Disciplina: História do Paraná – Profª: Liliane – Texto nº 02 Unidade I REGIÃO: DESAFIOS E EMBATES CONTEMPORÂNEOS Meri Lourdes Bezzi* Este artigo se junta a outros trabalhos,1 nos quais a preocupação central é a análise da categoria região. Sabe-se que a ciência, pela própria dinâmica - condição imprescindível à mesma -, busca, com o fluir da realidade, novos entendimentos do seu conteúdo. É esta preocupação que impede a fossilização dos conceitos. Neste contexto, a região, uma das mais tradicionais categorias de análise espacial e, também, uma das mais apreendidas por outras ciências espaciais, reveste-se de novas interpretações, desafios e formas, considerando o período técnico-científico-informacional que vivemos, em decorrência dos imperativos propostos pela globalização. Para compreender a importância do conceito de região é mister retomar a sua evolução, demonstrando que, em determinados períodos este conceito teve maior ou menor aceitação na seara científica. Portanto, entende-se que a região persiste e resiste a todos os embates teóricos-metodológicos a que foi submetida. No entanto, pensamos que houve períodos em que seu conceito esteve mais em voga e, em outros, sombreado por novos aportes teóricos, mas sem, contudo, invalidar seu peso científico. A análise de desenvolvimento regional, planejamento regional, desigualdades regionais, regionalização, análise regional (só para lembrar algumas temáticas nas quais a região é fundamental, ou seja, imprescindível), sem um entendimento do conceito de região, mais consentâneo com a realidade. Nosso propósito é, então, demonstrara importância desse conceito e, posteriormente, analisar seu embate com outras categorias, ou seja, verificar as dificuldades enfrentadas por este conceito no decorrer do tempo, atrelado às inovações suscitadas pela globalização. PARA PENSAR A REGIÃO Abordar o termo região nas ciências, em geral, e na Geografia, em particular, é tocar em um ponto delicado da análise conceitual. Tal conceito tem sido, desde muito tempo, considerado por alguns autores como o conceito central, o core do trabalho em análise espacial; outros, entretanto, argumentam que falar de região é trazer à tona um dos pág. 39 problemas epistemológicos das ciências em geral; um terceiro grupo alerta que é um discurso de surdos, em que cada qual defende seu ponto de vista com base na corrente teórica-metodológica que professa; há também aqueles que afirmam que a questão regional é uma história sem fim; e, por último, os que decretaram a falência do conceito de região. Assim, segundo Paviani (1992, p. 372), "falar de região é caminhar em um terreno cheio de labirintos e de armadilhas epistemológicas". A categoria região talvez seja uma das mais utilizadas na totalidade dos saberes, empregada por várias ciências e utilizada constantemente na mídia e pelo senso comum. Entretanto, é necessário entender seu significado atual e, até mesmo, o que alguns autores consideram sua falência face ao crescimento da importância do território em detrimento da região, o que ocorre neste período técnico-científico-informacional. * Professora Doutora do Departamento de Geociências/CCNE da UFSM. Pesquisadora do Laboratório de Estudo e Pesquisa Regional da mesma universidade, meri@oslo.ccne.ufsm.br 1 Em particular, àqueles referentes à disciplina Historiografia ao Conceito de Região: da gênese aos novos paradigmas, ministrada pela autora no Programa de Pós-graduação em Geografia, no Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp, em Rio Claro-SP, de 2001 a 2003. Se se admite que tanto as atividades desenvolvidas pelo homem quanto a organização espacial são consequências dos diferentes sistemas de produção que passaram por inúmeras transformações ao longo da história, forçoso é admitir também que essas transformações impõem a necessidade de, permanentemente, rever ou modificar as conceituações de região, que se vão tornando progressivamente mais complexas à proporção que os avanços culturais, científicos e tecnológicos vão sendo incorporados ao sistema de produção (LEITE, 1994). A preocupação central deste trabalho é demonstrar que o conceito de região persiste, embora enfrente desafios significativos frente aos imperativos impostos pela globalização. Neste contexto, é necessário entender as distintas ordenações/reordenações espaciais, identificando seus significados no bojo das transformações ocorridas no fluir da realidade. Tais transformações, resultantes das modificações sucedidas no mundo, alteram necessariamente o conhecimento da realidade espacial, respaldado na região. A importância do tema funda-se na posição central do conceito de região e dos estudos regionais. Tal conceito e tais estudos constituem-se em valores agregativos, através dos quais se recupera a unidade das ciências que têm, na análise regional, seu foco de interesse. A ciência, como processo que é, vive da renovação de seus paradigmas, de suas teorias, de seus conceitos: enfim, de suas "verdades”. É essa permanente crise da ciência que se constitui no verdadeiro motor de sua constante evolução, pois, na tentativa de superá-la, buscam-se outros horizontes, com a finalidade de fornecer respostas adequadas às novas necessidades que se apresentam. A evolução da sociedade e seu progresso tecnológico-material são acompanhadas de novas maneiras de ver e interpretar o mundo, o que leva a mudanças paradigmáticas nas ciências e, conseqüentemente, à revisão conceitual. Desta forma, de acordo com Santos apud Pereira (1989, p. 14): [...] os conceitos podem atravessar as épocas como vocábulos imutáveis, mas o seu conteúdo está sempre sujeito à lei da mudança, a primeira lei social. É através da história de cada disciplina, se empreendida de maneira abrangente, que as categorias explicativas são retrabalhadas, impedindo a fossilização dos conceitos e afastando o perigo, sempre presente, de erro maior na interpretação do real. Isto só se obtém quando se faz uma proveitosa viagem às fontes das idéias pág. 40 e conceitos atuais, revisitando a origem das temáticas e a evolução do pensamento, em suas relações com o próprio fluir da realidade... Concordante com essas observações, o conceito de região também se insere nas transformações que ocorreram na ciência geográfica, seja considerando-a como objeto de estudo da Geografia Tradicional, seja entendendo-a como classificação atrelada aos princípios da lógica formal e alicerçada principalmente no planejamento (Nova Geografia), seja relacionando-a como categoria de análise espacial (Geografia Crítica), concebida como processo relacionado ao conceito de espaço como produto da sociedade, ou, ainda, interpretando-a de acordo com as novas abordagens da Geografia Humanística e Cultural. Portanto, o significado de região liga-se fortemente às tendências filosóficas de cada época, uma vez que elas permitem entender as idéias características de cada momento histórico e, desse modo, a arquitetura do mundo. A complexidade teórico-conceitual da região fica maior porque a preocupação com esse conceito e seus diferentes métodos de investigação não ficam restritos à pesquisa geográfica. O tema é instrumento de análise e operacionalização também por técnicos e cientistas não geógrafos, o que acentua seu caráter multidisciplinar. Além do interesse e das investigações dos técnicos envolvidos no planejamento regional, inúmeras pesquisas são desenvolvidas por diferentes cientistas sociais, preocupados com manifestações regionais e também pelos regionalismos em suas distintas áreas de conhecimento. Neste contexto, é interessante resgatar a noção de região proposta por Gomes apud Castro; Gomes; Corrêa (1995, p. 53-54), quando o mesmo destaca que o entendimento deste conceito está associado a vários domínios: a) Na linguagem cotidiana do senso comum, a noção de região parece existir relacionada a dois princípios fundamentais: o de localização e o de extensão [...] está associada à localização e à extensão de um certo fato ou fenômeno [...] ou a limites [...] atribuídos à diversidade espacial [...] (b) A região [...] como unidade administrativa e, neste caso, a divisão regional é o meio pelo qual se exerce frequentemente a hierarquia e o controle na administração dos Estados [...] (c) Nas ciências em geral, como na biologia, geologia etc., a noção de região possui um emprego também associado à localização de um certo domínio [...]. Na Geografia o uso desta noção de região é um pouco mais complexa, pois ao tentarmos fazer dela um conceito científico, herdamos as indefinições e a força de seu uso na linguagem comum e a isto se somam as discussões epistemológicas que o emprego mesmo deste conceito nos impõe... Portanto, embora os geógrafos tenham feito muito para desenvolver idéias e métodos regionais, o conceito nunca ficou confinado à Geografia. Ultimamente foi adotado e aperfeiçoado por um grande número de ciências afins, como a Economia, a Sociologia, a Arquitetura, o Urbanismo, a História e a Demografia, entre outras, nas quais a distribuição espacial dos fenômenos é importante. Entretanto, na Geografia, ciência que, especificamente, estuda o espaço, e que teve na região o centro de seus estudos durante muito tempo, a preocupação com essa temática passou por fases de interesse e desinteresse, o que abriu espaço para que fosse tratada por especialistas diversos, alguns, pág. 41 como Dennison apud Santos (1988, p. 23), chegaram a declarar: "nosso objeto seria melhor estudado por outros...”. Mas como salientam Becker e Egler (1994, p. 14): O conceito de região está associado ao trabalho do geógrafo. Deixá-lo de lado é abandonar um signo que identifica a Geografia perante as demais ciências. Repensar a região, hoje, significa uma maneira de contribuir para a superação da crise das ciências sociais e colaborar, enquanto geógrafo, na compreensão das contradições e impasses do mundo contemporâneo... Nesta perspectiva ressalta-se que a Geografia tem sua forma própria de trabalhar as interações homem-natureza, preocupando-se com sua representação cartográfica e com a lógica ou génese dos recortes espaciais. Entretanto, a ciência geográfica também considera importante a multidisciplinaridade, caminho essencial para a apreensão da realidade, uma vez que o espaço apresenta peculiaridades que, em última instância, podem ser explicadas na intersecção das diversas ciências. Destaca-se, também, que a maneira como se tem processado a abordagem regional e a essência metodológica da crítica que lhe é feita têm sido obstáculos para o desenvolvimento do conceito de região como objeto do conhecimento. Entretanto, a sua importância nos estudos geográficos está ligada ao nascimento da Geografia como ciência, pois, durante muito tempo, foi seu objeto de estudo por excelência. Assim, o conceito de região tem se constituído, ao longo da história moderna do pensamento científico, em um de seus conceitos-chave, causador de intenso debate entre os geógrafos e demais cientistas. Efetivamente, para diferenciar-se tanto das ciências naturais como das sociais, obtendo a sua identidade peculiar, a Geografia necessita de conceitos e métodos próprios. Ao definir a região, Kaiser (1980) já justificava sua importância para os estudos geográficos e para o geógrafo, assim se referindo: Porção de espaço terrestre, qualquer que seja o modo pelo qual foi considerada ou a utilidade que lhe foi atribuída, a região é, de qualquer forma, um fenômeno geográfico. O geógrafo pode defini-lo, explicá-lo, querer delimitá-lo. Ao proceder assim, o geógrafo é ativo, teoricamente indispensável, socialmente útil; ele assume com o máximo de plenitude e de fidelidade a vocação fundamental da ciência. (KAISER, 1980, p. 279). Desse modo, a análise dos conceitos de região e regionalização permeia a abordagem geográfica, trazendo no seu âmago o caráter distinto da Geografia no âmbito das ciências e indicando a via geográfica para a compreensão das relações do homem com a natureza. Entretanto, segundo Souza (1992, p. 393): [...] é importante apontar que a região vai deixando de predominar como objeto de estudo, a partir do momento em que categorias mais universais vão sendo definidas (por outras disciplinas) e assumidas pela Geografia, dando a nítida impressão, pela maioria da nossa produção acadêmica e científica, de abandono do espaço e mais dedicação à dimensão social, à sociedade. E esta é urbana, nacional, explorada, dominada e de grandes mundos (Primeiro, Segundo, Terceiro), mas dificilmente 'regional'. A afirmação mencionada por Souza (1992) estimula a reflexão, encorajando os estudiosos a resgatar a historiografia da região como forma de reconhecer os agentes ou pág. 42 elementos responsáveis pela descaracterização da abordagem regional na Geografia atual. Impõe-se, portanto, a tarefa de analisar e discutir os conteúdos de determinados conceitos de região, considerando a questão desses conceitos nas diferentes escolas do pensamento geográfico até a abordagem atual sobre o tema. Acredita-se que a noção de região contém um sentido político. Possui essa característica como um constituinte inerente, relacionado a mecanismos de dominação, fruto sempre de uma situação de hegemonia. A idéia regional se apresenta com mais ênfase sempre que se estabelecem, mais fortemente, vínculos entre espaços diferenciados, submetidos a uma dinâmica comum, que é também derivada de uma prática hegemônica e, portanto, assimetricamente necessária. Assim, segundo Becker (1986a, p. 45), “a região é um instrumento de ação política”. É, pois, mister entender que o conceito de região tem um forte caráter político e ideológico, que permeia as diversas abordagens, nas quais o papel do Estado atua como agente de regionalização, ou seja, como ele organiza, rearranja ou desorganiza os recortes regionais de acordo com a ótica do capital, do poder e da sociedade. Pode-se dizer, então, que, na prática, a região e os atores sociais atuam como instrumentos de dominação, interferindo na organização dos recortes espaciais. Já em nível do teórico (discurso), buscam a legitimidade e reprodução dessas condições, de forma generalizada e igualitária. A importância do conceito de região se deve também ao fato de que os conceitos são tidos como bases fundamentais para a elaboração de teorias, ou seja, há necessidade de serem obtidos conceitos capazes de expressar a essência dos fenômenos. E os estudos regionais são vitais, contribuindo para o avanço qualitativo na interpretação do real. Atualmente, a visão globalizada do mundo impõe novos questionamentos à questão regional. No entanto, pode-se concordar com Corrêa (1995, p. 7), quando afirma: As mudanças na organização espacial que a economia mundial primeiramente provocou e que foram aceleradas pela globalização econômica foram de um modo ou de outro, percebidas pelos geógrafos. Admitimos, em realidade, que os diversos conceitos de região que os geógrafos desenvolveram constituem respostas aos múltiplos ângulos com que eles observaram e observam o mundo real já complexamente fragmentado e articulado. Com a globalização, este processo de exercer muitos olhares sobre o espaço do homem foi acentuado [...] A globalização não elimina a região. Pelo contrário, torna-a mais rica, com mais qualificativos [...]. Torna-a mais persistente e, por isso mesmo, fundamental... Dessa forma, a própria dinâmica faz com que o corpo teórico não tenha caráter definitivo, de vez que está sendo constantemente alimentado e alterado pela própria realidade histórica. A crítica e a reformulação são, portanto, caracteres imanentes à atividade teórica, podendo-se dizer que constituem seus instrumentos de trabalho. A região, objeto particular da análise espacial permite, dentro da discussão fundamental de seu conceito, criar a contiguidade e a identidade, unir e separar, criar e recriar, organizar e desorganizar o território. O conceito de região é, portanto, o objeto deste trabalho, mas não seu único foco epistemológico. Deve-se salientar também que, nos estudos de região, muitas vezes os geógrafos utilizaram-se do termo “conceito” como sinônimo de definição, noção, idéia. Na verdade, na busca de um conceito para região, tomava-se um paradigma capaz de atribuir a esse conceito um valor no corpo cognoscitivo. Pág. 43 BREVE REVISÃO DOS CONCEITOS DE REGIÃO O conceito de região na Geografia Tradicional O conceito de região surge no cenário científico com a preocupação de designar poder/governo. Tal conotação está ligada à própria etimologia da palavra, pois o termo advém do latim regere, que denotava área, extensão espacial, soberania e unidade administrativa, entre outras denominações. Tais valores se fazem ainda eminentes a este conceito (GOM ES,1995). Na evolução do conceito de região sabe-se que a contribuição da corrente positivista para o estudo do mesmo foi muito significativa, culminando com o conceito de região natural e região geográfica. O estudo das regiões naturais, predominantes na Geografia Tradicional, deve ser dimensionado considerando a posição da Geografia entre as demais ciências. Ou seja, a Geografia ocupava uma posição confortável em seu universo intelectual devido ao estudo integrativo dos lugares. Caberia, então, aos geógrafos, descobrir e selecionar fatos relacionados aos lugares, às áreas. Tais fatos ligavam-se, principalmente, a aspectos físicos, culturais, econômicos e populacionais, entre outros. Pela análise desses aspectos, buscar-se-ia a síntese corográfica regional, ou seja, a formação das regiões. Entretanto, para muitos autores, a diversidade de estudos regionais teve como conseqüência a diversidade de conceitos de região. Tal multiplicidade conceitual foi responsável pela ausência de consenso sobre o que constitui uma região ou como se define uma região. Dessa forma, a maior parte dos trabalhos realizados era direcionado por um naturalismo persuasivo, que tentava definir a região de formas variadas. Assim, freqüentemente se percebe que as regiões eram definidas tendo como base as características físicas, ou seja, as diferenças fisiográfícas foram a base até mesmo para a formação das distintas regiões geográficas humanas. Os geógrafos, ao tratarem com as distintas variáveis, no intento de dividir o mundo em regiões, deparavam-se, constantemente, com diferenças que se sobrepunham ou que estavam na interfase. Assim, a dificuldade de se adotar um critério capaz de harmonizar aspectos físicos e humanos contribuiu para que, muitas vezes, o conceito de região fosse considerado “morto" ou bastante incompleto. Tal consideração estava baseada na diversidade de critérios utilizados para a delimitação dos recortes regionais. Muitos geógrafos, por isso, têm indagado sobre a validade do conceito de região. De fato, a complexidade dos fenômenos a serem considerados continua a desafiar os geógrafos e outros profissionais para a mais adequada delimitação regional. Dessa forma, apesar das deficiências conceituais, deve-se ter em mente que, ao definir região natural e região geográfica, os geógrafos conseguiram estabelecer para a Geografia um conceito-chave da disciplina e um modo específico de análise, ou seja, a síntese