Título: Amor Vingativo Autor: Lee Wilkinson. Título Original: That Devil Love. Dados da Edição: Harlequin Ibérica, Madrid, 1997 Género: romance Digitalização: Dores Cunha Correcção: Edith Suli Estado da Obra: Corrigida. Numeração de página: cabeçalho ROMANCES com CORAÇÃO Editados por HARLEQUINIBÉRICA, S.A. (c) 1993 Lee Wilkinson. Todos os direitos reservados. AMOR VINGATIVO. N" 262 - 25.6.97 Título original: That Devil Love. Publicado originalmente por Mills & Boon, Ltd., Londres. Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV. Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência. (r) tm. Harlequin, logotipo Harlequin e Julia são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV e Novelas com coração é. marca registada por Harlequin Enterprises Ltd. I.S.B.N.: 84-396-5740-4 Depósito legal: M-19067-1997 Fotocomposição: M.T. S.A. Madrid Impresso: COIMOFF, S.A. Arganda del Rey DISTRIBUIDOR EXCLUSIVO PARA PORTUGAL: M.I.D.E.S.A. Rua Dr. José Espírito Santo, lote 1 - A J 1900 LISBOA CaPÍTULO 1 - Espero que não estejas aborrecida por vires-disse Stephen muito ansioso. Annis sorriu. - Claro que não. Estou muito bem disposta. Ele ficou, evidentemente, mais descansado e a jovem pensou como era doce. Preocupava-se realmente com ela. Era fácil de enganar. com o seu despenteado cabelo castanho claro, olhos castanhos, faces cheias e sem qualquer cintura, sempre lhe fizera lembrar um grande urso de peluche. - Parecia que estavas um pouco calada. - Desculpa, não me apercebi. Mentalmente isolada da conversa e dos risos de uma festa organizada para celebrar o êxito de um contrato comercial, não deixara de pensar em Richard. De se preocupar com ele. - E não comeste nada ao jantar. - Não tinha muita fome. Pelo menos, isso era verdade. Stephen perguntou, então, hesitante: - Queres dançar? - Sim, obrigada. Levantaram-se das cadeiras. Ela era magra e graciosa, com a classe de uma beleza fria, mas vistosa o que fazia com que os homens a olhassem e as mulheres suspirassem de inveja. Como não queria destacar a sua 4 beleza, levava um simples vestido preto e uns brincos de ouro, iguais à pulseira e ao relógio. A banda de música começara por tocar umas lentas baladas e, quando começaram a dançar, a jovem perguntou: - Como é que achas que os empregos das pessoas será afectado com a compra por parte da AP Worldwide? Não queria falar naquele assunto mas Richard parecia estar tão preocupado com o seu futuro... Derramara todas as ansiedades sobre ela mais que sobre Linda, já com duas gémeas, carregava o terceiro filho no ventre. - Ainda ninguém tem muita certeza - admitiu Stephen. - Mas o Power é decente. Rude em muitas coisas, mas é respeitado por ser escrupulosamente justo, até mesmo generoso com os empregados, desde que estes cumpram o seu trabalho. Ela conteve um arrepio. Richard confessara-lhe que, no que se referia ao trabalho, apoiara-se muitas vezes em Stephen. - Não é o tipo de trabalho para o qual estou preparado - dissera-lhe. - Mas não tenho mais nada neste momento, por isso vou ter de cerrar os dentes e fazer o melhor que puder. Não me posso dar ao luxo de ficar desempregado. O banco está a ameaçar-me. Fizemos um grande empréstimo e quase que não temos dinheiro para pagá-lo. Annis sabia que estavam a passar dificuldades, mas surpreendeu-se ao apercebcr-se da seriedade da questão. Fez um esforço e deixou de pensar na angustiada expressão de Richard, dedicando toda a atenção ao seu companheiro de dança. 5 - Tem apenas uns trinta e poucos anos, e ninguém chega ao topo com essa idade sem ser duro. A jovem suspirou. Estava a começar a sentir dores de cabeça e tinha vontade que aquela festa acabasse de imediato. Apoiou a cabeça no ombro de Stephen e fez um esforço para se descontrair. Um momento mais tarde, ele afastou-a. Atrás de si, Annis ouviu uma voz autoritária: - Boa noite, você é o Leighton, não é? Importa-se de me apresentar à sua companheira? Surpreendido e encantado pelo facto daquele enorme homem se lembrar do seu nome, Stephen disse: - Annis, este é o senhor Power, o chefe da AP Worldwide, esta é a menina Warrener. A jovem, que estendera a mão, ficou uns momentos sem conseguir mexer-se ou falar, impressionada com a imagem daquele homem. Era surpreendentemente atraente. Inesquecível. Não haveria forma possível de esquecer aqueles caracóis negros, a sua arrogante e forte cara. Conhecia-a e odiava-a! - Zan Power - disse este, apertando-lhe a mão. Zan. Era ele! Não podia haver outro homem que se parecesse tanto com o legendário Jason, ao qual também chamavam de Zan. - Warrener. Ele franziu o sobrolho levemente. - Eu conheço esse nome. - Richard Warrener, o irmão da Annis, trabalha para si - informou Stephen. - Faz parte da minha equipa na área de computadores. Por um momento, a surpresa reflectiu-se naqueles extraordinários olhos. 6 - Ah, sim? Ele não está cá esta noite? Uma vez mais, foi Stephen quem respondeu. - A esposa está quase a ter bebé e ele não quis deixá-la sozinha. - Isso é compreensível - afirmou Zan sem afastar o olhar de Annis. - Será que posso dançar com a sua encantadora companheira, Leighton? Mostrando uma inesperada firmeza que ganhou a admiração da jovem, o outro respondeu: - Isso é assunto da Annis, senhor. - Então, menina Warrener? Annis estava a ponto de se negar, mas lembrou-se de tudo aquilo que devia a Stephen. - Claro. Ela era alta, com quase um metro e oitenta, mas, mesmo assim, a sua testa ficava ao nível do queixo dele. Concentrou-se em evitar que ambos os corpos entrassem em contacto. Ele deixou que houvesse um espaço entre os dois e moveu-se com uma graça, e elegância, que parecia estranha num tão grande homem. O tipo de graça que se pode esperar encontrar num gigolô, pensou ela. - Quando não está com o Leighton, dança sempre assim tão afastada e em silêncio? - Isso depende de quem é o meu par e da intensidade de gozo que esteja a ter na ocasião - afirmou, friamente. Mantiveram-se em silêncio durante um momento mas, depois, Zan voltou ao ataque. - Costuma gostar de festas? - Sim -mentiu. - Mas não está a gostar nada desta. - Por que é que diz isso? - Tenho estado a observá-la. 7 A jovem conteve um estremecimento e não lhe respondeu. - Por que é que veio? - Porque o Stephen me pediu. Aquela resposta surpreendeu-o. - E faz sempre aquilo que o Leighton quer? Olhando-o e pensando que se parecia muito com uma pantera negra, Annis disse: - Sempre que posso. - O que é que ele é para si? Um amigo? O seu amante? - Dado que a nossa relação não passa de algo platónico e isso não interfere no trabalho dele, acho, realmente, que não tem nada a ver com isso. Zan olhou-a com os seus olhos verdes de uma forma que sugeria ameaça. - Mas pretendo vir a ter. - com certeza que não pensa vir a controlar as vidas de todos os seus empregados, pois não? - Não é isso que faço. - Então, o que é que torna o Stephen especial? - Você. A jovem sentiu um arrepio de medo. - Não tolero mais nada a não ser amizade entre vocês os dois. - Como...? - Por isso se, por casualidade, a verdade é algo mais que isso, aviso-a que, para o bem de todos, o deixe imediatamente. - Deve estar doido! Ignorando-a, adiantou: - De todas as formas, acho que não existe mais nada além da amizade. Você tem o aspecto de uma- Rainha 8 das Neves, como se nenhum homem conseguisse derreter-lhe o gelo e transformá-la numa mulher de verdade. - Por acaso não se lembrou que pudesse ter sido um homem que me fez adoptar essa atitude de, como você disse, Rainha das Neves? - Não. Mas é que ainda não a conheço. Nem a conheço de vista nem, muito menos, no sentido bíblico da palavra. Quando os olhos cor de mar da jovem se abriram muito, ele adiantou, muito seguro de si mesmo: - Apesar de pretender fazê-lo. Annis afastou o olhar. O coração batia-lhe fortemente. Sentia raiva e medo ao mesmo tempo. Sentia-se ameaçada. O que era ridículo. - Não gosto de aventuras. - Não penso ter uma aventura consigo. O que quis dizer é que quero tê-la e possuí-la por completo. Aquela frase, pronunciada com tanta tranquilidade, fez com que lhe cortasse a respiração e a raiva, e o medo, invadiram-lhe a garganta. Mas, por muito que lhe aborrecesse semelhante fria arrogância sexual, sabia que Zan podia exercer um fascínio fatal em muitas mulheres. Fora assim que encantara Maya? - Nenhum comentário? Tentando dissimular o desespero, falou-lhe como se nada passasse: -Já lhe disse que acho que está doido, senhor Power. - Zan. - Um nome muito pouco habitual. - A minha irmã mais nova não sabia pronunciar Alexander e, provavelmente por isso, é que se inventou essa abreviatura. 9 - Devo entender que você a escolheu expressamente para que combine com a sua imagem. bom, se me dá licença agora... Estou muito cansada. Annis virou-se e estava a ponto de deixá-lo ali quando ele a agarrou pelo pulso. Ficou gelada. - Acompanhá-la-ei à sua mesa, menina Warrener. Soltou-lhe o pulso e agarrou-a pela cintura. Aquele contacto fez com que a pele dele a queimasse através do tecido do vestido. Stephen levantou-se quando se aproximaram. Arqueou as sobrancelhas, apreensivo, como se estivesse à espera de uma repreensão pelo comportamento insociável da sua convidada. Em vez disso, Alexander Power falou agradavelmente: - Estarei no gabinete do seu director amanhã de manhã, às oito e meia. Vá ter comigo. Assim, poderá dar-me uma melhor ideia daquilo que está a fazer com a sua equipa. Boa noite, Leighton. Depois, cumprimentou-a com uma leve inclinação. - Au revoir, menina Warrener. "Para que é que ele falara em francês?", interrogou-se Annis enquanto Stephen olhava para o seu novo patrão como que encantado. Escondendo os sentimentos, a jovem perguntou-lhe: - Importas-te se eu me for embora? Ele respondeu-lhe com o habitual bom humor: - Não, se é isso que queres. Mesmo assim, parecia estar triste. - Estou com umas terríveis dores de cabeça. - Estás bastante pálida. Depois, agarrou-a pela cintura e dirigiram-se à porta. 10 - Eu vou buscar o carro enquanto vais buscar o teu casaco. Apesar dela se negar a olhar na sua direcção, supôs que Zan Power estava a olhá-la e estremeceu. Quando abandonaram o sumptuoso hotel em Piccadilly e se dirigiram a Belgravia, Stephen afirmou: - É curioso que o senhor Power se tenha lembrado de mim! Viu-me apenas umas duas vezes e muito brevemente. Claro, tem uma reputação de ser um homem excepcional... Jamais acreditarias, mas foi criado nos bairros pobres do Pireo. A mãe dele era grega e o pai inglês. Quer dizer que era meio grego. Isso não só explicava o seu aspecto, como também a sua voz com traços estrangeiros. Mas Stephen continuava a falar. - A mãe morreu quando ele tinha apenas uns onze anos e o pai regressou ao Reino Unido com os cinco filhos. Quando ele tinha dezoito anos, o pai morreu num acidente e a Segurança Social tentou encarregar-se da família, mas ele lutou como um diabo para mante-la unida. Os seus irmãos e irmãs eram mais jovens, mas conseguiu sustentá-los e educá-los enquanto subia na vida. Sem querer ouvir nada de bom acerca de um homem que detestava, Annis sentiu-se aborrecida com a evidente admiração, quase reverência, que Stephen sentia pelo novo patrão. - Se te encontraste com ele umas poucas vezes, surpreende-me que tenha tido tempo para te contar tudo isso. Admirado com aquela irritabilidade, tão pouco habitual nela, explicou: 11 - Não foi ele que me contou. A sua história apareceu num jornal. A jornalista, Zena Talgarth, descreveu-o como um homem duro para os homens, mas um encanto para as mulheres. Provavelmente estava na cama com ele quanto pensou isso, decidiu a jovem acidamente. - Suponho que a publicidade barata e a quantidade de mulheres que tem à sua volta, devem-lhe dar um certo prestígio. Lamento-o pela pobre esposa. - Não é casado, nem nunca foi. Isso surpreendeu-a muito. Podia ter jurado que Maya, numa das suas últimas incoerências, lhe falara de uma esposa e família. - Pelo que se ouve dizer, ficou furioso com aquela reportagem. É um homem que guarda muito bem a sua intimidade e valoriza-a muito. - Depois franziu o sobrolho e adiantou: - Não gostas dele, pois não? - Ora, ora, és um rapaz muito esperto - respondeu sarcasticamente. Ao ver a expressão magoada do amigo, arrependeu-se. - Desculpa, por favor. Perdoa-me. É verdade, não gosto nada dele. - Deves ter sido a única mulher naquela festa que não teria sacrificado qualquer coisa, para dançar com ele. - Sim, é uma pena que me tenha concedido esse privilégio a mim. - O que é que não gostas nele? - Não é o meu tipo. - Eu pensava que é o tipo de todas as mulheres. Stephen parecia estar com inveja e ela abanou a cabeça decididamente. 12 - É demasiado bonito, demasiado seguro de si mesmo para o meu gosto. Odeio esse tipo de "Don Juan"... - Ele não tem essa imagem. O Matt Gilvary, o seu ajudante e mão direita, sim. Ou melhor, era antes de passar a ser o cunhado do senhor Power. Dizem que mudou depois de se ter casado. Mas apesar do Zan Power não ser nenhum santo, também não é um "Don Juan". - Oh, por amor de Deus, podemos deixar de falar sobre esse homem? - Desculpa... Arrependendo-se imediatamente daquela explosão, adiantou: - Não, sou eu que deve pedir-te desculpa. Não sei o que é que se passa comigo esta noite. Mas é evidente que prefiro alguém doce e amável, como tu. Impressionado por ser comparado favoravelmente com um homem como Zan Power, Stephen continuava espantado quando pararam em frente de Fairfield Court, o edifício de três andares onde Annis habitava. Quando saíram do carro, um BMW prateado deteve-se na sombra do outro lado da rua. Annis abriu a porta e perguntou a Stephen: - Queres entrar para tomar um café? - Sim, com certeza - aceitou de bom grado. Envergonhada por esperar que ele se recusasse, entraram em casa e dirigiram-se ao salão, mobilado com o indispensável, mas moderno. Como não tinha vontade que Stephen permanecesse ali durante muito tempo, fez-lhe uma chávena de café instantâneo, forte, com leite e açúcar, como gostava. Stephen olhou-a, surpreendido. - Não bebes? 13 - Quando me dói a cabeça, o café põe-me pior. Quando me for deitar, bebo uma chávena de cacau quente. Ele indicou-lhe para se sentar ao seu lado. - Por que é que não sentas aqui e te descontrais um pouco? Ainda nem são onze da noite. Annis respondeu cautelosamente. - Eu sei que não é tarde, mas estou esgotada... - Desculpa, não tinha pensado nisso. Bebeu o café e levantou-se. - Sou um estúpido. - És um amor. Junto à porta, a jovem colocou-se em bicos de pés e deu-lhe um beijo na cara. Stephen corou, agarrou-a pelos braços e beijou-a fervorosamente. Apesar de surpreendente, o beijo não foi desagradável e ela ficou imóvel por uns instantes antes de se afastar amavelmente. - Telefono-te amanhã - disse ele antes de entrar no carro. Aliviada, Annis fechou a porta à chave. Desejando adormecer quanto antes, preparou-se a toda a pressa, tentando não pensar em Zan Power. Mas não conseguiu. Tinha a sua imagem-impressa na mente. Tal como acontecera da primeira vez que o vira, há mais de três anos. Ele fora, então, responsável pela destruição de quase tudo o que ela amara. Durante meses, estivera obcecada por ele e, com um primeiro impulso de vingança, desejou que Zan sofresse tanto como fizera sofrer a sua família. A amarga animosidade para com o homem que vira 14 apenas de passagem, fora tão forte que lhe custou muito tempo a admitir que se continuasse a ter semelhantes sentimentos, estes acabariam por destruí-la. Fazendo um enorme esforço, afastara aquela imagem para um canto fundo da sua mente. Começou a ganhar a batalha para deixar o passado para trás. Até àquela noite. Voltar a enfrentá-lo, fizera surgir, de novo, a amargura. Num segundo, aquele homem desfizera tudo aquilo que a jovem conseguira nos meses anteriores. Também lhe trouxera uma nova e tenebrosa ansiedade. Era sua intenção possuí-la como parte de algum jogo machista? Ou teria ela alguma razão para sentir medo, para se sentir ameaçada? Estava com uma enorme dor de cabeça que até lhe custava a pensar com clareza. Mas, certamente, no dia seguinte não lhe pareceria que aquela ameaça era ridícula? Estava a pentear o sedoso cabelo que lhe chegava â cintura, até que sentiu um aperto no coração quando a campainha da porta tocou. Pensando que, talvez, Linda estava já com dores de parto e Richard necessitava da irmã para tomar conta das gémeas, apressou-se a abrir. Hesitou e, nesse momento, viu o casaco de Stephen sobre uma cadeira. Agarrou-o e suspirou. A luz continuava acesa, daí que ele teria suposto que a jovem ainda estava acordada. Mas, por que diabo se incomodara a voltar? Abriu a porta, mas o que ia a dizer morreu nos seus lábios quando viu aquele homem. Antes de conseguir recompor-se, eleja tinha entrado em casa como se fosse seu dono e fechou a porta. 15 Zan Power dominou a pequena sala com a sua presença. Parecia verdadeiramente perigoso. - O que é que você está aqui a fazer? O que é que quer? Ele manteve o olhar e sorriu sem lhe responder. Dominada pelo pânico, Annis gritou: - Saia! Saia antes que eu chame a polícia! Zan levantou as sobrancelhas e afastou-se para que ela pudesse chegar ao telefone. - Telefone. Mas, o que é que lhes vai dizer? Como é que vai justificar semelhante acção? A jovem continuou de pé, mas estremecendo enquanto o bom senso lhe dizia que perdera a cabeça e se comportara estupidamente. De certa maneira, conteve o pânico e, lentamente, admitiu: - Lamento ter exagerado, mas apanhou-me de surpresa. Visto Zan não ter feito qualquer comentário, limitando-se a olhá-la, ela adiantou: - Está a ficar tarde e ia deitar-me. Desejou não ter pronunciado aquelas palavras quando ele a olhou dos pés à cabeça, detendo-se em todos os detalhes da sua camisa de dormir, estilo vitoriano, de colarinho alto e mangas compridas, com o suave cabelo solto e os pés descalços. Completada a inspecção, sorriu. - Não se preocupe, está muito decente. Quero falar consigo. A voz daquele homem, cla e profunda, com um ligeiro sotaque que lhe dava um encanto diabólico, fez com que Annis sentisse calafrios pelas costas.abaixo. 16 Levou os dedos à cabeça para tentar acalmar a dor e esperou. Zan indicou-lhe uma cadeira para que se sentasse. - Por que é que não se senta? Aquilo era mais uma ordem que uma frase bem educada. Era claro que pretendia ter um téte à tête, um confronto. Apercebendo-se da futilidade que era tentar opor-se a ele, sentou-se, escolhendo deliberadamente uma cadeira diferente daquela que Zan lhe indicara. - Onde é que tem as aspirinas? Annis surpreendeu-se. - No armário da casa de banho. - Já tomou alguma? -Não. Sem dizer mais nada, Zan desapareceu na casa de banho e regressou, momentos mais tarde, com meio copo de água e duas aspirinas. Depois, colocou-lhe tudo nas mãos. - Vê-se claramente, devido à tensão no seu pescoço e nos ombros, que lhe dói a cabeça. Eu podia curá-la com uns minutos de massagem mas, depois da reacção que teve, duvido muito que lhe vá pôr um dedo em cima ainda que com propósitos medicinais. Graças a Deus por isso, pensou a jovem enquanto tomava os medicamentos. Não conseguia suportar a ideia dele lhe tocar. Por mais de uma razão. Apesar de odiá-lo, era como uma serpente: fascinava-a. Se a tocava, se a beijava, podia adunar-se do seu corpo e da sua alma, e ela seria incapaz de se libertar de tal obscuro encantamento. 17 Estremeceu. Recuperando um pouco a postura, afastou aqueles pensamentos e pensou que devia ser uma idiota. - Importa-se se eu me sentar? Depois, sem esperar pela resposta, sentou-se à frente deAnnis. Enervada com aquela calma decisão, pela forma como ele não deixava de olhá-la na cara, disse: - Queria falar comigo? Como é que sabia a minha morada? - Segui o carro do Leighton. Então, a jovem lembrou-se do BMW prateado. - Sei que isso não é proibido por lei - adiantou ele, sarcasticamente. - Vai-me dizer qual é a razão pela qual se deu a esse trabalho? - Por várias razões - enfiou uma mão no bolso. Enquanto o olhava, Zan agarrou-lhe o pulso direito e ela deu um salto. - Queria devolver-lhe isto. Então, Annis olhou para a pulseira de ouro que Zan lhe colocara como se de umas algemas se tratasse. - Obri... obrigada. Não sabia que a tinha perdido. - Não a perdeu - admitiu Zan friamente. - Eu é que lha tirei do pulso. - Aprendeu a fazer isso quando vivia nos bairros pobres do Pireo? Aquelas palavras saíram-lhe da boca antes de poder conter-se. Por um momento, ele pareceu ficar zangado mas, instantes mais tarde, as suas feições voltaram à normalidade. - Sim. Mas apesar de eu e os meus irmãos termos 18 sido muito pobres, os nossos pais conseguiam alimentar-nos e dar-nos um tecto sem termos de roubar. - Por que é que me tirou a pulseira? Deve ter tido uma razão. - Oh, sim. Decidi que necessitava de uma desculpa válida para bater à sua porta. Não podia descansar enquanto não soubesse o que é que existe entre si e o Leighton. Se ele se tivesse ido logo embora, eu teria esperado até amanhã, mas quando entrou consigo, comecei a pensar se não me teria enganado ao pensar que vocês eram apenas amigos. Justamente quando eu ia tocar à campainha para interromper o que se estava a passar, a porta abriu-se. Ao vê-lo beijá-la, tive vontade de lhe partir o pescoço - disse com um tom de voz letal. O medo inundou-a outra vez e levantou-se num salto. com a agilidade de um gato, Zan também se levantou e ficou apenas a uns centímetros do seu rosto. - Estou a falar a sério, Annis. De agora em diante, pretendo ser o único homem da tua vida. - Se acha que depois de tudo... Annis calou-se de repente, mordendo o lábio inferior. Era melhor deixar o passado em paz. Quando recuperou o controlo, manteve uma compostura gelada. - Parece que não compreende. Não existe forma alguma, sequer, de vir a gostar de si. - Não quero que gostes de mim. Gostar é uma emoção insípida. Quero que me desejes. Que fiques tão louca por mim como eu estou louco por ti. O coração da jovem começou a bater a toda a velocidade. - Está louco. 