. Ocorre que a atual recusa em considerar esse o rumo mais decente não é definitiva. O que acontecerá em outras regiões depende de fatores internos, de políticas praticadas por atores estrangeiros (principalmente os EUA, entre eles, por razões óbvias) e da maneira como a questão se desenvolverá no Afeganistão. Não se pode dizer nada com certeza, mas, entre os muitos caminhos possíveis, podemos contar com algumas estimativas razoáveis sobre os prováveis desfechos do processo em curso - mas há opções demais, a ponto de impedir qualquer tentativa de sumarizá-las em breves comentários. Para formar uma aliança internacional, os EUA de repente começaram a negociar com diferentes países do Oriente Médio, África e Ásia, oferecendo uma variedade de pacotes políticos, militares e monetários, em troca de apoio, sob diversas formas. Como esses movimentos súbitos podem estar afetando a dinâmica política dessas diferentes regiões? Washington está procurando se mover com todo o cuidado. Devemos sempre ter em mente o que está em jogo: a maior reserva de energia do mundo, principalmente na Arábia Saudita, mas espalhada por toda a região do Golfo, e em conexão com consideráveis reservas também na ÁsJa Central Embora seja uma questão menor, por muitos anos se discutiu a possibilidade de o Afeganistão ser usado como sítio de oleodutos que ajudariam os EUA a executar a complexa manobra de controlar as reservas da Ásia central. Ao norte do Afeganistão, os Estados nacionais são instáveis e violentos. O Uzbequistão é o mais importante deles. O país foi condenado pela Human Rights Watch por cometer sérias atrocidades e, atualmente, está enfrentando a sua insurreição islâmica doméstica. O Tadjiquistão é similar, e também o maior escoadouro do tráfico de drogas para a Europa, sendo bastante articulado com a Aliança do Norte, que controla grande parte da fronteira entre o Afeganistão e o Tadjiquistão, que por sinal se tornou o maior fornecedor de drogas, desde que o Talibã praticamente eliminou o plantio de papoulas. A debandada dos afegãos para o Norte pode provocar toda sorte de problemas internos. O Paquistão, que tem se constituído no principal suporte do Talibã, tem um movimento islâmico radical bastante forte. A reação dessa força é imprevisível e pode se tornar potencialmente perigosa, se o Paquistão for ostensivamente utilizado como uma base militar para as operações dos EUA no Afeganistão; e tem havido uma considerável preocupação quanto ao fato de o Paquistão possuir armas nucleares. Os militares paquistaneses, embora ansiosos por obter ajuda militar dos EUA (já prometida), estão ao mesmo tempo cautelosos, devido ao confuso passado de relações entre os dois países. Além disso, preocupa-se com a possibilidade de uma aliança de um Afeganistão hostil com sua inimiga do Leste, a índia. Não estão nada satisfeitos com o fato de a Aliança do Norte ser liderada por tadjiques, uzbeques e outras minorias afegãs hostis ao Paquistão e apoiadas pela índia, pelo Irã, pela Rússia e agora também pelos EUA. Na região do Golfo, mesmo grupos seculares e mais abastados se mostram ressentidos em relação à política americana e, com bastante freqüência, expressam apoio a bin Laden, a quem na verdade detestam, chamando-o de "a consciência do islã" (New York Times, 5 de outubro, citando um advogado de multinacionais internacionais, formado nos EUA). Um apoio muito discreto, porque se trata de países submetidos a regimes totalitários; um dos fatores atuantes para produzir esse ressentimento geral contra os EUA é o apoio que o governo americano dá a esses regimes. Um conflito interno poderia estaria, inclusive, promovendo, ela mesma, uma escalada de terror. As acusações de ambos os lados, infelizmente, estão profundamente corretas. Já houve várias guerras que tiveram a Caxemira como ponto de disputa, sendo a última em 1999, quando ambos os países já dispunham de armas nucleares, que por sorte foram mantidas à parte do conflito, embora se trate de uma circunstância sobre a qual não podemos ter garantias. A ameaça de uma guerra nuclear tende a persistir, caso os EUA insistam em programas de militarização do espaço (eufemisticamente chamados de "defesa anti-mísseis"). E isso inclui o apoio à expansão do armamento nuclear na China, com o objetivo de ganhar a aquiescência daquele país para tais programas. É presumível que a índia pretenda pôr-se de igual para igual em relação à China, em termos de expansão bélica, o que por conseqüência levará o Paquistão a desenvolver o mesmo esforço, conduzindo Israel ao mesmo processo. A capacidade nuclear desses países foi certa vez descrita pelo antigo chefe do Comando Estratégico dos EUA como "extremamente perigosa" e uma das principais ameaças sobre a região. "Volátil" é um termo apropriado. Mas pode ser algo ainda pior. Antes de 11 de setembro, a administração Busb vinha sendo severamente criticada por seu unilateralismo político: a recusa em assinar o Protocolo de Quioto, sobre a emissão de gases que possam agravar o efeito estufa; a intenção de violar o tratado ABM (Tratado sobre Mísseis Antibalísticos), visando militarizar o espaço com um programa de defesa antimísseis; o abandono da Conferencia de Durban, na África do Sul, sobre o racismo, e isso para citar apenas alguns exemplos recentes. Poderia o súbito esforço dos EUA para construir uma aliança deflagrar um novo multilateralismo no qual inesperados, mas positivos ataques palestinos - poderiam acontecer? É sempre