regional descritiva. Não conseguiram, no entanto, definir, com a região, um objeto único de estudo da Geografia Tradicional, pois, quando estudado o conceito de região, muitas vezes se o misturava ou confundia com estudos paralelos: individualidade dos lugares, diferenciação de áreas, descrição da superfície terrestre e, principalmente, relações homem versus natureza. Pág. 44 É relevante destaca r também que não se devem rejeitar os conceitos de região emitidos nesse período da historiografia geográfica, mas sim entendê-los em seu contexto histórico-geográfico. É compreensível, porém, que esses conceitos tenham diminuído de importância nos dias atuais e figurem como uma abordagem insatisfatória para a Geografia contemporânea. Embora eles possam ter sido úteis (e foram) em períodos anteriores, necessitam ser reelaborados em face das transformações que ocorrem no mundo. Assim, apenas para lembrar alguns casos, muitas regiões da Europa tornaram-se “formas passadas" em fase de desaparecimento: o pays ou campagne, por exemplo, era uma criação anterior ao período industrial e pode ser considerada “relíquia" ou “testemunho" de um período. Da mesma forma, o determinismo foi relacionado à necessidade de conquistar espaços. Hoje essas noções não têm significado explicativo nenhum. Nesse contexto, é natural que os conceitos de região emitidos pela Geografia Tradicional tenham sido relegados e tenham ressurgido com novos significados nos períodos posteriores à revolução industrial e após as duas grandes guerras mundiais. Tal fato é explicado pela interdependência crescente e pela interação que ocorre no mundo (globalização), responsável pelo colapso das “regiões fechadas", pois a integração interregional passa a dominar qualquer unidade regional que poderia ainda existir. Pode-se dizer, então, que a revolução industrial eliminou as noções clássicas de região e, assim, a região perdeu seu lugar de conceito relevante na Geografia Tradicional. Entretanto, sua “marca" ficou na teoria da região como uma unidade estática, não mutante, alicerçada principalmente no estudo da particularidade, do único. Ou seja, a busca da identidade ou personalidade das regiões conduziu seu estudo à singularidade. No entanto, geógrafos clássicos, como Vidal de La Blache e Hettner, sempre enfatizaram que as regiões não eram singulares, mas únicas (isto é, uma combinação única de princípios gerais de um dado local e tempo). É importante salientar também que, das duas concepções de região na Geografia Tradicional, ou seja, a de região natural e a de região humana ou região geográfica, a contribuição da primeira é mais restritiva/ uma vez que, para a ciência geográfica, somente o ambiente e as condições físicas não são capazes de explicar o todo e, portanto, de se caracterizar como um estatuto do conhecimento geográfico. Por outro lado, admite-se que são de maior relevância as regiões geográficas nas quais ocorre e se reproduz a ação humana, com sua cultura, suas atividades, sua economia. Não há dúvida, pois, de que um recorte espacial deverá expressar as características peculiares do trabalho humano. São essas peculiaridades que definem a região, no sentido verdadeiramente geográfico, priorizando, na dualidade homem versus natureza, a ação transformadora do homem. A Geografia ganhou, assim, com o possibilismo geográfico, “possibilidades" para um novo direcionamento nos estudos regionais, no período em que a Escola Tradicional comandava os estudos geográficos. Dessa forma, a Geografia Tradicional, por se interessar pelo estudo interativo dos lugares, atribuía ao geógrafo a preocupação de descobrir e selecionar fatos relacionados a esses lugares. Tais fatos ligavam-se, principalmente, a aspectos físicos, culturais, populacionais, pág. 45 econômicos etc. Pela análise desses fatores definidores, buscar-se-ia a síntese corográfica regional ou seja, a formação das regiões. É importante destacar também que a Geografia Tradicional estudou a região como uma unidade estática, não mutante, alicerçada principalmente no estudo da particularidade, do único. Ou seja, a busca de identidade ou personalidade das regiões conduziu seu estudo à singularidade. O conceito de região na Nova Geografia e o planejamento regional A Nova Geografia procurou aprofundar a investigação geográfica, buscando a relação existente entre os fenômenos. A abordagem regional, determinada pelas inter-relações dos fenômenos naturais e sociais sobre a unidade territorial, enfatizava os estudos de área, fazendo avançarem as questões regionais fortemente ligadas ao planejamento do território. Assim, investiu-se nas questões relativas aos desequilíbrios regionais, com o objetivo de superá-los. A abordagem do conceito de região adquiriu uma conotação de área classificada de acordo com um ou mais critérios, o(s) qual(is) obedecia(m) à aptidão, à localização, à acessibilidade e à produção, entre outras variáveis. Tal fato tornou o estudo de áreas importante para a solidificação da fase monopolista do capital regional, nacional ou mundial. O conceito de região foi trabalhado, então, como uma entidade abstrata, utilizada para classificação ou delimitação de áreas. A região deixou de ser um fenômeno único para ser parte de um sistema aberto, que se comunica, que tem conexões, que se expande e se contrai, segundo as necessidades de ajustamento às novas condições. Salienta-se também que, na Nova Geografia, o conceito de região conduz a estudos regionais que geram classificações espaciais. Ou seja, identificam-se padrões espaciais de fenômenos percebidos estaticamente ou em movimento. Nesse sentido, a região é uma abstração, e a preocupação fundamental é gerar padrões espaciais. Assim, de um lado, há a preocupação em se realizar a síntese regional, tão valorizada pela Geografia Tradicional e principalmente por Vidal de La Blache, enquanto, de outro, segundo a visão de Hartshorne, é relegada a busca da singularidade de cada área. Valorizam-se os estudos regionais ou de área dentro de propósitos preestabelecidos. Nesse contexto, Corrêa (1986, p. 40) destaca que: [...]a partir de uma referência teórica, como a das localidades centrais ou a do uso agrícola da terra, ou de um suposto problema, como o do desenvolvimento regional, sistemático, realimentando os referenciais teóricos que estes formulam... estuda-se um segmento da superfície da Terra. Isto quer dizer que a área é vista como laboratório de estudos. Assim, o conceito de região, intimamente relacionado à categoria espaço, tem suas particularidades e personalidades investigadas e valorizadas. É o ponto central das pesquisas, cujos padrões de investigação são alterados. Ou seja, o mundo é reconhecidamente integrado e diferente espacialmente. Há hierarquias e papéis diferenciados, isto é, funções individualizadas em um sistema que tende a se homogeneizar. As relações ocorrem entre áreas. É no relacionamento entre parcelas do espaço que se explica seu caráter desigual. Assim, pois, perde-se o sentido político interno de uma região, o qual, pág. 46 transformando-se, vem a permitir que cada espaço exerça, homogeneamente, o papel para o qual demonstra aptidão. Desse modo, a Nova Geografia agregou possibilidades aos estudos regionais. Possibilitou a operacionalização de técnicas variadas e, enfim, adotou recursos decisivos na instrumentalização das novas abordagens regionais/ dentro de uma visão pragmática, que visava a novos propósitos, possibilitando uma ação regional mais ágil e objetiva. Conceitualmente, a região é uma classe de área, isto é, um conjunto de unidades de área, como os municípios, que apresentam grande uniformidade interna e grande diferença em relação a outros conjuntos. Os princípios da taxionomia são adotados e os procedimentos operacionais são, principalmente, da estatística descritiva. Dos novos enfoques que a Nova Geografia trouxe para o conceito de região, duas abordagens tiveram especial destaque: a das regiões homogêneas e a das regiões funcionais ou polarizadas (IBGE). Nesse período, verificou-se uma profusão de estudos, recortando os países em diferentes tipos de regiões homogêneas e regiões funcionais. As primeiras, classificadas em torno de características consideradas como fixas, eram constituídas por uma extensão territorial definida a partir da agregação de áreas que apresentassem características estatísticas semelhantes, em relação às variáveis consideradas. As regiões funcionais, por sua vez, eram associadas aos diversos fluxos que percorrem o espaço. Constituía-se, então, em áreas definidas a partir de fluxos de pessoas, de mercadorias, de comunicação etc., também definidos estatisticamente. A vinculação entre essas numerosas regionalizações e o sistema de planejamento era, nos anos de 60 e 70, muito nítida. Assim, a região, como espaço, é considerada um sistema econômico, de acordo com a sua história de ocupação, exploração e organização. Seu crescimento, no entanto, vincula-se ao nível técnico que a sociedade consegue impor sobre as condições físicas existentes naquele espaço. Como nem sempre técnica e espaço físico se conciliam, adquiriram especial relevância os estudos que permitissem o planejamento regionalizado, com o objetivo de superar os desequilíbrios existentes. Em face da nova realidade, criou-se, no Brasil, um modelo de organização espacial do tipo centro-periferia. Por essa forma de organização do espaço geográfico, tem-se uma divisão inter-regional do trabalho. É o que se observa, por exemplo, nos papéis desem penhados pela Região Sudeste, especializada em produção industrial, e pelas demais regiões, fornecedoras de matérias-primas, géneros agrícolas e, às vezes, até de mão-de-obra. Completou-se, assim, no Brasil, o processo de integração das diversas economias regionais, que passaram a funcionar como uma economia nacional unificada. Em consequência dessa organização espacial, surgiu o problema das disparidades regionais de desenvolvimento, que foram objeto de preocupação e estudos da Nova Geografia. Nesse contexto, a Nova Geografia, através da aplicabilidade dos conceitos de regiões homogêneas e funcionais, contribuiu, principalmente, para uma maior funcionalidade na delimitação dos recortes regionais. Com isso, serviu de subsídio para a aplicação de pág. 47 uma determinada política de planejamento. Assim, pelo uso desses conceitos, possibilitou-se uma divisão regional a serviço de uma política territorial/ determinada, em última instância, pela expansão e reprodução do capitalismo no Brasil na sua fase monopolista. Salienta-se também que, a partir do pós-guerra, o processo de fragmentação articulada tornou-se mais acelerado. A capacidade do capitalismo de (re)fragmentar e (re)articular a superfície terrestre foi ampliada. Ou seja, o espaço do homem foi fortemente submetido a um acelerado processo de reconstituição. Fazer, desfazer e refazer as diferenças espaciais, na busca de uma possível homogeneização, tornou-se uma das características da economia global. No entanto, é certo que não há como se anular inteiramente determinadas diferencial idades espaço-temporais. O conceito de região na Geografia Crítica e nas novas tendências Tratar do conceito de região segundo a Geografia Crítica, a Geografia Humanística e a Geografia Cultural torna-se bastante complexo, uma vez que as atuais concepções ainda estão em fase de aceitação e aprimoramento por parte da academia científica. Corre-se, então, o risco de não se poder estabelecer posições consolidadas sobre a questão, tendo em vista que o objeto de estudo, a região, de acordo com o enfoque, significado, critério e interpretação dos autores assume distintas formas de conceituação. No entanto, se, por um lado, a assertiva acima significa que ainda se transita pelo viés da incerteza, do não “consolidado”, da afirmação “não generalizante”, por outro, estimula o pesquisador à reflexão através do pluralismo e da divergência. Esses caminhos, desafiantes, incitam à busca de novos paradigmas para a Geografia e outras ciências espaciais e, particularmente, para o conceito de região, cuja importância, segundo Becker e Egier (1994, p. 14), é a de “[...]um signo que identifica a Geografia perante as demais ciências”. Desse modo, a Geografia Crítica se estabelece e se manifesta alimentada no rescaldo da Nova Geografia, através das discordâncias feitas às novas concepções teórico-metodológicas daquela escola geográfica, como também condena muitos aspectos da Geografia Tradicional. Desvincula-se, assim, o conceito de região da lógica formal e da linha empiricista. Salienta-se que, a partir da década de 70, as ciências, de um modo geral, são chamadas à prática social. A Geografia teve que se inserir nesse movimento, uma vez que estava sendo acusada de acrílica, ideológica e conservadora. No bojo dessas transformações, deu-se início a um processo de críticas radicais que, em grande parte, coincidiu com uma aceitação do discurso marxista. Ocorre, então, a incorporação de novos paradigmas à Geografia. O conceito de região, um dos temas mais presentes da Geografia Tradicional, e seu posterior desmembramento pelo planejamento (Nova Geografia), reaparece no interior da Geografia Crítica, firmada no materialismo histórico e dialético e também nas Geografias Humanista e Cultural, as quais, por sua vez, baseiam-se na fenomenologia e na percepção. Deve-se destacar também que o conceito de região, nessa fase, toma outras dimensões, uma vez que passa a ser utilizado por não-geógrafos, ou seja, por aqueles que, de uma pág. 48 forma ou de outra, se interessam pela condição espacial da sociedade. Evidenciam-se, então, novos conceitos de região, e se amplia ainda mais o que já era um pluralismo conceitual (Corrêa, 1995). Esse novo direcionamento na Geografia, ou seja, a Geografia Crítica, nasce paralelamente com outras tendências geográficas: a Geografia Humanística e a Geografia Cultural. São novos “eixos" que trazem em seu bojo preocupações com a questão regional e podem ser considerados como alternativas recentes para a compreensão do conceito de região. O fato é que, no começo da década de 70, ocorriam, no âmbito interno da Geografia, insatisfações diante dos pressupostos teóricos e metodológicos fornecidos pela Nova Geografia. Tal descontentamento foi evidenciado por geógrafos que até então defendiam o neopositivismo, entre eles, Willian Bunge e David Harvey. Ambos consideravam que as modificações trazidas pela Nova Geografia não respondiam às necessidades que se impunham à Geografia em face das transformações ocorridas no mundo. Era necessário buscar caminhos alternativos para explicar os novos fatos que se destacavam, ou seja, as desigualdades, as contradições que eram criadas nos vários quadros regionais. As razões da ruptura com a Nova Geografia devem-se à concepção de que a Geografia deveria ser uma ciência preocupada com os problemas sociais e, por isso, deveria aprofundar as relações sociedade versus natureza, tendo como objeto a realidade social. Assim, os fenômenos da natureza interessam apenas enquanto encarados como recursos ou restrições para a vida humana. A Geografia não discutirá mais os processos naturais em si, mas a natureza como elemento a ser utilizado e apropriado pelo homem. Ferreira e Simões (1986, p. 90) destacam que, entre 1950 e 1970, ocorrem grandes transformações sociais e econômicas no mundo, que alteram o pensamento científico das ciências sociais. Esses acontecimentos têm início com: O fim da guerra fria, através de uma política de coexistência pacífica que atenua as tensões ideológicas internacionais no confronto Leste-Oeste e permite o florescimento da reflexão marxista no Ocidente; as mudanças nos países do Terceiro Mundo; a crise do sistema de dominação ocidental. São esses e outros fatos que levam a novos questionamentos no debate interno da Geografia. Esse debate não poderia ignorar também que, nos países de capitalismo avançado, verifica-se o agravamento de tensões sociais, originado por crise de desemprego e habitação, envolvendo ainda questões raciais. Simultaneamente, em vários países do Terceiro Mundo, surgem movimentos nacionalistas e de libertação. Era necessário dar novas interpretações ou reinterpretar tais questões. O subdesenvolvimento podia agora ser analisado sob uma nova ótica, visto que se tomou conhecimento das consequências da dominação do sistema capitalista e se reconheceram as relações existentes entre o atraso econômico, a dependência e o intercâmbio internacional. Abria-se, assim, para as ciências sociais, um campo novo de trabalho. Era necessário encontrar respostas diferentes das anteriores, isto é, era preciso investigar segundo novas perspectivas e ideologias. Propunha-se, então, uma Geografia mais “aberta”. Ou seja, uma Geografia que ultrapassasse os “muros universitários” e atingisse a sociedade. Uma Geografia pág. 49 que procurasse "mostrar" e "resolver" os problemas sociais ligados ao meio-ambiente, ao êxodo rural, à urbanização acelerada, às favelas, entre outros. Uma Geografia preocupada em ser crítica e atuante. Além dessas preocupações, a Geografia Crítica visava a ultrapassar e substituir a Nova Geografia, pois, conforme Christofoletti (1982, p. 27): Os seus propugnadores consideram a Nova Geografia como sendo pragmática, alienada, objetivada no estudo dos padrões espaciais e não nos processos e problemas sócio-econômicos e com grande função ideológica. Desta maneira, ela procura analisar em primeiro lugar os processos sociais, e não os espaciais, ao inverso do que se costumava praticar na Geografia teorético-quantitativa. Dessa forma, a Geografia Crítica interessa-se pela análise dos modos de produção e das formações socioeconômicas como base para a explicação ou estruturação das distintas formações socioeconômicas espaciais, que devem ser analisadas e compreendidas para o melhor entendimento das regiões. A Geografia Crítica, além de censurar e condenar os paradigmas que a precederam, procura reinterpretar, com base na teoria marxista, aspectos que tinham sido abordados pela Nova Geografia. Dessa forma, reexaminam-se questões como terra urbana, habitação, transportes regionais e localização industrial, entre outros. A Geografia Crítica descobre o Estado e os demais agentes de organização espacial (os proprietários rurais, os industriais, os banqueiros, os incorporadores imobiliários, entre outros) como importantes agentes ou atores na estruturação dos recortes regionais. Como exemplo de renovação crítica, salienta-se a proposta de George et aí. (1975), que propunham uma Geografia ativa, colocando em evidência as contradições do modo de produção capitalista nos vários quadros regionais. Suas preocupações estavam direcionadas para as desigualdades das realidades espaciais. Desse modo, procuravam explicar as regiões, mostrando não apenas suas formas e sua funcionalidade, mas também as contradições sociais nelas existentes, como a miséria, a subnutrição, as favelas, enfim, os aspectos negativos de uma parcela da população que não aparecia até então nas abordagens geográficas. Dessa forma, as análises de vários autores procuram o entendimento da região através de conceitos