19 - Pode ser. Mas é uma loucura tão maravilhosa que não quero que acabe nunca. Depois, a voz endurecida pela paixão, continuou: - Não consigo esperar mais para te ter nos meus braços, na minha cama, na minha vida... Mas não tentarei pressionar-te. Dar-te-ei tempo para que te habitues à ideia. A única coisa que eu quero agora é a tua promessa em como não verás mais homem nenhum. - Não lhe posso prometer isso - afirmou, tentando falar com tranquilidade. - Você estava enganado ao pensar que eu e o Stephen éramos apenas amigos. Somos amantes haja algum tempo. O moreno rosto de Zan pareceu ficar pálido. - bom, não podemos alterar o passado. Mas, de agora em diante, és minha. Não te esqueças, Annis. Então, passou-lhe os dedos pelo sedoso cabelo e depois agarrou-lhe o rosto entre as suas mãos, e inclinou a cabeça. Os lábios masculinos eram firmes e seguros, ligeiros, mas completamente possessivos. Um minuto depois, ela continuava ali de pé. Ouviu a porta a fechar-se e o barulho do carro de Zan a afastar-se. Movendo-se como um zombi, aproximou-se da porta para fechá-la à chave. Aquele beijo afectara-a até à medula. Aquele homem virara o seu mundo de pernas para o ar. Nada voltaria a ser o mesmo. Totalmente esgotada, enfiou-se na cama e adormeceu de imediato. Mas nos sonhos não deixou de pensar naquele arrogante rosto que, por vezes, a repelia ou atraía. Acordou quase tão cansada como quando se deitou. O mesmo rosto continuava a dominar-lhe a mente, 20 fazendo com que todos os medos da noite anterior voltassem à superfície. Mas tinha que manter um sentido de proporção, lembrou-se a si mesma. Zan Power não podia fazer algo que ela não quisesse. E, talvez, já tivesse pensado melhor. Em qualquer dos casos, o melhor que ela podia fazer era encarar tudo como se nada tivesse acontecido, como se ele não tivesse alterado todo o seu mundo de novo, e ver o que é que acontecia. Vestiu um fato cinzento e uma blusa branca, arranjou um pouco o cabelo, fazendo o carrapito habitual, e estava quase pronta para sair quando a campainha da porta tocou. Pensando que era o carteiro, foi abrir. Era um jovem de uniforme vindo de uma florista. Deu-lhe os bons dias alegremente, colocou-lhe um lindo ramo de flores nas mãos e foi-se embora a assobiar, apesar do dia estar frio e nublado. As rosas cheiravam muito bem. Aquilo devia de ter costado uma pequena fortuna. Stephen tinha ido longe demais. Entre as flores havia um pequeno envelope. Abriu-o e leu o seu conteúdo. Havia apenas uma palavra: Zan. Ficou completamente gelada. Depois, rasgou o cartão e atirou-o para o caixote do lixo. Mas foi incapaz de destruir as rosas, por isso, dirigiu-se à porta da vizinha, a senhora Nelson, que acabara de ter sido submetida a uma operação. Desejando poder desfazer-se tão facilmente de Zan Power como fizera com as flores, Annis dirigiu-se à estação do metro com a estranha sensação que aquele iria ser um dia muito agitado. Capítulo 2 Annis apanhou o metro até Oxford Circus e depois foi a pé até ao seu escritório em Regent Street, um pequeno apartamento onde instalara a empresa Help, o seu próprio e familiar negócio de trabalhos temporários. Empregava mais de dez mulheres de diferentes idades e habilitações: secretárias, enfermeiras, empregadas domésticas eram o mais habitual, mas conseguiam preencher outros requisitos se fosse necessário. O único mobiliário do escritório eram cadeiras de madeira e uma mesa. No atendedor automático havia uma mensagem de uma mulher que se dizia ser secretária pessoal do senhor Blair, da Blair Electronics, pedindo uma secretária competente para o director comercial. E pedia a menina Warrener, se estivesse disponível. Annis telefonou para a pessoa em questão e falou com a tal mulher. - Sou Annis Warrener - disse. - Acho que nunca trabalhei para vocês anteriormente, pois não? - Não, mas soubemos que foi altamente recomendada por um encarregado de vendas de uma das nossas companhias subsidiárias. - Durante quanto tempo é que vão necessitar da minha ajuda? - A menina Winton irá estar ausente por um mês. 22 Quando acordaram todos os detalhes, a jovem tomou nota da morada e prometeu: - Estou aí dentro de uma hora. Pouco mais de três quartos de hora depois, estava em frente à recepcionista da empresa, dando-lhe o seu nome e a razão da sua presença. - Vire ali à direita e depois à esquerda. O escritório principal fica no fim do corredor. Estão à sua espera, menina Warrener. Annis percorreu o corredor, pisando a luxuosa alcatifa e quando chegou à porta indicada, onde não havia qualquer letreiro, bateu e entrou, como lhe tinham dito para fazer. Assim que entrou, deteve-se, sentindo-se como se lhe tivessem dado um murro ao ver o homem que estava sentado atrás da secretária. Um rosto que tinha impresso na mente. - bom dia, Annis - disse Zan, sorrindo. - Fecha a porta e senta-te. Como ela nada fez, ele perguntou-lhe: - Recebeste as flores? A jovem conseguiu recuperar a voz. - Dei-as à minha vizinha. - Quer dizer que te desfizeste delas? - O que é que esperava? E nem sei o que é que espera agora ao fazer-me vir até cá. Não me posso dar ao luxo de continuar a aturar este tipo de brincadeiras estúpidas. Tenho uma empresa para cuidar. - E eu também. E é por isso que necessito de uma secretária. Tentando ignorar aquele olhar fixo, Annis perguntou: - Como é que sabia onde eu trabalhava? 23 - O Leighton estava desejoso de proporcionar toda a informação que eu quisesse. Realmente, foi até muito divertido. Mas, por favor, senta-te. Ela negou com a cabeça. - Já se divertiu. Agora, vou-me embora. - Acho que não. Temos um contrato verbal. Concordaste em trabalhar para mim durante um mês. - Concordei em trabalhar para o director comercial da Blair Electronics. - Exactamente. Então, aquela era outra das empresas controladas pela Ap Worldwide. Sentindo-se presa, protestou: - Tenho a certeza de que, ao fazer-me vir até cá, o que pretendia era demonstrar-me como pode manipular as pessoas. Você não quer realmente que eu trabalhe para si. - Oh, mas quero sim. A menina Winton contraiu bronquite desde o Natal e piorou. Por isso, dei-lhe um mês para que se recompusesse, pelo que necessito de alguém que a substitua. - Quer dizer que se livrou dela, de propósito? Zan encolheu levemente os ombros. - Precisava de tirar umas férias.-Umas semanas de repouso absoluto vão-lhe fazer bem. Depois, continuou a falar como se tivesse lido os pensamentos de Annis. - Claro, não te posso obrigar a ficar. Mas parece que tens tido êxito com a tua pequena empresa e, se é que a valorizas, vais pensar mais cuidadosamente naquilo que te estou a propor antes de tomares uma decisão precipitada. 24 - Isso parece-se muito com uma ameaça - afirmou ela com a voz um pouco alterada. - Diria que se trata de um bom conselho. Além disso, é apenas por um mês. Enquanto falava, Zan levantara-se, aproximara-se da porta, fechara-a e ajudara-a a despir o casaco. Depois, acompanhou-a até um dos sofás. Fê-lo com tal segurança em si mesmo que ela encontrou-se sentada antes de conseguir pensar no que quer que fosse. - Não vais achar demasiado aborrecido teres de trabalhar aqui. Além da correspondência, a única coisa de que vou necessitar é de alguém que me acompanhe às reuniões e tome notas, além de ser minha acompanhante se tiver de ir a alguma festa. Isso dar-te-á a possibilidade de me conheceres. - Não quero conhecê-lo - disse com um gelado tom de voz. - Então, vou ter de ver o que é que se pode fazer para que mudes de opinião. Agora, tratemos de negócios. Eu nem sempre gravo as minhas reuniões, por isso como é que estás com a tua estenografia? - Lenta e com erros - informou, cheia de doçura. Zan riu-se, autenticamente divertido. - bom, se preferires, podemos utilizar outras habilidades tuas. Annis mordeu o lábio inferior e tirou papel, e lápis da pasta. Trabalharam sem parar até ao meio dia. Ele ditava rápida e decididamente, sem lhe dar qualquer hipótese de descansar, e Annis necessitou de toda a sua concentração para segui-lo. Ao mesmo tempo, apercebia-se da figura masculina 25 que tinha à frente, de como a atraía e de como o detestava. Horrorizada, sentiu que se não tivesse tantos motivos para odiá-lo, poderia facilmente apaixonar-se por ele. Tal como Maya. Maya, uma das poucas pessoas que ela amara de verdade. A sua vida fora uma fonte de maravilhas e a sua morte, a maior das dores. E morrera por um homem, Zan Power. - Utiliza a minha casa de banho se quiseres refrescar-te antes do almoço - sugeriu ele, interrompendo-lhe os pensamentos. A jovem ergueu a vista e olhou-o, estonteada. - Almoço? - Sim, quero que almoces comigo. Tenho uma reunião com o Cyrus Oates, o magnate americano. A mulher dele também estará presente. - Não estou vestida para ir almoçar fora. - Estás vestida como a secretária perfeita - assegurou, em tom de brincadeira. - O que não está nada mau porque, depois de almoçar, temos uma reunião num banco e gostaria que tirasses alguns apontamentos. Ela saiu da casa de banho uns cinco minutos depois. Arranjara o cabelo e retocara a maquilhagem. Depois, foram até à garagem e entraram no BMW que os esperava. - O que é que costumas almoçar? - perguntou Zan. - Uma sandes - respondeu, omitindo que, com o elevado aluguer que tinha de pagar pelo seu escritório, não lhe restava dinheiro para muio mais. Quando se encontravam já na rua, dentro do carro, ele disse: - Fala-me da tua empresa. 26 - Pensava que o Stephen lhe tinha dado toda a informação que queria. - Costumas trabalhar juntamente com os teus empregados ao mesmo tempo que administras o negócio? -Sim. - Mas, sendo a patroa, consegues encarregar-te desses trabalhos? bom, se ele estava decidido a falar, podia entrar no seu jogo. De todas as formas, isso seria melhor que continuar sentada e em silêncio. - Normalmente não é assim. O mais normal é que seja eu a encarregar-me dos trabalhos que ninguém quer fazer. - Como por exemplo? - bom, tomar conta do George quando a família vai de férias. - O George? - Uma píton de quatro metros. É muito dócil, para não dizer amigável. Mas alimentá-la é um problema. As serpentes comem sempre animais vivos. Já alguma vez tentou fazer com que um rato muito morto parecesse estar vivo? Ele ainda se ria quando chegaram ao Hotel Farndale, onde iam almoçar. Estavam a atravessar a recepção quando um homem grande e com óculos se aproximou de ambos, e lhes estendeu a mão. - Olá, Power. Ainda bem que veio. Esta é a minha esposa, Dorothy. Uma senhora, também grande, com os olhos muito azulados, adiantou-se e estendeu-lhes a mão. Depois de ter cumprimentado os dois, Zan disse: 27 - Quero apresentar-lhes a minha secretária, a menina Warrener. - Muito gosto, menina Warrener - afirmou Cyrus Oates enquanto a observava. Durante o almoço, enquanto ambos os homens falavam de negócios, Annis perguntou à senhora Oates: - Esta é a sua primeira visita ao Reino Unido, senhora Oates? Aquela pergunta fez com que a mulher em questão se lançasse numa catarata de palavras, na qual a jovem apenas intervinha de vez em quando. Estavam já a beber o café quando a senhora Oates deixou, de repente, de lhe contar uma história sobre o Harrods e perguntou: - O seu patrão tem muito bom aspecto. Não acha que é muito bonito, querida? - Eu não o descreveria como bonito - sorriu levemente. - Tal como não diria que a cara da Mona Lisa é vulgar. Uma comparação daquelas não entrou no cérebro americano da senhora. - Mas, não gosta de trabalhar para ele? Annis viu uma sombra de divertimento nos olhos de Zan e apercebeu-se que este estava a seguir ambas as conversas. Afastando-se daquele assunto, respondeu: - Eu não trabalho realmente para o senhor Power. Sou apenas uma ajudante temporária. Quando a ouviu, Cyrus Oates exclamou: - Uma ajudante temporária? Depois dirigiu-se para Zan. - Suponho que não vai querer separar-se dela, não é? 28 - Darei os passos necessários para mante-la comigo de uma forma mais permanente. Aquela ameaça provocou um calafrio e um frio suor no corpo da jovem. Uma vez terminado o almoço, dirigiram-se até ao banco e já passavam das quatro e meia quando a reunião terminou. Annis estava cansada. Apesar de não ser muito dada a dores de cabeça, estava a começar a sentir uma ligeira pontada. Já era quase de noite e parecia que ia começar a nevar. Quando se encontravam já no meio do tráfego, Zan disse-lhe: - Já é demasiado tarde para regressar ao escritório. Levar-te-ei a casa. - Não precisa de se incomodar. Se me deixar na próxima esquina, eu apanho o metro. - Não é incómodo algum. Vives em Fairfield Court há muito tempo? - Há uns três anos - respondeu, tentando esconder as amargas lembranças que a assaltavam. - Gostas de lá viver? - Não particularmente. A verdade é que aquele moderno apartamento, sem carácter e com uns compartimentos pequenos, e quadrados, era mais funcional que agradável. - Onde é que habita o teu irmão? Annis ficou tensa quando mencionou Richard. Depois, respondeu-lhe com a voz mais calma que conseguiu entoar. - Ele e a Linda vivem em Notting Hill. - Tens mais família? Aquela inocente pergunta pareceu explodir no interior 29 da sua cabeça. Quis bater-lhe, arranhar-lhe a cara, vê-lo sangrar. Surpreendida com tal acesso de paixão crua e primitiva, com a violência dos seus sentimentos, apertou os punhos e agitou a cabeça. Zan apercebeu-se que a perturbara. Apesar de não saber porquê. Havia muitas coisas naquela mulher que desconhecia. Mas pretendia chegar a descobrir quais eram. Quando chegaram a Fairfield Court, acompanhou-a até à porta e esperou até a jovem a abrir, mas não fez qualquer tentativa de segui-la, com grande alívio para ela. Quando lhe agradeceu muito educadamente, ele abraçou-a e deu-lhe outro daqueles beijos ligeiros, mas possessivos que a deixavam como se tivesse sido apanhada por um tornado. - Au revoir, Annis. Viu-o afastar-se até ao carro e levou a mão à boca. Continuava imóvel como uma estátua em frente à porta quando o BMW desapareceu da sua vista. Assim que entrou, preparou uma boa chávena de chá, tomou duas aspirinas e repassou os episódios catastróficos daquele dia. Zan providenciara facilmente a aceitação dela para o trabalho de sua secretária. Até mesmo odiando-o como odiava, surpreendia-a a forma como cada encontro com ele fazia-lhe aumentar a sua sede de vingança, por isso sabia que não podia continuar a trabalhar para Zan. Anne e Sheyla eram ambas secretárias muito competentes e na segunda-feira iria enviar uma delas no seu lugar. E ele que fizesse o que quisesse! 30 Se tentasse telefonar-lhe, desligar-lhe-ia o telefone. Se fosse ter com ela, negar-se-ia a abrir-lhe a porta. Se tivesse um pouco de cuidado, não teria de voltar a vê-lo. Um banho quente aliviou algumas das suas ansiedades e fê-la sentir-se muito melhor. Mas, mostrando que continuava alterada, deu um salto quando o telefone tocou. - Annis? - perguntou a voz de Stephen com uma mistura de triunfo e excitação. - Tenho bilhetes para o Malibu esta noite. Sei que te estou a dizer em cima da hora, mas queres vir? - bom, eu realmente não... - Pensei que fosses gostar. - Noutra altura talvez, mas não me apetece sair esta noite. Em qualquer dos casos, prometi estar contactável este fim-de-semana para tomar conta das gémeas se fosse necessário e eu... - Antes de sair do emprego, falei com o Richard e ele disse-me que ainda faltam alguns dias para o nascimento do bebé. Por favor, pensa melhor. Tenho a certeza que vais adorar. Lembrou-se da enorme gratidão que sentia para com Stephen e obrigou-se a si mesma a responder, alegremente: - Pode ser que tenhas razão. Está bem, eu vou. - Maravilhoso! Estou aí dentro de uma hora. Quando ele lhe bateu à porta, a jovem já se encontrava pronta e resolvida a, pelo menos, fingir que se iria divertir. - Estás linda - disse Stephen quando a viu simples, mas elegantemente vestida. 31 - Obrigada. Como é que obtiveste esses bilhetes? Pensei que já estavam esgotados há meses. - Vais ver - afirmou, agindo misteriosamente. Tenho um táxi lá fora à nossa espera, por isso é melhor despacharmo-nos. Não temos muito tempo. "Porquê um táxi?", interrogou-se ela. bom, talvez ele pensasse em beber algo. A verdade era que estava extremamente excitado e alegre. Parecia um menino cuja mãe lhe comprara uns sapatos novos. Só quando chegaram ao teatro, sendo já demasiado tarde, é que se apercebeu da razão. No vestíbulo, duas pessoas esperavam-nos. Uma mulher muito bem vestida, com o cabelo negro e uma figura impressionante, e o homem que Annis prometera a si mesma não voltar a ver durante o resto da vida. Encontrar-se com ele, cara a cara, tão inesperadamente, fê-la sentir o mesmo que viajar num elevador a alta velocidade. Sentiu o estômago a encolher-se e o coração a saltar fortemente devido à fúria e pânico que a invadiam. - Boa noite, menina Warrener, Leighton - disse Zan. - Lamento termos chegado um pouco tarde... começou Stephen a desculpar-se. O outro agitou uma mão. - Gostaria de vos apresentar a senhora Gilwary, a minha... - Não sejas tão formal, Zan - interveio a mulher, sorrindo amistosamente e estendendo a mão a ambos. - O meu nome é Helen, sou a irmã do Zan. Tenho muito prazer em conhecer-vos. Então, a campainha tocou. Visto não se lembrar de 32 ideia alguma para desaparecer sem magoar o acompanhante, Annis seguiu-os até ao auditório. Zan fê-la sentar-se entre Stephen e ele mesmo, dizendo: - Ainda bem que pudeste vir ter connosco, sobretudo porque se tratou de um convite em cima da hora - após um momento, adiantou num tom de voz sarcástico: - Mas já me tinhas dito que tentavas agradar sempre ao Leighton. A jovem lançou-lhe um olhar assassino. - Neste caso, foi o Stephen que me quis agradar. O acompanhante ouviu aquelas palavras e interferiu, muito orgulhoso: - Sabia que querias ver esta peça, por isso quando o senhor Power me disse que tinha ainda dois bilhetes e sugeriu que viéssemos com ele... - Sabias que ficaria encantada - murmurou Annis, ironicamente, com a certeza que o homem ao lado se aperceberia do seu tom de voz. O musical foi muito bom e teve muita acção. Mas, mesmo quando não deixava de olhar para o cenário, Annis quase nem se apercebia do desenlace do espectáculo pois toda a sua atenção estava centrada no homem moreno e poderoso que permanecia ao seu lado. Durante o intervalo, foram tomar umas bebidas ao bar e falaram da peça. Se a jovem tinha muito pouco a dizer acerca da mesma, ninguém pareceu notar. Sentia calafrios e doía-lhe a garganta. Não conseguia ver a hora em que aquela noite acabasse. Assim que a tela baixou e os aplausos terminaram, saíram da sala. Demonstrando para aquilo que o dinheiro e o poder 33 valia, o carro de Zan já os esperava no exterior onde começava a nevar. Quando Stephen murmurou algo acerca de um táxi, Zan negou com a cabeça. - Pode ser que venham a ter problemas numa noite como esta. Eu levo-os a casa. O tom de voz masculino não admitia discussões e Annis ficou com a completa certeza que aquela fora a sua intenção desde o início. Mas só se apercebeu, por completo, de como aquela operação fora suave quando se viu sentada no assento da frente e Zan se encontrava ao volante. - O Zan é maravilhoso a organizar este tipo de coisas - afirmou Helen, elevando os seus pensamentos às palavras. - Foi assim que conseguiu chegar ao topo - interveio Stephen com admiração. - E continua a fazê-lo - continuou Helen. Aquilo parecia o Clube de Fãs de Zan Power, pensou ajo vem. Stephen e Helen começaram a falar e Annis manteve-se calada, permanecendo muito quieta, junto ao homem que sempre fora o seu pesadelo. Surpreendia-lhe o facto de Stephen nada dizer acerca do rumo dos acontecimentos e, admirava-a ainda mais, que Helen Gilvary, que agora se ria às gargalhadas, não ter dito nada acerca do facto de ter sido enviada para o assento traseiro. Num dado momento, Zan dirigiu-se a Stephen: - Primeiro, levo a Helen a casa dela. Você vive em Knightsbridge, não é? - Sim. Quando Stephen lhe deu todas as indicações dá sua 34 morada, já estavam a chegar a Elwood Place, um local rodeado de elegantes vivendas. Pararam em frente à entrada do número quinze e Helen sorriu, despedindo-se de todos antes de sair. Desenvolvendo a sua habitual cortesia, Zan acompanhou-a até à porta onde deram um beijo afectuoso. Quando chegaram a casa de Stephen e este saiu do carro, Annis, decidida a arruinar os planos de Zan, também saiu. Pôs-se em bicos de pés e os lábios de ambos juntaram-se. Depois, disse: - Boa noite e obrigada, querido. O amigo de longa data pareceu tão surpreendido e encantado como um homem que tinha visto a realização dos seus melhores sonhos. Quando entrou novamente no carro, o rosto de Zan estava mais escuro e atormentado. - Põe o cinto de segurança - ordenou bruscamente. Quando arrancou, a jovem desejou ter ficado em terra e fechou os olhos com força. Ele conduzia como se estivesse num prémio de Fórmula Um. Momentos mais tarde, um dedo roçou-lhe a face, abriu os olhos e, surpreendida, viu que estavam em frente à sua casa. - Onde é que tens a tua chave? - perguntou ele secamente. Lembrando-se da cara de fúria que Zan mostrara quando ela beijou Stephen, Annis desejou não tê-lo provocado daquela forma. - Realmente, não é necessário que saia... Ignorando aquelas palavras, agarrou-lhe na mala e rebuscou-a até encontrar a chave. - Espera aqui. 35 Annis seguiu-o, um minuto mais tarde, e começou a tremer quando sentiu o vento gelado. Zan ligou o aquecedor a gás e fechou os cortinados antes de ajudá-la a despir o casaco. - Devia de te dar uns bons açoites devido a essa pequena mostra de orgulho. - Não sei o que quer dizer com isso. - Sabe-lo perfeitamente. Sei perfeitamente bem que só o fizeste para me chateares, mas não devias de dar tantas esperanças àquele pobre homem quando é evidente que não gostas dele. - Pois está muito enganado. Eu gosto muito do Stephen! - Apenas no que diz respeito ao teu irmão - ela ficou gelada. - Pensavas que eu não sabia que o Leighton o tem apoiado e muito? Da maneira como o encobre? É do domínio público e há semanas que eu já sei disso. Annis olhou-o, horrorizada. Zan sorriu e ela encontrou-se, sem querer, a admirar a perfeição daquela boca e dentes. - Também sei que, apesar do teu irmão ser um homem casado e com família, tu tendes a preocupar-te com ele como se fosses sua mãe. - Como é que sabe? Só me conheceu há dois dias. Ele agitou a cabeça.. - Já te conheço há três semanas. Foste ao escritório do Leighton uma tarde quando ele estava a terminar o expediente. Depois, saíram juntos. Fiz algumas averiguações e descobri quem eras... O coração da jovem parecia ter parado, depois acelerou-se. - Esperava que ele te levasse à festa. Se não o tivesse 36 feito, teria tido que pensar noutra forma de te conhecer pessoalmente. Annis sentia uma forte dor de cabeça e deixou-se cair no sofá. Aquilo era o inferno. Zan olhou-a e reparou nas gotas de suor que ela tinha sobre o lábio superior. - Estás com muito má cara - adiantou, enquanto lhe colocava uma fresca mão sobre a ardente febre. Acho que estás a ficar com gripe. A jovem afastou-se e murmurou: - Não me toque. Vá-se embora. Deixe-me em paz. Afaste-se de mim para sempre. - Não consigo estar afastado de ti, tal como não consigo deixar de respirar. Pretendo romper essas tuas defesas, derreter o gelo pelo qual estás rodeada, fazer com que me desejes a mim tanto como te desejo a ti. A paixão reflectia-se-lhe no rosto. - Está a perder tempo. Não existe forma alguma de que eu venha a sentir isso por si. Aparentemente calmo, ele respondeu: - Já sentes mais por mim que pelo Leighton. Annis levantou-se num salto. - Isso é verdade. Tenho um grande carinho pelo Stephen e odeio-o a si. Será que agora se vai embora de uma vez por todas? Não quero voltar a vê-lo. - Isso pode ser difícil, visto que estás a trabalhar para mim. - Não. Já não trabalho mais. Se precisa realmente de ajuda, na segunda-feira, enviar-lhe-ei uma secretária competente mas isso é... O telefone começou a tocar e foi Zan quem atendeu secamente. 37 -Sim? Depois, passou-o a ela. Annis olhou-o furiosamente e, depois de respirar fundo para se acalmar, disse: - Pois não? - Graças a Deus que já voltaste - afirmou a voz de Richard. Parecia muito preocupado. - Ando há mais de uma hora à tua procura. Estou no hospital... - O que é que se passa? Aconteceu alguma coisa? - A Linda tropeçou e caiu das escadas abaixo. Partiu um braço e pode ser que tenha lesões internas. Já entrou na sala de parto, mas os médicos disseram que pode durar horas... A jovem sobressaltou-se ao pensar na sua querida cunhada que faria apenas vinte e um anos no mês seguinte. -A senhora Duffy está com as gémeas, mas o marido dela trabalha à noite e ela tem de voltar para casa. - vou para lá agora mesmo. Não te preocupes, vai correr tudo bem. Tenho a certeza. Desligou, tremendo dos pés à cabeça. Depois, chamou um táxi. Antes de conseguir marcar o número, Zan, que estivera suficientemente perto para ouvir tudo, tirou-lhe o telefone das mãos e colocou-o no seu sítio. - O que é que está a fazer? - gritou. - Preciso de um táxi para ir até Notting Hill. - EVI levo-te. - Não quero que me leve. Não preciso da sua ajuda. -Não sejas tonta, Annis. Quase que nem te aguentas em pé. - Isso não lhe diz respeito. 