bom lembrar que o "unilateralismo" de Bush era um prolongamento de uma prática padrão. Em 1993, Clinton informou às Nações Unidas que os EUA iriam - como antes - agir de modo "multilateral" quando possível, mas "unilateral" quando necessário, e foi exatamente o que fez. A posição foi reiterada pela embaixadora na ONU, Madeleine Albright, e, em, 1999, pelo Secretário de Defesa, William Cohen, que declarou que os EUA estão comprometidos com a necessidade de "um uso unilateral da força militar" para defender seus interesses vitais, o que inclui "acesso sem restrições a mercados-chave, suprimentos de energia e recursos estratégicos", e, na prática, qualquer coisa que Washington possa determinar que esteja sob sua jurisdição. No entanto, é verdade que Bush extrapolou esses limites, causando enorme ansiedade entre seus aliados. A necessidade atual de formar uma coalização pode atenuar a retórica, mas não deve provocar mudanças na política posta em prática. Dos membros da coalizão, espera-se que prestem apoio silencioso e obediente, nunca "participante." Explicitamente, reservam para si o direito de agir da maneira como achar melhor, e têm tido o cuidado de evitar recorrer, de modo significativo, a qualquer instituição internacional, como exige a lei. Há alguns pequenos movimentos de oposição, mas privados de qualquer credibilidade, e provavelmente os demais governos aceitarão curvar-se ao poder, como sempre fazem, cada qual por razões próprias. Não acredito que os palestinos ganhem coisa alguma. Pelo contrário, os ataques terroristas de 11 de setembro foram um terrível golpe contra eles, como os próprios palestinos, e também Israel, reconheceram de imediato. Desde 11 de setembro, o Secretário de Estado, Colin Powell, tem sinalizado que os EUA devem adotar uma nova postura em relação às reivindicações dos palestinos. Como você interpreta isso? Minha interpretação é exatamente a mesma das fontes oficiais e outras citadas no final de uma matéria de primeira página do New York Times, Eles acentuaram que Bush e Powell não alcançam sequer o nível das propostas de Clinton em Camp David, tão louvadas pelas tendências principais dos EUA, mas completamente inaceitáveis, e isso por razões discutidas em minúcias em Israel e em outros lugares, assim como qualquer um pode entendê-las, simplesmente consultando um mapa - sendo esta uma das razões, creio eu, pelas quais é tão difícil encontrar mapas por aqui, ao contrário do que acontece em outros lugares, inclusive em Israel. Qualquer um pode encontrar mais detalhes sobre este assunto em artigos publicados sobre Camp David, incluindo aí os meus próprios, e em ensaios na coleção organizada por Roane Carey, The New Intifada. O livre curso de informações é uma das primeiras vítimas, na prática, de qualquer guerra. A situação atual apresenta, de alguma maneira, uma exceção a isso? Em que aspectos? Restrições à livre informação em países como os EUA dificilmente têm suas origens no governo; o que mais acontece é a autocensura, e de um tipo bastante conhecido. A presente situação não é exceção a esse modelo, pelo menos em minha opinião. No entanto, existem alguns exemplos alarmantes dos esforços dos EUA para restringir o livre fluxo de informação no exterior. O mundo árabe conta com uma nova fonte, totalmente aberta, o canal via satélite de noticiários Al-Jazeera, no Qatar, cujo modelo é a BBC, com enorme audiência por todos os países de língua árabe. É a única fonte que não sofre censura e que transmite um enorme volume de importantes notícias, além de debates ao vivo e uma exposição ampla de opiniões - ampla o suficiente para incluir Colin Powell, poucos dias antes do 11 de setembro, e o primeiro-ministro de Israel, Barak (e a mim, mesmo que apenas para expressar uma determinada opinião). O Al-Jazeera é ainda "a única organização de noticias internacional a manter repórteres na parte do Afeganistão controlada pelo Talibã (Wall StreetJournal). Entre outros exemplos, foi o responsável pela filmagem da destruição das estátuas budistas, que, com toda a justiça, enfureceram o mundo inteiro. E também ofereceu longas entrevistas com bin Laden, que, tenho certeza, foram assistidas com toda a atenção pelas agências de inteligência no Ocidente e que são inestimáveis para os que desejam entender o que bin Laden pensa. As entrevistas foram traduzidas e retransmitidas pela BBC, e muitas delas depois de 11 de setembro. O Al-Jazeera é, naturalmente, desdenhado e temido pelas ditaduras da região, já que veicula abertamente os registros de violações aos direitos humanos cometidos por estas. Os EUA aderiram a esse "clube". A BBC informa que "os EUA não são os primeiros a se sentir 'ofendidos' pela cobertura do Al-Jazeera, que provocou recentemente reações de raiva da Argélia, Marrocos, Arábia Saudita, Kwait e Egito, por dar espaço no ar para dissidentes". O emir do Qatar confirmou que "Washington pediu ao país para intervir no canal de TV Al-Jazeera, que prima por sua influência junto à opinião pública e por sua independência", segundo a BBC. O emir, que também tem assento na Organização da Conferência Islâmica, composta de 56 países, informou à imprensa em Washington que o secretário de Estado Powell pressionou-o pessoalmente a intervir no Al-Jazeera "para persuadir o canal a diminuir o tom de sua cobertura", segundo notícia veiculada pelo Al-Jazeera. Perguntado sobre as matérias a respeito da censura exercida, o emir declarou: "É verdade. Recebemos tal