marxistas baseados no materialismo histórico. Discutem as relações de produção, as relações de trabalho, a ação do grande capital, as forças produtivas, o capital invisível, enfim, como principais responsáveis pela organização dos distintos recortes regionais e como elementos de explicação do diferente dinamismo dos vários quadros regionais, bem como seus novos recortes. Pelo exposto, percebe-se que os estudos regionais, a partir da década de 1970, são retomados em novas diretrizes que procuram explicar o conceito de região. Assim, esse conceito emerge de diferentes perspectivas, as quais vão além daquelas fornecidas pela Geografia Tradicional e pela Nova Geografia. Nesse sentido, uma importante contribuição é fornecida por Gilbert (1988). A autora enfatiza que a Geografia regional praticada após 1970 pode ser considerada como uma Geografia regional nova. Aborda diferentes maneiras de conceituar geograficamente a região, apresentando, especificamente, três direcionamentos básicos para o entendimento desse conceito: (a) a região como resposta pág. 50 local aos processos capitalistas; (b) a região como foco de identidade cultural e, (c) a região como interação social. Para Gilbert (1988), a primeira das três formas para conceituar região é entendê-la como uma resposta local aos processos capitalistas, ou seja: Refere-se à região como a organização espacial dos processos sociais associados ao modo de produção: a regionalização da divisão social do trabalho; a regionalização do processo de acumulação do capital, organizado como uma rede de processos de acumulação parcial interligados, que definiram as bases territoriais; a regionalização da reprodução da força de trabalho, cuja lógica relaciona a região de mercados de trabalho à organização espacial da população e; a regionalização dos processos políticos e ideológicos de dominação usados para manter as relações sociais de produção. (GILBERT, 1988, p- 209). Essa forma de entender a região acentua o papel fundamental da lógica da circulação do capital nesses processos de diferenciação regional. A região passa a ser definida, então, como a articulação concreta das relações de produção em um dado local e tempo, sendo entendida como uma resposta “do" e “para” o capital. Salienta-se, também, segundo a autora, que todas essas definições estão apoiadas na teoria marxista e consideram que a região será melhor analisada a partir das relações de produção e seus desdobramentos em um determinado espaço. A preocupação central é, então, verificar como os processos de circulação do capital operam em lugares distintos, ou seja, em lugares que têm características sociais específicas. Essa é uma nova forma de encarar a região. A preocupação tradicional com a relação homem-natureza amplia-se para incluir a sociedade como agente primordial na formação da região. Portanto, a essência da Geografia regional baseia-se nas relações triangulares entre o homem, a sociedade e a natureza, dando às relações sociais outra dimensão. Embora a dimensão econômica seja a mais explorada das relações, são as atividades produtivas as que despertam atenção, pois é necessário entender os processos através dos quais a produção econômica é estabelecida e modificada nas regiões. A maioria dos trabalhos geográficos que se utilizam da análise marxista estão preocupados com as desigualdades, as quais são próprias do processo de acumulação no modo de produção capitalista. Assim, a acumulação, condição que se faz necessária para a apropriação do sobretrabalho sob a forma de mais-valia, cria um sistema de desigualdade social, resultante do processo de diferenciação entre acumuladores e expropriados. Dessa forma, muitos estudos regionais têm como categoria fundamental, para a análise regional, o desigual desenvolvimento geográfico. As interpretações acerca desse desenvolvimento desigual, suas causas e consequências, compõem um vasto quadro de tonalidades diversas, que se integram a visões diferentes dos fatos constituintes da região, seu papel e sua importância. Nesse sentido, Lipietz (1988), como os demais autores marxistas ou de formação originária do marxismo, parte da preocupação fundamental com a categoria modo de produção, que seria o elemento essencial de abordagem, uma vez que destaca a inserção do modo capitalista no espaço, procurando entender o funcionamento da economia e sua expressão espacial. Assim, ele atribui a existência de regiões desigualmente desenvolvidas pág. 51 52 das à articulação dos modos de produção em sua dimensão espacial. A preocupação fundamental desse autor não é buscar um conceito de região, mas compreender por que o capitalismo gera regiões desigualmente desenvolvidas. Apóia-se, portanto, na teoria do valor para desenvolver sua reflexão. Para ele, o espaço não é um substrato neutro, mas um elemento embutido na totalidade social. Esse espaço social passa a ser, então, segundo Lipietz (1988, p. 13), um momento da reprodução social, “[...] permitindo compreender o caráter heterogêneo, desigualmente desenvolvido, do espaço concreto, e a polarização entre as nações, entre as regiões...”. Lipietz constata também que o desigual desenvolvimento geográfico é fruto da articulação entre o modo de produção capitalista (dominante) e os diferentes modos de produção, surgindo daí “espaços" ou “regiões" dominantes e dominados. O agente responsável por essa desigualdade seria a divisão internacional e inter-regional do trabalho, estabelecida diferentemente, e que, ao mesmo tempo, se baseia em uma polarização do tipo centro-periferia do espaço infere intranacional, que dinamiza o circuito de mercadorias. Para Lipietz (1988) é importante salientar o papel do Estado no gerenciamento da crise regional. Entende ele que o Estado tem duas atribuições fundamentais para desempenhar essa tarefa. A primeira seria a de remover as barreiras ao desenvolvimento do capitalismo, destruindo o sistema anterior; a segunda, a de inaugurar uma nova apropriação legal do espaço. Para tal propósito, utilizar-se-ia o planejamento espacial de infra-estrutura (forçando uma mudança na lei de valor do espaço) e a imposição de uma lógica capitalista avançada ao espaço legal. Nesse contexto, a permanência de modos de produção distintos em um mesmo espaço dependeria da capacidade e competência do Estado em proporcionar o avanço do capitalismo monopolista através de uma nova divisão do trabalho e, pela intervenção política e social, evitar a manifestação de conflitos, garantindo, ao mesmo tempo, a modernização e o controle social. Dessa forma, de acordo com Lipietz apud Gomes (1987, p. 126), deve-se ter em mente que: [...] fica assim subentendido que a raiz geradora dos conflitos se deve à recusa de modos de produção não tipicamente capitalistas em 'aceitarem' a modernização imposta pelo capitalismo monopolista. Conclui, pois, que o território é o produto do relacionamento complexo entre o capitalismo monopolista, a intervenção do Estado e as heranças de períodos anteriores. Em seu artigo, Lipietz (1988) não diz claramente, mas pode-se perceber, pelas afirmações emitidas, que a região seria o locus onde ocorre a reprodução de heranças passadas em luta constante contra a ordem geral capitalista monopolista. Desse conflito, geram-se, muitas vezes, crises regionais, que nem sempre o Estado está aparelhado para resolver. Outro fato a ser salientado é que as regiões apresentam diferenças, pois são produtos da articulação entre modos de produção pré-capitalistas com o modo de produção dominante. A articulação de modos de produção para Lipietz se assemelha à variação e especificidade nas relações capital-trabalho e nas relações sociais de produção. Lipietz (1988), portanto, interpreta o modo de produção capitalista como uma única forma concreta, e não em sua devida dimensão de categoria analítica, abstratamente construída e, por definição, generalizante. Pág. 52 Pelo exposto, deve-se ressaltar que, para Lipietz (1988), a região surge como produto das relações inter-regionais. Esse entendimento reforça a idéia de que a região não existe como uma entidade preexistente e auto-definida. A região vai ser caracterizada segundo o forem as relações inter-regionais, que, por sua vez, são uma dimensão das relações sociais. A formação das regiões é, pois, um processo integrado ao movimento do capital no sentido de sua valorização. Nesta linha de pensamento, o modo de produção capitalista, dentro da sua lógica peculiar, distribui os diversos ramos da divisão do trabalho entre as várias regiões, em função de condições concretas favoráveis, o que inclui formas econômicas remanescentes de modos de produção anteriores. Outra maneira de enfocar o conceito de região é feita por Oliveira (1981), que analisa a questão específica da Região Nordeste do Brasil sob a ótica econômica e política, condenando a compreensão do planejamento regional sob o enfoque dos desequilíbrios regionais. Para o autor, a questão reveste-se de maior complexidade, que deve estar baseada na ótica da divisão regional do trabalho no Brasil, ou melhor, como ele próprio enfatiza (1981, p. 25): “[...] vale dizer, sob a ótica do processo de acumulação de capital de homogeneização do espaço econômico do sistema capitalista no Brasil”. Para o autor, é interessante privilegiar um conceito de região que se fundamente na especificidade da reprodução do capital, nas formas que o processo de acumulação assume, na estrutura de classe peculiar a essas formas e, portanto, também nas formas da luta e do capital social em escala mais geral. Desse ponto de vista, em determinado espaço nacional, existem regiões, tanto mais determinadas quanto mais sejam diferenciados os processos nelas existentes. Desse modo, num sistema econômico de base capitalista, existe uma tendência para a completa homogeneização da reprodução do capital e de suas formas, graças ao processo de concentração e centralização do capital, o que acabaria por fazer desaparecer as regiões. Tal tendência, entretanto, quase nunca chega a materializar-se de forma completa e acabada, pelo próprio fato de que o processo de reprodução do capital é, por definição, desigual e combinado. Entretanto, em alguns espaços econômicos do mundo capitalista, de que talvez a economia norte-americana seja o exemplo mais completo, é inegável o grau de homogeneização propiciado pela concentração e centralização do capital, de forma a atenuar as diferenças entre os vários segmentos do território nacional. Já no Brasil, tal tendência é dificultada pelos diferentes estágios que o processo de reprodução do capital assume nos distintos recortes regionais. O autor ressalta também que a dupla face do imperialismo e, primordialmente, as suas relações com as regiões continuam a se manifestar no atual estado da divisão internacional do trabalho no capitalismo. A partir da definição de região, o autor reconhece a existência de espaços econômico-político-sociais nos quais o capital comercial comanda as leis de reprodução sem, no entanto, penetrar propriamente na produção. Assim, tal região se diferenciaria de uma outra onde o capital tivesse penetrado no próprio sistema produtivo, cujo capital industrial -em sentido lato, pois a agricultura capitalista também é uma indústria - seria o responsável pela reprodução do sistema. Dessa pág. 53 forma, sucessivamente, as diversas formas de reprodução do capital conformariam "regiões" distintas. Para o autor em foco, não seria uma tipologia de “regiões" caracterizada, por sua vez, por uma tipologia do capital, pois é evidente que as distintas formas de reprodução do capital nunca se apresentam nem em estado puro nem isoladas, mas ocorrem em estágios em que há uma sobredeterminação principal da forma de reprodução que subordina as demais. A especificidade de cada região completa-se, pois, num quadro de referências que inclua outras regiões, com níveis distintos de reprodução do capital e relações de produção. Esse fato é inegável, pelo menos quando se está em presença de uma economia nacional, que globalmente se reproduz sob os esquemas da reprodução ampliada do capital. Pode-se dizer que a maior contribuição de Oliveira (1981) para o conceito de região é a originalidade da sua abordagem sobre a questão regional no Brasil. Acresce-se a isso o seu esforço teórico no sentido de desenvolver o conceito de região a partir da inclusão do elemento político como determinante fundamental na construção do espaço social. Embora essa preocupação não estivesse ausente no pensamento dos demais autores, nele a questão do político ganha uma conotação peculiar. Como se percebe, o autor destaca que o conceito de região sob a ótica econômica e política é de natureza dinâmica por definição, uma vez que está ligado ao movimento da reprodução do capital e das relações de produção. Santos (1978) advertia para a crise da noção clássica de região. Segundo ele, os progressos ocorridos nos transportes e nas comunicações, imprimindo nova dinâmica à economia nacional e internacional, promoveram a interação íntima entre os grupos humanos e a superfície terrestre onde habitam, não podendo mais a região ser vista de modo isolado nem de forma auto-suficiente. Assinala Santos (1978, p. 10) que se deve ter cuidado ao empregar-se o termo região, pois, Se pretendermos manter a denominação somos obrigados a redefinir a palavra. Nas condições atuais da economia nacional, a região já não é realidade viva, dotada de coerência interna. Definida, sobretudo do exterior, seus limites mudam em função dos critérios que lhe fixamos. Por conseguinte, a região não existe por si mesma. É possível, pelo exposto, reconhecer que é necessário entender a região sob outro prisma. A própria eclosão da Geografia Crítica contribuiu para que novas diretrizes fossem buscadas para entender a dinâmica da organização espacial. Para tanto, privilegiou-se a preocupação com o social, a internacionalização do capital e a própria divisão internacional do trabalho. Santos (1988) destaca que um dos parâmetros para melhor compreender a região é entendê-la através do modo de produção. Para ele, a região é uma categoria de análise que permite apreender como uma mesma forma de produzir ocorre em diversas partes do globo, reproduzindo-se de acordo com suas especificidades regionais. Santos (1994a), quando aborda a questão relativa à dinâmica espacial e à dinâmica social, fatores relevantes para a dinâmica territorial e, portanto, para a formação das regiões, enfatiza, outra vez, a preocupação com o conceito de região, afirmando: pág. 54 Da mesma forma, como se diz hoje, que o tempo apagou o espaço, também se afirma que, nas mesmas condições, a expansão da presença do capital hegemônico em todo o espaço teria eliminado as diferenciações regionais e, até mesmo, proibido de prosseguir pensando que a região existe. Quanto a nós, ao contrário, pensamos que: em primeiro lugar, o tempo acelerado, acentuando a diferenciação dos eventos, aumenta a diferenciação dos lugares; em segundo lugar, já que o espaço se torna mundial, o ecúmeno se redefine, com a extensão a todo ele do fenômeno de região. Agora, exatamente, é que não se pode deixar de considerar a região, ainda que a chamemos por outro nome. (SANTOS, 1994a, p. 97). Fica evidente, então, pelas considerações anteriores, que a região continua a existir e a desafiar os geógrafos na busca de um conceito mais atual. É necessário deixar claro que, com as constantes mudanças, com a globalização, o mundo não é o mesmo. Portanto, entender a região hoje é vê-la como um produto de articulações que são engendradas constantemente no espaço. Essas conexões são resultantes dos fatores hegemônicos e do Estado, que se manifestam com mais força em uma determinada porção da superfície terrestre. Essa força é resultante da presença da técnica, da informática, das comunicações, dos transportes, da indústria, entre outros fatores, que se articulam e organizam e/ou desorganizam as distintas parcelas na superfície da Terra. Santos salienta que a região não pode ser vista hoje isoladamente, uma vez que o processo de globalização que comanda o mundo torna-o “menor" e cada vez mais interligado. Não faz, pois, sentido falar-se de regiões isoladas. Os fluxos, as redes, a dinâmica espacial fazem com que as regiões percam sua autonomia. Pode-se dizer que, nesta fase de internacionalização da economia, a região é resultante dos processos modernos de produção que ocorrem em nível global. E isso vai colocar o regional em plano inferior, chegando, muitas vezes, a desconsiderá-lo. Para reforçar as idéias expostas, é oportuno destacar, nas palavras de Santos (1988, p. 46), que a região assumiu maior complexidade e que, atualmente, Compreender uma região passa pelo entendimento do funcionamento da economia ao nível mundial e seu rebatimento no território de um país, com a intermediação do Estado, das demais instituições e do conjunto de agentes da economia, a começar pelos seus atores hegemônicos. E Santos (1988, p. 46) vai ao âmago da questão quando salienta que: “[...] estudar uma região significa penetrar num mar de relações, formas, funções, organizações, estruturas etc., com seus mais distintos níveis de interação e contradição". Portanto, o espaço tende a se tornar uno para atender aos ditames de uma produção globalizada. E as regiões, segundo Santos (1988, p. 46), “[...] aparecem como as distintas versões da mundialização". E vai além, dizendo que [...] esta não garante a homogeneidade, mas, ao contrário, instiga diferenças, reforça-as e até mesmo depende delas". Tais afirmações nos conduzem a refletir sobre a importância de se compreender as diferentes geografizações das variáveis que geram uma região. Sabe-se que o modo de produzir é uma das principais variáveis e permite a formação dos distintos recortes regionais. Assim, é fundamental entender a região através da sua história, de seus funcionamentos específicos, de suas relações, do seu arranjo particular, sempre em movimento. E mais uma vez Santos (1988, p. 48) que nos diz: pág. 55 Num estudo regional se deve tentar detalhar sua composição enquanto organização social, política, econômica e cultural, abordando-lhe os fatos concretos, para reconhecer como a área se insere na ordem econômica internacional, levando em conta o preexistente e o novo, para captar o elenco de causas e consequências do fenômeno. Santos (1988) nos mostra também que, para entender a região atualmente, é necessário fazer um estudo aprofundado, que vai desde a gênese (entendimento histórico) até as instituições, as firmas, as formas, as estruturas e os processos que vão permitir o entendimento das transformações e, conseqüentemente, a apreensão da realidade, ou melhor, da dinâmica espacial. Assim, para Santos (1985, p. 66), a “região é o locus de determinadas funções da sociedade total em um momento dado”. No entanto, as precedentes divisões espaciais do trabalho criaram, na área respectiva, instrumentos de trabalho fixos, ligados às diversas órbitas do processo produtivo, aos quais se vêm juntar novos instrumentos de trabalho necessários às atividades novas e renovadas, atuais. Entre esses fixos, há os que