38 - És a mulher mais casmurra que conheci em toda a minha vida! Zan desligou o aquecedor, colocou-lhe o casaco sobre os ombros e levou-a até ao carro. - Qual é o caminho para Notting Hill? - perguntou Zan. Incapaz de continuar a lutar e sentindo-se muito mal, a jovem explicou-lhe e ele colocou-lhe o cinto de segurança. Pouco depois, batiam à porta da casa de Richard e quem os atendeu foi uma mulher volumosa, com quase quarenta anos e cabelo escuro. - Oh, é você, menina Warrener! Que alívio! Estão as duas acordadas. Certamente que as ouvirá chorar... - Lamento ter demorado tanto. A senhora Duffy ajudou-a a tirar o casaco. - bom, já que aqui está, é melhor eu ir-me embora. Os meus filhos têm doze e dez anos, respectivamente, e não gosto de deixá-los sozinhos em casa. - Agradeço-lhe que tenha ficado tanto tempo. - Posso levá-la a casa? - perguntou Zan. A mulher olhou-o agradecida e disse: - Obrigada, mas vivo já aqui ao lado. Os choros, que tinham cessado temporariamente, voltaram a soar e Annis apressou-se a subir as escadas. Quando chegou ao andar superior, sentiu vontade de vomitar e a cabeça às voltas, vendo-se obrigada a apoiar-se na parede. Zan agarrou-a pela cintura e agarrou-a enquanto lhe segurava o pulso. - Deixe-me - tentou soltar-se. - Tenho de ir ver as gémeas. 39 - Não vais fazer nada disso. Primeiro, não estás em condições de fazê-lo. E segundo, não vais querer contagiá-las, pois não? Annis apercebeu-se que aquilo fazia sentido, apesar de... - Ah, este parece ser o quarto de hóspedes - constatou ele ao mesmo tempo que a empurrava. - Agora, vais enfiar-te na cama enquanto eu vou buscar um copo com leite quente para ti. - Mas, e as...? - Eu trato delas. E, provavelmente, até conseguiria fazê-lo. Parecia muito capaz de tomar conta de qualquer coisa. A doença e o cansaço emocional eram a combinação ideal para que se sentisse demasiado cansada para continuar a discutir com ele e, tremendo, sentou-se na cama. Poucos minutos depois, Zan regressou com dois sacos de água quente e um tabuleiro com uma cafeteira de leite, e dois copos de plástico vermelhos. Instalou-a como devia de ser, com um saco atrás das costas e outro junto aos pés, e deixou o tabuleiro com o leite, e aspirinas, na mesa de cabeceira antes de voltar a desaparecer. Annis estava a interrogar-se ansiosamente sobre como é que as gémeas reagiriam à aparição daquele desconhecido quando, como por arte de magia, deixaram de chorar. Bebeu o leite quente, que fora misturado com conhaque, ouviu o murmúrio davoz de Zan e pensou, amargamente, na facilidade como ele encantava as crianças. 40 Assim que o copo ficou vazio, deitou-se na cama e, ao fim de uns segundos, adormeceu por completo. Annis acordou lentamente e não com muita vontade. Reparou que o quarto estava cheio de luz exterior que lhe indicava queda de neve. Mas aquele não era o seu quarto. De repente, lembrou-se de tudo o que acontecera na noite anterior e sentou-se repentinamente na cama. Levantou-se e dirigiu-se ao quarto das meninas. As duas camas estavam vazias. Agarrou num roupão e desceu as escadas o mais depressa que conseguiu. Não havia ninguém no salão, mas uma almofada e uma manta, cuidadosamente dobrada, sugeriam que Zan tinha dormido no sofá. O cheiro a torradas e a café levou-a até à cozinha. Já tinha tomado banho, barbeara-se e estava imaculadamente vestido. Dominando a situação por completo, Zan cozia ovos e, sentadas nas suas cadeiras, Rachel e Rebecca, uns autênticos modelos de comportamento infantil naqueles momentos, comiam o seu pequeno-almoco de cereais. - Olá, minhas queridas - disse ela e, como não queria aproximar-se muito, mandou-lhes um beijo. Rachel, sempre a mais solene de ambas, olhou-a com os seus olhos redondos, enquanto que Rebecca sorriu. - bom dia - disse Zan sorrindo-lhe de uma forma que a imobilizou. - Como é que te sentes esta manhã? - Bem - mentiu num murmúrio. Ele colocou um bule cheio de café com leite e mel sobre a mesa, e ofereceu-lhe uma cadeira. 41 - Parece que necessitas de te sentar. - Primeiro, vou telefonar para o hospital. - Eu já falei com eles. A tua cunhada está tão bem como se pode esperar. Encontra-se sob o efeito do choque, mas os médicos acham que as lesões internas não são muito sérias. -Eobebé? - Já tens um novo e perfeito sobrinho que nasceu há uma hora. O alívio foi tão grande que Annis se sentou, de repente, e desatou a chorar. Foi então que sentiu que ele lhe dava um lenço. Enquanto limpava os olhos e assoava o nariz, Zan adiantou tranquilamente: - Garanti ao teu irmão que está tudo bem por aqui, por isso ele vai ficar no hospital. bom, queres umas torradas? Ela bebeu café e negou com a cabeça. - Então, assim que a senhora Sheldon chegar, vou levar-te a casa para te deitares. - Quem é a senhora Sheldon? - Uma ex-enfermeira e uma ama muito competente. Vai tomar conta das gémeas de agora em diante. - Mas a Linda e o Richard não se podem dar ao luxo de terem uma ama - protestou. - Já está tudo tratado. Então, alguém bateu à porta e ele adiantou: - Ah, deve ser ela. Um momento mais tarde, regressou à cozinha com uma mulher de aspecto agradável. Quando foram apresentadas, a senhora Sheldon disse, alegremente: 42 - Não precisa de se preocupar, menina Warrener. Eu trato de tudo. Sentindo-se mal, Annis cedeu e subiu as escadas para se ir preparar, reconhecendo que, apesar de poder tomar conta das meninas, era melhor para elas que não o fizesse. Mas alguém estava a pagar à senhora Sheldon e a última coisa que queria era que alguém da sua família ficasse em dívida para com Zan Power. Capítulo 3 Menos de uma hora depois, Annis estava metida na sua própria cama, com um saco de água quente nos pés e ele já se tinha ido embora depois de lhe dizer para tirar uma semana de férias, e se tratasse. Dormiu durante a maior parte do dia e, pela tarde, acordou com o telefone. - Como é que te sentes? - perguntou Richard, ansioso. - Muito melhor. Como é que a Linda está? - Também está muito melhor, tal como o menino. É um alívio saber que está alguém a tomar conta das gémeas e eu posso ficar aqui com ela. Este departamento de pediatria é maravilhoso. - Que departamento de pediatria? - Não sabes? Esta tarde transferiram a Linda para a zona privada de Carlton Heights. É tudo de primeira classe. É como uma suite de hotel. Eu até tenho um quarto privado com casa de banho... - Mas, como é que podes pagar isso? - Não vou pagar nada. O senhor Power é que se encarrega de todas as despesas. Foi ideia dele. Tratou de tudo... - Já paraste para pensar por que é que ele está a fazer isso tudo? - Parece que é uma espécie de filantropo, sobretudo no que se refere ao seu pessoal e às respectivas famílias. 44 Mandou flores à Linda e disse-lhe que, se precisasse de alguma coisa, ela tinha apenas de lho dizer. Tem sido completamente maravilhoso. Quando Richard terminou todas aquelas exclamações de admiração, Annis desligou, apreensiva. Estava convencida que Zan Power nunca fazia nada sem ter uma razão. E não acreditava que as suas razões fossem filantrópicas. Passou os dias seguintes fechada em casa e, apesar de tentar não pensar no futuro, nem em Zan, a sua presença esteve constantemente na sua mente, até mesmo quando dormia. Continuou a ter contacto telefónico com o irmão e Zan mandava-lhe, todos os dias, um ramo de flores desejando-lhe as melhoras, mas não lhe telefonou, nem passou por casa dela. O que lhe agradecia muito. Stephen também lhe telefonou e mandou-lhe flores, mas Annis conseguiu convencê-lo para que não fosse visitá-la. Sheila encarregara-se do seu trabalho na empresa e, no dia seguinte a ter adoecido, a rapariga foi até à Blair Electronics, mas Zan dissera-lhe, muito educadamente, que esperaria que Annis melhorasse. Ia ter que esperar sentado! No sábado de manhã, sentindo-se praticamente curada, Annis decidiu ir ver Linda. Quando entrou no luxuoso quarto do hospital, a cunhada estava sentada numa cadeira perto da janela. Apesar do braço partido, tinha muito bom aspecto. 45 Linda sorriu-lhe. - Vem cá para veres o teu novo sobrinho. A jovem olhou para o berço e viu que o menino estava acordado, e a olhava com os seus grandes olhos azuis. -Olá. - É parecido com o Richard, não achas? Annis não tinha a certeza se se parecia com quem quer que fosse, mas disse que sim e depois sentou-se numa das cadeiras. - Que nome é que lhe vais dar? - Estivemos a pensar em Alexander. - Alexander? Esperou que a sua surpresa não fosse demasiado evidente. - Sim, por causa do patrão do Richard. Tem sido espectacular ao pagar-nos isto tudo. E a ama é maravilhosa para as gémeas. Trá-las todos os dias aqui para que eu as possa ver. De repente, os olhos azuis de Linda encheram-se-lhe de lágrimas. - Não podes imaginar a benção que é o facto de alguém se ocupar de tudo. Não sei o que é que teríamos feito se o senhor Power não tivesse aparecido. Claro, continuamos a ter problemas, mas foi um alívio quando o Alex nasceu são e salvo. E eu estou a melhorar muito. - Quando é que podes regressar a casa? - Dentro de poucos dias. Só terei a certeza quando o médico passar hoje por aqui. Então, as suas belas faces adoptaram uma triste expressão. - Mas há um problema. Pode ser que não tenha uma casa para onde ir. Sabes como nos tem sido difícil 46 pagar o empréstimo? bom, ontem soube que o banco ia ficar com a casa... Annis olhou-a, aquela notícia bateu-lhe na cabeça como se de um martelo se tratasse. - O Richard anda a tentar encontrar um sítio que possamos alugar. O senhor Power prometeu que ia ver o que é que pode fazer, mas não tenho muitas esperanças. - Oh, mulher de pouca fé... Aquelas palavras foram ditas alegremente, mas um sotaque levemente estrangeiro fazia com que Annis o reconhecesse entre um milhão de pessoas. Tudo parecia ter-se detido por um momento, o bater do seu coração, a respiração, a mente. Então, como um nadador que passara demasiado tempo debaixo de água, inspirou fundo. Continuava de costas para ele, mas Linda abriu muito os olhos. - Oh, senhor Power... - Como é que se sente hoje? - perguntou amavelmente. - Muito melhor - dirigiu-se à cunhada. - O senhor Power telefona sempre todos os dias para saber como é que eu estou. - É muito amável da sua parte - disse ela friamente. - E tu, Annis? - afirmou ele, acariciando-lhe o pescoço. - Como é que estás? Esta obrigou-se a responder. - Levantada e pronta, como pode ver. - Quer sentar-se? - perguntou Linda, olhando para ambos como se esperasse ver a electricidade que se sentia no ar. Zan sentou-se tranquilamente no cadeirão em frente 47 a Annis. Vestia uma camisola verde, calças bege claro e um casaco. Era a primeira vez que o via vestido informalmente e continuava, mesmo assim, a parecer igualmente elegante, e odiosamente atraente. Depois de olhá-la durante uns instantes, disse-lhe: - Perdeste peso e estás muito pálida. Apesar dos esforços para evitá-lo, a jovem tinha o olhar cravado no dele. - Eu nunca fui muito rosada. - Mas posso imaginar o teu aspecto com as faces rosadas e o cabelo despenteado... E, de repente, ela viu-se nos braços masculinos, com os olhos nublados e os lábios entreabertos, desejando mais. Sentiu o rosto a arder e olhou para a cunhada. Esta observava-os com uma mistura de curiosidade e compreensão, surpreendida, e Annis percebeu que deveria estar a imaginar algo mais profundo, uma relação que não existia. Quando Annis ia negar tudo isso, Richard entrou apressadamente, rodeado por uma aura de energia e excitação. Depois de ter cumprimentado ternamente a irmã, respeitosamente o patrão, e beijado a esposa, foi ver o pequeno filho antes de se deixar cair hum sofá. Alto e muito atraente, com uns traços bem marcados e os mesmos olhos de cor fascinante como os da irmã, o seu rosto ainda não adquirira a força de carácter que tornava o rosto de Annis algo mais que simplesmente bonito. - Correu tudo bem? - perguntou Zan. - Como um relógio - respondeu Richard. 48 - Então, sugiro que conte tudo à sua esposa sem demora. Completamente excitado, Richard começou a relatar a sua história sem demora. - O senhor Power encontrou-nos uma casa perfeita, não fica muito longe de Hyde Park. Tem quatro quartos e uma linda sala para crianças, além de um grande jardim... Tal notícia fez com que Annis estremecesse de medo. Uma vez, vira um filme sobre um tornado e a forma como este arrasava tudo por onde passava. Agora, Zan estava a começar a controlar a vida deles com a mesma velocidade... - E a renda da casa não está acima das vossas possibilidades? - Normalmente, estaria - disse o irmão. - Mas é exactamente aquilo que necessitamos e... - Eu tenho algumas propriedades espalhadas por Londres - interveio Zan suavemente. - A Rydal Lodge estava vazia e pareceu-me ser o local ideal para eles por duas razões. É uma bonita casa e muito central. Além disso, tem um pequeno piso independente para ser ocupado pela ama. - Mas a Linda e o Richard não podem ter uma ama - afirmou Annis. Zan olhou-a directamente nos olhos. - A senhora Sheldon vai ficar mais que contente por trabalhar para eles. Antes dela poder abrir a boca para falar, ele continuou com um tom de voz mais que razoável: - A senhora Warrener não vai conseguir tomar conta do menino e das gémeas com um braço partido. Mêsmo 49 quando lhe tirarem o gesso, vai necessitar de ajuda durante um certo tempo. Isso era verdade e Annis não pôde continuar a discutir. - Seria maravilhoso - interveio Linda. - Nem sequer me atrevi a pensar como é que íamos tratar disso... Mas a Annis tem razão, não nos podemos dar ao luxo de uma casa como essa, nem de uma ama. - Antes de continuar a falar, acho melhor que ouça aquilo que o seu marido ainda tem para contar - disse Zan. Ambas as mulheres olharam para Richard que, orgulhosamente, lhes anunciou: - A partir de segunda-feira tenho um novo emprego. - Um novo emprego? - perguntou a esposa. - Vou-me encarregar das relações públicas de toda a AP Worldwide, com um salário que será três vezes superior ao de agora. Mas, o mais importante, é que vou fazer um trabalho de que gosto e, por isso, acho que o vou fazer bem. Depois de todos aqueles meses de preocupações, era tão maravilhoso vê-lo assim, pensou Annis. Se o trabalho fosse verdadeiro. Mas não acreditava que o fosse. - Como? Quando? - perguntou Linda, surpreendida. Foi Zan quem lhe respondeu. - O Richard não estava satisfeito com aquilo que estava a fazer e, durante a passada semana, falámos de possíveis alternativas... Linda, que parecia como se o céu lhe tivesse caído sobre a cabeça, sussurrou: - Eu quase que nem acredito. Richard agarrou-lhe na mão e apertou-a. 50 - É melhor acreditares. Depois dirigiu-se à irmã. - Estás a ver, mana, podemos dar-nos ao luxo de ter uma casa e uma ama, graças ao senhor Power. Annis apertou as mãos e cravou as unhas. Quis gritar e dizer-lhe para terem cuidado, aquele homem era cruel e não tinha escrúpulos pois fora o responsável pela morte de Maya. com toda a certeza, estava a tentar armadilhá-los. Mas apercebeu-se que isso seria inútil. A morte de Maya e os acontecimentos que se seguiram tinham sido menos traumatizantes para Richard, que se encontrava longe, na universidade, pois fora deliberadamente afastado do pior. Linda disse então, olhando para Zan com os olhos molhados: - Como é que podemos pagar-lhe tudo isto? - Quando estiver suficientemente bem para poder ter convidados, pode convidar-nos para jantar na sua nova casa. O facto de ter utilizado a palavra "convidar-nos" e o terno olhar que lançou a Annis não passou despercebido a ninguém. Oh, mas ele era um especialista naquelas coisas! Dera por certo a existência de uma intimidade que lhe proporcionava um motivo credível para ajudá-los. - Serão os primeiros a ser convidados - prometeu Linda. - Disse que está vazia? Se o Richard puder começar a fazer o necessário para nos mudarmos no princípio da semana que vem... - Acho que ele tem uma surpresa final. Richard, sorrindo amplamente, disse: - Mudámo-nos esta manhã. 51 Superando a surpresa, Annis apercebeu-se que já devia de ter esperado que isso acontecesse. Quando Zan queria alguma coisa, movia-se à velocidade de uma cobra ao ataque e nunca deixava nada para trás. Richard continuou: - Felizmente, já tem cortinados. Às onze horas, o mobiliário já estava todo no sítio e os homens da empresa de mudanças estavam a beber chá antes de terem saído. - Então, e a senhora Sheldon, e as gémeas? - Adaptaram-se perfeitamente. Quando saí de casa, a senhora Sheldon encontrava-se na cozinha a preparar o almoço para as gémeas. E, falando de almoço... Zan levantou-se. - Sim, já está na hora de sairmos. Temos que falar sobre algumas coisas - disse a Annis, sorrindo-lhe. Depois agarrou-a pelo braço e fê-la levantar-se. Esta agarrou na mala, despediu-se e acompanhou-o até ao exterior. O BMW esperava-os na rua. Zan abriu-lhe a porta e ela instalou-se. Depois, ele sentou-se em frente ao volante, assobiando tranquilamente, e arrancou. Ao fim de pouco tempo, dirigiam-se até Park Lane e ela perguntou-lhe: - Onde é que vamos? - Para casa. Por alguma razão, aquelas duas palavras atemorizaram-na e negou com a cabeça. - Quero voltar para o meu apartamento. - Vamos almoçar a minha casa e falar sobre algumas coisas. Aquela era uma batalha de vontade na qual Zan tinha 52 vantagem. Sabendo que era inútil discutir, Annis manteve-se calada. Momentos depois, chegaram a casa dele, um belo edifício de ladrilho vermelho rodeado por um jardim com árvores, o que fazia parecer que se encontravam no meio do campo, apesar de estarem mesmo no centro de Londres. Zan abriu-lhe a porta e conduziu-a até uma grande cozinha. Era muito bonita, com uma grande mesa no meio e uma lareira de pedra acesa. Talvez porque parecia demasiado masculino, tão perigoso e indomável, apesar de toda a sofisticação, Annis nunca pensara nele como um homem que encaixasse tão bem num ambiente doméstico. Um divertido sorriso indicou-lhe que Zan sabia perfeitamente naquilo que estava a pensar. - Sempre preferi esta cozinha à sala de jantar que é muito mais formal. Depois, lançou mais uns troncos para a lareira e colocou uma bandeja coberta sobre uma mesa de café. - A minha empregada passa todos os fins-de-semana com a irmã, que é inválida, por isso vamos ter que comer um almoço frio. Apesar de não ter fome, Annis comeu um pouco de frango e salada. Quando terminou, a chaleira já estava a fazer ruído. Zan preparou o café e serviu-o. Beberam em silêncio até que, ao fim de uns instantes, ele perguntou: - Então, Annis? A jovem conseguiu controlar o seu acelerado coração. - Está à espera que lhe agradeça aquilo que fez para ajudar a Linda e o Richard? 53 -- Estavas a pensar fazê-lo? - Isso depende da razão pela qual fez o que fez. - Não achas que tenha sido pela bondade do meu coração? - Não. - Então, já sabes qual é a razão. Oh, sim, sabia. Sabia muito bem. - Incomodou-se bastante. O sorriso dele aumentou. - Tenho a certeza que vai valer a pena. - Não aposte - exclamou. - Se está à espera que eu me mostre suficientemente agradecida para cair nos seus braços... Zan pareceu pensar por um momento. - A verdade é que não tinha essa esperança. - Então, o que é que esperava? Ele levantou-se e apoiou-se contra uma das paredes. - Uma oportunidade para voltar a começar, para fazer com que não me odiasses tanto. - Olhe bem para os meus lábios e acredite em mim quando eu lhe digo que está a perder tempo. Nunca hei-de gostar de si. E nada daquilo que diga ou faça poderá alterar isso. O rosto dele ficou tenso como se ela lhe tivesse dado um murro e a fúria que o invadiu foi, apesar de estar controlado, algo tão palpável como se tivesse dado uma pancada na mesa. Temendo a raiva e a hostilidade que despertara, Annis levantou-se e dirigiu-se até à porta. Mas antes de conseguir abri-la, ele passou uma mão por cima do seu ombro e fechou-a. - Não tenhas tanta pressa. - vou para casa. 54 - Não vais a lado algum. Vais ficar aqui, que é onde eu quero que fiques. A jovem virou-se e apoiou as costas na porta. O rosto masculino estava tão perto que podia ver perfeitamente uma veia a saltar-lhe na testa e uma pequena cicatriz debaixo do olho esquerdo. - Eu não aceito ordens de ninguém. - De mim, sim. De agora em diante, vais fazer exactamente aquilo que eu te diga. Assustada, mas zangada com o facto dele a tratar por tu, exclamou: - Deves estar doido se pensas que... - Não penso, sei. - Não tenho qualquer intenção de permanecer aqui, nem de aceitar as tuas ordens. - Não te importas com aquilo que possa acontecer ao Richard e à família dele? - Sabes perfeitamente que me importo. - Então, para que continuem a ter uma boa vida, vais ter que reconsiderar algumas coisas. - O que é que queres dizer com isso? - Exactamente aquilo que pensas que eu quero dizer. Deves saber que com o dinheiro que lhe emprestei para liquidar o empréstimo e todas as outras dívidas que tinha, agora o teu irmão deve-me imenso dinheiro. Se fizer bem o seu trabalho e se se transformar num homem importante na minha organização, o que eu espero, não terá qualquer problema em devolver-me aquilo que me deve. - Isso é chantagem - exclamou, alucinada. - Já que recusaste uma aproximação suave, lamento que não me tenhas deixado outra alternativa. com os olhos azuis esverdeados tão escurecidos e 55 turbulentos como um mar tormentoso, a jovem gritou: - És uma víbora! Zan sorriu, afastou-se da porta e indicou-lhe o assento que ela acabara de abandonar, ordenando-lhe suavemente: - Senta-te, Annis. Esta obedeceu como um autómato e sentou-se. Permaneceu em silêncio, pensativa para depois afirmar: - Planeaste isto tudo, a ajuda ao Richard, apenas para chegares até mim de outra maneira. Zan não fez qualquer tentativa para negá-lo. - Como é que podes ser tão mau e não teres escrúpulos alguns? Ele encolheu os ombros. - Esperei não ter que usar as tácticas mais duras, mas já que é assim, pretendo meter-te na minha cama nem que tenha de ser à força. Quando se apercebeu do assustado rosto da jovem, adiantou: - Não, isso não quer dizer que utilize a força bruta. Não vou tentar forçar nada. vou esperar até tu mesma quereres fazê-lo. - Nunca hei-de querer. Zan, que não parecia absolutamente desconcertado, respondeu-lhe tranquilamente: - Pareces ter muita certeza, mas isso logo se vê... Por um instante, a jovem quase que lhe disse por que é que tinha tanta certeza. Mas o bom senso prevaleceu. Ele tinha Richard agarrado pelo pescoço e, quando soubesse que nunca obteria os seus desejos, bem podia apertá-lo ainda mais. - Desde que faças o que eu digo, o teu irmão esta a salvo. 