pedido da parte da administração americana, assim como da administração anterior." (BBC, 4 de outubro, citando a Reuters) A única cobertura séria a que assisti a respeito de fatos tão importantes foi a do Wall Street Journal (5 de outubro), que também descreve a reação de intelectuais e estudiosos por todo o mundo árabe ("verdadeira consternação"). A matéria acrescenta, como o Journal já tinha feito, que para "muitos analistas árabes isso representa, no final das contas, uma demonstração do reincidente desrespeito de Washington aos direitos humanos nos países oficialmente pró-americanos, como a Arábia Saudita, o que só faz aumentar um crescente antiamericanismo". Foi também notável que as entrevistas de bin Laden e todas as matérias produzidas pelo Al-Jazeera disponíveis sobre o Afeganistão tenham sido muito pouco usadas nos EUA. Quando o Al-Jazeera veiculou uma fita de bin Laden que poderia ser muito útil para a propaganda no Ocidente, instantaneamente o material recebeu uma cobertura de primeira página, o que tornou o canal rapidamente famoso. O New York Times publicou uma matéria cuja manchete era: "Um Canal Árabe Dá Furos de Cobertura" (Elaine Sciolino, 9 de outubro). A reportagem elogiava o canal, chamando-o de "A CNN do mundo árabe, com 24 horas de notícias e programas sobre questões públicas que têm milhões de telespectadores". "A rede construiu uma reputação com seu trabalho inovador e independente que contrasta fortemente com outros canais de TV do mundo árabe" e "concentra-se em assuntos considerados subversivos na maioria dos países do mundo árabe: a ausência de instituições democráticas, a perseguição a dissidentes políticos e a desigualdade em relação às mulheres." A matéria acentua que "os formuladores da política americana têm tido problemas com a cobertura do Al-Jazeera" sobre bin Laden, incluindo aí suas entrevistas, e a "retórica antiamericana" dos analistas, dos convidados e com os programas que abrem espaço para responder aos "telefonemas dos telespectadores". E nada mais se menciona, embora tenha saído um editorial com um leve tom admoestatório no dia seguinte. Assim, é evidente que há barreiras ao livre fluxo de informações, mas não podem ser atribuídas à censura governamental ou a pressões, um fator bastante periférico nos EUA. Na sua opinião, qual deveria ser o papel desempenhado pelos ativistas preocupados com a justiça, em horas como estas? Deveríamos curvar nosso senso crítico, como tantos nos têm exigido, ou trata-se aqui de um momento, em vez disso, de esforços ampliados e renovados, não apenas por se tratar de uma crise em relação à qual podemos alcançar muita influência, mas também porque amplos setores do público, atualmente, andam mais receptivos do que o usual à discussão e ao aprofundamento, mesmo que sempre haja setores intransigentemente hostis? Isso depende dos objetivos desses ativistas sociais. Se o objetivo deles é provocar uma escalada de violência e aumentar a possibilidade de que venham a acontecer futuras atrocidades, como as de 11 de setembro - e, infelizmente, algumas muito piores, das quais o mundo também tem farto conhecimento -, então eles deveriam com toda certeza ceder em suas análises e refrear seu senso crítico, deveriam recusar-se a refletir a respeito e até mesmo romper seu engajamento em questões muito sérias nas quais têm se envolvido. O mesmo conselho pode muito bem servir se a intenção deles for ajudar os elementos mais reacionários e atrasados de nosso sistema de poder político-econômico a implementar planos que causarão grande prejuízo à população em geral do país, e em grande parte do mundo, podendo até mesmo ameaçar a sobrevivência humana. Se, ao contrário, o objetivo desses ativistas sociais for reduzir a possibilidade de futuras atrocidades e viabilizar as esperanças de liberdade, direitos humanos e democracia, então deveriam seguir um curso oposto. Deveriam intensificar os seus esforços para investigar os fatores de fundo e o retrospecto que está por trás deste e de outros crimes, e devotarem-se cada vez com mais energia para as causas nobres com as quais firmaram compromissos. Deveriam dar atenção quando o bispo da parte sul da Cidade do México, San Cristobal de las Casas, que, tendo junto a si tanta miséria e opressão, insta os norte-americanos a "refletir por que são tão odiados", uma vez que os EUA "geram tanta violência para proteger seus interesses econômicos"(Marion Lloyd, México City, Boston Globe, 30 de setembro). É certamente muito mais reconfortante escutar as palavras dos comentaristas liberais, que nos asseguram que "eles nos odeiam porque somos a vanguarda de uma 'nova ordem mundial' do capitalismo, do individualismo, do secularismo e da democracia, que deveriam imperar no mundo inteiro" (Ronald Steel, New York Times, 14 de setembro). Ou a Anthony Lewis, que nos assegura que a única relevância da política que praticamos no passado neste episódio "é que afeta negativamente a opinião pública no mundo árabe em relação à coalizão antiterror" (New York Times, 6 de outubro). O que fizemos, declara ele com toda a confiança, não teve relação nenhuma com os objetivos visados pelos terroristas. O que eles dizem é tão irrelevante, que pode ser ignorado, e podemos igualmente descartar a conformidade entre o que têm dito e seus atos concretos nestes vinte anos de terror - tudo dotado de bastante nitidez e fartamente relatado por jornalistas sérios e estudiosos. É uma verdade evidente, que não requer