estão ligados à atividade direta dos produtores individuais e os que são socialmente criados. No que tange aos últimos, sua lógica não é apenas regional, mas ligada ao funcionamento da economia nacional. A cada momento histórico, a região, ou um subespaço do espaço nacional total, aparece como o melhor lugar para a realização de um determinado tipo de atividade. Nessa perspectiva, segundo Santos (1985, p. 66), a região se definiria, então, como “o resultado das possibilidades ligadas a uma certa presença, nela, de capitais fixos exercendo determinado papel ou determinadas funções técnicas". Falar de região é, portanto, entender a dialética do mundo. É aceitar o velho e o novo que constantemente se conflitam organizando e desorganizando parcelas do espaço. Com a globalização, o lugar passa a ser o locus de muitas interações, guardando, assim, uma posição privilegiada. Quanto maior a inserção da ciência e da tecnologia, maior a intensidade dos fluxos que chegam e que saem de uma área. Esse processo pode conduzir (e conduz) à estagnação e até mesmo ao desaparecimento dos lugares. Sendo dinâmico o processo, é no lugar aonde a informação chega com maior velocidade e onde são estruturadas ou reestruturadas as transformações. E, se os lugares mudam, as regiões também devem ser reorganizadas. É por isso que os recortes espaciais se modificam, se transformam. Santos (1988) alerta que hoje já não se pode mais falar em circuitos regionais de produção, mas sim em circuitos espaciais de produção. As regiões se especializam, não necessitando produzir de tudo. Dessa forma, a complexidade atual do mundo faz com que os sistemas técnicos se desenvolvam rapidamente. Entretanto, a sua “invasão" sobre uma área não é igualitária, pois essa invasão é, segundo Santos (1994a, p. 114), “[...] limitada exatamente porque esses objetos estão a serviço de atores e forças que somente se aplicam se têm a garantia do retorno aos seus investimentos, seja esse investimento econômico, político ou cultural". Essa limitação, ou seja, a não homogeneização de atores e forças diferencia os espaços, segundo as disponibilidades e combinações de condições de aplicação do capital, circulação de mercadorias, disponibilidade de mão-de-obra e desenvolvimento pág. 56 industrial. Dessa diferenciação, ocorre, segundo Santos (1994a, p. 14), um novo modo de encarar as regiões, pois atualmente existem, segundo ele, as "regiões do fazer” e as "regiões do mandar”. Santos (1994a, p. 115) assinala que a aparente inércia pela qual os espaços são atualmente organizados ou desorganizados deve-se, em parte, "à mudança de definição do conteúdo funcional das regiões". Tal fato é decorrente da mudança do relacionamento entre as áreas. Anteriormente, os diversos elementos de uma área se relacionavam onde estavam, e sua unidade se dava através de trocas de energia interna. Atualmente, a funcionalidade das áreas é bem mais complexa e, muitas vezes, estranha à própria área, ou melhor, externa a ela. Nessa complexidade, as áreas detentoras de maior especialização técnica adquirem sobre as demais poder de comando. Como a difusão da técnica e sua adoção ocorrem de forma descontínua sobre o espaço, sempre existirão regiões hegemônicas e regiões submissas (dependentes). Por conseguinte, o conteúdo do conceito de região imbrica-se a outros. Não se trata de negá-lo, mas, pelo contrário, de entendê-lo como dinâmico e instável do ponto de vista espacial. Cada espaço guarda sua especialização, que, no entanto, só se efetiva dependendo da dinâmica imposta pelo mercado. As dificuldades apresentadas por algumas regiões, como falta de infra-estrutura e de comunicações, desenvolvimento técnico com diferentes estágios, entre outros fatores, às vezes, retardam o seu desenvolvimento e, assim, geram a diferenciação regional. Santos (1994b) nos adverte que, para entender o conteúdo de uma região na atualidade, é necessário compreender sua complexidade em nível global. Ou seja, a região passa a ser o resultado da articulação que ocorre em nível global, tendo o Estado como principal viabilizador dessas conexões. Paralelamente, deve ser considerada a capacidade do sistema técnico de cada região que, quanto maior, maior importância atribui a ela. Santos (1994a) nos conduz ao entendimento da região dentro de uma visão sistêmica do mundo. Ou seja, as regiões têm uma dinâmica interna e externa, as quais não podem ser vistas como contraditórias. Santos (1994a, p. 36-37) destaca que: [...] o local e o global não são contradição, ambos se completam e se explicam mutuamente. O lugar é um ponto do mundo onde se realizam algumas das possibilidades deste último. O lugar, a região não mais o fruto de uma solidariedade orgânica, mas de uma solidariedade regulada ou organizacional. A região deve ser entendida, pois, dentro da complexidade do mundo atual (e todos os textos de Santos (1994a) nos direcionam por este caminho), no qual, tornando-se cada vez mais especializadas as regiões, estas são mais específicas, mais fundamentais. Outro autor que analisa o conceito de região sob a vertente teórica da dialética, apoiando-se nos conceitos de modo de produção e de formação social, baseados no materialismo dialético, é Duarte (1980). Para ele é relevante considerar a região como um objeto de conhecimento que muda no tempo, como qualquer outro objeto científico. Dessa forma, Duarte (1980, p. 24) propõe que o entendimento da região passa pelas instâncias que caracterizam a superestrutura em uma formação social e, para tal, destaca que pág. 57 [...] parte-se da premissa de que, em uma formação social, existem contradições e interesses antagônicos, não só entre ramos da economia, como entre segmentos da classe dominante, entre classes dominantes de diferentes espaços e, por conseguinte, entre os espaços. As contradições são reflexos de diferentes formas de reprodução do capital e que têm uma dimensão espacial. Isto é uma conseqüência do fato do capitalismo, em uma formação social, se apresentar em diferentes estágios de desenvolvimento, em diferentes espaços. Há, então, interesses antagônicos na totalidade social e estes têm diferentes dimensões espaciais. Enfocando essas idéias, Duarte (1980, p. 25) passa a propor a região como [...] uma dimensão espacial das especificidades sociais em uma totalidade espaço-social. Ela passa a ser um objeto para se entender uma totalidade social e a organização do espaço por essa totalidade [...]. Regiões são espaços em que existe uma sociedade que igualmente dirige e organiza aquele espaço. Que tem atuação sobre o mesmo, ainda que seja uma atuação associada a interesses de outros espaços ou de certos grupos sociais ou mesmo de capital externo à formação social. Esse conceito de região é criticado por Corrêa (1986). Para ele, quando Duarte (1980) enfatiza que não há uma elite regional capaz de opor resistência à homogeneização da sociedade e do espaço pelo capital, está declarando, em outros termos, que deixa de existir a região. E Corrêa (1986, p. 41) vai além, dizendo que “Esta conceituação tem, ao nosso ver, o defeito de considerar região uma situação que, no capitalismo monopolista de hoje, é cada vez mais inexistente. As regiões tenderiam, assim, a desaparecer. Ou seja, não haveria mais diferenciação de áreas”. Todavia, a problemática que se coloca, no que concerne a esse conceito, nos conduz a concordar com Corrêa (1986), pois, ao se aceitar esse enfoque referente à região, perder-se-ia um conceito-chave da Geografia. Além disso, acredita-se que a pretensa homogeneização pelo capital não ocorre de forma generalizada na superfície da Terra e, conseqüentemente, os recortes regionais são distintos e têm características peculiares. Cria-se, assim, um processo de especialização dos recortes regionais em conseqüência da diferente penetração do capital que, no decorrer do tempo, tem se manifestado como principal ator da organização e/ou desorganização das regiões. Massey (1981) é outra autora que analisa a temática do conceito de região pelo viés da compreensão do capitalismo em suas formas mais gerais. Sua atenção volta-se, portanto, para as estratégias e instrumentos utilizados pelo sistema capitalista. Nessa compreensão insere então a região, entendendo-a não como o objeto fundamental, mas como resultante do processo de acumulação e da produção do desenvolvimento espacial desigual. Entende a autora, desse modo, que o processo de acumulação capitalista engendra desigualdades entre regiões, o que leva ao abandono de algumas áreas, nas quais, conseqüentemente, restarão reservas de força de trabalho. Estas, por sua vez, poderão inserir-se em outras áreas, para novos ramos de produção. Nesse contexto, Massey (1981, p. 66) argumenta que [...] tomamos como ponto de partida os processos de produção historicamente dominantes e definimos a desigual distribuição geográfica das condições de acumulação em relação a estes processos [...] isto significa começar com aqueles elementos da acumulação que possuem efeito sobre a taxa de lucro e que estão distribuídos desigualmente no espaço [...]. O fato de que a pág. 58 desigualdade regional seja especificada em relação às características que envolvem a produção significa que a regionalização não é produzida externamente. Por conseguinte, o conceito de região fica relegado a um segundo plano, ou seja, fica empobrecido, pois a região passa a ser resultante das distintas condições de acumulação do capitalismo e sujeita à dinâmica espacial. E Massey (1981, p. 66) reafirma tal assertiva quando enfatiza que “[...] em qualquer período, novos investimentos na atividade econômica podem ser geograficamente distribuídos, como resposta aos padrões de diferenciação espacial". Nota-se, assim, que a preocupação da autora não é a compreensão da região em si, mas a forma como o capitalismo a organiza ou a desorganiza. E, após algumas análises, conclui que o desigual desenvolvimento que ocorre nos recortes regionais é permanentemente renovado. A existência de diversas características que se combinam e organizam distintamente o espaço. Os novos setores de produção avançados articulam-se com formas herdadas e se refletem sobre a estrutura das classes sociais. Assim, se a regionalização preestabelecida, por um lado, não pode responder plenamente à variabilidade desse processo espacialmente complexo, por outro, ressalta Massey (1981, p. 76-77), “[...] uma investigação no padrão resultante de acumulação e seus efeitos podem exigir algum método de síntese espacial, e isto pode incluir a identificação de 'regiões'”. Procurando aprofundar o conceito de região, a autora adverte que, em decorrência da complexidade de fatores que atuam na acumulação, não é adequado o uso de um critério específico para a sua definição. Devem ser estabelecidos distintos critérios dentro da especificação e coerência regional. Porém Massey (1981, p. 77) sugere que, nesses critérios, "[...] as relações de classes serão evidentemente um componente dominante”. Fica evidente, pelas idéias da autora, que a região é resultante da produção desigual do espaço no qual ocorre a localização de diferentes condições de acumulação. Ou seja, a região funciona objetivamente como uma regionalização “do” e “para” o capital. Nas afirmações de Massey, percebe-se que, em nenhum momento, ela tem a pretensão de estabelecer novos conceitos para a espacial idade regional. Ao contrário, ao aproximar a região e o capitalismo, a tendência é o empobrecimento da primeira, considerando-a simplesmente sob uma forma classificatória, destituída de qualquer compromisso conceitual. Outros autores da mesma linha se recusam a considerar a região como um conceito legítimo, do ponto de vista marxista. Para Markusen (1981), a primazia do estudo das relações sociais ditadas pelo marxismo levaria a fetichizar o espaço à categoria de relações sociais. Nesse sentido, Markusen (1981, p. 62) assim se manifesta: [...] as regiões existem e são significativas para os marxistas apenas como fenômenos empíricos sujeitos a uma análise concreta, histórica e caso a caso. Tanto a pesquisa marxista como a não marxista reprovam o tornar fetiches as regiões, quando há a sugestão implícita de que as regiões são afores econômicos e espaciais onde um espaço explora outro. Desta forma, Markusen assinala que o conceito de região não é uma categoria marxista fundamental. Tal fato é decorrência de que a teoria marxista se constrói sob o pág. 59 referencial do modo de produção e tem um compromisso em preservar um marco coerente na ciência social, o qual se desloca do aspecto geral para fenômenos específicos. Assim, as entidades denominadas regiões foram e são um importante objeto de luta humana, e, para os marxistas, o significado de uma região encontra-se nas lutas que nela ocorrem, e não na entidade de per si. E Markusen (1981, p. 63) assinala que “Se as regiões não fossem a base ou a arena para o conflito, seu estudo seria desinteressante e talvez não existisse". Cabe, então, para entender o conceito de região, analisar as causas de tais conflitos, causas essas que devem ser buscadas nas relações sociais das regiões. Segundo a autora, para evitar o problema do conceito de região, seria mais correto e útil falar em regionalismo. Assim, Markusen (1981, p. 65) conceitua regionalismo como [...] a adoção de uma reivindicação territorial por um grupo social...” ou “[...] um fenômeno social, sobre o qual se podem fazer algumas considerações teóricas e dotá-lo de um significado abstrato..." ou, ainda, como algo referente "[...] à dinâmica social objetiva, que causa diferenças territoriais em formações sociais". Após exaustiva explanação sobre o regionalismo e suas implicações, Markusen (1981, p. 90-97) nos conduz a uma reflexão sobre o que não é região, ou seja, “[...] A região não é uma classe econômica, nem mesmo uma unidade econômica; a região não é um grupo cultural e a região não é somente uma unidade política". Quando Markusen (1981) declara que a região não é uma classe econômica, nem mesmo uma unidade econômica, enfatiza que duas definições comuns de região estão implícitas na maioria dos trabalhos marxistas. [...] a região é uma unidade econômica [...] ou uma região é sinônimo de classe econômica [...]. A primeira interpretação é fácil de ser refutada [...]. A produção e as trocas nos EUA estão firmemente interligadas com as do resto do mundo capitalista. Além do mais, as unidades econômicas não têm relações; quem as tem são as classes e instituições políticas nas nações e regiões [...]. As regiões não são diferenciáveis como classes [...] é fácil de provar que a classe capitalista não tem local de residência [...] e que seus lucros estão constantemente sendo transformados em nova atividade de produção, em locais distintos do globo. (MARKUSEN, 1981, p. 90-91). Considerando que a região não é um grupo cultural, Markusen (1981, p. 93-94) argumenta que [...] a luta cultural não necessita estar comumente localizada em um território para ser regional, mas precisa ter um objetivo territorial". A preservação cultural não necessita, pois, de uma organização territorial, o que se comprova, por exemplo, com a cultura judia, que cresceu e prosperou em muitos países. Dessa forma, a autora destaca que se uma cultura está concentrada territorialmente, ela pode ser a base para uma luta regional quando a identidade cultural é suprimida pelo Estado ou usada como base para exploração em instituições econômicas. Justificando a afirmativa de que a região não é somente uma unidade política, Markusen (1981, p. 95) diz que: É necessário argumentar agora que as regiões não são somente uma unidade política e que nem todas as unidades políticas se constituem em regiões. A definição de regionalismo implica que as regiões são somente unidades territoriais, com algum conteúdo político em sua definição. A dimensão política é essencial para a definição, enquanto o conteúdo cultural não o é pág. 60 [...]. É necessário ressaltar, também, que a natureza da opressão política precisa, em última instância, estar ligada a alguma forma de opressão econômica ou cultural, resultante das diferenças entre regiões. Segundo a autora, o Estado tem papel preponderante quando se fala dos problemas regionais, pois as intervenções e ações do Estado podem levar a conflitos quando uma determinada política econômica beneficiar determinado local em detrimento de outro(s). Destaca também a autora que nem todo território ou unidade política constitui uma região, e que a existência de uma ou mais fontes de diferenciação é condição suficiente para que se forme a luta regional. Ou seja, a região, na teoria marxista, não deve ter um caráter normativo e necessitará, sempre, para sua interpretação, de uma análise concreta e histórica de cada instância. Contribuindo ainda para uma caracterização totalizante de região, Markusen (1981, p. 97) conclui, enfatizando que teorizar sobre o trajeto do desenvolvimento capitalista de uma região requer uma análise empírica que identifica “as estruturas culturais, políticas e econômicas que se desenvolveram historicamente, tanto internamente como em relação a outras regiões". A incorporação de “relações culturais", certamente inéditas na abordagem regional marxista, leva a reconhecer nelas um significativo grau de autonomia e resistência à mudança. Para Soja (1993), é importante ressaltar que mudanças significativas, principalmente nos padrões de desenvolvimento regional desigual dos últimos vinte anos, e alguns acontecimentos na economia global: [...] parecem estar desarticulando a límpida compartimentalização entre Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos, e induzindo a proclamações de uma 'Nova Divisão Internacional do Trabalho', o mosaico padronizado da diferenciação regional subnacional vai se tornando mais caleidoscópico, liberto de sua rigidez anterior [...] e também uma série de inversões de papel das regiões' [...]. à medida que áreas industriais, antes prósperas, vão declinando, simultaneamente, à rápida industrialização de periferias regionais antes menos desenvolvidas. (SOJA, 1993,p.197). É ainda Soja (1993, p. 192) que destaca: “[...] o capital é um auteur rude e irrequieto. Ele se empenha e negocia, cria e destrói, sem jamais ser inteiramente capaz de se decidir...