56 Annis respirou fundo e perguntou: - O que é que queres que eu faça? - Quero que te cases comigo. Que sejas minha esposa. A jovem sentiu como se uma gigantesca mão lhe tivesse agarrado o coração e estrangulado. - Prefiro a morte! Zan voltou a sorrir. - Duvido. Em qualquer dos casos, a tua morte não ajuda nada o Richard. Isso era verdade. - Se aceitar, pretendes que eu durma contigo? - Não te estou a pedir um compromisso completo neste momento. Annis, quero apenas ter a oportunidade de nos conhecermos um ao outro. Não te vou pressionar, desde que cumpras algumas condições. - Quais? - Que não terás mais homem algum na tua vida e que, além do facto de não dormirmos juntos, o casamento seja verdadeiro em todos os outros conceitos. A primeira condição era fácil de cumprir, mas a segunda... - Por quanto tempo? - Concordas com um ano? - Um ano! Queres manter-me presa durante um ano? - Não precisas de ficar tão melodramática. - Então, e a minha empresa? - A senhora Collingford pode muito bem tomar conta de tudo. - Mas eu quero fazer alguma coisa... - Se quiseres continuar a trabalhar, podes fazê-lo para mim. 57 - E o meu apartamento? - Se quiseres podes mante-lo. Depois, olhou para o relógio e levantou-se. - bom, agora tenho de ir tratar de um negócio e vou ficar ocupado durante o resto da tarde. Enquanto estiver fora, sugiro que penses bem. Se decidires aceitar as minhas condições, espero que quando voltar já tenhas trazido as tuas coisas para cá. Não te esqueças do passaporte. Pelo que parecia, ele tinha muita certeza que a jovem ia aceitar. Vestiu o casaco, tirou uma chave do bolso e colocou-o sobre o colo de Annis. - Volto às sete horas. Depois, saiu sem lhe dar um beijo. Annis pensou que se sentia aliviada por isso, mas tal omissão deliberada chegou a incomodá-la. Dissera-lhe para pensar. Mas o que é que iria conseguir? Não tinha qualquer escapatória e ele sabia-o muito bem. Se se negasse a casaf, Zan era suficientemente cruel para destruir a recém-construída felicidade de Richard e Linda, e ela não podia deixar que isso acontecesse. Apesar das condições estabelecidas serem inaceitáveis. Estar, durante um ano, tão perto de um homem que odiava. Viver na casa dele, estar sob a sua constante ameaça e pressão... Mas Zan podia ter-lhe exigido uma rendição imediata. Aquele era um pensamento tranquilizador. Por outro lado, fora suficientemente astuto para lhe oferecer umas condições que, apesar de repugnantes, pareciam dar-lhe alguma oportunidade de luta. 58 Mas também era um homem sofisticado e experiente que devia ter-se apercebido do fascínio que exercia sobre ela. Era evidente que pensava que esse fascínio crescesse e, no momento certo, a arrastasse até aos seus braços. O que ele não sabia e não podia ter levado em conta, era que a jovem tinha muitos motivos para odiá-lo. Se cedesse às suas condições... Sim? Os seus pensamentos tinham realizado um círculo completo. Ambos sabiam que não lhe restava outra opção. Essa era a razão pela qual Zan, em vez de acusá-la, fora-se embora, deixando-a livre para tomar a sua própria decisão. Foi quando reparou na chave que agarrara automaticamente. Levantou-se, pegou na mala e introduziu a chave na mesma, assaltada por uma repentina determinação. Nesse momento, ouviu uma buzina a tocar insistentemente no exterior. Espreitou à janela e viu um táxi à sua espera. Devia saber que Zan pensava em tudo. Saiu de casa e o taxista perguntou-lhe: - Para onde, minha senhora? Annis deu-lhe a sua morada e entrou no veículo. Assim que chegou ao apartamento, demorou apenas meia hora a fazer a mala e a preparar tudo para a sua ausência. Quando saiu, sentiu uma estranha sensação de finalidade. Bateu à porta da vizinha para lhe dar a comida que tinha no frigorífico, pediu-lhe para dar uma vista de olhos pela casa e para enviar a sua correspondência para a empresa. O táxi ainda estava à sua espera e, quando colocaram as malas no porta-bagagens, o motorista perguntou: 59 - Vamos regressar a Park Lane? - Sim, por favor. Quando chegou e a jovem ia para lhe pagar, o homem respondeu: - O senhor Power já se encarregou disso. E, sem dúvida, com a sua habitual generosidade, pensou quando o homem agarrou nas malas e levou-as até casa. Pouco depois, decidiu ir ver a casa. Pensando que pertencia a um solteiro rico, quase que esperara que o interior tivesse sido deixado nas mãos de um decorador e fosse impessoal. Mas estava tudo mobilado de uma forma muito simples e com peças, que supôs serem individualmente escolhidas. Era tudo encantador e harmonioso. Subiu as escadas e viu que havia cinco quartos, cada um com a sua casa de banho privativa. O que dava para a fachada da casa era, evidentemente, o de Zan. Ao observá-lo sentiu-se uma intrusa. Os móveis eram de madeira escura, as paredes estavam pintadas de branco e o chão coberto com uma alcatifa vermelha escura com os cortinados a condizer. O quarto era quase austero com a sua fria e elegante simplicidade. Pareceu-lhe que aquela era uma estranha escolha, tratando-se de um homem que passara a infância entre a cor e a confusão dos bairros do Pireo. Então, viu o quadro pendurado na parede em frente à cama. Era o retrato a óleo de uma bailarina espanhola, vívida e sensual, cujo vestido mais parecia uma chama. O contraste era surpreendente. O fogo e o gelo. Depois, levou as suas coisas para aquele que supunha 60 ser o quarto de hóspedes, o mais afastado do quarto de Zan. Assim que terminou de desfazer a mala, desceu novamente até à cozinha. Tinha os nervos à flor da pele pois o regresso dele aproximava-se e começou a preparar o jantar. Quando terminou já estava a anoitecer e a cozinha encontrava-se às escuras. Dentro de menos de uma hora, ele estaria de volta. Ligou a luz principal e, num décimo de segundo, a cozinha ficou completamente iluminada. Depois, houve uma pequena explosão e ficou tudo às escuras. A lareira continuava acesa e esperou que Zan regressasse a casa, sentada. Sentia-se como uma condenada à espera da execução da sua sentença. Capítulo 4 Um leve ruído fez com que Annis acordasse. Abriu os olhos e, na escuridão, viu uma figura alta que a olhava. Zan estava de pé, muito quieto, observando-a como se tivesse ficado pasmado. Um dos troncos caiu e uma nuvem de faíscas subiu pelo ar acima. O resplendor iluminou-lhe o rosto durante breves instantes e a jovem apercebeu-se que ele a olhava com uma apaixonante intensidade. Parecia um homem que, a dois passos da guilhotina, fora milagrosamente absolvido. A sua expressão e o que esta significava deixaram-na sem respiração. Quando regressou àquela escura casa e, aparentemente, vazia, pensara que ela recusara obedecer às ordens impostas, até que entrou na cozinha e a descobriu.. Annis sentiu um arrepio. Uma coisa era tremendamente clara. Tê-la ali não era apenas um capricho. Ele gostava dela. Essa descoberta podia ser uma arma contra Zan, um meio de vingança. Mas, até ter a oportunidade de pensar como utilizar melhor aquela arma sobre os sentimentos que ele nutria por ela, tinha que ir com cuidado. Não podia fazer qualquer 62 referência à coacção e deveria agir simplesmente como se fosse uma convidada na sua casa. - Que belo truque. Fizeste de propósito? - O quê? - Sabes perfeitamente a que é que me refiro. Após um momento, Annis admitiu-o. - Sim, fiz... E, não, não fiz de propósito. - Então, por que é que estás aqui tão quieta, às escuras? - Julgo que os fusíveis rebentaram quando liguei a luz. Sentei-me a ver a lareira e devo ter adormecido. Que horas são? - Quase sete. Quando ele foi acender uma vela, a jovem levantou-se. - Espero que o jantar não tenha secado muito. Zan despiu o casaco e disse secamente: - Não pretendo que sejas minha empregada. - E nem estou a pensar sê-lo. Enquanto ele substituía a lâmpada, ela aqueceu o jantar e, durante um instante, comeram em silêncio. Depois, Zan surpreendeu-a ao dizer, de repente: - Desculpa. Normalmente, não tenho tão mau humor. O que mais a surpreendeu foi o facto de ter acreditado em tais palavras. Até podia ser que ele fosse duro, tirano, cruel, tudo isso mas, mal humorado, não era um dos adjectivos que se lhe podia designar. Após um instante, e visto a jovem nada ter dito, Zan admitiu: - Não esperava que acreditasses em mim. - Mas acredito. Não pareces ser um homem mal-humorado. 63 Ele sorriu. -- Sabes que esta é a primeira vez que me dizes algo de agradável? - E pode muito bem ser a última. - É uma pena. Esperava que pudéssemos viver juntos em amizade, ou até como perfeitos companheiros. - Não parece que isso seja provável, dadas as circunstâncias. Annis lembrou-se da decisão que tomara em ter calma e arrependeu-se daquelas últimas palavras assim que as pronunciou, e ficou satisfeita por ele as ter ignorado. Uma vez terminado o jantar, Zan esperou até que Annis se levantasse e, depois, seguiu-a até junto da lareira. Antes da jovem se aperceber, ele agarrou-lhe a mão esquerda e colocou-lhe no dedo um magnífico anel com um diamante. Estava perfeito. Annis ia a tirá-lo, mas Zan impediu-a, agarrando-lhe as mãos. - Quero que fiques com ele. A jovem tentou libertar-se. - Não, não quero um anel. - Vais usá-lo para me agradares e para adicionares uns pingos de veracidade ao nosso compromisso. Tomou-lhe o rosto entre as mãos e olhou os furiosos olhos azuis. - Acho que te vou beijar para selarmos o acordo. Quando a sua boca cobriu a dela, foi qualquer coisa menos amável. Aquele beijo, feito de fogo e mel, de paixão e de uma perigosa excitação, deixou-a a tremer nos braços masculinos. Quando terminou, olhou-o nos olhos, estonteada. Zan sorria levemente. Tudo nele era duro e lindo, o 64 forte nariz, as faces marcadas, a boca desenhada, os brancos dentes, o firme queixo. Era a cara de um caçador, atento e pronto para matar. - Odeio-te! - sussurrou ela. - Por te ter beijado? - Não queria que o fizesses. - Não? Tens a certeza? Tinha de ter. Seria uma tragédia se viesse a desejá-lo. Ainda assim, o seu magnetismo era tão poderoso que a atraía, apesar de o odiar tanto. Zan inclinou a cabeça e voltou a beijá-la com uma sensualidade pagã, fazendo com que o sangue da jovem corresse freneticamente pelas suas veias. A língua, detida pela barreira dos dentes femininos, entreteve-se na suavidade da parte inferior dos seus lábios, provocando-lhe um angustiado protesto. -Não! Estava desesperada por se afastar, mas era como se o seu corpo não se conseguisse mexer. Então, ele olhou-a com uns brilhantes olhos e a respiração um pouco alterada. - Deixa-me em paz - conseguiu Annis dizer. - Não quero que me toques. Após um momento, Zan suspirou e deixou-a afastar-se enquanto dizia amargamente: - Então, este pode ser um bom momento para irmos visitar a Helen e o Matt. A jovem não se encontrava com disposição para fazer visitas, mas qualquer coisa seria melhor que continuar ali, sozinha com ele. Pouco depois, estavam em frente à porta do número quinze de Elwood Place. Helen abriu-lhes a porta e exclamou: 65 - Estou encantada por terem vindo. Entrem. Seguiram-na até um agradável salão, onde um homem de cabelo escuro se levantou, educadamente, quando entraram. Era alto e magro, um homem muito atraente, com umas feições quase delicadas e uns profundos olhos cor de avelã. A sua boca tinha um toque carnal e uma expressão de auto-estima assomava-se naquele bonito rosto, o que ainda o tornava mais atraente. Lembrou-se então que Stephen negara que Zan possuía a reputação de "Don Juan" e que Matt Gilvary era quem possuía tais características, ou tivera antes de se casar com a irmã de Zan. - Annis, este é o meu marido, o Matt - disse Helen orgulhosamente. - Como estás? - perguntou a jovem, sorrindo educadamente. - Por favor, sentem-se - convidou Helen. Zan negou com a cabeça. - Esta é uma visita relâmpago. Viemos aqui apenas para lhes darmos a notícia - afirmou, agarrando Annis pela cintura e elevando-lhe o braço para mostrar o anel de noivado. - A Annis aceitou casar comigo. Um momento mais tarde, a jovem abraçava-os e beijava-os a ambos. - Isso é maravilhoso! Estou muito alegre... - Parabéns! - exclamou Matt, dando umas palmadas nos ombros de Zan. Eram muito parecidos, altos, morenos e atraentes, mas ao vê-los juntos, Annis apercebeu-se que a diferença entre os dois era evidente. Zan, também magro, era mais musculoso e tinha um aspecto mais forte, os ombros mais largos e parecia mais maduro. E, relativamente 66 ao poder, atracção e puro magnetismo animal, superava o cunhado em todas as formas. Quando ambos deram as mãos, Matt perguntou: - Posso beijar a minha futura cunhada? - Desde que não a faças mudar de opinião... - Não me parece ser uma mulher que muda facilmente de opinião. E, no meu caso, estou a ser observado pela minha esposa. Aproximou-se de Annis, que pensava encontrar-se num sonho, e beijou-a ligeiramente no rosto. - Bem-vinda à família. Espero que consigas suportar as responsabilidades. - E quando é que vai ser o casamento? - perguntou Helen. - Já sabem o que isto significa, um vestido e um chapéu excessivamente caros... - interrompeu Matt. O cunhado sorriu. - Helen, já podes ir comprando o vestido pois vais ser uma das damas de honor. E despacha-te. Vamo-nos casar dentro de quatro dias. Annis sentiu-se como se tivesse saltado de um avião em pleno voo, a dez mil metros de altura, e sem pára-quedas. Imaginara que teria ainda um tempo e não que o casamento seria daí a tão poucos dias. De volta a casa, após uma curta viagem em silêncio, a jovem olhava para o fogo da lareira, interrogando-se sobre como é que iria lidar com tudo aquilo que o seu futuro adivinhava, quando Zan entrou na cozinha e disse: - Também devíamos de informar o teu irmão e a tua cunhada. Agarrou no telefone e marcou o número, depois sentou-se no braço da cadeira onde ela se encontrava sentada 67 enquanto esperava. A seguir, passou-lhe o auscultador. Annis ouviu a voz de Linda. - Estou sim? A jovem não tinha ainda os seus pensamentos muito claros. - Sou... eu, a Annis. - Olá! Depois de vocês terem saído esta manhã, o médico apareceu e disse que, se continuar a melhorar, dão-me alta dentro de um par de dias. Posso ir para casa, não é maravilhoso? -Sim. - Quase que nem consigo acreditar que as coisas correram tão bem. Imagina, se o senhor Power não tivesse... Como se adivinhasse, Zan tirou o telefone das mãos de Annis, manteve-se muito perto dela para que pudesse ouvir aquilo que a cunhada dizia e disse: - Trata-me por Zan. Nestas circunstâncias podemos poupar-nos às formalidades. A Annis e eu vamo-nos casar. - Casar! - exclamou Linda, quase a gritar. - Muitos parabéns aos dois. Já pensaram numa data? Ele disse-lhe e continuou: - Gostaria que fosses uma das nossas damas de honor, apesar de teres de acompanhar a noiva com o braço ao peito. Linda disse algo que Annis não entendeu e Zan riu-se. - Desculpa, mas nenhum de nós quer esperar. bom, depois entraremos em contacto com vocês devido aos preparativos. Toma bem conta de ti. Desligou o telefone e falou com satisfação: 68 - A tua cunhada parece estar radiante e, sem dúvida, surpreendida. Claro, ele planeara, de antemão, deixar o terreno bem preparado. E ela seguira-o como uma ovelha que entra no matadouro. - Parece que pensa que foi amor à primeira vista - adiantou. - Ou será que pretendias contar-lhes a verdade? - Não. Não poderia fazer tal coisa. Isso faria com que ambos sentissem uma enorme culpa. Apercebendo-se do esforço que ela estava a fazer, Zan disse: - Pareces estar esgotada. Sugiro-te que nos deitemos. De repente, o ambiente voltou a encher-se de sexualidade e ele suspirou quando a jovem ficou tensa. - Não é agora que vais entrar em pânico, pois não? - Isso não é necessário, pois não? Não concordaste em ficarmos em quartos separados? - Claro, até mudares de opinião e ires ter comigo. - Se isso acontecer, eu digo-te. - Quando acontecer, não precisas de mo dizer, sabê-lo-ei. Aquela absoluta certeza fê-la sentir um suor frio. Quis dizer-lhe que semelhante confiança era excessiva. Mas sabia que estava onde ele queria, depois de ter encaminhado tudo e afastado todos os obstáculos a toda a velocidade. Zan tinha todas as razões para se sentir confiante. Aquele era um pensamento aterrador. Decidida a não deixar transparecer a sua consternação, 69 levantou o queixo decididamente e, com a cabeça bem alta, subiu as escadas. Em frente à porta do seu quarto, até onde Zan a acompanhara, este abraçou-a e obrigou-a a olhá-lo. - Boa noite, Annis. Espero que durmas bem. Depois, obrigou-a a erguer a cabeça. Daquela vez, o beijo foi ligeiro, nada ameaçador. E umas diferentes emoções invadiram-na, daí ter-se obrigado a permanecer quieta, sem fazer qualquer esforço para se afastar. com as mãos a acariciar-lhe a cintura, Zan, repentinamente, decidiu acalorar um pouco a situação e percorreu os seus lábios com a língua num movimento erótico. Os nervos da jovem estavam já à flor da pele e, irremediavelmente, abriu os lábios. Enquanto a língua de Zan brincava, apoiou-se contra ele e colocou as mãos sobre o viril peito. Através da fina camisola, pôde sentir os seus fortes músculos e o calor da sua pele. Uma torrente de paixão atravessou-a. Estava plena de um ardente desejo e passou-lhe os braços pelo pescoço, pendurando-se nele, disfrutando do contacto do seu corpo. Alto! Alto! Gritou-lhe, de repente, o bom senso e o horror substituiu a excitação. Apesar do sangue quente continuar a correr-lhe pelas veias, o seu cérebro acordou. Se Zan estava a sentir o mesmo tipo de ânsia que ela, levá-lo ao topo da excitação e depois deter-se era uma forma de magoá-lo. Podia vingar-se. Zan prometera-lhe que não a forçaria e, por muitos 70 defeitos que tivesse, pensava que era capaz de manter a sua palavra. Mas era um jogo perigoso. Apesar do ódio que sentia, não era imune, nem à sua poderosa atracção sexual. Não podia deixar de pensar em Maya. Notando como a jovem ficara quieta, ele afastou-se um pouco e olhou-a. Naquele momento, Annis percebeu que, se se afastasse, Zan deixá-la-ia ir. Animada, suspirou e passou os dedos pelo cabelo escuro, maravilhando-se com os seus caracóis que pareciam ser de seda. Ele fez um ruído, metade suspiro, metade gemido, e abraçou-a fortemente, apertando o esbelto corpo contra o seu. - És tão linda - murmurou. - E desejo-te tanto... Os beijos eram mais doces que o vinho e, ao mesmo tempo, estonteantes. Mas ela tinha que manter o controlo. - Quis ter-te desde que te vi. O tempo que tenho sonhado a fazer amor contigo... Agora! Agora!, pensou para si mesma e, reunindo toda a força de vontade, afastou-se. O rosto masculino parecia estar quase em transe. - Prometeste que não me pressionarias - acusou e depois conteve a respiração. Ouviu como Zan fechava a boca e os dentes soavam ao chocarem com força. - Exacto. Depois, virou-se e foi-se embora. com uma sensação de triunfo, a jovem entrou no quarto e fechou a porta. Estava a ser obrigada a casar com ele, mas quando 71 estivessem casados, em vez de sucumbir à sua atracção, como Zan esperava, ela transformá-lo-ia num homem frenético de paixão e depois afastá-lo-ia como ele fizera a Maya. Quanto mais forte fosse o seu desejo por ela, melhor. Assim, magoá-lo-ia mais profundamente. E, sempre que Zan pretendesse fazer amor com ela, repetiria a mesma cena. Na quarta-feira seguinte, às quatro horas em ponto de uma fria tarde, casaram-se na Igreja de São Jorge, em Mayfair. As poucas pessoas que assistiram à cerimónia, pareciam muito surpreendidas com a velocidade do noivado. Matt era o padrinho de Zan, enquanto que Richard era o da noiva. Helen e Linda, excitadas como umas jovens colegiais, eram as damas de honor, como lhes fora prometido. Se a noiva, alta e esbelta, com um lindo vestido branco, estava muito quieta e pálida, e o atraente noivo estava muito sério, todos acharam que se devia ao facto da solenidade da ocasião. Como o casamento fora anunciado com tão pouco tempo de antecedência, os restantes irmãos de Zan, espalhados pelo mundo inteiro, não puderam assistir mas todos enviaram os seus melhores desejos. Depois da cerimónia, Matt insistiu em tirar algumas fotografias antes de irem para o hotel onde se realizaria o banquete. Quando ali chegaram, o noivo afastou o ar de gravidade e adoptou uma expressão amável e sorridente. Annis também fez o máximo para parecer feliz. 72 Todos pareciam estar muito alegres, mas era Linda quem parecia mais contente. -Vocês não mencionaram nenhuma lua-de-mel. Vão a algum sítio? - Claro-afirmou Zan. - Mas só amanhã de manhã. Olhou então para a esposa e, depois de lhe piscar o olho, adiantou: - Não gostava nada de desperdiçar a minha noite de núpcias num avião com trezentos passageiros. A jovem sentiu que corava. - Onde é que vão? Ou será que é um segredo? perguntou Helen. - É um segredo. Nem sequer a Annis sabe - respondeu o irmão. Quando chegaram a casa depois da festa, Zan perguntou a Annis: - Queres tomar alguma coisa antes de te deitares? Ela negou com a cabeça. Estava esgotada e agora que já não era necessário aparentar felicidade em frente a de Linda e Richard, não tinha qualquer vontade de continuar a fazê-lo. Durante os últimos quatro dias, Zan nem sequer lhe beijara ou tocara e, além de falar sobre os preparativos do casamento, apenas a cumprimentava. Isso deveria tê-la aliviado, mas não era assim. Era como a calma antes da tempestade. Aquela sensação de espera apenas aumentava a sua intranquilidade. Quando chegou ao quarto recordou-se do comentário do actual esposo sobre a noite de núpcias. Entrou e fechou a porta à chave. Depois, apoiou-se na parede e esperou pela reacção dele. Por um momento, houve silêncio, depois ouviu os passos de Zan a dirigir-se até ao próprio quarto. 73 Annis descontraiu-se e suspirou aliviada. Foi preparar-se para dormir. Então, apercebeu-se que as suas coisas já não estavam ali. com certeza que as teriam levado para o quarto de Zan. bom, tinha de prescindir delas durante aquela noite. Descalçou-se e soltou o cabelo, mas quando foi para despir o vestido de noiva não conseguiu. Os botões que se encontravam na parte das costas, eram demasiado pequenos. Depois de lutar durante aquilo que lhe pareceu ser uma eternidade, viu-se forçada a reconhecer que, apesar de ter conseguido desabotoado alguns, não conseguiria fazer o resto sem ajuda. Iria dormir vestida. Mas o maldito vestido estava tão apertado e, na manhã seguinte, continuaria a necessitar de ajuda para despi-lo. Ao fim de pouco tempo, tomou a única decisão que lhe restava e dirigiu-se ao quarto de Zan. Bateu à porta, mas ele não respondeu. Abriu-a um pouco e olhou para o interior. A luz de um dos candeeiros estava acesa. Annis deslizou pelo quarto a dentro enquanto pensava naquilo que lhe iria dizer. - Estava a pensar quanto tempo mais é que irias demorar. Aquela voz fez-lhe dar um salto. Ele estava na cama, com as mãos por trás da cabeça. Esperando-a. Levantou-se, dirigiu-se à porta e fechou-a. Estava completamente nu e era como um magnífico animal macho. com um nó na garganta, ela disse: 74 - O que é que estás a fazer? - Estou a fechar a porta. E, antes de começares a protestar, lembra-te que foste tu quem criou este precedente. - bom, podes abri-la de novo. Vim apenas pedir-te... - Que te ajude a despir o vestido? Vai ser um enorme prazer! - Não te aproximes mais - exclamou, recuando. Zan deteve-se em seco. - Acho que não consigo desabotoar-te os botões a esta distância. Ao ver a satisfação dos olhos dele, a jovem desejou não ter ido ali. - Não comeces a pensar coisas. Não tenciono dormir contigo. - Mas é uma coisa muito normal. Os noivos dormem sempre juntos na noite de núpcias - afirmou como um menino bem ensinado e, quando ela afastou os dentes, continuou: - De facto, existem muitas pessoas que não consideram um casal como marido e mulher até o casamento ser consumado. - Tu é que me obrigaste a casar contigo, mas não podes obrigar-me a dormir contigo. Não vais... - Não. Como já te disse, temos um acordo e não penso utilizar a força. Agora, falando desses botões... De repente, aproximou-se. Demasiado. Annis recuou e disse: - Quero que te vistas. - Eu sou teu marido. Nunca viste homens nus? Não em carne e osso. Nem tão perto. É nunca com aquele atractivo físico que fazia com que a sua temperatura corporal se elevasse. 75 - Mas, se te incomoda... Zan vestiu um robe curto e atou o cinto antes de continuar. - Vira-te. Ela obedeceu e afastou o longo e sedoso cabelo. Enquanto lhe desabotoava os botões, não conseguiu evitar roçar-lhe a pele e a jovem arrepiou-se. Quando terminou, fez-lhe deslizar o vestido pelos ombros e braços, até cair no chão. Acariciou-lhe o pescoço com os lábios enquanto lhe abarcava os seios com as mãos. Annis tentou afastar-se, mas o tecido que lhe rodeava os tornozelos, impossibilitou-a. Ele abraçou-a e fê-la sentir o calor do corpo masculino, e antes dela conseguir recuperar a vontade ou o equilíbrio, já Zan lhe lambia o pescoço, fazendo-a estremecer de prazer. Fê-la voltar-se e gemeu, beijando-a com uma doce ânsia e desejo. A voz da postura dizia a Annis que se libertasse e, então, lembrou-se como pensara na sua vingança. Em vez de se afastar, faria como se se tivesse rendido, dando a entender que estava pronta para ser possuída. Depois, quando Zan estivesse completamente excitado e quase fora de si pela paixão, abandoná-lo-ia. Seria simples, desde que mantivesse o controlo. Apertou-se deliberadamente contra ele e sentiu um arrepio ao aperceber-se da dureza do corpo masculino. Encaixavam entre si como se tivesse sido feitos um para o outro, como se fossem duas partes do mesmo. Os lábios dele começaram a mover-se pelo seu rosto, beijando-a suavemente, antes de se dedicar completamente em transformar o aço em ouro fundido. 