nem provas nem defesa, que os terroristas visam à "transformação violenta de um mundo irremediavelmente pecador e injusto" e apenas se colocam favoráveis a um "niilismo apocalíptico" (citando e ratificando Michael Ignatieff). Nem os objetivos que professam, nem seus atos e nem sequer a atitude geral da população da região, tão limpidamente articulada - mesmo no caso do Kuwait, onde há um altíssimo índice de postura pró-americana -, nada disso faz a menor diferença. Devemos, portanto, desconsiderar qualquer coisa que tenhamos feito como tendo remotamente provocado esses atentados. Sem dúvida, trata-se de uma posição mais reconfortante; contudo, jamais poderia ser considerada sábia, não se nos preocuparmos com o que está por trás dela. As oportunidades, sem dúvida, estão lá. O choque dos horrendos crimes já provocaram brechas entre os setores da elite, por onde se pode formular a reflexão, de um modo que seria difícil de imaginar, há algum tempo, e entre o público em geral isso se mostra ainda mais verdadeiro. Para falar apenas de minha experiência pessoal, deixando de lado as praticamente constantes entrevistas com a imprensa no rádio, TV e jornais, aqui, na Europa e em outros lugares, tenho encontrado um espaço inédito e consideravelmente maior, mesmo na grande imprensa nos EUA, e há outros que relatam experiência semelhante. Claro que haverá sempre aqueles que exigem um silêncio obediente. Esperamos sempre isso da ultradirei-ta, e todo aquele com alguma familiaridade com a História poderá esperar a mesma coisa de alguns intelectuais de esquerda, às vezes até de um modo ainda mais virulento. Mas é importante não nos intimidarmos com uma retórica histérica e com mentiras, e nos mantermos tão próximos quanto possível do curso da verdade, honestidade e preocupação com o aspecto humano de nossas ações ou omissões. Tudo isso são truísmos, mas é importante mantê-los em mente. Passando pelos truísmos, voltamo-nos para questões específicas, para questionamentos e para a ação. APÊNDICE A DEPARTAMENTO DE ESTADO Relatório sobre Organizações Terroristas Internacionais Divulgado pelo Escritório de Coordenação Antiterrorista 5 de outubro de 2001 HISTÓRICO O Secretário de Estado atribui a designação de Organizações Terroristas Internacionais (OTIs), após consulta à Promotoria-Geral e à Secretaria do Tesouro. Essas designações são adotadas em acordo com o Immigration and Nacionality Act, a partir da emenda feita pelo An-titerrorism and Effective Death Penalty Act, de 1996. As designações das OTIs são válidas por dois anos, após o que devem ser revistas; caso contrário, expiram automaticamente. A revisão depois de dois anos é uma medida obrigatória e representa a constatação feita pelo Secretário de Estado de que a organização continua engajada em atividades terroristas, enquadrando-se nessa categoria segundo critérios específicos previstos em lei. Em outubro de 1997, a Secretária de Estado Made-leine K. Albright aprovou a designação de 30 grupos como Organizações Terroristas Internacionais. Em outubro de 1999, a Secretária Albright confirmou tal designação para 27 desses grupos, mas autorizou a retirada de três organizações dessa lista, que não mais se encontravam engajadas em atividades terroristas, não se enquadrando mais nos critérios desta classificação. Em 1999, a Secretária Albright atribuiu a designação a uma nova OTI (Al-Qaeda) e mais uma em 2000 (Movimento Islâmico do Uzbequistão). O Secretário de Estado Colin L. Powell atribuiu a designação a duas novas OTIs (Real IRA e AUC) em 2001. Em outubro de 2001, o Secretário Powell confirmou a designação, prestes a expirar, de 26 das 28 OTIs, e reuniu dois grupos, anteriormente designados como separados, em um (Kahane Chai e Kach). Atual Lista de Organizações Terroristas Internacionais (em 5 de outubro de 2001) 1. Organização Abu Nidal (ANO) 2. Grupo Abu Sayyaf 3. Grupo Armado Islâmico (GIA) 4. Aum Shinrikyo 5. Exército Basco de Libertação (ETA) 6. Gama'a al-Islamiyya (Grupo Islâmico) 7. HAMAS (Movimento de Libertação Islâmica) 8. Harakat ul-Mujahidin (HUM) 9. Hezbollah (Partido de Deus) 10. Movimento Islâmico do Uzbequistão (IMU) 11. Al-Jihad (Jihad Islâmica Egípcia) 12. Kahane Chai (Kach) 13. Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) 14. Liberation Tigers of Tamil Eelam (LTTE) 15. Organização Mujahedin-e Khalq (MEK) 16. Exército de Libertação Nacional (ELN) 17. Jihad Islâmica Palestina (PIJ) 18. Frente de Libertação da Palestina (FLP) 19. Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) 20. Comando-Geral da PFLP (PFLP-GC) 21. Al-Qaeda 22. Real IRA 23. Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) 24. Núcleo Revolucionário (ex-ELA) 25. Organização Revolucionária 17 de Novembro 26. Exército/Frente Revolucionária de Libertação Popular (DHKP/C) 27. Sendero Luminoso (SL) 28. Forças Unidas de Autodefesa da Colômbia (AUC) NOTA: Para descrição destas organizações terroristas internacionais, veja "Patterns of Global Terrorism: 2000". CRITÉRIOS LEGAIS PARA A DESIGNAÇÃO 1. A organização precisa ser estrangeira. 