//. Tanto é assim que Soja (1993) nos adverte para o ressurgimento da questão regional, a qual, ultimamente, se faz presente de modo significativo através de inúmeras publicações. Portanto, a região, atualmente, diante das estratégias espaciais e locacionais, possui uma flexibilidade bem maior, imposta pela acumulação do capital. Ou seja, busca-se o melhor arranjo espaço-temporal para atender as mudanças estruturais da sociedade. Nesse enfoque. Soja (1993, p. 198) diz que: Situar a questão regional (subnacional) no contexto do desenvolvimento geograficamente desigual liga-se à dinâmica das mutáveis divisões espaciais do trabalho e à interação entre a regionalização e o regionalismo. As regiões subnacionais assim definidas, portanto, são produto de uma regionalização no nível do Estado nacional, uma diferenciação geográfica particularizada, que é tão provisória, ambivalente e criativamente destrutiva quanto qualquer outro componente da matriz espacial do desenvolvimento capitalista. Pág. 61 Considerando os autores analisados, é importante ressaltar que a região, no contexto da resposta ao processo capitalista, deve ser entendida sob dois ângulos. Inicialmente, é a síntese espacial de processos de acumulação. Deve ser apreendida, pois, como um fenômeno essencialmente econômico, tendo perdido o valor intrinsecamente geográfico para adquirir a significação que lhe permite as condições concretas e físicas diferentes do processo capitalista. A outra interpretação a ser considerada é que o contexto materialista tenta fornecer uma "nova roupagem” à antiga noção de região, enfatizando sua preocupação com o social, principalmente os regionalismos. A região é, pois, um objeto individualizador, que abrange a problemática do espaço, nela incluída a dinâmica social, econômica e política que lhe é inerente. Entretanto, a Geografia Crítica ainda não estabeleceu um conceito de região mais consentâneo com a realidade e com seus própri- os pressupostos (GOMES, 1987). A segunda maneira de direcionar o entendimento do conceito de região enfatizado por Gilbert (1988) é apreender a região como um foco de identificação cultural. Esta visão é menos predominante nos estudos sobre região e considera que, nas relações sociais, a cultura é o objeto principal das abordagens regionais. É interessante destacar que o conceito de região, através da fenomenologia, inaugura um "novo olhar" sobre as relações que estão contidas nesse conceito. Assim, para sua compreensão, é necessário ter como parâmetro a identidade cultural, que se constitui na segunda forma de entender a região na vertente do seu conceito atual. Portanto, o sentido de região, nessa abordagem, está vinculado ao de lugar. E o lugar, por sua vez, é constituído de indivíduos que habitam ou habitaram seus espaços e que, por conseguinte, imprimiram neles sua cultura. Dessa forma, a identidade cultural coloca novamente os seres humanos como atores na produção e reprodução da vida social e dos lugares. Considerando a identidade cultural como um novo paradigma regional, a região pode ser definida, representada e diferenciada. Assim, a perspectiva humanística sobre a sociedade é valorizada e passa a ser vista como um conjunto de significados expressos em um determinado recorte regional. Assim sendo, a partir do estudo dos costumes, dos hábitos ou das representações que as coletividades fazem de sua existência em um território, é possível superar o entendimento da região como uma simples espacialização ou projeção de fenômenos determinados fora daquele espaço. A identidade serve, assim, a uma visão mais global e comprometida com os objetivos do espaço que se está investigando. Nesse ponto, fica bem claro o antagonismo com as correntes mais racionalistas, que pretendem usar a região como um instrumento de análise, um artifício locacional. Sob o enfoque da identidade cultural, a região existe, é concreta e tem uma consistência que ultrapassa as considerações daqueles que a observam. Ela é apropriada e vivida por seus habitantes e diferencia-se das demais, ou seja, o espaço fornece a identidade do grupo social nele existente. Estudar a região sob a perspectiva da identidade cultural é manipular o código de significações nela representado. De acordo com essa abordagem, a região, segundo Gilbert (1988, p. 210), é definida como "[...] um conjunto específico de relacionamentos culturais entre um grupo e determinados lugares...” ou, então, "[...] a região é uma apropriação simbólica de uma pág. 62 porção do espaço por um determinado grupo e é um elemento constitutivo de sua identidade". Para essa abordagem, duas fontes principais são consideradas. A primeira é a Geografia Humanista, que se apóia nas filosofias do significado e que, em última instância, concebe a região como um espaço vivido. Essa concepção está muito próxima das conceitualizações tradicionais de região, típicas da escola francesa, de Vidal de La Blache, alicerçadas na paisagem e no gênero de vida. A segunda fonte é a Geografia Cultural renovada, que tem suas origens nos estudos sobre a paisagem, realizados por geógrafos alemães, franceses e anglo-saxônicos (Corrêa, 1995). A retomada da explicação de cunho humanístico, na tendência humanístico-cultural, encontrou a fenomenologia e, com ela, deu-se à volta na busca da metafísica, contestada e criticada em épocas passadas. Assim, de acordo com Gomes apud Castro, Gomes e Corrêa (1995, p. 67): O humanismo na Geografia, ao contrário da Geografia Radical, foi buscar no passado da disciplina elementos que [...] seriam importantes resgatar. Um destes elementos foi à noção de região, vista como um quadro de referência fundamental na sociedade. Consciência regional, sentimento de pertenci mento, mentalidades regionais são alguns elementos que [...] chamam a atenção para revalorizar esta dimensão regional como um espaço vivido. Desde a Geografia Cultural de Sauer (1925) e seus seguidores, já se esboçavam preocupações de interpretar o meio geográfico através da cultura dos distintos grupos humanos. A abordagem humanística estrutura-se a partir de 1960 e solidifica-se como corpo cognoscitivo na década de 70, tendo como fundamento teórico a filosofia da fenomenologia existencial e a noção da percepção. Dessa forma, a Geografia humanístico-cultural procura analisar de que modo os fatores culturais e a percepção interferem nas ações de organização e de elaboração do espaço geográfico e, também, nos recortes regionais. Para Tuan (1980), a Geografia Humanística tem como objetivo fundamental refletir acerca dos fenômenos geográficos, com o intuito de proporcionar melhor entendimento do homem e de sua condição. Nesse sentido, Tuan apud Christofoletti (1982, p. 143), destaca que “[...] a Geografia Humanística procura um entendimento do mundo humano através do estudo das relações das pessoas com a natureza, do seu comportamento geográfico, bem como dos seus sentimentos e idéias a respeito do espaço e do lugar...". Nesse sentido, Tuan (1980) desenvolveu amplos estudos mostrando a necessidade do homem de conhecer seu território e o lugar onde vive. Afirma que as atitudes humanas, quanto ao seu território e lugar, são semelhantes a dos animais, que defendem seu espaço vital contra os intrusos. Dessa forma, o ser humano se faz agente da organização de determinada porção da superfície terrestre, graças, basicamente, ao papel da emoção e do pensamento, principais elos de ligação entre o homem e um certo espaço. Assim, para cada indivíduo ou grupo humano, existe uma visão do mundo que se expressa através de suas atitudes e valores para com o meio ambiente. Essas preocupações, segundo Christofoletti (1982), resgatam duas noções básicas da Geografia, ou seja, fornecem novos significados ao espaço e lugar. Dessa maneira, espaço e lugar surgem com outra conotação. É da valorização da percepção e das atitudes que decorre pág. 63 a preocupação de verificar os gostos, as preferências, as características e as particularidades do lugar. Valorizam-se o quadro físico e os aspectos culturais que resultam na personalidade do lugar, conferindo-lhe, pois, uma “identidades”. E é essa identidade que vai distingui-lo dos demais. Sob esse enfoque, a corrente da Geografia Humanística trouxe novas perspectivas para os estudos regionais. Entretanto, uma questão-chave é colocada para sua interpretação, ou seja, a escala. Não há dúvida de que pequenos lugares podem ser facilmente conhecidos através da experiência direta dos indivíduos. Mas e a região? Como considerar uma grande região como o Estado-nação, que está além da experiência direta da maioria das pessoas? A propósito dessas indagações, Tuan (1980) enfatiza que a região pode ser transformada em um lugar, através de um meio simbólico da arte, da educação ou da política. Ou seja, a qualidade da ligação emocional dos objetos físicos, as funções dos conceitos e símbolos são primordiais na criação da identidade do lugar. Para Tuan apud Christofoletti (1982, p. 156) a perspectiva da Geografia Humanístíca no resgate do conceito de região é essencial, pois A Geografia regional, que tem êxito em capturar a essência de lugar, é um trabalho de arte. A retratação de uma região tem a mesma espécie de dificuldade que a retratação de uma pessoa, porém multiplicada várias vezes [...] A descrição vivida de uma região é, talvez, a mais alta conquista da Geografia Humanística... Castro (1992) é outra autora que analisa o conceito de região através das relações de produção e do regionalismo, enfocando a questão da identidade cultural. Nesse sentido, Castro (1992, p. 29) afirma que, Como não há regionalismo sem substrato regional, a compreensão do primeiro supõe a necessidade de discutir e conceituar a região, enquanto base territorial para a expressão do fato político. A análise do espaço regional pressupõe, então, o conhecimento do espaço como um nível de generalização maior, ou seja, como o produto da transformação da natureza pelo trabalho social. Por conseguinte, Castro (1992, p. 32) tem como questão central da sua análise a compreensão do conceito de região pelo viés político, mas alicerçada no espaço regional (Região Nordeste do Brasil). E destaca que [...] é necessário estabelecer o conceito de região que possibilite um recorte seguro para a análise do fato político de base regional. Como o espaço é produzido pela sociedade, a região é o espaço da sociedade local, em interação com a sociedade global, porém configurando-se de forma diferenciada. A região é, justamente, a expressão das diferenciações do processo de produção do espaço; as diferenças se combinam, mas permanecem como diferenças. Fica evidente que, para a autora, o conceito de região é determinado e tem um conteúdo social muito significativo. Assim, a região reflete no espaço um conjunto de relações resultante da transformação da natureza pelo homem. Considerando a região como produto da manifestação cultural, é necessário especificar como ocorre essa manifestação. O parâmetro mais comumente utilizado é o da identidade cultural. Pág. 64 Para Bassand e Guindam (1983), a identidade regional não é apenas resultado do perfil cultural de uma região, mas também produto das transformações que ocorrem no mundo. Segundo esses autores, antes das revoluções socioeconômicas e políticas do século XIX, as regiões agrárias e mercantis da sociedade européia formavam um mosaico heterogêneo. Por assim dizer, cada região seria especificada por uma identidade cultural, fundamentada, principalmente, sobre uma especificidade lingüística e religiosa. A esses aspectos se juntavam as especificidades políticas, econômicas, de comunicação, de saúde, de arranjos espaciais particulares, de gastronomia, de costumes específicos e, até mesmo, de alguma autonomia política. A partir do início do século XIX, com as revoluções socioeconômicas e políticas, uma vontade de unificação nacional surgiu em toda a Europa, e o quadro até então existente foi revertido. Com isso, surge a idéia de Nação, que se desenvolveu graças a uma combinação de forças econômicas, sociais e políticas, constituídas contra a dominação da nobreza, e caracterizou uma forma de consciência, dentro da qual estavam refletidas a sua unidade e a sua existência. A formação do Estado-nação veio reverter esse quadro de diversidade e, sob a nova hegemonia do Estado, foram patrocinadas a homogeneização linguística e religiosa e a unificação política e econômica. Destaca-se, no entanto, que, nesse processo de junção e homogeneização, há sempre componentes que atuam desigualmente e são responsáveis pelos desequilíbrios entre regiões. Estas, em resposta, articulam movimentos regionalistas, os quais, em substância, põem em causa, como questão geral, a identidade cultural. Para Bassand e Guindani (1983), além de se entender que a identidade cultural é uma variável vital para a formação da região, é necessário ir mais fundo, verificando o que está por trás e que, por conseguinte, gera um desenvolvimento desigual. Além disso, se, na luta por melhores condições de vida, a identidade cultural tem sempre papel preponderante, então é necessário que as políticas econômicas regionais compreendam esse papel. Deve-se levar em conta que as ações só são pertinentes se forem traçadas com a participação dos habitantes e seguirem os princípios da democracia cultural. Pode-se dizer, então, que estudar uma região pela vertente cultural é manipular um código de representações e significações de determinado grupo social. Assim, os signos projetados no espaço por um grupo traçam os limites e as distâncias entre esse grupo e os outros. Formam-se espaços de referências que são apropriados, mas que não têm qualquer obrigatoriedade de contiguidade espacial. Se a identidade cultural é o novo paradigma regional, é na natureza dessa identidade que é possível estabelecer a direção dos movimentos regionais ou, conforme Bassand e Guindani (1983, p. 24): “A identidade regional [...] permite colocarem destaque o fato de que a região compreende [...] duas dinâmicas: a regionalização e o regionalismo”. Dessa forma, para os autores, coincidentemente com a posição de Ricq (1982), o regionalismo é uma postura ativa, tem como ponto de partida a cultura local vivida e serve-se da identidade para encaminhar as aspirações do grupo. Por outro lado, a regionalização se traduz em uma fraca coesão e unidade do grupo, facilitando e aceitando a pág. 65 ingerência de técnicos do governo nas decisões regionais, pois esses desenvolvem programas, políticas e planos para as regiões, ignorando, muitas vezes, os problemas cotidianos e as aspirações dos seus habitantes. Tendo como paradigma regional a identidade cultural, Pellegrino et al. (1982, p. 99) conceituam a região como "[...] uma divisão do território que, precisamente, se impõe como um fenômeno de escala modificada pelas transformações contemporâneas do território". Salientam os autores que a definição do termo região e, por conseguinte, o seu significado, estão ligados a diversas ciências que trabalham com esse conceito. Entre essas, a Arquitetura, a Economia, a Geografia e a Sociologia. Todas elas têm sua forma peculiar de interpretar a região e propor soluções aos problemas contemporâneos quanto à organização regional (/'aménagement régional). Os geógrafos, para Pellegrino et al. (1982, p. 101), ao estudarem a região, devem considerar que: [...] a divisão das regiões e a identificação dos lugares passam pelo reconhecimento das características homogêneas [...]. Assim, o conjunto dos espaços organizados pelas sociedades humanas e o domínio empírico da Geografia, as descontinuidades entre 'os quadros das repartições humanas' conduzem os geógrafos a estudar a diversidade dos 'campos de força', induzidos pelas interrelações espaciais das sociedades observadas e sua articulação no conjunto [...]. A territorialidade resta para eles como uma 'pedra-obstáculo das divisões'. Por conseguinte, é através do estudo dos costumes, dos hábitos, que se pode interpretar um determinado grupo social e perceber as disparidades regionais que orientam as análises espaciais do desenvolvimento. Ponche (1983) considera como paradigma básico para o entendimento do conceito de região a cultura regional, a instituição (Estado) e o território. Discute, assim, a produção da identidade regional a partir de um "espaço de referência". Para o autor, o espaço comportaria um valor simbólico, o qual teria a função de um "nicho ecológico”, em cujo seio um grupo social cria, à sua maneira, um conjunto de signos e de representações. Uma dessas representações pode ser o próprio espaço com conteúdo positivo ou negativo para o grupo social. Fica evidente que, na perspectiva da identidade cultural, a definição de um "eu" é simultânea a do "outro". Tem-se a conotação do indivíduo e a do grupo. Assim é a expressão de um "indivíduo" que se explicita diante do "coletivo" e do mundo e que cria uma dinâmica que é obrigatoriamente espacial e historicamente relativizadora. Partindo do pressuposto de que o conceito de região possa ser entendido sob o paradigma da identidade cultural. Costa (1988) analisa tal conceito tendo como laboratório de estudo a Campanha Gaúcha. O autor considera que a questão regional, incorporada na recente retomada da identidade gaúcha, e de suas raízes, encontra-se na formação do espaço latifundiário tradicionalmente conhecido como Campanha Gaúcha. Esse espaço parece manifestar ainda traços sócio-espaciais da época em que ele representava o núcleo básico de sustentação da sociedade sul-rio-grandense. Tal fato pode ser constatado em uma simples observação cartográfica, que comprova essa relativa preservação da estrutura espacial da Campanha Gaúcha e a particularidade de seu espaço geográfico. Assim, para o autor, os processos históricos configuram, hoje, uma diversidade sócio-espacial muito complexa. Embora a dicotomia Colónia e Campanha Já tenham sido superadas através da integração pág. 66 econômica, via capitalismo industrial, permanecem ainda, na Campanha, formas espaciais que refletem uma “resistência” aos processos mais dinâmicos de organização do espaço. Haesbaert (1988, p. 19) adverte que o fato de vivermos em um espaço já nos identifica socialmente, reconhecendo-se nele um espaço vivido, e afirma que “[...] a própria delimitação política do território forja ou fortalece identidades como os nacionalismos e os regionalismos”. Procurando aprofundar o conceito de região via identidade cultural, Haesbaert (1988, p. 25) define a região como: [...] um espaço (não institucionalizado como Estado-nação) de identidade ideológico-cultural e representatividade política, articulado em função de interesses específicos, geralmente econômicos, por uma fração ou bloco 'regional' de classe que nele reconhece sua base territorial de reprodução. Nesse sentido, pertencer a uma determinada região, à sua cultura, passa pela atribuição de uma identidade a um grupo social, cuja base pode estar na própria especificidade do espaço no qual ele se reproduz. A terceira forma de estudar a região, de acordo com Gilbert (1988), é entendê-la como um meio de interação social. Trata-se de uma visão política da região com base na idéia de que dominação e poder constituem fatores fundamentais na diferenciação de áreas. Nesse contexto, a região pode ser estudada de formas diferentes e entendida como determinação local ou como o território no qual a região, os indivíduos e as instituições se integram no tempo e no espaço. Desta forma, a região é entendida através de seu conteúdo político. Ou seja, para alguns geógrafos, o papel da dominação e do poder, dentro da sociedade, é o fator primordial para a existência da diferenciação regional. Dessa forma, a região desempenha um papel importantíssimo na produção e reprodução das relações sociais. Trata-se de uma visão política da região, com base na idéia de que dominação e poder constituem fatores fundamentais na diferenciação de áreas. Através da abordagem sob a ótica da interação social, a definição de região comporta distintas designações. Pode-se conceitualizá-la como local ou como território. A primeira, associada aos geógrafos ingleses e, a última, um produto da escola francesa de Geografia. Raffestin (1993) destaca que, para se compreender o conceito de região, é necessário, primeiramente, entender-se o território. Assim, segundo Raffestin (1993, p. 143), É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator 'territorializa' o espaço. Lefebvre mostra muito bem como é o mecanismo para passar do espaço ao território: 'A produção de um espaço, o território nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que aí se instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, auto-estradas e rotas aéreas etc. O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a 'prisão original', o território é a prisão que os homens constroem para si. Pág. 67 Partindo da assertiva citada, Raffestin propõe novos enfoques para os estudos geográficos, pela análise da territorialidade, que pode ser definida como uma rede de relações nas quais a informação é transmitida e reproduzida. Assim, a interação entre os afores sociais (indivíduos e grupos sociais) tenta, muitas vezes, alterar a relação existente entre homem-sociedade-natureza. O autor centra sua análise sobre as redes, circuitos e fluxos espaciais através das quais ocorre essa interação. Vê como o poder organiza e/ou desorganiza os distintos recortes regionais. Raffestin (1993, p. 144) considera que o espaço “[...] não tem valor de troca, mas somente valor de uso". Dessa forma, o espaço preexiste a qualquer ação. O território “[...] se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção, a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder". Da mesma forma, a região se desenvolve a partir da interação social regional e do poder nela articulado, ou seja, da relação entre um poder central e um espaço diversificado. Conforme Raffestin (1993, p. 182), é importante entender a região como algo que emana do Estado, pois É certo que o Estado persegue uma lógica da unidade e da uniformidade, mas por isso mesmo substitui a diversidade pela generalidade, o que significa que a regra se torna um puro instrumento de ordem em vez de ser um instrumento de regulação. De fato, há uma antinomia entre a vontade e a ação do Estado, de um lado, e a aspiração a uma vida regional, de outro. Em decorrência das idéias acima, Raffestin (1993, p. 182) propõe duas questões vitais para o entendimento do conceito de região: [...] 