76 Ao fim de poucos instantes, Annis já estava presa na onda da luxúria. Quando o resto da roupa interior seguiu o mesmo caminho do vestido de noiva, a jovem já se encontrava irremediavelmente perdida e o corpo ardia-lhe com o fogo que as sábias mãos provocavam. Depois, Zan tomou-a nos braços e levou-a para a cama. Annis rodeou-lhe o pescoço com os braços sem deixar que ambos os lábios se separassem. Ele deitou-se ao seu lado e levou a boca a um dos seios. Quase incapaz de suportar aquela tortura, Annis gemeu. - Calma, querida - sussurrou ele. - Está tudo bem. Vamos fazê-lo devagar. Mas quero que descubras a explosão que tens fechado com tanta decisão. Quero capturar a tua imaginação, preencher o teu coração e a tua mente, abraçar-te para que nunca te separes de mim. Ela não passava de uma estremecida massa de sensações quando Zan adiantou: - Olha para mim, Annis. A jovem olhou-o. - Tenho que saber: o Stephen era teu amante? Aquela pergunta quebrou o encantamento como uma pedra que caía num lago tranquilo. Apercebeu-se como estivera próxima do desastre e tentou ganhar tempo para se recompor. - O que é que achas? - Maldita sejas, não brinques comigo. Era, ou não? - Isso importa? - Sim, importa - afirmou, apaixonado. - Quero ser eu a despertar-te as delícias do amor, quero ser o primeiro a ensinar-te o prazer, um prazer tão puro e 77 delicado, tão satisfatório e maravilhoso que quase é doloro... Annis soltou-se e cruzou os braços para tapar os seios. - Não fazia ideia que as virgens eram o teu ponto fraco. Sempre pensei que preferias mulheres experientes. - No passado, todas as minhas relações foram bastante levianas, sem importância. Não representavam nada mais que um fácil intercâmbio de prazer. As mulheres experientes que o sabem, não se magoam. Tu és a única mulher de quem eu realmente gostei. A única pela qual senti o que sinto. Quero ser o teu primeiro amante. O teu único amante. "Mas a Maya ficou muito magoada", pensou ela. E queria que ele sofresse por isso, queria enlouquecê-lo, tê-lo preso num permanente estado de frustração. - Desculpa, mas já não tenho vontade. Noutra altura, talvez. Zan olhou-a deitando faíscas pelos olhos e agarrou-lhe um braço com força. - És uma...! Quando viu que a jovem empalidecera, conteve as suas palavras iradas. Annis, com o coração na boca, viu-o lutar para recuperar o controlo, e ganhar. Soltou-a. - Se te passou a vontade, acho melhor saíres já enquanto eu ainda consigo manter a minha promessa. Depois, levantou-se dirigiu-se até-à porta e abriu-a. Sem se deter para apanhar a roupa, ela saiu a correr. Era suposto a sua vingança ser algo doce mas, desta vez, não sentia nada de triunfante. Estava desolada. Nua sob os lençóis, com os olhos fortemente fechados, 78 permaneceu acordada, tremendo com uma mistura de nervos e mal estar emocional. Temia a manhã seguinte, sabendo que teria de enfrentar o aborrecimento do marido, por isso dormiu mal e acordou cansada, e com dor de cabeça. Mas, para sua surpresa, ele parecia normal quando, às sete em ponto, lhe levou uma chávena de chá. Olhou-a na cara e apercebeu-se das profundas olheiras, mas não fez qualquer referência à noite anterior, limitando-se a dizer: - Temos que estar no aeroporto a meio da manhã. - Para onde vamos? Por quanto tempo? - Vamos até São Francisco durante uns dias. Depois iremos até ao Havai e ficaremos lá duas ou três semanas. Podemos apanhar sol, mas em São Francisco o tempo pode estar pior, por isso leva algo impermeável. Dadas as circunstâncias, o longo voo até à Califórnia podia ter sido insuportável mas, na realidade, foi relativamente agradável, dado o comportamento decididamente amigável de Zan. Annis descobriu que era um perfeito companheiro de viagem, com um bom, apesar de inesperado, sentido de humor. Mais surpreendente ainda, foi descobrir que tinham muitas coisas em comum: gostavam do mesmo tipo de leitura e da mesma música. Além disso, partilhavam o mesmo verdadeiro amor pelo teatro. com as oito horas de diferença horária, chegaram ao Aeroporto Internacional de São Francisco ao meio dia. Estava um dia soalheiro e brilhante com um forte 79 vento que fazia erguer as grandes ondas nas azuis águas da baía. Uma vez terminadas as formalidades aduaneiras, apanharam um táxi e dirigiram-se até ao norte da cidade. Enquanto o trajecto durou, mantiveram-se em silêncio, salvo quando Zan lhe assinalava algo com interesse. - Se gostas de basebol ou futebol americano, aquele é o Candlestick Park, onde jogam os São Francisco Giants e os São Francisco Fortyniners. Quando chegaram a Union Square, o táxi deteve-se em frente ao Cliff Lobos Hotel. Zan pagou e, enquanto os dois homens do pessoal do hotel se encarregavam das malas, conduziu-a ao interior da ultramoderna recepção, adornada com uma espectacular cascata artificial e uns lindos jardins. O encarregado apressou-se a recebê-los. Depois, apanharam o elevador até ao piso catorze e foram conduzidos até um apartamento, elegantemente mobilado. Tinha dois quartos, com casas de banho privativas e um grande salão central. Annis teve que resistir à tentação de se beliscar. Sentia-se completamente desorientada, como se tivesse aparecido ali, de repente, por artes de magia. Tinham acontecido tantas coisas em tão pouco espaço de tempo que nem tivera tempo para assimilá-las, uma por uma. Em apenas duas semanas, aquele Homem alterara toda a sua vida. De desconhecidos, passaram a marido e mulher. Em lua-de-mel.. De repente, apercebeu-se de como estivera tão perto da rendição na noite anterior e arrepiou-se. Nos próximos dias, para não falar nas noites poderia ver como era perigoso o caminho através daquela espécie de campo 80 de minas que era a sua vingança. Pensou que a única coisa que tinha de fazer era permanecer fria. Mas, durante quanto tempo é que conseguiria manter-se fria se Zan decidisse exercer todo o seu poder sexual? Capítulo 5 Zan disse-lhe que o melhor para lutar contra o cansaço, provocado pela alteração do horário, era manter-se acordada até à noite e propôs-lhe que fossem ver o Oceano Pacífico depois de mudarem de roupa. Uma hora mais tarde, depois de tomado um duche, dirigiram-se à baía. Annis apaixonou-se pela ventosa São Francisco na sua primeira visita. Durante os dias seguintes, e para sua surpresa, ele não fez qualquer tentativa para seduzi-la. Mas, apesar disso, a jovem não deixava de se aperceber da sua presença e de cada um dos movimentos que fazia. Só quando lhe passava um braço pelos ombros, amigavelmente, ou quando se inclinava e roçava a orelha com os lábios para lhe sussurrar algo, ela ficava gelada e era-lhe difícil respirar. Assim que ele notava isso, afastava-se. À noite, dava-lhe o mais breve dos beijos para se despedir antes que cada um entrasse no seu próprio quarto e parecia dar-se por feliz em manter as coisas como elas estavam. Pelo menos, de momento. Muito aliviada com aquela atitude platónica, Annis achou que os dias seguintes eram Uns dos melhores de toda a sua vida. Percorreram a cidade de manftã à noite em todos os veículos imagináveis. 82 Falavam cada vez mais e encontravam mais coisas sobre o que conversar. E, sem se aperceber, Annis começara a sorrir espontaneamente. Depois de passarem várias noites a jantar e a dançar, ele propôs-lhe irem à ópera para assistirem à obra Tristão e Isolda. A jovem estava a vestir-se no seu quarto quando Zan bateu à porta e entrou. Estava tremendamente atraente e elegante com o seu smoking negro e camisa de seda branca, ainda sem o laço. Inconscientemente, ela humedeceu os lábios. Quando ele a viu, uma chama incendiou-se-lhe nos olhos e inclinou, lentamente, a cabeça. Sabendo que tinha de evitá-lo, a jovem afastou-se e, com a voz alterada, perguntou: - O que é que queres? Zan sorriu como um tigre. - Por que é que entraste? Se não me despachar, não chegaremos a tempo. - Vim perguntar-te se queres um aperitivo. Mas agora vou ter de te beijar, se não fico doido. Presa entre ele e a parede, Annis procurou uma via de escape, desesperada, quando Zan lhe colocou uma mão sobre o pescoço e fez com que levantasse a cabeça. A sua boca fechou-se, então, sobre a dela. Aterrorizada com aquele súbito assalto, Annis começou a lutar. Quando ambos os corpos se juntaram, ouviu-o gemer. Deteve-se pois os seus movimentos apenas incitavam o nascer da chama do desejo masculino. Se ele perdesse o controlo, tinha que levar em conta que era muito mais forte que ela e a roupa não era protecção alguma. 83 - Annis, o que é que me estás a fazer? Depois, apoiou a testa contra a dela e continuou. - Não sei se vou conseguir suportar isto por muito mais tempo. Nunca desejei uma mulher como te desejo a ti. - Então, deixa-me. Eu não te desejo. - Claro que me desejas. Desejas-me muito. Mas existem duas pessoas no teu interior, a que responde a mim e outra que eu não consigo controlar. Sentou-se e fê-la sentar-se ao seu colo. -Não... - Está quieta. Quero falar contigo. A jovem obedeceu e ficou em silêncio, rodeada pelos braços viris e com o coração acelerado. - Acho que não tivemos um bom começo. Parece que o teu outro eu nem confia, nem gosta de mim desde o inicio e tenho andado sempre a obrigar-te. Pode ser que nem acredites, mas este não é o meu estilo no que se refere a relações pessoais. As mulheres que tive estiveram sempre muito desejosas de estar comigo. Ela não teve qualquer problema em acreditar nisso. Ainda conseguia ouvir a voz de Maya a chorar, dizendo-lhe que fazia qualquer coisa para estar com ele. -... mas tinha muito medo de te perder. Surpreendida, Annis levantou o Olhar e fixou-se nos seus olhos. Por um instante, a expressão de Zan era muito clara e parecia verdadeiramente confuso. Nunca mencionara a palavra amor. Mas o seu desejo por ela era algo mais profundo que uma simples questão física. Assim, tinha algo que podia magoá-lo muito mais que arranhar a superfície do seu ego masculino. Mas 84 já não tinha muita certeza da sua habilidade para excitá-lo e recuar como se nada tivesse acontecido. - Ainda há pouco tempo, perguntaste-me o que é que eu queria. Gostaria que esquecêssemos o passado e começássemos tudo de novo. O ser egoísta e cruel desaparecera. No seu lugar, havia um homem cujos sentimentos eram profundos e que era capaz do carinho mais maravilhoso, além da paixão. Um ser humano menos duro e que parecia admitir não ser infalível, que podia sair magoado. - Quero que me queiras, que venhas ter comigo... Annis esteve a ponto de perder o seu coração. Mas, como um aviso, lembrou-se da lenda do poderoso Zeus que, sabendo que não ia ganhar nada à força com uma das mulheres por quem se encaprichara, transformou-se num recém-nascido para lhe despertar a ternura e compaixão. De todas as formas, aquele homem era completamente irresistível. Pensava estar protegida dessa atracção devido ao ódio que sentia, mas não era assim. De todas as formas, ao lembrar-se de Maya, levantou-se num salto. - Não quero começar de novo. Nunca te hei-de querer e nunca irei ter contigo. Zan levantou-se. - Apesar dessa camada de gelo, acho que uma mulher que tem uma boca como a tua jamais poderá ser frígida. És jovem, saudável e tens todas as necessidades naturais. As minhas condições consistiram no facto de não teres outro homem na tua vida por isso, mais tarde ou mais cedo, essas necessidades atraiçoar-te-ão. 85 A jovem apertou os dentes. Sabia perfeitamente como tais necessidades tinham arruinado a vida de Maya, daí ter aprendido a saber controlá-las. - Nessa altura, virás ter comigo e desejar-me-ás tanto como eu te desejo a ti. Jamais! Por um momento, sentiu-se tentada a contar-lhe a sua razão. Atirar-lhe o passado à cara e ver o seu desgosto quando descobrisse quem ela era. Mas soube, depois, que Zan não se importaria com isso. Não sentiria qualquer culpa. Para os homens como ele, as mulheres eram para usar e deitar fora. - Estás muito enganado. Não iria ter contigo nem que fosses o último homem ao cimo da terra. Terias que violar-me. Então, viu a escura decisão nos olhos escuros. - Não...? - disse quase num sussurro. - A força não será necessária. Quando é necessário, sei ser paciente. Annis imaginou-o como se fosse uma pantera negra que observava a sua presa. - Vai ser muito divertido ver quanto tempo é que consegues aguentar. - E se a paciência desaparecer e te cansares de esperar? - Se isso acontecer, dou-te a minha palavra em como te deixarei livre e que isso não afectará o teu irmão em nada. Quando regressaram da ópera, esperavaKs no quarto um carrinho com um jantar e uma garrafa de champanhe. Annis, enquanto ouviam Wagner, aproximou-se da 86 janela. Estava noutro mundo, encantada, e Zan enchia-lhe o copo de champanhe de vez em quando. - Boa noite, espero que durmas bem - disse-lhe ele ao fim de um bocado e a jovem não pôde deixar de elevar o rosto com uma expressão sonhadora, esperando pelo seu beijo. Começou a fazê-lo suavemente mas, quando ela abriu os lábios sob a pressão, Zan aprofundou-o de imediato. Quase de seguida, Annis deixou de pensar coerentemente e deixou-se levar por aquela sensação. Passou-lhe os braços pelo pescoço e acariciou-lhe o cabelo com os dedos. As mãos masculinas começaram a mover-se pelas suaves curvas com um carinho e paixão que eram a cópia perfeita daquilo que ela sentia. Se, nesse momento, ele tivesse mostrado qualquer sinal de dúvida, apressado as coisas ou dito uma palavra, o encanto ter-se-ia quebrado. Mas, como se fosse a coisa mais natural do mundo, continuou e a jovem estremeceu quando sentiu carícias nos seios através do tecido do vestido e nos mamilos. - Aguardo este momento desde que te conheci afirmou ele agitadamente. E, surpreendentemente, aquelas firmes mãos, tremeram. Quando a levou ao colo para o quarto e a despiu, despindo-se a si próprio de seguida, Annis sentiu-se perdida e agarrou-se a Zan, desesperada, desejando apenas sentir-lhe o corpo. A breve dor que sentiu com o primeiro empurrão serviu apenas para intensificar o prazer até explodir em chamas. 87 Muito depois das cinzas terem arrefecido, e apoiada contra o peito dele, a jovem adormeceu. Acordou lentamente e abriu os olhos perante a luz do sol da Califórnia. Espreguiçou-se. Mas, enquanto os seus sentidos iam despertando, a mente continuava drogada. Só quando Zan entrou no quarto, vestindo um curto roupão e acabado de tomar um duche, é que ela se apercebeu, horrorizada, daquilo que tinham feito. Ele assobiava, feliz, e quando viu que a jovem estava acordada, aproximou-se da cama. Sorrindo, beijou-a. Foi um fresco beijo que sabia a pasta de dentes e perfume. - Ficas linda quando acordas - disse. - Se não tivéssemos que ir embora, metia-me novamente na cama contigo. Mas o táxi que chamei para nos levar ao aeroporto, deve estar a chegar e ainda temos que ir tomar o pequeno-almoço. Depois, voltou a beijá-la, desta vez mais prolongadamente. Ela nem lhe respondeu, nem resistiu. Parecia que todas as suas sensações e emoções tinham desaparecido. - Vamos embora, preguiçosa. Ou será que estás envergonhada? Zan pegou na camisa dela e afastou os lençóis. Quando se apercebeu que estava nua, à jovem entrou em acção: agarrou num robe, vestiu-o e entrou na casa de banho. Enquanto lavava os dentes e, depois, tomava um rápido duche, apercebeu-se, por completo, daquilo que fizera. v Dissera a si mesma que estava a salvo de Zan pois 88 sabia que as paixões podia arruinar a vida de qualquer um. Mas isso de nada servira. Desejou poder recuar no tempo e fazer com que aquilo não tivesse acontecido. Mas não podia alterar o que já estava feito. No início tentou culpá-lo, mas a sua honestidade inata indicou-lhe que a culpa era toda sua. Perdera a cabeça por completo. Agora, sabia exactamente como é que Maya se sentira. Desejara-o, amara-o. Não! Recusou tal pensamento com veemência. Não podia amar um homem como Zan. Mas sempre pensara que o amor e o ódio estavam separados por uma linha muito estreita. Aquilo era um cliché, mas continha uma verdade inegável e terrível. De certa maneira, e sem se aperceber, passara essa linha. Agora tinha que retroceder antes de se perder por completo. - Estás pronta para irmos tomar o pequeno-almoço? O golpe de Zan na porta e aquelas palavras fizeram-lhe dar um salto e aperceber-se que continuava debaixo de água, nua e tremendo enquanto a água fria lhe corria pelo corpo abaixo. - vou já - conseguiu dizer. Quando saiu, pouco tempo depois, encontrou-se com uma jovem rapariga negra que lhe fazia a mala. Em cima da cama tinha roupa que iria vestir. A rapariga olhou para ela e sorriu. - O senhor Power disse-me que é melhor vestir esta roupa para viajar, senhora, mas se preferir outra coisa... Annis fez um esforço para lhe sorrir. 89 - Não, obrigada. Assim que acabou de se arranjar, dirigiu-se ao salão. Ali estava ele, sentado numa das cadeiras a ler o jornal. Quando a jovem entrou, Zan deixou o jornal de lado e levantou-se. Mostrando a sua habitual cortesia, fê-la sentar-se na outra cadeira. Ela apercebeu-se que mudara de atitude. Em vez de contente, parecia agora mais tranquilo como se soubesse no que é que a esposa estava a pensar. Comeram em silêncio até a empregada de quarto lhes ter dito que estava tudo pronto e, nesse mesmo momento, chegaram uns rapazes para lhes levarem as malas. Enquanto Annis terminava de beber o café, Zan levantou-se e deu-lhes uma gorjeta com a sua habitual generosidade. Ela pensou que se iam embora, pelo que agarrou na mala e dirigiu-se à porta. Ia quase a sair quando ele a agarrou pelo braço. Colocou a outra mão sob o seu queixo, fazendo com que Annis sentisse o coração a saltar. - Ainda não olhaste para mim uma única vez esta manhã e gostaria de saber porquê. Sem saber o que dizer, tentou disfarçar. - Pensei que estavas com pressa para ires embora. - Antes de sairmos, quero saber o que se passa. Por que é que me tratas como se eu tivesse lepra? Visto não ter recebido qualquer resposta, continuou: - Olha para mim, Annis! Esta obedeceu de má vontade. - Quero uma resposta. Quero saber o que é que se passa. Por que é que estás a agir dessa forma? Achas 90 que aquilo que aconteceu ontem à noite foi por minha culpa? - Não. A culpa foi minha. - Por que é que te culpas? Estamos casados - disse e suspirou. - Será que não é por causa do Stephen? Agora já sei que ele não era teu amante. Eras tão virginal como a imagem que davas de Rainha das Neves. Quando ela corou, Zan adiantou: - Será que pensavas que quando o momento chegasse, tu agirias como se fosses frígida? Ficaste surpreendida por não o seres? A jovem agitou a cabeça. - Então, por que é que te sentes tão mal por te teres comportado como uma mulher quente e apaixonada? Annis continuou sem responder, daí ele tê-la agarrado pelos braços e agitado um pouco. - Não quero que tenhas remorsos. Foi algo maravilhoso. Natural e alegre. E não penso deixar-te esconder de novo atrás desse muro de gelo. Bateram à porta e isso interrompeu as suas palavras. Zan vociferou em voz baixa e foi abrir. À porta estava o encarregado, que lhes desejou uma boa viagem e os acompanhou até ao táxi. Quando já se encontravam instalados nos seus assentos do avião, Zan disse-lhe que tinha a certeza que ela iria adorar o Havai e que iam directamente para a ilha de Oahu, a qual os norte-americanos também denominavam da Ilha de Lua-de-Mel. - Surpreende-me que tenhas encontrado tempo para uma lua-de-mel, sendo tu um homem tão importante - afirmou a jovem sarcasticamente. 91 - Um homem tão importante como eu sabe ter pessoas adequadas, em lugares chave, sabe delegar o trabalho e as responsabilidades. E o Matt ocupar-se-á de tudo aquilo que surgir na empresa. Annis não disse nada e ele continuou. - Além disso, há muito tempo que não tenho férias e pensei que uma lua-de-mel ao sol também podia ser bom para ti. Ela tragou a amargura que a assaltou. Se ele imaginava que por terem dormido juntos uma vez, ela continuaria a fazê-lo alegremente, enganava-se muito e iria ter uma grande surpresa quando descobrisse que a suposta lua-de-mel tinha terminado. Falaram bastante pouco durante o resto da viagem e, assim que chegaram ao aeroporto e passaram a alfândega, Annis viu que um Cadillac os esperava à saída. Estava mais calor que em São Francisco e uma suave brisa substituía um fresco vento marinho. Quando chegaram a Lani Bay, o sol já se escondera com a habitual espectacularidade dos trópicos. A pequena baía parecia um cartaz de uma agência de viagens, com praias cuja a areia era branca e com palmeiras, além do cone vulcânico de Diamond Head que se destacava contra o céu da tarde. Em vez do tranquilo hotel que Annis esperava encontrar, aquela era uma linda casa branca escondida entre a vegetação tropical. Zan deteve o carro e afirmou, muito satisfeito: - Lani House. - É tua? Ele abanou a cabeça. - É da Helen e do Matt. Emprestàram-ma. Quando a ajudava a sair do carro, abriu a porta de 92 casa e viram um casal que se aproximava. Eram ambos nativos da ilha, com cabelo muito escuro e rosto tipicamente polinésio. - Annis, estes são Hiawa e Hattie Akaka. - Alolta - disse Hattie, uma mulher, sorrindo. Bem-vinda a Oahu. Depois, colocou um colar de flores ao pescoço dos dois. Annis devolveu-lhe o sorriso, encantada. Enquanto Hiawa ajudava Zan com as malas, Hattie mostrava a Annis a casa que era pequena, mas espaçosa. Os quartos encontravam-se no piso inferior e o salão dava para um terraço virado para o mar. Era um sítio encantador e idílico. Mas a jovem, na situação actual, tê-lo-ia trocado, de bom grado, pelo frenesim de Waikiki. - Há uma bandeja com bebidas no terraço e comidas frias com salada - dizia Hattie. com o coração num punho, Annis perguntou: - Vocês não vivem aqui? - Oh, não. Cuidamos apenas da casa para os senhores Gilvary. Nós vivemos no complexo residencial Waikiki Sunrise. Durante o dia, o Haiwa ajuda no hotel com os desportos náuticos e eu no bar da praia. Demasiado cedo para o gosto da jovem, o casal foi-se embora e deixaram-nos a sós. Enquanto se despediam, Zan passou-lhe um braço pela cintura. Annis pensou que não tinha nada que se deixar levar pelo pânico. A única coisa que tinha a fazer era permanecer tranquila e deixar bem claro que a noite anterior fora uma aberração da sua parte. Algo que não tencionava repetir. Capítulo 6 - bom, vamo-nos sentar no terraço? A vista é maravilhosa - disse Zan, interrompendo-os pensamentos de Annis. Uma vez no terraço, ficaram de pé a olhar o escuro mar, um ao lado do outro, e estiveram uns minutos em silêncio, ouvindo o bater das ondas. Ele preparou uns cocktails de frutas e ela aceitou o seu, automaticamente. Quando terminou, ele agarrou-lhe o copo entre os dedos. - Queres mais? Mas a jovem negou e Zan deixou ambos os copos sobre a bandeja. - Estás um pouco tensa. Nota-se no teu pescoço e nos ombros. Quando os lábios dele lhe roçaram o pescoço, Annis arrepiou-se e afastou-se. -Não! Ele apoiou as mãos no varandim, mantendo-a entre os seus braços e olhando-a com sedução. - Esperei o dia inteiro para te beijar. Annis sentiu que o seu controlo começava a deslizar perigosamente. - Não quero que me beijes. Zan sorriu e os seus dentes brancos brilharam na escuridão da noite. 