2. A organização precisa estar engajada em atividades terroristas como definidas na Seção 212 (a)(3)(B) do Immigration and Nationality Act.1 3. As atividades da organização devem representar ameaça a cidadãos americanos ou à segurança nacional (defesa nacional, relações internacionais ou interesses econômicos) dos Estados Unidos. EFEITOS DA DESIGNAÇÃO LEGAL 1. É ilegal para qualquer pessoa nos Estados Unidos ou sob a jurisdição dos Estados Unidos prover fundos ou recursos materiais para uma organização à qual tenha sido atribuída a designação de OTI. b) explosivos ou armas de fogo (visando a outro propósito que não o ganho monetário), com a intenção de pôr em perigo, direta ou indiretamente, a segurança de um ou mais indivíduos, ou causar dano substancial à propriedade. (VI) Uma ameaça, atentado ou conspiração visando a qualquer dos aspectos anteriores. (iii) O termo "engajamento em atividade terrorista" significa cometer, individualmente, ou como membro de uma organização, um ato de terrorismo internacional ou um ato que o praticante saiba, ou sobre o qual deveria saber, considerando-se o que é razoável, que está em condição de servir de apoio material a qualquer indivíduo, organização ou governo que conduza uma atividade terrorista, a qualquer momento, incluindo aí os seguintes atos: (I) Preparativos ou planejamento para atividades terroristas. (II) Reunião de informação sobre possíveis alvos de atos terroristas. 2. Representantes ou determinados membros da OTI, assim designada, se forem estrangeiros, podem ter vistos de entrada negados ou ser expulsos dos EUA. 3. As instituições financeiras dos EUA devem bloquear os fundos das organizações que receberem a designação de OTI e informar esse bloqueio ao Office of Foreign Assets Control do Departamento do Tesouro dos EUA. OUTROS EFEITOS 1. Impedir donativos ou contribuições para tais organizações. 2. Aumentar a atenção pública e a informação a respeito das organizações terroristas. 3. Sinalizar para outros governos nossa preocupação a respeito das organizações assim nomeadas. (III) Fornecimento de qualquer tipo de apoio material, transporte, comunicação, fundos, documentos falsos ou identidades, armas, explosivos ou treinamento a qualquer indivíduo de quem o praticante do ato saiba ou tenha razões para acreditar que cometeu ou esteja planejando cometer um ato terrorista. (IV) A solicitação de fundos ou outras coisas de valor Dara custear a atividade terrorista ou para qualquer organização terrorista. (V) A solicitação a qualquer indivíduo para que este se engaje como membro em uma organização terrorista ou colaborador de um governo terrorista, ou participante de um ato terrorista. 4. Estigmatizar e isolar as organizações assim nomeadas internacionalmente. O PROCESSO O Secretário de Estado toma as decisões concernentes à atribuição da designação e revisão da designação de OTIs, seguindo um intenso processo de consultas entre diversas agências, no qual todas as provas relativas às atividades de um determinado grupo, tanto provenientes de fontes sigilosas como abertas, deve ser conduzido com todo o rigor. O Departamento de Estado, trabalhando junto com os departamentos de Justiça e do Tesouro, bem como com a comunidade internacional, prepara um detalhado "relatório administrativo", documentando a atividade terrorista da organização que receber tal designação. Sete dias antes de uma designação ser publicada no Federal Register, o Departamento de Estado se encarrega de notificar o Congresso. De acordo com o Estatuto, as designações estão sujeitas a revisão. No caso de uma contestação a uma designação relativa a uma OTI, o governo dos EUA irá se basear no relatório administrativo para defender a decisão do Secretário de Estado. Esses relatórios administrativos contêm informações provenientes de agências de segurança e podem, eventualmente, ser considerados confidenciais. As designações de OTIs expiram em dois anos, a não ser que sejam renovadas. A lei permite que grupos sejam incluídos a qualquer momento, a partir de consulta à Promotoria-Geral e à Secretaria do Tesouro. O Secretário pode também revogar as designações depois de determinar que haja bases para tal procedimento e de notificar o Congresso. APÊNDICE B LEITURA RECOMENDADA Noam Chomsky, Culture of Terrorism (South End Press, 1988). Necessary Illusions (South End Press, 1989). Pirates and Emperors (Claremont, 1986; reimpresso por Amana, Black Rose, Pluto). Chomsky & E.S. Herman, Political Economy of Human Rights (South End Press, 1979). John Cooley, Unholy Wars: Afghanistan, America and International Terrorism (Pluto, 1999, 2001). Alex George (org.), Western State Terrorism (Polity-Blackwell, 1991). Herman, Real Terror Network (South End Press, 1982). Herman e Chomsky, Manufacturing Consent (Pantheon, 1998, 2001) Herman & Gerry O'Sullivan, The Terrorism* Industry (Pantheon, 1990). Walther Laqueur, Age of Terrorism (Little, Brown and Co., 1987). Michael McClintock, Instruments of Statecraft (Pantheon, 1992). Paul Wilkinson, Terrorism and Liberal State (NYU Press, 1986). POSFÁGIO Reflexões Tem sido uma opinião amplamente disseminada que os ataques terroristas de 11 de setembro mudaram drasticamente o mundo, que nada será como antes, já que o mundo entra agora numa "era do terror"- aliás, este é o título de uma antologia de ensaios acadêmicos, publicados pelos scholars da Universidade de Yale, e outros, que consideram os ataques com Anthrax ainda mais execráveis. Não há nenhuma dúvida de que as atrocidades de 11 de setembro constituíram um evento de importância histórica. Não - lamentavelmente - por sua dimensão, e sim pela escolha de vítimas inocentes. Já se assumiu há algum tempo que, com as novas tecnologias, as potências industriais, provavelmente, perderão, na prática, o seu monopólio sobre a violência, retendo para si apenas uma enorme supremacia. Ninguém poderia ter previsto o modo tão específico como essas expectativas foram correspondidas, mas o fato é que o foram. Pela primeira vez, na história moderna, a Europa e seus agregados foram vítimas, em solo pátrio, da mesma espécie de atrocidades que, rotineiramente, promoveram no exterior. A história destes episódios ainda deve estar próxima demais para ser revista, e portanto o Ocidente pode muito bem preferir desconsiderá-la, mas as vítimas não o farão. A ruptura radical com o padrão tradicional, por certo, confere ao 11 de setembro o status de um evento histórico, e as suas repercussões serão bastante significativas. Inúmeras questões cruciais foram levantadas ao mesmo tempo: 1. Quem é o responsável? 