1) Que a região permanece, ao menos até hoje, mais um objeto de discurso que de prática; 2) É a partir dessa constatação que o trabalho do sociólogo consiste, sobretudo, em dar a essa questão um conteúdo relativo às relações sociais (...). É inteiramente da lógica do Estado construir uma imagem de diversidade que ele assenta sobre a uniformidade. A região é dita, não vivida. E, no entanto, podemos nos enganar com isso, e de fato nos enganamos, uma vez que baterias de decretos e leis parecem dar consistência à idéia de região. A região não está ausente das preocupações do Estado, ao contrário: ele corta, subdivide, delimita, quadrícula, encerra... o mapa, mas não o território, que deve permanecer essa cera, prestes a receber todos os selos conforme as necessidades do poder central. Raffestin (1993, p. 182-183) vai ao âmago da questão quando adverte que existe uma dupla estratégia na política regional: o discurso regional e a prática a-regional, pois As aspirações de inúmeros grupos se dirigem para esse pólo regional: uma espécie de terra prometida, mas o Estado não o quer; então, ele multiplica os discursos sobre a região, de modo a manobrar uma grande quantidade de sentidos. Para o Estado, a região é uma expressão da qual se conserva sábia e sutilmente a polissemia. É um jogo difícil, mas no qual o Estado se distingue, tanto mais que o discurso permita agir alternadamente em diferentes escalas... Dessa forma, para evitar que a região seja vazia, ou destituída de uma realidade objetiva, é que o Estado interfere como agente modelador dos distintos quadros regionais. O Estado, ao articular um conjunto de leis para um espaço específico, está procurando dar consistência à idéia de região. Ou seja, a região deixa de ser abstrata para se concretizar: do discurso tem-se a prática. Deve-se ressaltar ainda que, no caso da região, pág. 68 é também o Estado que demarca seus limites político-institucionais, sobrecruzando seus horizontes socioeconômicos, os quais podem ser designados como fronteiras internas, em oposição às fronteiras externas, que delimitam a existência dos Estados e territórios nacionais. Destaca-se também que a multiplicidade de limites fronteiriços regionais atende às conveniências dos interesses do poder ou dos movimentos sociais que se gestam sob a influência da esfera econômica. Nesse contexto, entender o conceito de região pela ótica do poder é complexo, pois as diversas formas de apreensão espacial/territorial da região não são aleatórias. Elas obedecem a uma identidade, cujos contornos se moldam nas lutas sociais. Estas, por sua vez, são conseqüência da desigual distribuição do capital e das estruturas sociais correspondentes, sendo alimentadas por processos políticos e ideológicos particularizados. Portanto, a ação do Estado, através de políticas de planejamento regional, revela, em última instância, justamente a presença de conflitos sociais específicos subjacentes. O Estado pode, então, promover cortes territoriais internos, procurando a reprodução material do capital; também pode controlar os movimentos sociais e assegurar a estrutura de poder vigente de acordo com as aspirações do poder central. Portanto, a questão regional (subnacional) liga-se à dinâmica das mutáveis divisões espaciais do trabalho e à interação entre a regionalização e o regionalismo. As regiões subnacionais, assim entendidas, são produto de uma regionalização no âmbito do Estado nacional, ou seja, uma diferenciação geográfica particularizada, que é provisória e que pode ser criada ou (re)criada quando não atender aos interesses do Estado. Geram-se, então, algumas vezes, lutas competitivas e particulares, repletas de tensões originadas pela política, por ideologias ou pela busca de poder. Nesse sentido, o regionalismo pode assumir muitas formas políticas e ideológicas diferentes (SOJA, 1993). Assim, a região tem poderes emergentes, que se originam do modo específico como os indivíduos e grupos se relacionam em um espaço regional particular. Pode-se dizer, então, que as regiões não são resultado fortuito de uma sequência de eventos independentes em uma porção da superfície da Terra. Elas são formadas através de uma seqüência historicamente determinada, que se desenvolve a partir das relações sociais específicas. Para Raffestin (1993, p. 185), é importante salientar ainda que: Em resumo, trata-se de redescobrir, para as coletividades, malhas concretas que se oponham às malhas abstratas propostas pelo Estado. Estamos certamente no limiar de uma era na qual a região, a que é vivida, desempenhará um papel cada vez maior para as diversas comunidades. Pred (1984) analisa o conceito de região sob a perspectiva do local. Propõe olhar para a região como um cenário físico para a interação social. Nesse sentido, afirma fundamentalmente que as relações sociais são estruturadas em um determinado tempo e lugar. O autor enfatiza que as práticas ocorrentes nos distintos cenários que constituem as regiões oferecem os elementos definidores de região. Assim, ele a conceitua como um processo no qual as instituições e os indivíduos interagem no tempo e no espaço. E destaca que, quer o lugar se refira a uma aldeia ou a uma metrópole, a uma área pág. 69 agrícola ou a um complexo industrial urbano, ele sempre representa um produto humano. Dessa forma, o lugar sempre envolve uma apropriação e uma transformação do espaço e da natureza, dos quais depende a reprodução e a transformação da sociedade no tempo e no espaço. Como tal, o lugar não é apenas aquilo que é observado na paisagem, mas o cenário para as atividades e a interação social. Pred (1984) enfatiza que, se os fenômenos estão interligados na formação do lugar ou região, então eles não estão submetidos a leis universais, mas variam de acordo com as circunstâncias históricas. É ainda esse autor quem nos chama a atenção para as relações de poder. Ele as considera como um cimento estrutural invisível, ligando indivíduos, sociedade e natureza. O autor diz que, apesar de diferenças aparentes, o poder e suas relações estão usualmente e institucionalmente conectados e atuarão distintamente sobre os indivíduos, os grupos e classes sociais. Nessa abordagem proposta pelo autor para entender a região, é interessante destacar que há uma afinidade com os estudos de Vidal de La Blache. Portanto, o lugar (a região) é caracterizado por uma “personalidade regional", possuindo características físicas e humanas mediatizadas pelas relações de poder. Tais características, e a forma como sobre elas atuam as relações de poder, permitem diferenciar os tecidos regionais. Centra-se, pois, essa abordagem, na estrutura interna de um espaço, estrutura essa que explica suas relações com outros espaços. Santos apud Santos, Souza e Silveira (1994, p. 15), considerando a importância do território hoje, salienta que: É o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto de análise social [...]. Caminhamos, ao longo dos séculos, da antiga comunhão individual dos lugares com o universo à comunhão hoje global: a interdependência universal dos lugares é a nova realidade do território [...]. Antes, era o Estado, afinal, que definia os lugares [...]. O território era a base, o fundamento do Estado-nação que, ao mesmo tempo, o moldava. Hoje, quando vivemos uma dialética do mundo concreto, evoluímos da noção, tornada antiga, de Estado territorial para a noção pós-moderna de transnacionalização do território. Portanto, para entender a dinâmica do mundo. Santos apud Santos, Souza e Silveira (1994) assinala a relevância do papel da ciência, da tecnologia e da informação. É esse tripé o responsável pela fluidez, pela performance do mundo e, por conseguinte, do constante fazer e refazer do espaço e dos recortes regionais. Nesse contexto. Santos apud Santos, Souza e Silveira (1994, p. 16) salienta a preocupação de reinterpretar a região, destacando que: É a partir dessa realidade que encontramos no território, hoje, novos recortes, além da velha categoria região; e isso é um resultado da nova construção do espaço e do novo funcionamento do território, através da horizontalidade e da verticalidade. As horizontalidades serão os domínios da contiguidade, daqueles lugares vizinhos reunidos por uma continuidade territorial, enquanto as verticalidades seriam formadas por partes distantes umas das outras, ligadas por todas as formas e processos sociais. Desse modo, para Santos apud Santos, Souza e Silveira, (1994) as redes constituem uma realidade nova que, de alguma maneira, justificam a expressão verticalidade. O pág. 70 território é formado hoje, então, de lugares contíguos e de lugares em rede. Entretanto, embora os lugares, os pontos, sejam simultâneos, ocorrem diferenciações funcionais divergentes e até opostas. Santos apud Santos, Souza e Silveira (1994, p. 19) adverte que: O território (transnacionalizado) se reafirma pelo lugar e não só pelo novo fundamento do espaço e, mesmo, pelos novos fundamental ismos do território fragmentado, na forma de novos nacionalismos e novos localismos [...]. A tendência atual é que os lugares se unam verticalmente e tudo é feito para isso, em toda a parte. Créditos internacionais são postos à disposição dos países mais pobres para permitir que as redes se estabeleçam ao serviço do grande capital. Mas os lugares também se podem unir horizontalmente reconstruindo aquela base de vida comum susceptível de criar normas locais, normas regionais... Considerando a questão do poder e a região, Becker (1986a, p. 45) ressalta que: [...] entre 1950-70 a reconstrução da ordem econômica internacional favoreceu simultaneamente a significância da região e o fortalecimento do aparelho do Estado. A escala macrorregional parece ser a escala espacial ótima para a estratégia político-econômica que visa unificar mercados e o poder político nos territórios nacionais... Nesse período, para Becker (1986a), a região passa a ser a base territorial que reúne todas as condições para a acumulação em bases produtivas, concentrando poder econômico e político. Isso favorece a organização do monopólio através de um processo de destruição e/ou agregação das forças hegemônicas que controlam o conjunto de uma dada região. No entanto, a partir de 70, quando começa a configurar-se mais amplamente a globalização e, em conseqüência, a crise mundial contemporânea, a integração econômica mundial não se faz somente com a especialização da produção e com trocas, mas, também, e principalmente, com a presença de um outro ator, ou seja, a manipulação do capital financeiro (transnacional). Assim, é importante resgatar o papel da região nesse novo contexto, pois Becker (1986a, p. 46) diz que: Face à hipermobilidade do capital, à escala planetária de sua atuação e à crescente acumulação não produtiva, para a corporação, a região perde significado como base de operações; a nova ordem econômica internacional é posta em operação por um sistema comandado por grandes metrópoles, 'cidades mundiais', que dão concretude àquela noção abstrata (SHACHAR,1983), gerando um novo tipo de região. São regiões urbanizadas em grande escala que têm poder, não mais apenas como núcleos de produção, mas como veículo de articulação financeira, núcleo de pesquisa, 'marketing' e acumulação de capital, funções mundiais que exercem juntamente com funções integradoras nacionais, administrativas, culturais e produtivas, que conflitam com o seu papel da economia mundial (SHACHAR, 1983). Simultaneamente, valoriza-se a comunidade local, a microrregião'. Pode-se dizer, conforme Becker (1986a), que, nesse processo de mundialização da economia, agudiza-se a contradição entre o Estado e o capital. A mundial ização, ao quebrar as fronteiras dos Estados, impõe-lhes uma redução de poder. Ao mesmo tempo, as corporações necessitam manter os Estados e seus limites territoriais, uma vez que é o poder emanado do Estado que promove a mediação entre elas e o espaço nacional. O fato é que a diferenciação espacial que apresentam as regiões é vital para a sobrevivência pág. 71 e expansão do capital. As contradições do capital se articulam a outras, entre e no interior de sociedades nacionais. O Estado perde poder, tornando-se cada vez mais dependente do capital estrangeiro. Assim, na proporção em que cresce a dívida externa, aumenta também a competição entre os diversos espaços regionais. Muitos incentivos deixam de dar prioridade a problemas ligados a interesses regionais e passam a se preocupar em atrair mais capital, a fim de não sustar o crescimento econômico. Estrutura-se, então, uma situação marcada por um capitalismo de Estado, com medidas liberais para as empresas. Isso caracteriza a situação de um Estado autoritário, fragmentado por poderosas empresas privadas e estatais, crescentemente autônomas (BECKER, 1986a). Tal situação gera conflitos em outras escalas espaciais, pois: Em coerência com o novo contexto econômico, a política espacial passa a abranger o país como um todo; os pólos de desenvolvimento substituem a política macrorregional dos anos 60 e, nos últimos anos, agências e empresas federais financiadas por ou associadas ao capital transnacional desenvolvem, em locais selecionados, projetos gigantescos por elas diretamente geridos; desconsiderando limites estaduais e produzindo uma nova regionalização polítíco-econômica, geram conflito entre o governo estadual e o governo federal. (BECKER, 1986a, p. 47). Mediante as transformações, o Estado se torna incapaz de manter uma infra-estrutura básica e também de prover os equipamentos necessários para atender a todos os setores e áreas. Diante dessa situação, surgem os movimentos sociais como forma de pressão contra a deficiente gestão do Estado. Tal situação, ou seja, as disparidades entre o econômico e o social, geram crises econômicas e tensão social, especialmente manifestadas em escala local. Para Becker (1986a, p. 55), deve-se considerar também que a região não é apenas um instrumento ideológico manipulado pelo Estado. A região tem hoje um novo significado político - como sociedade territorialmente organizada tem força potencial cuja concretização depende, em grande parte, do modo de sua articulação com o Estado. Portanto, segundo Becker, é no âmbito político que a região influi no Estado. As práticas regionais do Estado têm sido vistas como elementos de reorganização do seu aparelho, visando à dominação mais direta por parte dele e do capital. Tal abordagem encara o Estado como um conjunto estrutural unificado, que oculta as contradições de classe existentes no seu funcionamento. E Becker (1986a, p. 55) vai além, dizendo que: [...] O Estado, contudo, se materializa numa sociedade localizada no espaço. Entendida como condição e produto do regionalismo - relação particular de um grupo com seu território proveniente da organização da produção, mas extensiva à sua condição de consumidor, de morador etc., - a região permite encarar o Estado partindo de relações entre grupos sociais. Ela esclarece os diversos arranjos de que são suscetíveis os ramos dos aparelhos do Estado em função da configuração local das relações sociais. Sua expressão social é a Sociedade locar, conjunto de classes não monopolistas, mas em que os diferentes elementos do conjunto são parcialmente determinados por sua localização no território... Existe, atualmente, portanto, uma relação triangular, ou seja, o Estado, a região e o local. O Estado passa a agenciar, de formas variadas, a região e o local. Mas deve-se pág. 72 salientar que essa intermediação é possível porque existem distintos recortes regionais, e eles têm conflitos com a classe dominante, que continuamente os ameaça (BECKER, 1986a). Nesse contexto, Becker (1986a, p. 56) afirma que: [...] a região é, pois, o locus da difusão das atividades políticas, da reelaboração das correntes políticas e da opção política nacional - aí se forjam as alianças e se aguçam as contradições. E não se trata apenas das forças hierárquicas e sim, também, dos interesses e reações coletivas como expressão de um território, que passam pela cultura, pela memória, pela ideologia e que podem constituir resistência coletiva à ruptura das identidades regionais. Para Becker apud Castro, Gomes e Corrêa (1995) é importante entender que a globalização não significa homogeneização. Ao contrário disso, resgata-se a dimensão política do espaço pela valorização da diferença. Há que se destacar também que só a tecnologia não organiza um determinado espaço. É preciso considerar as particularidades do território em termos de recursos e da iniciativa política. A esse propósito, merecem ser resgatadas as seguintes observações de Becker apud Castro, Gomes e Corrêa (1995, p. 288): Tal revalorização estratégica e econômica do território se refere a todas as escalas geográficas, do país ao lugar. Na escala global, um verdadeiro zoneamento tende a ocorrer, distinguindo-se centros de inovação tecnológica, áreas desindustrializadas, áreas de difusão da indústria e agroindústria convencionais e áreas a serem preservadas. Sob o comando dos agentes econômicos e financeiros, esse zoneamento introduz fortes diferenciações nos territórios nacionais afetando o poder dos Estados que perdem o controle do conjunto do processo produtivo. Pode-se dizer, então, que os agentes econômicos selecionam determinados espaços para operar. Há, portanto, o espaço da inclusão e da exclusão. Impõe-se a seletividade e a competição. Dessa forma, a globalização, conduzida pelo capital financeiro representado pelos grandes bancos e corporações transnacionais, retira do Estado o controle sobre o conjunto do processo produtivo e afeta a integridade do território nacional e a autonomia do Estado. Trata-se, segundo Becker apud Castro, Gomes e Corrêa (1995, p. 198): “[...] não do fim do Estado, mas de uma mudança em sua natureza e seu papel, entendendo-se que ele não é uma forma acabada, é um processo...