94 - Mentirosa. Não interessa o que me queres dizer. Tu também estás a desejá-lo tanto como eu. Inclinou-se e, com os lábios a roçar-lhe a orelha, adiantou: - É terrível ter-se fome de alguma coisa, não é? Quando a jovem estremeceu, ele recuou um passo e olhou-a. - És tão linda... A única coisa que desejo é levar-te para a cama e fazer amor contigo até amanhecer. - E depois? Tentou parecer aborrecida, mas o rubor das suas faces traiu-a. - Depois começaríamos tudo de novo. Tens a habilidade de me lançares no céu, mas garanto que irás comigo. Então, começou a tirar-lhe os ganchos que lhe prendiam o carrapito e fez com que o seu cabelo caísse sobre os seus ombros como uma cascata. Tomou-lhe o rosto entre as mãos e acariciou-o. - Tu também desejas fazer o mesmo... A jovem olhou-o, impotente, e com o pulso alterado porque sabia que isso era verdade. - E vou fazer com que o admitas de novo. Pareceu-lhe irónico que o único homem que conseguira derreter o gelo que a envolvia, que a fizera desejá-lo, era também o homem que destruíra não só Maya, como também todo o tecido da sua vida. Então, ele franziu o sobrolho quando viu a tristeza a embargá-la. - O que é que se passa, Annis? -Tudo. Este casamento, a forma como me obrigaste a aceitá-lo... Zan suspirou e deixou cair as mãos. 95 - Devia ter tentado uma forma mais amável e romântica de me aproximar de ti, mas havia muito em jogo. Após uma pausa, como se escolhesse cuidadosamente as palavras, continuou. - Quando pensares bem, aperceber-te-ás que as coisas não são tão más como parecem. Existem algumas compensações. A Linda e o Richard vão ficar seguros e felizes. E eu far-te-ei feliz, se me deixares. - Nunca poderei ser feliz com um homem que odeio. Ele ficou muito sério e comprimiu os lábios. Depois, com uma letal suavidade, disse: - Apesar de querer colocar-te ao meu colo e dar-te uns açoites, sei perfeitamente que isso não mudaria nada. Levantou uma mão e percorreu-lhe o pescoço. Quando a mesma mão deslizou no decote da blusa e soltou o primeiro botão, ela ficou muito quieta, sabendo o perigo que havia se perdesse novamente o controlo. Aqueles dedos intrusos seguiram o vale entre os seus seios e soltaram o segundo botão. Depois, acariciaram-lhe os mamilos, um atrás do outro, através do soutien. Quando Zan se apercebeu do pânico que a envolvia, perguntou: - Tens medo de mim? Annis quis negar, mas disse: - Sim. - A verdade foi mais efectiva. Ele murmurou algo e afastou-se, não antes de voltar a abotoar os botões. Quando a jovem recuperou o fôlego, que contivera involuntariamente, Zan recuperou o seu habitual comportamento amistoso. - Queres comer alguma coisa? 96 Ela negou com a cabeça. - Então, que te parece se fôssemos dar um passeio pela praia antes de irmos dormir? Apesar do momento de perigo parecer ter passado, não gostou nada da implicação romântica inerente a um passeio pela praia, à luz da lua. - Não gosto de sentir areia nos sapatos. - bom, então descalçamo-nos. Colocou a mão sobre a sua cintura e ambos desceram as escadas até à praia. Uma vez ali, descalçaram-se. Zan deu-lhe a mão, intensificando-lhe a aceleração do coração e, com os dedos entrelaçados, começaram a caminhar pela beira da praia. Pouco a pouco, a tensão desapareceu e Annis continuou a caminhar, em silêncio, de mão dada, sentindo o aroma fresco das flores que ainda levava ao pescoço e que entoava um ambiente tropical. Num dado momento, e totalmente embebida pela beleza da noite, ela suspirou. O suspiro seguia nos seus lábios quando tropeçou numa raiz e caiu. Zan agarrou-a com um rápido movimento e apertou-a contra o seu peito. Desequilibrada, Annis apoiou-se contra ele e o fogo consumiu-a de repente, enchendo-lhe o corpo de calor. Ele continuava a agarrá-la fortemente e fê-la erguer a cabeça ao mesmo tempo que a observava. A jovem sentia os lábios a tremer, mas quando Zan se aproximou ainda mais, entreabriram-se e, como se não conseguisse evitá-lo, passou os braços pelo seu pescoço enquanto as mãos masculinas lhe sustinham as ancas. Quando por fim levantou a cabeça, Annis encontrava-se completamente tonta. 97 - Queres fazer amor? Tais palavras despertaram-na por completo e a paixão esfumou-se. -Não! Ele deteve-se mas, depois, começou a beijá-la no pescoço antes de voltar à sua boca, esperando que isso reparasse o dano que causara. Mas ela apercebeu-se das suas intenções e escondeu o rosto. Zan acariciou-lhe as costas. -Não... Incapaz de esconder o seu desgosto, ele deixou-a em paz e começaram a caminhar de regresso a casa. Encontraram os sapatos e, sem calçá-los, subiram as escadas. Annis ia como se estivesse em transe. Uma vez em casa, a jovem viu que tinham deixado todas as malas no quarto que dava para o mar. - Se achas que vou dormir na tua cama... - Não acredito nisso. Se partilhássemos a mesma cama não conseguiria manter as mãos afastadas de ti. Mas não te esqueças que a Hiawa não podia prever que duas pessoas recém-casadas iriam dormir em quartos separados. Aproximou-se, pareceu hesitar um momento e ela levantou a cabeça, esperando. Então, ele afastou-se de novo, agarrou na sua mala e saiu, fechando a porta. A jovem permaneceu muito quieta, olhando para a porta fechada. Depois, despiu-se e preparou-se para se deitar. Tinha em cima de si uma estranha sensação de solidão e perda, como é que isso podia acontecer só porque ele não a beijara? Depois de tudo o que se passara nessa tarde, deveria sentir-se aliviada por se ter livrado dele tão facilmente. 98 Parecia que a sua mente estava em guerra com o seu corpo e esse conflito estava a destruí-la. Desejava-o. Sabia perfeitamente que na praia, se ele não tivesse falado, teriam feito amor ali mesmo, na areia. Ter-se-ia esquecido completamente de Maya e teria respondido à paixão. Como é que podia ser tão estúpida, tão fraca? Na manhã seguinte, Annis acordou com o sol e decidida a manter o controlo. Faria com que ficassem a sós o mínimo de tempo possível e, quando o estivessem, mantê-lo-ia à distância. Mas Zan não lhe deu a possibilidade de pôr a sua decisão em prática, já que decidira empregar o mesmo plano amistoso que utilizara em São Francisco. Mas com uma diferença, na noite anterior não a beijara e, surpreendentemente, isso preocupava-a. Nessa noite também não o fez. Seria que ele também não confiava em si mesmo? Poderia ser, já que cada vez que o olhava via a chama do desejo. Os dias que se seguiram, mostrou-lhe tudo o que valia a pena ver na ilha: Waikiki, Honolulu, Pearl Harbour. Após uma semana de frenético turismo, Zan começou a andar com mais calma e dedicaram-se a nadar, a excursões ao campo e passaram os dias, tranquilamente, na praia. A jovem, cada vez mais calma, disfrutou de tudo, incluindo o sol tropical. Ao contrário da maioria das pessoas louras, ela bronzeava-se 99 com facilidade, sem se queimar, daí a sua pele ter adquirido um tom dourado. Uma tarde, quando se encontravam em Honolulu, com o sol muito quente e o asfalto a queimar, pararam para tomar um refresco numa esplanada. Annis não quis ficar à sombra e preferiu o sol. - És a mulher mais surpreendente que eu já conheci em toda a minha vida. Até mesmo o sol do Havai parece não conseguir derreter essa fria imagem de perfeição que tu tens. Apesar de continuares a ter uma boca apaixonante. Foi isso que me fascinou desde o inicio, essa combinação de fogo e gelo - declarou Zan. Depois, foram comprar os bilhetes para um "luau" ao qual iriam assistir nessa noite e regressaram a casa. Enquanto tomava um duche e se arranjava, Annis não pôde deixar de pensar nas palavras dele. Fogo e gelo. Lembrou-se de Maya e, enquanto se olhava no espelho, decidiu quebrar aquela imagem que Zan tinha dela e que, pelos vistos, achava fascinante. Voltou à casa de banho e limpou toda a maquilhagem, depois penteou-se e fez um rabo de cavalo. Escolheu umas calças de ganga e uma camisa larga, com um hipopótamo cor de rosa, presente das gémeas. Olhou novamente para o espelho e apercebeu-se, com satisfação, que em poucos minutos passara de Rainha das Neves a uma espécie de hippie. Se Zan gostava dela por ser fria e sofisticada, ia ter uma desagradável surpresa. - Estás pronta? - vou já. Mas se ele se surpreendeu, disfarçou muito bem. Ficou a olhá-la por um instante eMisse: - Para que é que foi essa metamorfose? 100 - Não gostas? - Fizeste isso por mim? - Não, por mim. - bom, definitivamente, gosto de te ver assim. Annis interrogava-se sobre se aquele entusiasmo era verdadeiro. - Adquiriste outra dimensão de carácter. Abre todo o tipo de interessantes possibilidades agora que já não se vê a Rainha das Neves. A jovem arrepiou-se e tentou parecer não ter dado importância. - Então, vamos embora, Polyanna - disse Zan, sorrindo e puxando-lhe o rabo de cavalo. - Gosto muito desse teu penteado. Annis temeu ter cometido um terrível erro e seguiu-o até ao carro. Durante o caminho para Kawaia, onde se realizaria o luau, uma espécie de orgia nativa, normalmente descafeínada e para turistas, à base de comida, bebida e danças, nenhum dos dois disse nada. Durante os últimos dias, os silêncios não tinham sido incómodos mas, desta vez, estava impregnado de uma tensão sexual que a enervava. A praia estava muito animada, com tochas a iluminá-la, coloridos nativos e dezenas de turistas. Colocaram-lhes os habituais colares de flores ao pescoço e depois sentaram-se todos nuns bancos de madeira, em frente às mesas, cheias de flores e exóticos pratos. Assim que Annis se instalou, Zan sentou-se ao lado, demasiado perto. As atracções, os comedores de fogo, bailarinas de hula e cantores, eram bastantes interessantes e a jovem 101 aplaudiu, sorrindo como os restantes. Também bebeu algum vinho, mas não tinha fome. - É melhor comeres alguma coisa-aconselhou Zan. - Se não, não vais ter forças para lutar. Ela não respondeu, mas aceitou a sua sugestão e serviu-se de um pouco de marisco, e salada. Quando a festa terminou, regressaram em silêncio. Assim que chegaram a casa, ela tentou ir directamente para o quarto, mas ele agarrou-a pela cintura. - vou fazer um pouco de café. Assim que bebeu o seu café, levantou-se subitamente. - Vou-me deitar. Mas Zan agarrou-a e olhando-a, disse: - Ainda não te dei o beijo de boa noite. - Mas já não... já não me dás beijos de boa noite. - bom, esta noite vou-te dar. Envolveu-lhe o rosto nas mãos e sorriu, enquanto começava a acariciar-lhe a cabeça. A jovem ficou muito quieta, como que hipnotizada, e ele começou a dar-lhe suaves beijos. Quando, finalmente, apoiou os lábios nos dela, estava tão excitada que quase nem necessitou do roçar da sua língua para lhe dar as boas-vindas. Enquanto Zan lhe explorava a boca, os seus dedos desatavam o nó do cabelo e, depois, enfiaram-se por baixo da camisa para lhe abrir o soutien. Annis tragou saliva quando lhe sentiu as mãos nos seios e começaram a acariciar-lhe os mamilos. O sangue fervia-lhe nas veias e fê-la pensar que estava com febre. Arrepiou-se e Zan abraçou-a para voltar a beijá-la apaixonadamente, tão apaixonadamente como ela o beijava a ele. Perdida para tudo, menos para o desejo que lhe dêspertava, 102 não fez qualquer objecção quando a despiu e a pegou ao colo, levando-a para o quarto cuja vista dava para o mar. Deixou-a sobre a cama e sentou-se à beira, olhando-a. Parecia a deusa Pele, com o longo e sedoso cabelo, e o colar de flores que lhe adornava os seios nus. Depois, as mãos de Zan moveram-se lentamente sobre o corpo feminino. A boca seguiu-as, provocando um tormento de delícias. As janelas estavam completamente abertas e uma brisa nocturna entrava no quarto, refrescando-lhe a escaldante pele. Estava prisioneira de corpo e alma. Mas tinha que se libertar antes que fosse demasiado tarde. Se se deixasse seduzir uma vez mais, acabaria por ser destruída pela ambivalência dos seus sentimentos. Ficou muito quieta e obrigou-se a pensar em Maya e no seu pai, no lar que ela amara. Isso foi como apagar um aquecedor, a feroz excitação morreu e ficou fria. Zan apercebeu-se. - Ai! - disse, afastando as mãos. - Estou a gelar. Visto a jovem ter ignorado tal tentativa de piada, continuou: - O que é que se passa, Annis? - Não quero fazer amor contigo. Não tenciono repetir o erro cometido em São Francisco. Desprezo-me a mim mesma por tê-lo feito. À luz da lua, viu os olhos dele a brilhar e sentiu as suas mãos que lhe agarravam fortemente o braço. - Estás a magoar-me. Soltou-a de imediato. 103 Depois, como se decidisse que era melhor ser amável, a ira desapareceu-lhe do rosto. - bom, conta-me. Diz-me o que é que te faz sentir isso. Annis podia muito bem ter suportado a ira mas sabia que quando ele se tornava carinhoso, esse era o seu ponto fraco. Sentou-se na cama e fez um esforço para que Zan se desse por satisfeito ao dizer: - Não faz sentido falarmos sobre isso. - Tenho que saber, Annis. - Quero apenas esquecer isto tudo. - Como é que podes esquecer o inesquecível? - afirmou suavemente enquanto a abraçava. Temendo ser novamente beijada e ver-se perdida, apoiou as mãos no peito masculino, tentando afastá-lo. - Deixa-me em paz - gritou. - Prometeste que não me forçarias. - Não te forcei. Vieste ter comigo de livre vontade, se bem te lembras. Annis tapou-se com o lençol. - Não quero lembrar-me disso. Gostaria que jamais tivesse acontecido. - Porquê? Então, ele acendeu a luz iluminando todo o quarto. - Diz-me porquê? - Porque te odeio por aquilo que me fizeste a mim e à minha família. - Gostaria de ter utilizado métodos menos duros, mas quando me disseste que o Leighton era teu amante fiquei vermelho de raiva - admitiu. - Não conseguia suportar a ideia de te imaginar nos braços dele, na sua cama. Foi isso que me fez perder a cabeça e apressar 104 tudo, quando devia ter tentado utilizar o tempo e a paciência. - Nenhum tempo ou paciência... - Não acredito - interrompeu-a. - Mas é o que se vai ver. Ainda tenho quase um ano para te fazer mudar de opinião. - Uma vida inteira não seria suficiente. Capítulo 7 Dois dias mais tarde, num sábado pela manhã, estavam de volta ao Reino Unido e aterravam no Aeroporto de Heathrow. A Primavera, apesar de fresca, estava no seu apogeu e Londres luzia. A empregada aguardava-os em casa antes de ir passar o fim-de-semana com a sua irmã inválida, como habitual, e Zan, sem perguntar, deixou as malas de Annis no quarto que esta utilizara. Depois disse-lhe que tinha de ir ao escritório e que, certamente, voltaria tarde. Por isso, depois de tomar um duche rápido, foi-se embora. Desde a noite do luau, ele comportara-se de uma forma cortês mas distante, falando apenas quando era estritamente necessário e a jovem pensou que não tinha de se preocupar com o sentimento de solidão. Desfez as malas, tomou um duche e decidiu ir visitar Richard e Linda para, assim, lutar contra o cansaço do fuso horário. Ficaram encantados por vê-la. - O Zan não veio contigo? - perguntou a cunhada. - Foi ao escritório. Já sabes como são os homens. - Ele vem cá ter? - Não, e eu vou ficar apenas uma hora ou duas. - Visto que acabaram de regressar de lua-de-mel, devem querer passar o resto da tarde juntos - disse Richard, sorrindo. - Falando de lua-de-mel, estás muito morena! - 106 exclamou Linda com inveja. - O tempo não tem estado muito mau por aqui mas, ao teu lado, o Richard e eu parecemos farinha. Sim, mas pareciam estar tremendamente felizes, pensou ela, também com inveja. Ficava contente de que, pelo menos, as coisas a eles corriam bem. - Como é que tens o braço? Já não tens gesso. - Está como novo. Mas nem sei como é que teria feito tudo sem a senhora Sheldon. É um tesouro. Levou as crianças a uma festa de aniversário. - Ah - interveio o irmão. - Obrigado pelos postais. Mas serviram apenas para ficarmos ainda mais ansiosos, por isso fala-nos do Havai. Já passavam das seis da tarde quando Annis lhes disse, de má vontade, que tinha de se ir embora. - Não queres comer connosco? - Não, obrigada. - É uma pena - disse Richard enquanto a acompanhava à porta. - O Stephen disse que ia passar por aqui. Claro, ficou muito surpreendido quando lhe disse que tinhas casado. Sabes bem que tinha esperanças contigo. Linda abraçou-a para se despedir. - Não te esqueças que, assim que tu e o Zan tenham vontade de ter companhia, têm de vir jantar connosco. A tarde estava muito agradável e soalheira, e o céu limpo. Annis encontrava-se esgotada e sem qualquer desejo de regressar à casa vazia, decidiu ir dar um passeio. Ia distraída e nem se apercebeu que um carro azul parara ao seu lado. 107 - Annis... - Stephen! Olá - disse, sorrindo amistosamente. - Annis... Tenho muito gosto em ver-te. - Eu também. E era verdade. Stephen era um homem menos complicado e com quem se sentia muito bem, um homem que não constituía qualquer ameaça. - vou visitar a Linda e o Richard. - Acabei de sair de casa deles. O Richard disse-me que ias passar por lá. - Sim, olha, tens pressa? - bom, não. - Gostaria, gostaria de falar contigo. Por favor pediu ele, quase desesperado. - Que te parece se fôssemos jantar ao Sunter's? Estava a pensar em levar-te a um sítio especial assim que te recuperasses da gripe. Mas tive que fazer uma viagem urgente e quando voltei... Olha, tenho que falar contigo. A jovem apercebeu-se, de repente, naquilo que podia estar a envolver-se, mas pensou que devia uma explicação a Stephen. - Está bem - afirmou e entrou no carro. Quando chegaram ao restaurante, sentiu-se um pouco incomodada ao aperceber-se que estava precisamente em frente ao edifício da AP WorldwicjelSentaram-se numa mesa e, assim que o empregado se afastou, Stephen começou a falar. - Por que é que não me disseste que te ias casar? - bom, aconteceu tudo muito depressa. - Não compreendo por que é que te casaste precisamente com ele. Disseste-me que nem sequer gostavas dele. - No início, não. Mas depois... 108 Hesitou. - Ele ficou interessado em ti desde a primeira noite. Até mesmo antes de se ter aproximado, apercebi-me que te olhava de uma forma apaixonada. Não tirava os olhos de ti. Devia ter-me dado conta do que é que ia atrás quando me deu aqueles malditos bilhetes. Mas nunca imaginei... Interrompeu-se quando o empregado apareceu com os primeiros pratos. - Parece que fez com que te decidisses à pressa, não foi? - Sim, pode-se dizer que sim. De repente, Stephen afirmou de uma forma violenta: - Era isso que eu deveria ter feito. Amo-te há muito tempo. Esperava que, um dia, te casasses comigo. - Oh, Stephen, como lamento tudo isto - exclamou, agarrando-lhe na mão e apertando-a. - Mas mesmo se as coisas tivessem sido de outra forma, nunca poderia casar contigo. Ele também lhe agarrou a mão quase dolorosamente. - Mas deste-me a entender que gostavas de mim. Disseste que me preferias ao Zan Power. Deveria ter percebido que estavas a mentir. - Quando te disse isso, era verdade. Sempre tive muito carinho por ti. Mas o carinho não é suficiente. Nunca amei verdadeiramente alguém para querer casar... - Até ele aparecer. bom, acho que não te posso culpar por te teres apaixonado por ele. O Zan Power consegue obter tudo o que quer. Gostaria de ter sido eu a... Stephen, com a sua persistência habitual, continuou a dar voltas ao assunto. Annis conseguiu escapar. 109 Temendo as consequências se o marido os visse juntos, insistiu em regressar a casa de táxi. - E, além disso, acho que seria melhor não dizeres a ninguém que jantámos juntos. - Não precisas de te preocupar. Além disso, acho que ele não teria ciúmes de mim. "Isso é o que tu achas", pensou ela quando se afastou de táxi. Ao chegar a casa, viu que Zan ainda não estava e, sem saber se deveria estar triste ou contente, foi directamente para a cama. No dia seguinte, era já quase meio dia quando acordou. Toda a casa estava em silêncio e soube, instintivamente, que Zan ainda não tinha aparecido. Passou o dia nervosa, sobressaltando-se com qualquer ruído e eram já quase seis horas quando, por fim, ouviu que alguém abria a porta. Parecia cansado. Também parecia estar zangado. Havia uma estranha decisão na sua forma de comportamento. Tentando ocultar a sua ansiedade, ela perguntou: - A que horas é que queres jantar? - Vamos jantar fora - respondeu. - Combinei com a Helen às sete e meia. -Oh. Annis não se sentia muito sociável nesse dia, já que estava deprimida e lhe doía a cabeça. O olhar que o marido lhe dirigiu deixou-a gelada. - Parece que não gostas da Helen. - Isso é mentira, gosto muito dela. - Ainda bem. Não quero que as tuas ideias me acabem com a noite. Depois, sem dizer mais nada, virou-se e subiu as escadas. 110 Ela seguiu-o para tomar um duche e mudar de roupa. Vestiu um vestido negro que condizia perfeitamente com o seu bronzeado e colocou um pouco de perfume. Apesar de ter sido muito rápida, Zan já a esperava no vestíbulo. Tinha-se barbeado e com o cabelo ainda molhado, estava impecável com o fato escuro. Parecia superficialmente mais descontraído, mas Annis apercebeu-se que isso era uma mera ilusão. Quando chegaram a casa de Helen, foi esta mesma quem lhes abriu a porta, deu-lhes as boas-vindas e, um momento mais tarde, riu-se com algo que uma voz masculina lhe dissera. Só quando o homem em questão apareceu é que Annis viu que não se tratava de Matt, mas sim de Stephen. Ficou gelada e com a boca seca. - Olá - disse Helen enquanto entrava no assento traseiro do carro, seguida de Stephen. - Espero que tenhas gostado do Havaí. O Zan disse que suportas muito bem o calor. O que é que achaste de São Francisco? - Adorei. - O Matt foi lá agora numa visita relâmpago, por isso é que o Stephen acedeu, amigavelmente, a ser meu acompanhante. - O senhor Power telefonou-me para me pedir... - Estamos fora do escritório - interrompeu Zan, - por isso, podemos deixar as formalidades. Evidentemente aliviado, o outro continuou: - O Zan telefonou-me e pediu-me que viesse. Annis pensou que, mais que pedir, devia ter ordenado. - Claro que aceitei, encantado... Por que é que Zan organizara aquela charada?, interrogou-se 111 ela, alarmada, sabendo que ele nunca fazia nada sem ter uma boa razão. Temeu pelo amigo. Olhou para o marido e pensou que, fosse qual fosse o plano deste, a sua única defesa era uma postura gelada. Postura que se viu seriamente alterada quando estacionaram em frente ao Sunter's. Teve muito cuidado em não olhar para Stephen quando se dirigiram à mesa que tinham reservado, justamente ao lado da pista de baile. Aparentemente, Zan estava disposto a que aquela noite fosse alegre, visto ter pedido champanhe antes do jantar. Para a jovem, ambas as coisas souberam-lhe a pão e água. Durante o jantar conversaram sobre coisas supérfluas, antes de se centrarem no desemprego e nos efeitos da recessão económica. Mas foi depois que Annis descobriu o propósito daquele jantar. Ele descobrira que ela e Stephen tinham ido ali jantar. Era isso que Zan remoía por dentro. Mordeu o lábio inferior até sentir o sabor do sangue e admitiu que tudo aquilo era culpa sua. Nunca deveria ter aceite jantar com o velho amigo. Agora, Zan estava a ponto de destruir o pobre e inocente Stephen. Bebeu um pouco e desejou, desesperadamente, poder dizer algo, poder dizer ao marido que o seu encontro com Stephen fora absolutamente acidental e inocente. Mas a expressão do seu rosto indicou-lhe, claramente, que, mesmo que acreditasse, já era demasiado tarde para afastá-lo dos seus propósitos. Pronto para matar, Zan encontrou-se com o olhar dela antes de dedicar a atenção ao outro homem. - Como te estava a dizer, a minha principal preocupação agora é que tenho demasiados chefes para poucos 112 subordinados. A tua equipa tem feito um magnífico trabalho, mas passa-se a mesma coisa, têm dois chefes e eu não preciso de dois chefes para nada. Stephen, sem se aperceber do que o esperava, adiantou, optimista: - O meu chefe de departamento, que trabalha comigo há vários anos, é um homem bastante bom e não gostaria de perdê-lo. Além disso, é casado e tem um filho. Zan ficou em silêncio antes de dizer: - O que significa, lamento adiantar, que vais ser tu que terás de sair. Helen ficou surpreendida com o irmão, enquanto que Annis apertava os punhos, impotente. Stephen ficara pálido e espantado. - De todas as formas - continuou tranquilamente, - tu vales demasiado para te perder por completo, por isso vou fazer-te uma proposta... A central da Blair Electronics em Santa Clara, ou seja, em Silicon Valley, na Califórnia, necessita de um homem com cérebro e habilidade. Tu já lá foste algumas vezes em negócios, por isso conheces o terreno, o que é o muito importante. Eles querem alguém que se ocupe de todas as instalações, não só nos Estados Unidos como em toda a América do Norte, Central e Sul, além das índias Ocidentais e em qualquer outra parte do mundo. Já lhes mencionei o teu nome e o emprego é teu, se o quiseres. E se não te importares de ir viver para a Califórnia. Entretanto, a orquestra começou a tocar e Zan sorriu antes de continuar. - Isso significa um grande passo, um salário muito mais elevado e muito mais liberdade. 