2. Quais seriam os motivos? 3. Qual seria a reação mais adequada? 4. Quais seriam as conseqüências a longo prazo? Quanto à primeira pergunta, presumiu-se, de um modo bastante plausível, que os culpados seriam bin Laden e sua rede, a Al-Qaeda. Ninguém os conhece melhor do que a CIA, a qual, juntamente com as organizações que lhe são correspondentes entre os aliados dos EUA, saíram recrutando islâmicos radicais em diversos países e os organizaram como uma força militar e terrorista, e não para ajudar os afegãos a resistir à agressão russa, que seria um objetivo legítimo, mas, por razões corriqueiras de Estado, com cruéis conseqüências para os afegãos, depois que o Mujahiddin tomou conta da situação. A inteligência dos EUA, sem nenhuma dúvida, tem acompanhado bem de perto outros atos praticados por essas redes, desde o assassinato do Presidente Sadat, do Egito, 20 anos atrás, e com mais intensidade depois da tentativa de explodir o World Trade Center e muitos outros alvos, numa operação terrorista bastante ambiciosa, em 1993. No entanto, a despeito do que deve ser a maior investigação promovida pela inteligência internacional em toda a História, tem-se mostrado dificílimo encontrar qualquer prova que determine quem foram os perpetradores dos atentados de 11 de setembro. Oito meses depois dos atentados, o diretor do FBI, Robert Mueller, depondo no Congresso, pôde apenas dizer que a inteligência americana agora "acredita" que os ataques foram tramados no Afeganistão, embora planejados e deflagrados de algum outro lugar. E muito depois de descobrirem que o Anthrax é originário dos laboratórios bélicos do governo dos EUA, os responsáveis ainda não foram identificados. Tudo isso nos leva a compreender o quanto é difícil contra-atacar os atos de terrorismo visando os ricos e poderosos, no futuro. No entanto, e mesmo a despeito da fragilidade das provas, a conclusão inicial a respeito do 11 de setembro pode ser considerada correta. Já quanto ao item 2, os estudiosos no assunto são praticamente unânimes em tomar ao pé da letra as palavras dos terroristas, que inclusive correspondem a seus atos dos últimos 20 anos: o objetivo deles, da maneira como entendem o problema, é expulsar os infiéis dos territórios muçulmanos, derrubar os governos corruptos instalados e sustentados por estes infiéis e instituir uma versão extremista do Islã. Um dado mais significativo, pelo menos para aqueles que esperam diminuir a possibilidade de que ocorram crimes similares, são as condições históricas em que o terrorismo nasce, e que lhes proporciona uma reserva em massa de solidariedade e compreensão para, no mínimo, parte de sua mensagem, e isso mesmo entre os que os desprezam e temem. Nas palavras patéticas de George Bush, "Por que será que nos odeiam?", a questão não é absolutamente nova nem é tão difícil assim encontrar a resposta. Quarenta e cinco anos atrás, o presidente Eisenhower e sua equipe já discutiam o que chamavam de "uma campanha de ódio contra nós, no mundo árabe, não da parte dos governos, mas do povo". A razão básica, e sobre isso fomos advertidos pelo próprio Conselho de Segurança Nacional, é o fato de os EUA apoiarem governos brutais e corruptos que não permitem nem a democracia nem o desenvolvimento, e fazem isso por conta da preocupação de "proteger os seus interesses sobre o petróleo do Oriente Médio". The Wall Street Journal encontrou praticamente a mesma postura quando levantou a opinião de muçulmanos ricos, ocidentalizados, depois do 11 de setembro, sentimentos agora exacerbados por culpa de políticas específicas dos EUA em relação a Israel-Palestina e ao Iraque. Os analistas geralmente preferem uma resposta mais cômoda: o ódio origina-se do ressentimento em relação a nossa liberdade e nosso amor pela democracia, suas imperfeições culturais sendo rastreadas desde séculos atrás, sua incapacidade de se inserir na forma de globalização (da qual, eles, com satisfação, participam), e outras deficiências semelhantes. Mais cômoda; entretanto, talvez, pouco sábia. Quanto à reação, sua terceira pergunta, a resposta é, sem dúvida, controvertida, mas pelo menos podemos afirmar que a reação deveria estar em acordo com os padrões morais mais elementares: se uma ação é certa em relação a nós, é certa para os outros; se é errada em relação aos outros, é errada para nós. Aqueles que rejeitam esse padrão declaram abertamente que as ações se justificam pelo poder de praticá-las; mas estes podem ser ignorados em qualquer discussão sobre a adequação das ações, de certo e errado. Alguém pode vir a perguntar o que restaria de toda a enxurrada de análises sobre a questão 3 (debates sobre "guerra justa"etc...) se este simples critério for adotado. Para ilustrar com alguns poucos casos imunes a