//. Nesse sentido, é necessária a estruturação de uma política flexível que favoreça a competição. Tal política obedece à ideologia neoliberal, que tem como objetivos principais a desburocratização, a privatização e a descentralização. E, mais uma vez, é interessante resgatar as advertências de Becker apud Castro, Gomes e Corrêa (1995, p. 304), quando diz que: O Estado certamente não é a unidade única representativa do político, nem o território nacional a única escala de poder. O poder tecnoeconômico é efetivo. Reduz a autonomia dos Estados exigindo uma Geopolítica de negociação e arranjos políticos entre os Estados e destes com a sociedade civil organizada. Atribuindo valor estratégico aos territórios, em quaisquer escalas geográficas, segundo o seu conteúdo científico-tecnológico e informacional - em que pese o domínio e a posição nas redes - seu estoque de natureza e sua iniciativa política, em termos da capacidade de se organizar e de negociar em seu favor. pág. 73 No início deste trabalho, concordante com Paviani (1992, p. 372), afirmou-se que “[...] falar de região é caminhar em um terreno cheio de labirintos e de armadilhas epistemológicas". A demonstração da propriedade dessa assertiva foi ocorrendo ao longo do trabalho, no resgate historiográfico do conceito de região, respaldado na evolução do pensamento geográfico e balizado pelas escolas geográficas. Assim, esse conceito emerge e corporifica-se sob distintas abordagens. Partindo do pressuposto de que o conceito de região não é um conceito unívoco, ele não comporta, obviamente, uma única forma de interpretação e não se aplica a sujeitos diversos de maneira totalmente idêntica. Ou seja, o conceito de região deve ser analisado dentro do contexto histórico em que foi emitido e da realidade em que então se situava. Muitas vezes, esse conceito pareceu limitante, pouco significativo, pouco transparente; outras vezes, no entanto, tinha significado claro, fixo e transparente. Mas é necessário entendê-lo como um conceito que expressa um movimento em direção a uma realidade (e essa não é fixa, nem transparente), sendo inevitável explicá-lo no âmago de seu movimento. Pode-se dizer, então, que os conceitos de região não são únicos nem excludentes. O que os diferencia é a maneira como são identificados em cada abordagem. Aceita-se, dessa forma, que diferentes conceitos de região coexistam no tempo, apesar de cada um deles ter suas determinantes históricas. Assim, para o entendimento das diferentes abordagens dos conceitos de região na Geografia devem ser apreendidos: os distintos paradigmas que orientam esta ciência; a época e o contexto espacial em que tais paradigmas foram gerados e utilizados; e a filosofia predominante e suas apropriações historicamente contextualizáveis. Só assim esse conceito passa a ter importância no corpo cognoscitivo. No entanto, a intenção primordial do trabalho foi fornecer subsídios para novos estudos e abrir linhas de pesquisa que proponham depreender o conceito de região num quadro espaço-temporal. Ao se buscar a compreensão do conceito de região, afirmou-se que é indispensável contextualizá-lo histórica e espacialmente. É necessário perceber que esse conceito é resultante das interações dinâmicas que ocorrem no espaço geográfico. Ou seja, a utilização do conceito de região está (e sempre estará) ligada à dinâmica, característica peculiar de todas as ciências e, em especial, da Geografia. Por ser esta uma ciência que tem no espaço geográfico seu principal objeto de estudo, é ela que privilegia a interpretação da região. Nesse sentido, ao resgatar os vários conceitos de região emitidos no decorrer da historiografia geográfica, foi possível demonstrar sua importância como um dos conceitos integradores e centrais da Geografia. Portanto, não se teve como preocupação a questão do debate sobre a concretude da região ou sobre sua permanência. Ao contrário disso, partiu-se do pressuposto de que esse tipo de questão vem à tona, frequentemente, nos momentos de reversão das tendências pág. 74 predominantes dentro do pensamento geográfico regional. Surge como a crise que irá estabelecer uma nova verdade para a região e propõe-se a superar a discussão e mostrar que o conceito de região existe e persiste, apesar das polêmicas que já suscitou. O que pôde ser constatado, no entanto, é que existiram períodos em que os interesses pelos estudos regionais foram mais significativos, merecendo maior atenção por parte dos geógrafos. Admitindo que a superfície da Terra é heterogênea, com marcantes diferenciações de áreas, e sabendo-se que a ciência geográfica se interessa mais pelas descontinuidades do que pelas regularidades, o conceito de região tem se constituído, ao longo da história moderna do pensamento geográfico, em um dos seus conceitos-chave. O resgate do conceito de região proporcionou o repensar dos pressupostos que devem direcionar sua conceituação na atualidade. Ou seja, sendo inegável que o espaço geográfico incorpora os tempos da natureza e das sociedades, pode-se afirmar que, exatamente por incorporar o tempo da natureza (substrato regional) e o das sociedades (mediações humanas), o espaço vai conceder grande flexibilidade ao conceito região. Como é certo que a dinâmica da sociedade leva à dinâmica da natureza, o recorte regional deve atualmente ser entendido pelos geógrafos como símbolos visíveis das diferenças regionais, ou seja, uma última resistência à padronização do espaço (SANTOS, 1994). Do estudo que foi realizado sobre algumas abordagens do conceito de região por vários autores selecionados, observou-se que o entendimento conceituai da região deve abarcar a noção de relação (para não cair em generalizações simplistas). Essa noção já era apontada pelos grandes mestres como Humboldt, Ritter, Ratzel e Vidal de La Blache, entre outros, quando se referiam à necessidade de se considerar o conjunto de fatores inter-relacionados para realizar os recortes regionais ou apenas estudá-los. No entanto, suas advertências nem sempre foram consideradas pelos geógrafos. Desse modo, a noção de relação e inter-relação dos fenômenos físicos, humanos, políticos e econômicos é intrínseca à abordagem regional. A região não contém explicação em si mesma. Para entendê-la, é preciso encará-la em seus desdobramentos externos, seja em direção a outros paradigmas que pregam a valorização do território, do lugar, seja dentro de uma concepção globalizante, que permite entendê-la como um todo. Como esse todo nem sempre é homogêneo nem tende necessariamente para o equilíbrio, a região se move através de contradições (ditadas principalmente pelo capital). Pretende-se, a seguir, tecer considerações sobre os aspectos mais significativos das abordagens do conceito de região em cada escola geográfica e sobre as tendências atuais sobre o tema. Os comentários terão, portanto, um caráter conclusivo, porém não definitivo, por entender-se o próprio caráter da produção científica, cujo processo de avanço se faz através de constantes superações. É importante salientar que os geógrafos muitas vezes utilizaram o termo conceito como sinônimo de definição, noção, idéia de região. Falharam, na verdade, achando que estavam conceitualizando região, quando Pág. 75 apenas emitiam definições, noções. Desse modo, na busca do real conceito de região, foram tomados como tal certos paradigmas regionais. No entanto, apenas o conceito propriamente dito é que passa a ter valor como objeto científico. Outra questão a ser considerada é o problema dos critérios para a delimitação das regiões. A falta de um único critério definidor levou à diversidade de estudos regionais. Tal multiplicidade conceitual foi responsável pela ausência de consenso sobre o que constitui uma região ou como se define uma região. Assim, pode-se dizer que, em vez de serem tratadas como entidades geográficas reais, as regiões foram tratadas mais como conveniências ideológicas. Isso significa que qualquer coisa poderia legitimamente ser vista como compreendendo uma região, o que dependia da imaginação e do artifício do geógrafo. Dessa forma, a maior parte dos trabalhos realizados era direcionada por um naturalismo persuasivo, que tentava definir a região de formas variadas. Freqüentemente, tendo como base as características físicas, as diferenças fisiográficas foram a base para a formação das distintas regiões geográficas ou humanas. Há que se considerar também que o período em que a Geografia Tradicional foi mais influente foi marcado pelos estudos idiográficos, comprometidos com fatos únicos, com a descrição e com a síntese regional. Não se priorizavam as leis, as teorias e as explicações gerais. No máximo, algumas generalizações eram realizadas. Nessa perspectiva, a região passava a ser definida pelo observável na paisagem. Eis por que o peso dos fenômenos físicos foi tão significativo para a definição da região natural. Portanto, a região foi um dos alvos fundamentais dessa fase, considerada, muitas vezes, o objeto central dos estudos geográficos. Tal fato pode ser constatado pelo número expressivo de monografias que, nesse período, abordaram o tema regional. É mister reconhecer que o conceito de região, visto sob a forma clássica, pôde preservar a unidade fundamental do campo da Geografia, instituída sob a abordagem da relação homem-natureza. No conceito de região ou em sua manifestação, há o pleno encontro do homem, da cultura com o meio ambiente, da natureza; a região é a materialidade dessa inter-relação e é também a forma localizada das diferentes maneiras pelas quais essa inter-relação se realiza. Nesse contexto, a região era percebida como o conceito integrador entre as ciências naturais e as humanas, proporcionando, através da síntese, uma reflexão verdadeiramente geográfica (GOMES, 1995). A década de 50 foi marcada na Geografia, sobretudo nos países de língua inglesa, pela denominada revolução teorético-quantitativa, de base eminentemente lógico-positivista. Nasce assim a Nova Geografia, que procurou aprofundar a investigação geográfica, buscando a relação existente entre os fenômenos. A abordagem regional, determinada pelas inter-relações dos fenômenos naturais e sociais sobre a unidade territorial, enfatizava os estudos de área. Foi por isso que se destacaram as questões regionais fortemente ligadas ao planejamento do território e investiu-se nas questões relativas aos desequilíbrios regionais, com o objetivo de superá-los. A abordagem do conceito de região adquiriu uma conotação de área classificada, constructos analíticos, de acordo Pág. 76 com um ou mais critérios, os quais obedeciam à sua aptidão, à localização, à acessibilidade e à produção, entre outras variáveis. Tal fato tornou a região um elemento importante para a solidificação da fase monopolista do capital regional, nacional e mundial. A região foi trabalhada como uma entidade abstrata, utilizada para classificação ou delimitação de áreas. Deixou de ser um fenômeno único para ser um sistema que se comunica, que tem conexões, que se expande e se contrai, segundo as necessidades de ajustamento às novas condições. O conceito de região, nesse período, era um anseio, que levou à busca de elementos que caracterizassem a região. Pode-se dizer, então, que o que emergiu como conceito de região foi, na verdade, uma definição na busca de sua real conceituação. No período chamado de Nova Geografia, foi necessário fornecer ao conceito de região um sentido operativo, não apenas descritivo. Esse caráter técnico foi buscado na Matemática e na Estatística. Introduziu-se a base estatística nos estudos regionais, como instrumentos de análise, testes, inferências e, até mesmo, como base de organização da pesquisa regional, buscando-se um maior rigor metodológico fornecido pelo método dedutivo. A região passa a ser vista como um meio de análise, ou seja, uma abstração analítica. A racional idade instrumental permitia o tratamento de processos mais complexos e de grande importância para o desenvolvimento da ciência geográfica e, em particular, da questão regional. Dessa forma, incorporou-se ao conceito de região o dualismo lógico (quantitativo) e abstrato (qualitativo). Isso contribuiu para enriquecer o conceito-chave da disciplina - a região - e valorizar o instrumental espacial do geógrafo, concorrendo para que a região se estabelecesse como categoria de análise. A partir daí, foi possível o balizamento de explicações espaciais que, embora impostas (num primeiro momento) pela natureza, passam a figurar, posteriormente, como um pano de fundo, possibilitando diferentes arranjos espaciais. E é desses que se originam distintos recortes regionais, resultantes da ação dos diferentes atores hegemônicos. Na Nova Geografia emergiram dois tipos fundamentais de região: as regiões homogêneas e as regiões funcionais ou polarizadas. As primeiras são aquelas cuja identidade sempre se relacionará com características físicas, econômicas, sociais, políticas e culturais, entre outras, em uma determinada área. Entretanto, para sua delimitação, é necessário que essa uniformidade seja contígua no espaço. Parte-se do pressuposto de que, selecionando-se variáveis verdadeiramente estruturantes do espaço, os intervalos nas frequências e na magnitude dessas variáveis, estatisticamente mensurados, definem espaços mais ou menos homogêneos - regiões isonômicas -, ou seja, divisões do espaço que correspondem a verdadeiros níveis hierárquicos e significativos da diferencial espacial (GOMES, 1995). No que diz respeito à região funcional, ela é fruto das relações do capital sobre o espaço, pelo viés econômico, e o geógrafo incorporou essa terminologia, principalmente, nos estudos que buscavam definir as regiões urbanas. Nesse contexto, a estruturação pág. 77 do espaço não é vista sob o caráter da uniformidade espacial, mas sim das múltiplas relações que circulam e dão forma a um espaço que é internamente diferenciado. Grande parte dessa perspectiva surge com a valorização do papel da cidade como centro de organização espacial. As cidades organizam sua hinterlândia e também outros centros urbanos de menor porte, em um verdadeiro sistema espacial. Assim, ao se estudar um espaço estruturado, ao qual chamamos de região funcional, há, naturalmente, uma valorização da vida econômica como fundamento das trocas e dos fluxos, sejam eles de mercadorias, de serviços, de mão-de-obra etc. Se há uma funcionalidade no espaço que remete à sua integração o sistema econômico vigente, é natural que as teorias econômicas que interpretam o desenvolvimento desse sistema (o capitalismo) sejam chamadas para justificar essa funcionalidade. É importante destacar também que a Nova Geografia, através da aplicabilidade dos conceitos de regiões homogêneas e funcionais, contribuiu, principalmente, para uma maior funcionalidade na delimitação dos recortes regionais. Com isso, serviu de subsídio para a aplicação de uma determinada política de planejamento. Assim, pelo uso desses conceitos, possibilitou-se uma divisão regional a serviço de uma política territorial, determinada, em última instância, pela expansão e reprodução do capitalismo no Brasil, em sua fase monopolista. O conceito de região, no contexto da Geografia Crítica, não comporta o rigor de um único entendimento; ao contrário, tal conceito traz em seu bojo vários significados, que resultaram de críticas aos conceitos anteriores de região. Repensa-se tanto a postura empirista das escolas anteriores quanto o descompasso entre o uso do conceito de região e os métodos de investigação que vinham caracterizando, até então, os estudos regionais. A partir de 70, pode-se dizer que há um pluralismo conceitual para a região. O conceito reaparece no interior da Geografia Crítica - fundamentada no materialismo histórico e dialético - como também nas tendências atuais da Geografia, ou seja, nas Geografias Humanista e Cultural -- apoiadas na percepção e na fenomenologia. Procurando fornecer um direcionamento ao conceito de região nessas abordagens, utilizou-se o artigo de Gilbert (1988) como âncora. Tratou-se de entender a região como: (a) resposta local aos processos capitalistas; (b) foco de identificação cultural; e (c) meio de interação social. Ao se entender a região como resposta local aos processos capitalistas, admite-se que ela passa a ser a manifestação espacial concreta, viva, dos processos de acumulação capitalista, ou seja, um fenômeno econômico. Região passa a significar, assim, o resultado das condições concretas e físicas do capitalismo, submetido a parâmetros econômicos (modos de produção, divisão do trabalho). Nessa abordagem, a região é vista como resposta “do” e “para” o capital. A região passa a ser entendida como a organização espacial dos processos sociais, associados ao modo de produção. Enfatiza-se, também, a regionalização do processo de acumulação do capital, organizado como uma rede de processos de acumulação parcial interligado, que definiram as bases territoriais. Enfatiza-se também a regionalização da reprodução da força de trabalho, cuja pág. 78 lógica relaciona a região de mercados de trabalho com a organização espacial da população e com a regionalização dos processos políticos e ideológicos de dominação, usados para manter as relações sociais de produção. Nesse contexto, a maior parte dos autores analisados acentua o papel fundamental da lógica da circulação do capital dentro dos processos de diferenciação regional. Por conseguinte, definem a região como a articulação concreta das relações de produção em um dado local e tempo. A região é, nessa perspectiva, a forma concreta e histórica da instância espacial ontológica dos processos sociais, produto e meio de produção e reprodução de toda a vida social (SANTOS, 1978). Há que se dizer que o conceito de região é um objeto individualizador, que inclui a problemática do espaço com sua dinâmica social, econômica e política, e tem