113 Stephen, com as orelhas vermelhas, deixou escapar a sua alegria. - Parece-me ser fantástico! Não achas, Annis? Esta não era capaz de dizer nada. O marido olhou-a e sorriu como um tigre. - Eles querem alguém que lhes solucione todos os problemas e que possa viajar. E precisam desse alguém de imediato. - O que é que entendes por imediato? - Já te reservei uma passagem de avião para amanhã. Quando falei contigo, disseste-me que o teu visto ainda está válido e isto seria como uma viagem de negócios, até poderes obter residência nos Estados Unidos. Continuas a viver com os teus pais, não é? -Sim. - Então, não tens problemas, pois não? - Não, mas eu... Olhou para Annis em busca de ajuda. - Vocês são velhos amigos - disse Zan suavemente, - talvez queiram ter a oportunidade de discutir este assunto - virou-se para a irmã. - Queres ir dançar? - Claro. Enquanto os dois irmãos dançavam, Stephen virou-se para a amiga. - Parece que me apanhou de surpresa. Mas é o tipo de oportunidade que sonhei em toda a minha vida. Sempre quis viajar, ter um trabalho interessante em vez da aborrecida rotina... Annis estava impressionada. Nunca suspeitara de semelhante natureza romântica. Mas isso explicava a admiração que sentia pelo patrão. E também percebia agora que Zan o conhecia melhor que ela ao ter-lhe oferecido tal emprego. 114 - Se achas isso, é melhor aceitares - disse ela firmemente. - Ainda bem que pensas assim - afirmou Zan atrás dela, com grande satisfação. Surpreendida, levantou o olhar e encontrou-se com o dele. O que viu fê-la arrepiar-se e afastar o olhar. Helen e o irmão voltaram a sentar-se. - bom, qual é a tua resposta? - Quero esse trabalho. - Perfeito. Vemo-nos no meu gabinete amanhã de manhã, às dez e meia. Terei a papelada pronta e dar-te-ei o resto dos detalhes. Uma vez cumprida a sua missão, parecia que Zan já não tinha a menor intenção de permanecer ali, pelo que pagou a despesa e, pouco depois, já se encontravam novamente no carro. Assim que chegaram a casa de Helen, esta perguntou: - Querem entrar para beber um café? - Não, obrigado - respondeu Zan. - Eu e a Annis vamos já embora. Aquela era uma ameaça que a fez estremecer. Mesmo assim, conseguiu dirigir-se a Stephen. - Espero que tenhas uma boa viagem e que todos os teus sonhos se realizem. Quando iam a sair, Helen agarrou no braço de Stephen e disse: - Mas tu vais tomar um café comigo, não vais? Assim que fechou a porta do carro, Zan arrancou e, sem pronunciar uma única palavra, começou a conduzir. Uma vez em casa, Annis dirigiu-se à cozinha. Sabia 115 que o confronto era inevitável. Pensou que ele não iria magoá-la, tinha a certeza disso. Mas quando Zan apareceu à porta, já não estava tão certa. Nunca lhe faltara a coragem e, agora, decidiu que a melhor defesa era o ataque. - Como é que descobriste? - Fui jantar ao Sunter's quando vos vi juntos. Então, decidi que, para o bem de todos, o Stephen tinha que se ir embora. - bom, muitos parabéns! Já o conseguiste! E o que é que obtiveste com isso? Zan aproximou-se. - Diz-me tu. - Absolutamente nada! - Oh, julgo que consegui algo mais que isso. Pelo menos, limpei o terreno. - E num tempo recorde. Se tivesses utilizado uma varinha mágica, não te terias livrado dele mais depressa. Agora, suponho que, ao fim de um tempo, os da Califórnia também se vão livrar dele. - Não se fizer o seu trabalho como deve de ser. E eu acho que ele vai conseguir. Na verdade, acho que não terá quaisquer dificuldades. - Também acho que não te importas muito com isso. Privaste-o de um bom trabalho e muito seguro, meteste as patas na vida dele. E, o mais engraçado de tudo, não era necessário fazê-lo. - Oh, mas era sim. Acredita. Dado que andava a encontrar-se com a minha mulher nas minhas costas... - Olha, só percebi depois que tinha sido um disparate, mas não foi nada planeado. Ele ia ver a Linda e o Richard, e eu ia a sair. Jantámos juntos, foi só isso. A coisa mais inocente. 116 - Estava a agarrar-te a mão. - Não, era eu que estava a agarrar a dele. Senti pena pela forma como o tratei. Se pensaste que estava a acontecer alguma coisa, surpreende-me que não nos tenhas interrompido... - Não tinha a certeza se o mataria ou não. Tive que ir passear até recuperar o meu controlo e pensar numa forma mais civilizada de tratar desse assunto. - Por que é que não te limitaste a despedi-lo? Por que é que te incomodaste a procurar outro emprego para ele? - O facto de tê-lo despedido não me serviria de nada. Prefiro tê-lo do outro lado do mundo. E não queria que me odiasses mais que aquilo que me odeias. - Isso seria impossível - adiantou ela docemente, mas com os dentes muito apertados. - bom, odeies-me ou não, esta noite vais dormir comigo. De agora em diante, este casamento vai ser verdadeiro. - Não! Isso seria quebrar as condições do nosso acordo. - Mas tu já as quebraste. Annis sentiu que o sangue lhe gelava nas veias. Só por causa de um jantar inocente, por pousar a sua mão sobre a do amigo... Agora a ira de Zan cairia sobre ela. - Oh, por favor... - Annis, vais de livre vontade ou vou ter que te arrastar? Seria inútil lutar contra aquele homem, pensou que a sua maior defesa era uma resistência passiva. com a cabeça bem elevada, subiu as escadas e entrou no quarto. 117 Quando ele a seguiu, Annis virou-se e olhou-o. Esperara que a pegasse ao colo e a beijasse, mas Zan apoiou-se contra a parede e um sorriso cruel surgiu-lhe nos lábios. - E se te despisses? Quando a jovem o olhou com os olhos bem abertos, ele adiantou: - Tiveste pena de outro homem pela forma como o trataste. Depois da forma que me trataste a mim, imagino que tens de me recompensar muito mais... - Estás apenas a tentar humilhar-me, a fazer com que me sinta envergonhada... indecente. - E por que é que haveria de querer fazer isso? E, realmente, é muito decente que uma esposa se dispa para o seu marido. Apesar de ser, também, tremendamente erótico. - Se é erotismo que procuras, um marido a despir-se para a esposa também pode ser muito erótico. Zan riu-se. - bom, eu sou um firme crente na igualdade dos sexos... E, sem deixar de olhá-la, começou a tirar a gravata. Capítulo 8 Annis olhava-o, como se estivesse hipnotizada, enquanto ele desatava a gravata, atirava-a para o chão e depois começava a desabotoar a camisa. Sorrindo, puxou-a de dentro das calças e acabou de despi-la. Quando começou a despir as calças e as passou pelas ancas, ela sentiu a boca seca. Quando se seguiram os boxers de seda escuros, tragou saliva. Zan era tão magnífico como um deus grego e apenas a zona mais pálida marcada pelo fato de banho indicava que pertencia a uma civilização mais moderna. Annis desejou afastar o olhar, mas não conseguiu e os seus mamilos endureceram-se, traíndo-a. - Tinhas razão - disse ele. Quando o olhou, apercebeu-se que tinha o olhar fixo na evidência da sua excitação com um ar de triunfo. Desejou cruzar os braços sobre os seios, mas uma espécie de perverso orgulho fê-la permanecer como estava. - É a tua vez. Ou preferes que o faça por ti? Annis resistiu à tentação de recuar e ficou imóvel enquanto ele lhe tirava os ganchos do cabelo. Depois, sem pressas, abriu-lhe o fecho do vestido e fê-lo deslizar pelo seu corpo antes de lhe soltar as ligas e baixar-lhe as meias. De repente, temendo perder tudo aquilo pelo que 119 lutara, a jovem começou a resistir ferozmente. Mas, apesar disso, rapidamente perdeu também o soutien e as cuequinhas. Zan pegou nela ao colo, levou-a para a cama e pousou-a, deitando-se ao seu lado e utilizando o peso do corpo para mante-la ali. Quando Annis se apercebeu que os seus esforços apenas serviam para excitá-lo mais, obrigou-se a permanecer quieta enquanto uma das mãos masculinas lhe abarcava o seio. Quando Zan reparou no arrepio que a percorreu, sorriu e olhou os seus olhos azuis. O que ali viu, tirou-lhe o sorriso dos lábios. - Não tenhas tanto medo. Não quero magoar-te. - Como não? Vais tirar-me aquilo que eu não te quero dar. - Oh, Annis, Annis - afirmou como uma alma atormentada. - Por que é que continuas a lutar comigo? Podias fazer-me o homem mais feliz do mundo se... - Não quero fazer-te feliz - sussurrou. - Casei-me contigo com a intenção de te fazer o mais infeliz possível. Zan suspirou. - Arrependo-me seriamente por te ter obrigado a casar comigo. Isso apenas fez com que me odiasses... - Não só isso. Odeio-te desde o início. Evidentemente surpreendido com tal veemência, ele disse: - Esperei superar o teu aborrecimento e falta de confiança iniciais. Tentei dizer a mim mesmo que não me podias odiar de verdade pois não me conhecias, não tinhas qualquer razão... - Tenho uma razão mais que suficiente. Perplexo, ele negou com a cabeça. - O que dizes não faz sentido. O que é que tens 120 contra mim? Ou será que esta é outra história que inventaste para me manteres distante de ti? bom, se assim é, não te serve de nada. Desta vez vou... - Não, não é isso - exclamou, desesperada. - Sempre te odiei por causa da Maya. Zan parecia admirado e sentou-se à beira da cama. - Quem é que te falou acerca da Maya? Apesar de poder parecer estúpido, no mais profundo do seu ser, Annis desejara acreditar que cometera um erro. Quisera que ele negasse ter conhecido Maya. Assim que se viu livre do seu peso, sentou-se e puxou um lençol para tapar a nudez. - Ninguém. - Então, como é que sabes? O que é que sabes? - Acontece que sei muito. - bom, então acho melhor esqueceres - disse duramente. - Não existe razão alguma para causar infelicidade às pessoas. - Sempre esperei ouvir-te dizer isso. Sabia que não querias que o mundo soubesse que não passas de um porco. Zan pareceu ficar surpreendido, mas dissimulou-o de imediato. - Acabaste de me dizer que sabias muito acerca da Maya. O que é que sabes? Ou o que é que pensas que sabes? - Sei que eram amantes. Sei que, quando te cansaste dela, deixaste-a. Sei que lhe arruinaste a vida e lhe causaste a morte... com um rosto tão pálido como o Inverno, ele disse: - Não sei como é que começaste por fazer essas acusações sem sentido, mas eu... - Não são acusações sem sentido! 121 - Como é que denominas uma coisa que não é verdade? - Não sei como é que tens coragem para dizeres isso tão tranquilamente! - gritou. - És o culpado de tudo e sabe-lo bem, apesar de não quereres admiti-lo! - bom, pelo menos, isto já ajuda a esclarecer o ambiente em que temos vivido. Até que enfim, já sei o que é que tinhas contra mim - agarrou-lhe fortemente as mãos. - Ouve, Annis, e acredita em mim. Tu estás enganada. Eu conheci a Maya, mas nunca fui seu amante. Juro-te. Annis libertou as mãos. - Não acreditaria em ti nem que me jurasses em cima de uma montanha de Bíblias! - Nesse caso, não há mais nada a dizer. - Eu acho que há - exclamou, furiosa. - Para começar, podias dizer que lamentas aquilo que aconteceu. - Isso é verdade. Se pudesse ter alterado alguma coisa, teria feito as coisas de forma mais equilibrada. Sim, mas a Maya era uma mulher doente, emocionalmente instável... Apesar de saber que era verdade, ficou incomodada por ser ele a dizê-lo. - Porco! - Se tivesses conhecido a Maya, sabias que te estou a dizer a verdade. - Eu conhecia-a. Não muito convencido, insistiu: - Como? - Muito, ela era minha mãe. Zan pareceu ficar surpreendido e depois incrédulo. - Que disparate! O apelido dela era Moncrief e não podia ter mais de trinta e dois, ou trinta e três anos. 122 - Esse era o seu apelido de solteira e tinha trinta e nove anos quando morreu. Annis viu que, com isso, desarmara-o por completo e vê-lo lutar para recuperar o autocontrole produziu-lhe uma inegável sensação de triunfo. Que não durou muito. - Se a conheceste bem, acho que me vais contar o resto. Zan não estava a tocá-la, mas o seu olhar era tão forte que a jovem sentiu-se encurralada. - O resto? - Por que é que ela nunca me disse que tinha família? O que é que te faz ter tanta certeza que éramos amantes? Por que é que me culpas a mim pela morte dela? Tudo, Annis. Quero saber tudo, nem que tenha de te obrigar a falar. Assustada com a violência latente, a jovem hesitou um pouco. - Não... não sei muito bem por onde começar. - Podes contar-me o que é que fez com que ela fosse o tipo de mulher que era. - Isso não te posso dizer - afirmou, afastando o olhar. - A única coisa que sei é que ela era uma mulher especial. Amoral, mais que imoral. Mágica, divina, sempre à procura do tipo de amor que, apesar da sua beleza, nunca conseguira encontrar... Então, a voz falhou-lhe e deixou de falar. - Continua. E começa desde o inicio. - O meu pai era um homem amável e sério, um professor universitário. Perdeu completamente a cabeça por ela assim que a conheceu e, menos de uma semana depois, pediu a sua mão em casamento aos seus pais adoptivos. Maya fora difícil de controlar desde os catorze 123 anos e os pais deram o consentimento, encantados. Acho que nunca a compreenderam de verdade. Quando chegou à adolescência não aguentaram o seu temperamento de altos e baixos, e todos os problemas que a sua beleza lhes causava. Annis suspirou. - Apesar do papá gostar bastante dela, a Maya deve tê-lo achado um tipo de meia idade bem aborrecido. Continuo sem entender por que é que o aceitou. Talvez porque nunca se deu bem com os pais adoptivos e necessitava da verdadeira figura de um pai. Ou, talvez, foi apenas porque necessitava de sair de casa... Não sei. Fossem quais fossem as suas razões, aceitou casar com o meu pai. Zan não perdia uma única palavra enquanto a olhava fixamente nos olhos. - O papá alugou uma velha casa de campo com umas vistas bastante bonitas em Kent e foram viver para lá. Dez meses mais tarde, cheguei eu e, no ano seguinte, nasceu o Richard. A Maya era como uma menina que brincava com as suas duas bonecas até que a novidade passou e começou a odiar a tranquila vida do campo e a sentir-se presa. Apesar de ser um sacrifício económico, o papá contratou uma empregada e uma ama para lhe dar mais liberdade. Mas ela queria luzes brilhantes e excitação e, disso, não havia muito no campo, pelo que começou a ir, todos os dias, até à cidade mais próxima. Começou a passar noites fora e até semanas. O papá fazia o que podia para mante-la em casa, mas era como tentar manter uma borboleta numa gaiola. Ao fim de pouco tempo, ela foi viver com um produtor de cinema que lhe deu um carro desportivo e lhe prometeu que seria uma estrela de cinema. 124 Zan estava sentado, muito calado e quieto, observando-a. - Apesar de não ter ficado muito tempo com esse tipo, ele cumpriu a promessa. Maya tinha talento e beleza, pelo que, num curto espaço de tempo, encontrou-se a representar algumas obras de teatro em Londres. Como era muito jovem, queria que nós, os seus filhos, a tratássemos sempre por Maya em vez de mamã. Apesar de ter mudado de apelido e escondido o facto de ter uma família, costumava ir periodicamente a casa, levava-nos presentes e, durante uns dias, era a alegria do lar. Todos a adorávamos, mas ela voltava sempre a partir. Annis pestanejou e duas lágrimas escaparam-se-lhe dos olhos. Ele murmurou algo, levantou-se rapidamente, vestiu um robe e aproximou-se da janela. - Esse tipo de relação deve de ser difícil para uma menina. E o teu pai, não andava zangado e amargurado? - O papá nunca a culpou, nem deixou de amá-la. Ela sabia disso e voltava para casa se necessitasse de consolo, o que o papá sempre fazia. Ele era o encosto de que necessitava. Durante anos, ela dedicou-se a trabalhar duramente e a viver no topo, de uma forma que teria morto qualquer outra pessoa. Depois, uma atrás da outra, todas as obras nas quais trabalhava começaram a correr mal. Zangou-se com o agente e visto ter começado a beber muito, ninguém a contratava. Quando rompeu a sua última relação, ficou muito sozinha e teve medo de envelhecer. Como o papá sabia que tinha problemas para pagar a renda da casa, pediu-lhe que viesse viver connosco e, quando parecia que o ia fazer, conheceu-te a ti e tu passaste a ser o seu novo amante. 125 Zan olhou-a friamente e perguntou: - Ela costumava dizer o nome de todos os seus amantes? - Não. - Então, como é que soubeste? - Não o soube nessa altura. Descobri mais tarde. - Continua. - Cedo começámos a perceber que a sua nova relação era diferente. Fez-nos uma breve visita e foi maravilhoso vê-la tão vital e viva, tão apaixonada por ti. Pela primeira vez na sua vida, parecia amar alguém de verdade e esperámos que, por fim, tivesse encontrado o amor que sempre procurara obter. Da vez seguinte que foi a casa, eu era a única pessoa que lá se encontrava. Richard estava na universidade e o papá encontrava-se a dar umas conferências nos Estados Unidos. A mudança que ela sofrera era impressionante. Voltara a beber, fumava como uma chaminé e tinha um aspecto horrível. Quando lhe perguntei o que é que se passava, disse-me que o seu amante queria acabar a relação de ambos e que não podia viver sem ele. Estava tão mal que roguei para que não fosse conduzir, mas ela tinha que regressar a Londres porque ia jantar com ele e tentar fazer com que mudasse de-opinião. Como temia pela sua segurança, decidi levá-la eu mesma e, depois, regressar a casa de comboio. Deixei-a na sua casa em Knightsbridge e fui jantar a um pequeno restaurante perto de Victoria Station. Estava a ponto de sair quando, casualidades da vida, vi a Maya a entrar com um homem alto, largo de ombros e com o cabelo escuro, e encaracolado. Ele virou a cabeça e, por um momento, pareceu olhar directamente para mim. 126 Alguma emoção forte atravessou o rosto de Zan e este apertou os punhos. Depois ela continuou. - Eras tu. Ele nem tentou negar, limitando-se a ficar ali, muito quieto. - A Maya nem se apercebeu da minha presença e fui-me embora o mais rapidamente possível. Passaram três semanas até voltar a vê-la. Uma noite, chegou a casa muito tarde e num estado lastimável. Queria falar, mas não entendíamos nada do que dizia. Compreendi que terminara tudo entre vocês e que tinhas ido para a Califórnia nessa mesma tarde. Então, chamou pelo teu nome. Zan. Não é um nome muito habitual. - Continua. Conta-me o resto. - Não há muito mais para contar. Zan, sentou-se então à beira da cama e ela mordeu-se no lábio inferior até se magoar. - Consegui metê-la na cama. Estava quase a amanhecer. Quando me levantei para ir trabalhar, dormia profundamente e eu pensei que, se regressasse a casa à hora do almoço, nada lhe aconteceria. Mas antes do meio dia, a polícia telefonou-me para me dizer que a minha casa se tinha incendiado e estava destruída. Os bombeiros tinham encontrado o corpo de uma mulher. Para manter o controlo, Annis falara com frases curtas. Agora, apesar de todos os esforços, sentiu a voz a falhar. - Entrei em contacto com o papá e ele voltou para casa assim que conseguiu. Mas já não tínhamos casa. A universidade deu-nos uma acomodação temporária até encontrarmos algo de definitivo. Mas o papá parecia ter perdido a vontade de viver. Dizia que a única coisa em que conseguia pensar era em Maya. A autópsia revêlou 127 que não fora o fogo que a matara mas uma dose de barbitúricos. Supuseram que estava a fumar um cigarro quando perdeu os sentidos. O papá ficou muito afectado, até pensei que me culpava a mim por tudo. E Deus sabe como me sentia culpada. Mas, na carta que deixou, dizia que não conseguia perdoar-se a si mesmo por não ter ali estado quando ela necessitara dele. - A carta que deixou? - O funeral da Maya foi a uma quinta-feira e, nessa mesma noite, o papá foi de encontro com o carro à separadora de cimento da auto-estrada. Acho que não pensou nisso como um suicídio. Mas não tinha nada pelo que continuar a viver. - Santo Céu - murmurou Zan. - O amor é diabólico. Então, de repente, Annis começou a soluçar. Chorava por Maya, pela sua cegueira em procurar o amor e que a fizera deixar a realidade de lado, e seguir sonhos impossíveis. Quanto ao pai, por um amor tão forte, pouco egoísta e resistente que durara toda a vida. Também chorava por si mesma, por um amor que podia ter sido... Não querendo que aquele homem frio e sem remorsos fosse testemunha da sua dor, cobriu o rosto com as mãos. Mas era incapaz de conter o rio de lágrimas que lhe corria pelo rosto. - Não - disse ele, mas a preocupação que se lhe lia na voz fez com que ela chorasse ainda mais. com um murmúrio incoerente, abraçou-a. De início, mostrou-se tensa, mas depois deixou-se levar pelas carícias ternas. Desde aquela tragédia que Annis não chorara uma única lágrima, mas encerrara-se em muros de gelo. Ver-se forçada a falar disso, criaria primeira racha nas 128 suas defesas e agora o calor inesperado do consolo que Zan lhe oferecia estava a derreter esse gelo. Este ofereceu-lhe um lenço e ela assoou o nariz. - Devo ter um aspecto espantoso - afirmou com uma dignidade patética. - Nunca estiveste mais linda. A jovem sorriu e soluçou ao mesmo tempo, começando a tremer. Zan despiu o robe e tapou-a. - Lamento, Annis. Nunca deveria ter-te deixado passar por isto. Mas tinha que saber. Precisava de sabê-lo. Ela apertou os olhos com as mãos. - Talvez tenha sido como a desinfecção de uma ferida, algo doloroso mas necessário para me livrar da dor, da amargura e da culpa. - Já te livraste de tudo isso? - Não sei - admitiu sinceramente. - Continuo a sentir alguma culpa e talvez sempre lamente tudo o que aconteceu por ela. Mas apercebi-me, de repente, que não te posso culpar por não a teres amado. Ninguém pode amar ou deixar de fazê-lo contra a sua vontade. Queria apenas que não tivesses sido... - Amante dela? A jovem assentiu. - Acredites ou não, eu nunca fui amante dela. Havia um tom de veracidade na sua voz que quase a convenceu. - Mas estavas com ela naquela noite. Era contigo que a Maya andava a sair. Zan hesitou por um momento, como se pensasse negá-lo, mas suspirou e disse: - Sim, era sim, E tenho parte da culpa pelo que aconteceu. Eu sabia que a Maya estava à beira de um 129 ataque de nervos e devia de ter ficado com ela em vez de partir, como fiz. Quando regressei, ao fim de umas semanas e soube da sua morte, senti-me tremendamente culpado. E continuo a sentir isso de certa forma. Acredita que se eu pudesse alterar o que se passou, tê-lo-ia feito. Mas estava escrito e acho que nem eu, nem ninguém, poderia ter evitado essa tragédia. - Se tivesse vindo para casa quando o papá lhe disse... - Achas que o teria feito? Quanto tempo pensas que teria ali