controvérsia, 40 anos se passaram desde que o presidente Kennedy ordenou que "os terrores da terra" fossem despejados sobre Cuba até que a liderança do país fosse eliminada, já que haviam tido a decisão de repelir uma invasão organizada pelos EUA. Com efeito, os mencionados terrores foram extremamente severos, mantendo-se pela década de 1990 afora. Vinte anos se passaram, desde que o presidente Reagan deflagrou uma guerra terrorista contra a Nicarágua, conduzida à base de bárbaras atrocidades e destruição disseminada, deixando dezenas de milhares de mortos, e o país, arruinado, talvez a um ponto irrecuperável - mas levando também a uma condenação dos EUA, por terrorismo internacional, pela Corte Mundial e pelo Conselho de Segurança da ONU (uma resolução vetada pelos EUA). No entanto, nem por isso há quem acredite que Cuba e Nicarágua tenham o direito de lançar bombas sobre Washington ou Nova York, ou de assassinar líderes políticos. E seria bastante fácil acrescentar diversos outros casos, ainda mais graves, chegando até o presente. Considerando tudo isso, aqueles que aceitam padrões morais elementares têm algum trabalho ainda por fazer caso pretendam demonstrar que os EUA e a Inglaterra estiveram agindo corretamente ao bombardear os afegãos, de modo a obrigá-los a entregar as pessoas que estariam sob suspeita dos EUA como responsáveis pelas atrocidades cometidas, o objetivo oficial da guerra, anunciado pelo presidente, quando o bombardeio começou, ou a derrubar seus mandatários, o objetivo anunciado muitas semanas mais tarde. Os mesmos padrões morais impõem propostas mais ricas em nuanças quanto a quais seriam as respostas mais apropriadas às atrocidades terroristas. Michael Howard, o respeitado especialista em história militar anglo-americana, propôs: "uma operação policial conduzida sob os auspícios das Nações Unidas... contra uma conspiração criminal cujos membros deveriam ser caçados, presos, trazidos diante de uma corte internacional, onde receberiam um julgamento justo e, se declarados culpados, sentenciados na medida apropriada" (Guardian, Foreign Affairs). Isso parece bastante razoável, embora possamos perguntar qual seria a reação a tal sugestão caso a proposta fosse aplicada universalmente. Tal coisa seria impensável e, se tal sugestão chegasse a ser formulada, causaria apenas ultraje e horror. Questões similares foram levantadas com relação à "Doutrina Bush" de "ataques preventivos" contra alvos sob suspeita de representarem alguma ameaça. Deve-se destacar que tal política não é uma novidade. Seus estrategistas de mais alto nível são, em sua maioria, remanescentes da administração Reagan, que argumentavam que o bombardeio à Líbia era justificável perante a Carta da ONU como "legítima defesa diante de um ataque futuro". Os estrategistas de Clinton aconselharam "ataques preventivos" (incluindo ser o primeiro a lançar um ataque nuclear). E a doutrina tem seus antecedentes mais remotos. No entanto, a audácia de afirmar tal coisa como um direito é novidade, e não há segredo algum sobre a quem a ameaça é endereçada. O governo e os comentaristas estão enfatizando o mais claramente possível que se pretende aplicar a doutrina no Iraque. O elementar padrão da universalidade, entretanto, poderia ser utilizado aqui para justificar um terror preventivo contra os EUA. Claro, ninguém aceita uma tal conclusão. Mas, se estamos tão desejosos de adotar princípios morais elementares, questões óbvias podem ser levantadas e devem ser enfrentadas por aqueles que advogam ou toleram uma versão seletiva da doutrina da "reação preventiva", que garanta tal direito exclusivamente àqueles que sejam poderosos o bastante para exercitá-lo, sem grande consideração pêlo que o mundo possa pensar. E o ônus da prova não é leve - aliás, isso é algo que ocorre com freqüência, quando vemos a ameaça ou o uso da violência ser advogado ou tolerado. Há, é claro, uma réplica simplista contra tais argumentos: NÓS somos bons, ELES são maus. Este utilíssimo princípio bate praticamente qualquer outro argumento. As análises de alguns comentaristas, assim como de estudiosos, têm suas raízes neste princípio tão crucial quanto corrente, o qual não é sequer defendido, mas apenas afirmado. Vez por outra, embora raramente, algumas criaturas irritantes tentam contrapor-se ao cerne deste princípio apresentando um relato da história recente e da contemporânea. Aprendemos mais sobre normas culturais predominantes observando a reação e a interessante disposição de barreiras erguidas com o propósito de deter qualquer desvio que resvale para uma tal heresia. Nada disso, obviamente, é uma invenção dos centros de poder contemporâneos e da cultura intelectual dominante. No entanto, merece atenção, pelo menos daqueles que tenham algum interesse em compreender onde nos posicionamos e o que pode vir pela frente. Vamos tratar resumidamente das últimas considerações: questão (4). A longo prazo, suspeito que os crimes de 11 de setembro irão acelerar tendências que já estavam em curso: a Doutrina Bush, aqui apenas mencionada, é um exemplo disso. Como já se previra anteriormente, alguns governos ao redor do mundo aproveitaram-se do 11 de setembro como uma oportunidade para instituir ou intensificar programas duramente repressivos. A Rússia ficou muito satisfeita em unir-se à "coalizão contra o terror", atrocidades na Chechênia, e não ficou desapontada. A China também aderiu, com alegria, e pelas mesmas razões. A Turquia foi o