tudo para se tornar um objeto útil para o conhecimento de uma realidade mais ampla e mais rica. Para um segundo aspecto do conceito de região, deve-se entendê-la como um foco de identificação cultural. Nessa perspectiva o conceito de região será visto como um quadro de referência fundamental da sociedade. Considerando a identidade cultural como um novo paradigma regional, a região pode ser definida, representada e diferenciada. Dessa forma, a identidade cultural coloca novamente os seres humanos como atores na produção e reprodução da vida social e dos lugares. Valoriza-se a perspectiva humanística sobre a sociedade, passando esta a ser um conjunto de significados expressos em um determinado recorte regional. Assim sendo, a partir do estudo dos costumes, dos hábitos ou das representações que as coletividades fazem de sua existência em um território, é possível fugir da consideração da região como uma simples espacialização ou projeção de fenômenos determinados fora daquele espaço. A identidade serve, assim, a uma visão mais global e comprometida com os objetivos do espaço que se está investigando. Nesse ponto, fica bem claro o antagonismo com as correntes mais racionalistas, que pretendem usar a região como um instrumento de análise, um artifício locacional. De acordo com esse ponto de vista, a região é definida como um conjunto específico de relacionamentos culturais entre um grupo e um determinado lugar. A região é uma apropriação simbólica de uma porção do espaço por um determinado grupo, o qual é também um elemento constitutivo da identidade regional. A região, sob o enfoque da identidade cultural, passa novamente a ser entendida como um produto real: é concreta, existe. Ela é apropriada e vivida por seus habitantes, diferenciando-se das demais principalmente pela identidade que lhe confere o grupo social. Estudar a região sob a perspectiva da identidade cultural é manipular o código de significações nela representado. Ou seja, para compreender uma região, é preciso vivenciá-la. E, finalmente, a terceira forma de se considerar a região é como um meio de interação social. Nessa abordagem, o conceito de região é entendido através de seu conteúdo político. Ou seja, destaca-se o papel do poder como agente determinante da diferenciação regional. Pág. 79 As três abordagens do conceito de região, utilizadas pela Geografia a partir da década de 70, segundo Gilbert (1988), comungam da mesma certeza, ou seja, da persistência da diferenciação de áreas. Essas diferenças são, entretanto, bem mais sutis do que as de um passado próximo e, ao mesmo tempo, bem mais complexas. Também frente à globalização e aos novos processos que emergem, sobretudo a partir dos anos 90, destacam-se as colocações de Ohmae (1996). Para ele, frente à globalização e à perda de poder dos Estados-nações, as regiões assumem novamente papel importante na estrutura espacial. Nesse sentido, Ohmae (1996, p. 83-84) define Estados-regiões como: Unidades econômicas, e não políticas, e seu foco não tem nada de local [...] são motores do desenvolvimento tão poderosos porque sua orientação e sua ligação básica dá-se com a economia global [...] os Estados-regiões têm que ser suficientemente pequenos para seus cidadãos compartilharem de interesses como consumidores, mas de tamanho suficiente para justificar economias não de escala [...] mas de serviço, a saber, a infra-estrutura de comunicações, de transporte e de serviços profissionais essenciais à participação na economia global. Neste contexto, o autor traz para a região um papel preponderante, ou seja, a base regional revitalizada. É necessário considerar que, embora a globalização tenha jogado uma espécie de padronização espacial, suas implicações em níveis locais, nacionais e continentais são ainda recentes e devem ser entendidas à luz das peculiaridades das forças sociais, econômicas, políticas e culturais próprias de cada parcela da superfície terrestre. Pode-se afirmar que, na etapa da globalização, um dos conceitos que mais sofreu impacto foi o de região, tanto pelo lado da escala em que o processo passa a operar, como pelo lado de sua operacionalização ou, mais particularmente, no sentido do grau de autonomia regional face aos processos políticos mais abrangentes. Nesse contexto, sobressaem importantes indagações: Como a região pode se manter nesse conflito entre o local e o global? Como ela persiste aos efeitos dos atores hegemônicos que, mediatizados pelo capital (transnacional), tentam forjar a homogeneidade espacial? Afirmou-se que a região existe e persiste como um objeto que dá sustentabilidade à unidade geográfica. Mas como essa questão pode ser relativizada? A resposta não é simples e tem desafiado os pesquisadores da categoria região. Para tais indagações, poder-se-ia dar uma resposta bastante trivial. Se a superfície da Terra é heterogênea, é óbvio que ocorrem diferenciações espaciais, que justificam a existência das regiões. A simplicidade e até a ingenuidade de tal assertiva nos levaria a subestimar a importância do conceito de região na ciência geográfica. E necessário aprofundar a questão. É preciso entender que a diferenciação dos recortes regionais atuais se insere na crise pela qual passa a Geografia e, por extensão, também os estudos regionais, a região. Essa crise é fruto das mudanças na organização espacial que a economia mundial provocou e que foram aceleradas pela globalização econômica. Pág. 80 À medida que o capitalismo continua a processar a globalização do mundo, emergem relações, processos e estruturas próprias desse mundo heterogêneo. E é justamente nessa dinâmica, nesse movimento de interdependência e integração, bem como de fragmentação e de antagonismos, que a região se insere. O desenvolvimento do capitalismo é, sem dúvida, o principal agente modelador do espaço. É ele que corta e recorta a superfície terrestre, ou seja, absorve ou reabsorve os mais diversos espaços, modos de vida e de trabalho, culturas. Pode-se dizer que a reprodução ampliada do capital, em escala global, continua a ocupar e reocupar o mundo nos mais diversos e distantes lugares. Simultaneamente, a globalização leva à fragmentação, pois articula e desarticula espaços e regiões. A essa altura das reflexões, pergunta-se: qual(is) seria(m) o(s) elo(s) que permanece(m) como traço de união, de persistência da região? Um deles é a cultura. Trata-se, pois, de um ressurgir da Geografia lablachiana. O laço de união, os costumes, as tradições reavivam os regionalismos, que emergem como uma topofilia ligando homem e natureza, numa porção específica da superfície terrestre. Outro elo seria a economia, que identifica um local ou um Estado. Nas reivindicações de uma região existe a união, a defesa de interesses e, sobretudo, a consciência regional. E mais: trata-se de uma luta ideológica entre os limites da autonomia de um Estado em face de um poder central. Se a globalização é um novo paradigma, é difícil (senão quase impossível) elaborar conceitos, pois essa nova visão do mundo utiliza-se de prefixos que constantemente suscitam novas interpretações. O “re" e o “des" estão sempre presentes, ou seja, tanto quanto se faz, se refaz e se desfaz; cria-se e se recria; organiza-se e se desorganiza etc. Como entender um mundo que se processa, de um lado, pelas forças integrativas da globalização e, de outro, pelas forças da fragmentação? Essas reflexões perpassam os estudos de região, pois o surgimento ou ressurgimento de novos recortes regionais implica a organização ou reorganização de outros. Concordante com Lipietz (1994, p. 10) “[...] o mundo muda e revela formas, topologias novas!...//. E, se o mundo mudou, como é que a ciência e, conseqüentemente, o corpo de conceitos que dão sustentabilidade a ela deve ser entendido? Como estruturar conceitos frente a essa dinâmica que se faz presente com uma velocidade jamais vista? Essas interrogações constituem-se em um desafio constante para os geógrafos, que têm como métíer a organização espacial. Admite-se que os geógrafos, ao longo da evolução do pensamento geográfico, propuseram vários conteúdos ao conceito de região. Os distintos conteúdos constituem-se em diferentes respostas aos múltiplos olhares com que os geógrafos observaram o mundo real. Essas múltiplas formas de ver permanecem nos estudos atuais, diante de um mundo fragmentado, articulado e globalizado (CORRÊA, 1995). Deve-se, pois, entender que, no âmbito da sociedade mundial em curso de novos desenvolvimentos, tudo adquire outra interpretação. Não se trata de imaginar que os conceitos de região emitidos anteriormente precisam ser abandonados. Propõe-se que as conquistas teóricas já pág. 81 alcançadas pela ciência geográfica possam ser redefinidas, renovadas e repensadas. A propósito, tem-se a mesma opinião de lanni (1996, p. 14-15), quando este diz que: [...] é inegável que a descoberta de que o globo terrestre [...] não é mais apenas uma figura astronômica e, sim, histórica, abala modos de ser, pensar, fabular [...]. Nesse clima, a reflexão e a imaginação não só caminham de par em par como multiplicam metáforas, imagens, figuras, parábolas e alegorias, destinadas a dar conta do que está acontecendo, das realidades não codificadas, das surpresas inimaginadas [...]. São múltiplas as possibilidades abertas ao imaginário científico, filosófico e artístico, quando se descortinam os horizontes da globalização do mundo, envolvendo coisas, gentes e idéias, interrogações e respostas, explicações e intuições, interpretações e previsões, nostalgias e utopias. Não há dúvida de que o mundo é uma "colcha de retalhos”, cujos tecidos (regiões) a serem "costurados" apresentam rugosidades diferentes. Assim, os "laços e laçadas" que são dados podem ser visíveis ou invisíveis, reais ou imaginários, mas possuem características próprias que, embora enlaçadas a outras, guardam sua identidade, sua particularidade, sua personalidade. Ao se considerar a questão regional atualmente, pode-se afirmar que a dinâmica do todo não se distribui similarmente pelas partes. As partes, enquanto distintas totalidades também notáveis, consistentes, tanto produzem e reproduzem seus próprios dinamismos como assimilam diferencialmente os dinamismos provenientes da sociedade global, enquanto totalidade mais abrangente. É no nível do desenvolvimento desigual, combinado e contraditório, que se expressam diversidades, localismos, singularidades e particularismos. Verifica-se, pois, que a globalização pode não significar homogeneização total, mas sim diferenciação de partes. Essa diversidade ocorre em virtude das distintas potencial idades regionais e dos diversos afores hegemónicos que atuam com forças desiguais, organizando ou desorganizando os quadros regionais. Ou seja, são novos recortes do mundo sob o padrão econômico do capital. É interessante resgatar as palavras de Faissol (1996, p. 10), quando este afirma que: No momento, entretanto, em que se observa uma tendência avassaladora e irresistível para a globalização, a questão regional fica um pouco submersa num verdadeiro torvelinho epistemológico, especialmente porque a explicação cada vez mais globalizante dos processos políticos, econômicos e sócio-culturais, relega a explicação do processo de regionalização a uma simples distintividade econômico-cultural; às vezes sugerindo que ele seja uma fragmentação do processo global; é aí que vemos, de forma clara, que esta fragmentação é mais mesmo esta distintividade, pois não vem de cima para baixo, portanto não se fragmenta, e sim é algo que resiste à globalização para se manter integrada. Portanto, a globalização torna o mundo "menor", ou seja, o globo terrestre "se encolhe diante de nossos olhos", perdendo seu caráter infinito de recursos. Diante disso, a Geografia é chamada a encontrar e mostrar outras maneiras de organização ótima do espaço "que se encolhe" e que assume, cada dia mais, sua relatividade. Assim, são necessárias novas abordagens para o conceito de região à luz dos problemas complexos de hoje. Admite-se que, para elaborar um conceito de região condizente com a contemporaneidade, deve-se considerar algumas observações que auxiliam a reflexão desse conceito na atualidade. Pág. 82 Primeiro, há que se conceber que os recortes regionais atualmente são múltiplos, dinâmicos, complexos e instáveis do ponto de vista espacial. Em segundo lugar, deve-se observar que os recortes regionais possuem aspectos distintos. Essa distintividade é fornecida pela diversidade de aspectos que estruturam uma região: ambientais, humanos, econômicos, históricos, sociais, políticos e culturais. Tais aspectos corporificam a entidade regional. Não se pode esquecer que conceitos ainda vigentes na Geografia elegem um ou mais aspectos para estabelecer o contorno da região ou para realizar a regionalização. Por exemplo: aspecto físico - região natural; aspecto humano - região humana-geográfica; aspecto econômico - região homogênea etc. Pretende-se superar essa abordagem e salientar que a região, hoje, deve ser vista pela perspectiva sistêmica, em que todos esses aspectos, interligados, conectados, possam constituir a realidade concreta que se materializa num determinado espaço e que se denomina de região. Em terceiro lugar, há que se refletir sobre a dimensão política como um dos fatores determinantes no conceito de região. A região está subjugada a um poder central, tendo o Estado um papel não mais planejador, mas provedor. O Estado-nação soberano está mudando de figura e até se encontra em crise neste final do século XX, quando se dá a globalização do capitalismo. Deve-se, pois, entender que a globalização, conduzida pelos grandes bancos e corporações transnacionais (capital financeiro), retira do Estado o controle sobre o conjunto do processo produtivo e afeta a integridade do território nacional e a autonomia do Estado, afetando igualmente as regiões. Como conseqüência, tem-se a emergência de nacionalismos separatistas e de movimentos sociais, apoiados na afirmação da identidade e na tradição do lugar, da região. Acredita-se que, nessa nova forma de estruturação do Estado, as regiões terão novo papel, requerendo uma organização social e uma política flexível, que favoreça a competição. É o que já está ocorrendo através da ideologia neoliberal, que inclui como componentes centrais a desburocratização, a privatização e a descentralização. A região tem condições de compartilhar decisões e ações através desse novo modo de regulação. O Estado, embora não deixe de ter a função de coordenação e regulação, deixa de ser o executor exclusivo dos processos econômicos e políticos para dividir o poder com as regiões. Nesse rearranjo político, as regiões, possuindo um desenvolvimento científico-tecnológico e informacional, poderão ter muito a barganhar. Somente sob essas condições, a região oferecerá aos agentes da economia e da política a certeza do resultado de sua ação. A quarta observação importante é que a tão apregoada globalização parece concretamente não ter conseguido suprimir a diversidade espacial e talvez nem a tenha diminuído. Há que se considerar que a identidade cultural persiste e que, portanto, a globalização não a destrói, pelo contrário, até a reforça. Tal fato pode ser constatado pelos regionalismos que se manifestam nas distintas parcelas do globo. Em quinto lugar, há que se levar em conta a problemática da escala. Embora fundamental, a delimitação da região jamais poderá ser rígida, uma vez que a dinâmica do espaço não permite cortes bruscos em sua delimitação. A região é, portanto, uma pág. 83 dimensão escalar do espaço, que se concretiza, se empiriciza mediante uma funcionalização do poder no território. Por último, é necessário entender também que, atualmente, as regiões e os lugares são lugares funcionais do todo. Ou seja, tanto a região como o lugar estão envolvidos dialeticamente, participam do todo e são influenciados por ele. Por conseguinte, mesmo a região não dispondo de uma real autonomia, influencia no desenvolvimento do país como um todo. A partir dessas reflexões, Bezzí (1996, p. 337) propõe entender a região na atualidade como um recorte espacial (subespaço) dinâmico, que se estrutura e se reestrutura em um determinado tempo, considerando as transformações naturais, humanas, históricas, sociais, econômicas, políticas e culturais nele engendradas. Portanto, a região deve ser entendida pelo viés da estrutura social e econômica. Essas estruturas, embutidas no processo das relações homem-natureza, sombreiam e, às vezes, alteram essas relações, provocando uma perda do referencial essencialmente geográfico por parte do geógrafo. Assim, no momento em que as economias se globalizam e que os Estados perdem poder, resta aos pesquisadores a busca de alternativas para se trabalhar com a região. Neste contexto, emergem abordagens mais críticas, como a dos neomarxistas, que propõem o resgate da região apontando, evidentemente sua apreensão alicerçada nos processos da globalização que ocorrem de forma diferenciada no espaço. Assim, propostas como as de Allen, Massey e Cochrane (1998) são revigorantes, pois passam a destacar a "descontinuidade" da região. Ou seja, economicamente o caráter espacial contíguo, anteriormente imprescindível para a concretude da região, seria abandonado e a região se forma como espaços de exclusões em relação aos outros espaços. Emergem as "regiões com buracos", isto é, sem contiguidade espacial. Como exemplo, analisam a política neoliberal de Margaret Thatcher na Inglaterra. Seu projeto neoliberal volta-se para o sul da Inglaterra, priorizando-o como foco de investimentos do país, ficando o norte industrial em segundo plano, embora se destaque como área importante da economia inglesa, mas que, frente a novos atores econômicos, tem outra conotação. Assim, as descontinuidades internas são respaldadas em critérios que não são comuns à região como um todo, daí a formação dos "buracos" ou "áreas". Outra preocupação atual ao debate da região é seu entendimento como cidades-região. Esta abordagem é fruto da globalização que gera novos regionalismos. Para Klink (2001, p. 7), as cidades-região são aquelas áreas metropolitanas "[...] com aproximadamente mais de um milhão de habitantes, cuja delimitação administrativa e institucional nem sempre coincide com a sua identidade política e econômica, e que estão inseridas nos processos globais de transformação socioeconômica". Adverte-se que a globalização engendrou uma complexidade espacial, tornando o conceito de região apreendido de diversas formas. Tal assertiva pode ser constatada através do resgate e do debate com diversos autores e seus distintos entendimentos sobre a região. Assim, abrem-se diversas perspectivas para o seu estudo, mostrando que ela pág. 84 resiste e persiste às mudanças espaciais. Os desafios estão lançados, cabendo aos pesquisadores aprofundar os debates teóricos e práticos, que convergem constantemente para novos embates da questão regional. REFERÊNCIAS ALLEN, J.; MASSEY, D.; COCHRANE, A. Rethinking the region. Londres: Routiedge, 1998. BASSAND, M.; GUINDANI, S. 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