primeiro país a oferecer tropas para a nova fase da "Guerra contra o Terror", como sinal de gratidão, assim declarou seu primeiro-ministro, à colaboração dos EUA à campanha do Governo Turco na sórdida repressão contra a população curda, levada a cabo com extrema crueldade e crucialmente apoiada pelo fluxo de armas provido pelos EUA. A Turquia foi bastante elogiada por suas vitoriosas campanhas de terrorismo promovido pelo Estado, inclusive algumas das piores atrocidades dos sombrios anos 1990, e foi recompensada pela avalização de sua jurisdição sobre Kabul, quanto a protegê-la contra o terrorismo, por parte da mesma superpotência que forneceu os recursos militares, bem como apoio diplomático e ideológico para suas recentes atrocidades. Já Israel, de imediato, percebeu que teria a oportunidade de esmagar os palestinos, atacando-os então com brutalidade ainda maior e contando com apoio ainda mais sólido por parte dos EUA. E por aí vamos, a mesma coisa se repetindo pelo mundo todo... Mais sociedades democráticas, incluindo aí os EUA, instituíram medidas para impor disciplina às suas próprias populações e para instituir medidas impopulares sob o disfarce de "combate ao terror", explorando sempre a atmosfera de medo e o apelo ao "patriotismo"... o que, na prática, significa: "Você, cale a boca, enquanto eu toco as coisas ao meu jeito, impiedosamente." A administração Bush se valeu da oportunidade para fazer avançar seu ataque contra a maioria da população, e contra as gerações futuras, a serviço de escusos interesses corporativos que dominam a administração, superando qualquer parâmetro anterior. Em suma, as previsões do primeiro momento foram amplamente confirmadas. Como resultado efetivo, os EUA, pela primeira vez, têm bases militares de monta na Ásia Central. São importantes para posicionar favoravelmente as forças multinacionais americanas dentro do panorama atual do "grande jogo", de modo a controlar os consideráveis recursos da região, mas também para completar o cerco em torno das principais fontes de energia do mundo, na região do Golfo. Os sistemas de bases americanas tendo como alvo o Golfo se estende do Pacífico aos Açores, mas a base confiável mais próxima, antes da Guerra do Afeganistão, era Diego Garcia. Agora, a situação melhorou muito, e uma intervenção de força, se for julgada apropriada, será enormemente facilitada. A administração Bush entende a nova fase da "guerra contra o terror" (que, de muitos modos, reproduz a "guerra contra o terror" declarada pela administração Reagan, vinte anos antes) como uma oportunidade de expandir sua já excepcional vantagem militar sobre o resto do mundo e poder adotar novos métodos para lhe assegurar a dominação do planeta. O pensamento do governo foi articulado claramente pelos altos escalões quando o príncipe Abdullah, da Arábia Saudita, visitou os EUA, em abril, para instar o governo a prestar mais atenção às reações do mundo árabe ao seu irrestrito apoio à repressão e ao terror praticados por Israel. Na ocasião, foi-lhe dito que, efetivamente, os EUA não dão a mínima para a opinião dele e para a dos demais árabes. Como noticiou The New York Times, um alto funcionário explicou que "se pensam que éramos poderosos durante a Tempestade no Deserto, estamos dez vezes mais poderosos agora. Isso foi só para lhe dar uma idéia do que o Afeganistão demonstrou sobre nossa capacidade". Um veterano analista da área de defesa resumiu com precisão: "Todos eles vão nos respeitar, por saberem que somos do tipo que bate forte, e não vão mais brincar conosco." Também este padrão tem muitos precedentes históricos, mas no mundo pós 11 de setembro ganha um novo significado. Não temos acesso aos documentos internos, mas é razoável especular que tais conseqüências estavam já embutidas nos propósitos iniciais do bombardeio ao Afeganistão: um aviso ao mundo sobre o que os EUA podem fazer se alguém sair da linha. O bombardeio à Sérvia foi empreendido por razões similares. Seu objetivo principal foi "garantir a credibilidade da OTAN", como Blair e Clinton explicaram - sem estar se referindo à credibilidade da Noruega ou da Itália, mas a dos EUA e de seu principal cliente militar. Trata-se aqui de um tema comum na condução dos negócios de Estado e na literatura das relações internacionais; e, com alguma razão, como a história fartamente revela. Sem me alongar, as questões básicas da sociedade internacional, ao que me parece, continuam as mesmas, mas o 11 de setembro com toda a certeza provocou mudanças, em alguns casos, com implicações significativas e nada agradáveis. 1O Immigration and Nationality Act define as atividades terroristas como: qualquer atividade que seja considerada ilegal sob as leis do lugar onde for cometida (ou, caso cometida nos EUA, se for ilegal sob as leis dos EUA ou de qualquer Estado dos EUA), envolvendo: (I) Seqüestro ou sabotagem de qualquer meio de transporte (incluindo aviões, navios ou outros veículos). (II) Captura ou detenção, ameaça de morte, de injúrias físicas, ou de prolongamento da detenção de qualquer indivíduo com o objetivo de obrigar um terceiro (incluindo aí entidades governamentais) a praticar ou deixar de praticar determinado ato, como condição implícita ou explícita para a libertação do indivíduo capturado ou detido. (III) Ataque violento contra um indivíduo sob proteção internacional (como definido na Seção 11 16(b) (4) do título 18 do U.S. Codé) ou contra a liberdade dessa pessoa. (IV) Assassinato.