ficado? Ter-se-ia instalado no campo depois do tipo de vida que levara? Sabes perfeitamente bem que não o teria feito. Ter-se-ia cansado de estar em casa, fazendo o mesmo um dia atrás do outro... - Mas eu teria estado com ela e... Zan agarrou-a pelos braços e sacudiu-a freneticamente. - Nunca te vais ver livre dela, nunca poderás ter uma vida própria, sem sentimentos de culpa e arrependimentos, até veres a imagem da Maya como ela era verdadeiramente. Ela era do tipo de mulher que não se destrói apenas a si mesma, como também a todos aqueles que se preocupam com ela. - Como é que podes dizer isso? - Como é que podes continuar cega sem veres a verdade? A única forma que tens para enfrentar o futuro é compreendendo e aceitando o passado. Quando tu e eu nos conhecemos, tentaste dizer-me que um homem era o responsável pela atitude da Rainha das Neves. Mas não era um homem... - Era sim-gritou. - Eras tu. Não me consigo esquecer da forma como trataste a Maya. - Não, Annis, não era eu. Foi ela que fez com que 130 congelasses os teus sentimentos naturais. Talvez, subconscientemente, tinhas medo de te tornares como ela, tinhas medo de seres uma vítima das tuas próprias emoções. Annis abanou a cabeça, negando-se a ouvi-lo. - Então, houve aquela noite em São Francisco em que te esqueceste da tua repressão e inibições. No dia seguinte, quando te apercebeste que te tinhas comportado como uma mulher quente e apaixonada, assustaste-te. Foi por isso que tinhas tanto medo de repetir o mesmo erro. Por que é que continuas a sentir isso? - Não, não é isso. Zan soltou-a e deslizou as mãos sob o robe para lhe acariciar as costas, e aproximá-la mais de si. - Nesse caso, o que é? Visto não ter obtido resposta, ergue-lhe o queixo.. - Não tentes fingir que não me desejas. Apesar de teres feito o máximo para resistires, houve uma enorme atracção entre nós desde que nos conhecemos. Não é verdade, Annis? - Sim - e suspirou. - Então, por que é que lutas contra essa atracção? É só porque tem a ver com a Maya? Annis assentiu em silêncio. - Mas já sabias isso em São Francisco e não deixaste de dormir comigo. - Essa é uma das razões pelas quais me arrependo daquilo que fiz. Sinto-me como se a tivesse traído. - Continuas a sentir o mesmo? Continuas a acreditar que fui amante dela? - Não quero acreditar. O brilho de triunfo que assomou nos olhos dele fê-la 131 ficar tensa e quando Zan tentou beijá-la, conseguiu encontrar forças para afastá-lo. - Não. Não quero que me beijes. Não quero... Mas não conseguiu dizer-lhe que tinha medo de se envolver mais com ele, de amá-lo. Tinha medo de ser utilizada e depois afastada quando Zan deixasse de desejá-la. - Não... não quero uma relação sexual contigo, nem qualquer outra pessoa. - Pretendes passar o resto da vida sozinha, temendo sentir, amar, temendo ser uma mulher? Era isso? O único homem que desejara em toda a vida estava ali, sentado ao seu lado. Ia deixar que os traumas do passado ou o medo pelo futuro destruíssem aquilo que podia ter? E se ele decidisse acabar aquela relação quando se cansasse dela? Mesmo assim, saberia o que era ser desejada, partilhar uma paixão e uma espécie de carinho. Pelo menos, ficaria com uma boa recordação. Não tinha nada a perder. Já perdera tudo. Não lhe podia ser indiferente. Mas seria ela suficientemente valente para dar o passo em frente? Para se arriscar a apaixonar-se por ele? A paixão, por muito feroz e ardente que fosse era algo fácil de controlar. O amor, como Zan dissera, era diabólico. Amar era dar-se a si mesma à sorte. Podia acabar sozinha e desolada, completamente destruída. Como Maya. Mas se conseguisse ser suficientemente forte para controlar os seus sentimentos para com ele, para viver com Zan sem perder a cabeça, o coração e a alma, podia sair-se relativamente bem. Ele levantou-se e rugiu, zangado e frustrado. Dirigiu-se 132 até à porta e, já tinha a mão na maçaneta, quando Annis sussurrou: - Zan... Ele deteve-se e ela conseguiu ver-lhe a tensão nos músculos dos ombros. Depois virou-se, lentamente, e olhou-a. Os olhos azuis brilhavam devido às lágrimas. - Por favor, não te vás embora. Capítulo 9 com uma suave e perigosa voz, Zan disse: - Não brinques comigo, Annis. Nego-me a suportar mais esse tratamento, umas vezes frio e outras vezes quente. Se ficar contigo, não permitirei que amanhã mudes de opinião. Pretendo ser eu a dizer quando é que termina. Por isso, se me quiseres nessas condições... - Sim - aceitou ela, abrindo os braços. Quando Zan a abraçou, Annis apertou-o contra si e, já antecipando o dia em que ele a abandonaria, morreu um pouco por dentro. Parecendo saber o que a jovem pensava, fizeram amor e, desta vez, foi de uma forma apaixonada e carinhosa, mais forte e violenta. Era como se ele também soubesse que aquela relação iria ser breve. Algo temporário. Depois, Annis chorou e não soube porquê e Zan apertou-a contra o seu peito com um carinho que bem se podia confundir com amor. Na manhã seguinte, quando abriu os olhos, encontrou-se ao lado do marido que a olhava intensamente parecendo que queria memorizar todos os seus traços. Sorriu-lhe um pouco indecisa. Zan devolveu-lhe o sorriso e beijou-a, mas a felicidade que fora tão evidente naquela manhã em São Francisco, desaparecera. 134 Um sexto sentido dizia-lhe que também ele se arrependia do passado e temia o futuro. - O que é que te parece um pequeno-almoço na cama à base de champanhe? - perguntou, parecendo estar de bom humor. Annis fez um esforço por responder também dessa forma. - Parece-me ser algo maravilhosamente decadente. A não ser, claro, que seja eu a prepará-lo. Zan fez como se estivesse a pensar. - Irei eu, se me prometeres que o esforço valerá a pena. - Eu já sabia que havia algo mais por trás disso. - Apenas um ou dois beijos. -Só? - Esperavas que fosse mais? - Muito mais. - Que mais? - Não te quero dar ideias. Zan olhou-a intensamente. - Acredita, ideias é coisa que não me falta. Por exemplo, podias... Então, disse-lhe umas palavras ao ouvido e riu-se quando a jovem corou intensamente. Pouco depois, enquanto se encontrava deitada nos seus braços, admitiu que o amava e que lutava uma guerra contra esse amor que já se encontrava perdida de antemão. Já pertencia mais a ele que a ela mesma. Sabia que deveria desprezar-se a si mesma por deixar que isso acontecesse tão suave e completamente, mas a única coisa que conseguia sentir era uma forte estranheza pela intensidade dos seus sentimentos. Enquanto olhava para o tecto branco, interrogou-se 135 sobre se Maya sentira também aquele tipo de êxtase espiritual. Diabos! Não queria duvidar dele, deixar que o pensamento de Maya e o passado se intrometessem naquele momento. - Por que é que estás com o sobrolho franzido? - Estava a pensar o que é que seria aquilo. - O quê? Annis apontou para um ponto negro no tecto. - Aquilo. O que é que achas que pode ser? - Uma mosca. - Mas não se mexe. - Então, é uma mosca preguiçosa. - Falando de preguiça, disseste que íamos tomar o pequeno-almoço na cama. - E agora, quem é que se sente impudica? - Eu não. Pensava apenas que estavas com fome. - E estou. Mas não deixava de olhá-la com uma expressão ansiosa. - E prometeste-me champanhe. - bom, eu mantenho sempre as minhas promessas - disse ele, suspirando e levantando-se da cama. Durante as duas semanas seguintes, Annis colocou de lado qualquer traço de tristeza ou insegurança, deixando-se levar por aquele tipo de felicidade que aparece tão raramente. O tempo estava muito bom e Zan insistia em passar o menor espaço de tempo possível no trabalho, daí terem dado muitos passeios pelo campo e à beira do 136 Tamisa até ao mar. Durante as noites não paravam de fazer amor. À superfície, tudo era o mais completo e satisfatório possível mas, interiormente, havia uma ânsia que parecia nunca se saciar. Parecia que ambos queriam disfrutar desesperadamente daquilo que tinham. Numa sexta-feira à tarde, regressando de um dos seus passeios habituais, a empregada disse-lhes que Linda telefonara relembrando-lhes que tinham prometido ir jantar a casa dela nessa noite. Zan olhou para o relógio. - Temos tempo para tomar um duche e mudarmos de roupa. Uma vez no quarto, perguntou: - Queres tomar duche comigo? - Só se me prometeres que te vais comportar como deve de ser. Ele encolheu os ombros. - Pareces a minha empregada. bom, queres ou não? Pode ser uma experiência muito interessante. Apesar de pareceres cansada, por isso prometo-te que a única coisa que farei será limpar-te depois do banho. - Não estou cansada. - Aleluia. Mais tarde, já seca e perfumada, Annis pensou que já tinham passado cinco semanas desde a primeira vez em que tinham feito amor em São Francisco. De repente, aperccbeu-se completamente disso, além de recordar que nos últimos dias se sentira um pouco tonta. O calor invadiu-a quando pensou que podia levar no seu corpo um filho de Zan, mas começou a sentir 137 medo. Qual seria a reacção dele? O acordo que fizeram mantê-los-ia juntos apenas durante um ano, pelo que acabaria por descobrir. Ficaria zangado? Tentaria fazer com que ela se livrasse da criança? bom, pois não o faria. Nada a obrigaria a isso. Mas, quase de imediato, ao recordar a forma como Zah lutara para manter a sua família unida, apercebeu-se que estava a cometer uma terrível injustiça. Mesmo assim, continuou a ter uma grande ansiedade. Depois de ter passado uma infância insegura, se tivesse esse filho queria que este nascesse no seio de uma família feliz, que disfrutasse da estabilidade de um casamento com amor, que tivesse uns pais que se amassem e estivessem juntos. Que não fosse o resultado de uma relação estranha e apaixonada, condenada à dor. Fez um esforço e tentou ver tudo pelo lado positivo. Podia haver outras razões para o atraso da sua menstruação. Não podia estar a tirar conclusões precipitadas ou continuar a preocupar-se com isso. Mas era mais fácil de dizer que fazer. Quando chegaram a casa do seu irmão, este recebeu-os à porta, abraçou-a e deu um aperto de mão ao cunhado. Quando Linda beijou Annis e depois aproximou-se de Zan, hesitou por um momento. - Vais-me dar um beijo ou não? - disse ele a brincar. Linda riu-se e beijou-o. O tempo passou rapidamente e a noite foi muito agradável, daí que já era tarde quando se prepararam para sair. Estavam a ponto de fazê-lo quando Richard exclamou: - Ah, já me ia esquecendo. É surpreendente como 138 nos falha a memória depois de andarmos a fazer mudanças. Aproximou-se da secretária, abriu uma gaveta e tirou um envelope. - Estava a pensar se não querias ficar com isto, Annis. Foi a Maya que mo enviou um mês antes de morrer. Pensava que não tinhas nenhuma fotografia dela e eu tenho várias. Ah, e também tenho isto - disse, tirando uma carta com um selo dos Estados Unidos. - A Sheila disse-me que a tinha mandado para o escritório. Annis apercebeu-se que Zan ficara tenso e ela mesma sentiu como se alguém lhe tivesse dado um murro. Pegou nos envelopes e, agradecendo, dirigiu-se até à saída. Lá fora, a neblina era espessa e isso pareceu engolir o estado de ânimo de ambos. Foram em silêncio no trajecto até casa. A empregada, evidentemente, já tinha ido dormir visto que a casa estava completamente às escuras. Annis ia a sair do carro e disse: - Acho que vou já deitar-me. Mas Zan agarrou-a pelo pulso e impediu-a. - Espera. Quero falar contigo. - Certamente que pode esperar até amanhã - afirmou, nervosa. - Não, não pode. Saíram do carro, entraram em casa e dirigiram-se à cozinha. - Estou cansada. - Se quiseres, amanhã podes ficar todo o dia na cama. Zan deitou uns troncos na lareira e isso indicou que a conversa iria ser longa. 139 Sentaram-se e Annis ficou a olhar para as mãos, para depois olhar para as dele. - Não vais ler a carta? Então, era isso. Um pouco ansiosa, a jovem pegou no envelope que estava escrito com a letra de Stephen e abriu-o. Depois de ler a carta, suspirou aliviada, e começou a sentir-se menos culpada por lhe ter alterado o rumo da vida. Stephen estava a disfrutar bastante do seu trabalho, além de gostar imenso de viver na Califórnia e adiantar que tinha uns óptimos vizinhos. Ficara apenas um pouco melancólico no final, quando lhe dizia que, se ela ali estivesse, tudo seria perfeito, já que era a única mulher que amara na sua vida e tinha muitas saudades dela. Mas essa declaração parecia, curiosamente, desapaixonada e a jovem teve a sensação que Stephen quase que gostava daquele amor não correspondido. Olhou para Zan, que se levantara e estava apoiado na mesa, olhando-a fixamente. Em silêncio, ofereceu-lhe a carta, mas este abanou a cabeça. - Nunca pensei que os maridos tivessem o direito de ler as cartas das esposas. - Nem eu. A não ser que se lhes dê esse privilégio - respondeu friamente. - De qualquer maneira, gostaria que a lesses. Zan aceitou-a e leu-a rapidamente. Depois, ergueu o olhar e comentou sarcasticamente: - Realmente, não é que seja muito tórrida. - Não... Após um momento, ela adiantou num toque de ironia: 140: - Se já estás satisfeito, talvez possa agora ir para a cama. - Não tens mais nada para ler? Annis pegou no segundo envelope de má vontade. No seu interior estavam umas fotografias de Maya. Pareciam ter sido tiradas no interior de uma antiga pousada e, em ambas, sorria brilhantemente. Também havia uma nota. Datava de dois meses antes da sua morte e, claramente, fora escrita quando ainda estava no topo do mundo. Não falava de mais nada a não ser dela mesma, como sempre. Meu querido Ricky, não posso dizer-te como me sinto feliz! Por fim, encontrei o homem dos meus sonhos. É moreno e lindo como Lucifer, e é o amante mais maravilhoso que qualquer mulher pode desejar. Talvez não devesse confessar algo assim ao meu próprio filho, mas já és crescido. Acabámos de passar um maravilhoso fim-de-semana em Costwolds onde estas fotografias foram tiradas. Por outro lado, há que ser discreta, pois ele é um conhecido homem de negócios e se a imprensa souber alguma coisa acerca disto, acabariam connosco. De todas as formas, quando ele solucionar alguns problemas pessoais, podemos ficar juntos tranquilamente e para sempre. Estou desejosa. Amo-te, como sempre. Maya Annis soube então que Zan lhe mentira, daí ter permanecido muito quieta e em silêncio, sentindo-se como se se tivesse transformado em pedra. - Vais oferecer-me o mesmo privilégio de há pouco? 141 A pergunta dele fez com que erguesse a cabeça. Olhou-o sem estar realmente a vê-lo. Depois, a ira, amarga como o Mar Morto, inundou-a. - Sim, acho que deves lê-la. E agora, se me dás licença... Mas quando tentou levantar-se, ele impediu-a. - Não te vás embora. Temos que falar. Zan leu então a nota. Enquanto o fazia, parecia que os seus olhos deitavam faíscas. Depois, com uma exclamação de raiva, atirou-a para as chamas da lareira. - Estás a queimar as provas? - Só queria que o Richard tivesse queimado antes esse tipo de panfleto, em vez de aparecer com ele quando as coisas pareciam ir tão bem. - Tu denomina-la de panfleto, mas é verdade, não é? Zan agarrou-lhe ambas as mãos fortemente. - Quero que tentes ter tudo bem claro na tua mente. - E não está? - É verdade que naquela nota há algo de verdade. Mas, para o bem de todos, tens que te esforçar por esquecê-la. Ignorando-o, tentou libertar-se. - Estás a magoar-me. - Desculpa, não era essa a minha intenção. Mas ao ler aquilo, fiquei furioso. - Mas, não te sentiste culpado? Annis olhou-o sem fazer qualquer esforço por esconder a ira que sentia. - Não me olhes assim. Zan agarrou-a pelos ombros. - Não vou deixar que destruas aquilo que nós temos. 142 Aquilo que aconteceu no passado não pode afectar-nos. Agora, tu és minha. Nada mudou. - Tudo mudou. Não posso permanecer contigo, sabendo que me mentiste. Ele ficou pálido. - Não interessa o que aquela carta te sugeriu, eu não te menti... - Não acredito. - Ouve, Annis. Eu nunca fui o amante da Maya. Mas, como não é possível prová-lo, vais ter que aceitar a minha palavra e confiar em mim. - Vou-me embora. - Não deixarei que o faças. - Não podes deter-me. - Oh, posso sim. Apercebi-me que não comeste quase nada durante o jantar. - Estava com... dor de cabeça. - E foi essa dor de cabeça que te fez parecer tão distraída e te manteve em silêncio toda a noite? -Sim. - É uma pena. Eu teria pensando que tinhas alguma boa notícia para me dares. Zan viu que ela ficara completamente pálida e continuou: - De certa forma, estamos tão próximos que muitas vezes até sei o que é que te está a passar pela cabeça. Se vais ter um filho, deve de ter sido naquela noite em São Francisco... - Não necessariamente - respondeu, corando. Eu nunca fui muito regular. Pode ser um falso alarme. - E pode ser que não. - De qualquer forma, nego-me a continuar a viver contigo. 143 - Se não tivesses lido aquela maldita nota... - Mas lia. - bom, se achas que vou deixar que as alucinações de uma neurótica arruinem as nossas vidas, estás muito enganada. Vais ficar e... - Não me podes obrigar, e vou contar toda a verdade à Linda e ao Richard. - Se estiveres mesmo grávida, vais ter o bebé? - Claro. - Então, pára de pensar nisso, Annis. Tenho a certeza que te aperceberás que, ficar comigo é a coisa mais inteligente que podes fazer. Sexualmente, somos compatíveis. Gostamos das mesmas coisas, disfrutamos da nossa mútua companhia. Será que não podemos construir um futuro juntos? - Durante quanto tempo? - perguntou amargamente. - Enquanto durar o teu capricho? E, depois? Um divórcio rápido? - Não gosto de divórcios. Estou a ofcrecer-te uma união para toda a vida. Apesar de tudo, Annis sentiu-se tremendamente tentada a aceitar. Mas o bom senso disse-lhe que aquilo era apenas um sonho. - Nunca resultaria. - Podemos fazer com que resulte. Se cedermos um pouco podemos ter uma relação boa e duradoura. - Baseada em quê? - No facto de gostarmos um do outro e de nos respeitarmos mutuamente. Annis, fica comigo. Sei que podemos ser felizes. Por que é que não ficas comigo, pelo menos até o bebé nascer? Deixemos que o nosso filho seja algo que nos una. E se) depois do parto, não 144 me conseguires suportar realmente na tua vida, então poderás abandonar-me. Ela hesitou por um momento, surpreendida com aquela aparente sinceridade. Depois, riu-se amargamente. - Dificilmente podes esperar que sejamos felizes, já que nem gosto de ti, nem te respeito. E jamais poderei esquecer que foste amante da minha mãe. A única coisa que poderemos fazer é a infelicidade um do outro. Zan ficou pálido e, por um desagradável momento, ela pensou que ele lhe ia bater. - Então, é assim que serão as coisas. Prefiro ser infeliz contigo que feliz com qualquer outra mulher. - De acordo, ganhaste. Ficarei, mas não durmo na tua cama. - Acho exactamente o contrário. - Terás que usar a força. - Farei o que for necessário. Estou decidido a que, de agora em diante, levemos uma vida matrimonial tão normal como o resto dos casais. Então, agarrou-a nos braços e puxou-a da cadeira. Annis deixou-se levar até ao quarto. Assim que lá chegou, ele deixou-a sobre a cama e começou a beijá-la, e acariciá-la enquanto a despia com cuidado. Mas até mesmo quando a sua boca a explorou e uma das suas mãos lhe acariciava os seios, a jovem permaneceu imóvel que nem uma estátua. Era a expressão máxima da resistência passiva. - Isso não te vai servir de nada, Annis. Fê-la fechar os olhos, beijando-os e depois começou a acariciá-la novamente, atormentando-a. Utilizando 145 toda a sua habilidade para excitá-la, despertando-lhe a vida em cada centímetro do seu corpo. Zan não voltou a falar, mas sentiu-se selvagem e satisfeito pelos sinais traidores do corpo feminino. A forma como a respiração se lhe acelerara, os mamilos endurecidos, os pequenos gemidos que não conseguia controlar... Quando, por fim, se colocou sobre ela, Annis rodeou-lhe o pescoço com os braços e a sua boca abriu-se à dele, com uma paixão sem palavras. Então, ele penetrou-a com um feroz triunfo de conquistador, disfrutando completamente dos pequenos estremecimentos de prazer que lhe provocara, antes de perder o controlo. Quando a sua respiração se normalizou, Zan deitou-se de costas e, arrastando-a consigo, fê-la apoiar a cabeça num ombro antes de tapar ambos os corpos com duas mantas. Capítulo 10 Annis acordou na manhã seguinte com uma sensação de segurança. Estava a salvo nos braços de Zan. Estava em casa. Mas quando começou a recordar os acontecimentos, toda essa felicidade se esfumou e começou a repreender-se a si mesma pela sua estupidez e fraqueza. Não quisera, nem pretendera voltar a deitar-se com ele, mas Zan tivera apenas que lhe tocar para engendrar a sensação mais poderosa que conhecera em toda a vida, um desejo de estar nos seus braços que anulava tudo o resto. Então, suspirou. - Estás acordada? - perguntou ele, começando a acariciar-lhe um dos firmes seios. Ela ficou gelada. Zan apercebeu-se de imediato, afastou-se um pouco e olhou-a. - Não deixes que o passado se coloque entre nós, Annis. Não continues a lutar contra os teus próprios sentimentos. A jovem sabia muito bem que era inútil lutar. Enquanto ele continuasse a desejá-la, ela estaria disposta. Mas o passado estaria sempre entre ambos e aquele conflito interno, mais tarde ou mais cedo, faria com que se separassem. Então, começou a chorar. 147 - Não chores, vai correr tudo bem. Mas não era assim. Durante os dias seguintes comportaram-se como um par de desconhecidos educados, falando um com o outro apenas quando era necessário. Ele ia trabalhar muito cedo e só regressava muito tarde, e Annis deixou-lhe bem claro que, em vez de trabalhar para o marido, queria voltar à sua empresa. E Zan concordou. A sua única condição foi que tinha que contar com a autorização de um bom médico para recomeçar a trabalhar. Annis foi ter com o doutor Roberts, na segunda-feira seguinte, depois de averiguar na sexta-feira que a gravidez não passara de um falso alarme. Zan chegara muito tarde a casa nessa noite e a jovem passara a tarde a pensar naquilo que ele diria. - Pensava que já estavas a dormir. - Quero falar contigo. Afinal, não estou grávida. Se estivesse a olhá-lo, teria visto como o seu rosto se contraiu num espasmo de dor mas, assim, apenas reparou no gelado silêncio. Quando o olhou viu como a sua expressão era uma máscara de pedra e pensou que ele nem se importara. - Gostaria de me ter ido embora na noite em que li aquela carta. Gostaria que não me tivesses convencido a ficar contigo... Parecia que Zan lhe ia dizer algo, mas deixou cair as mãos e concordou. - E eu. Virou-se e foi-se embora. A jovem ficou ali, sentada, sentindo-se como se lhe tivessem apunhalado o coração. 148 Quando, por fim, se foi deitar viu que o quarto se encontrava vazio. Permaneceu acordada durante horas na escuridão, enfrentando o facto de que Zan não iria dormir com ela. Depois, chorou até ao cinzento amanhecer e, por fim, adormeceu tranquila. Acordou com um forte golpe na porta e, quando se apoiou na cama, a senhora Matheson, a empregada, entrou com uma bandeja. Apercebeu-se imediatamente da cara da jovem e do facto de ter dormido sozinha, mas não fez qualquer comentário limitando-se apenas a dizer: - vou ver a minha irmã. Mas, visto que já são quase dez horas, pensei vir ver se se encontrava bem. - Eu estou bem, obrigada. - bom, então beba o seu chá enquanto está quente. As palavras daquela mulher eram tão bruscas como sempre, mas olhou-a com compaixão. Quando a porta se fechou novamente atrás da corpulenta escocesa, Annis bebeu um pouco de chá. Depois, movendo-se como em câmara lenta, tomou um duche e vestiu-se, interrogando-se sobre se Zan estaria bem. Estava a chover e a manhã encontrava-se tão triste como ela. Um pouco depois, bateram à porta e, de má vontade, foi abrir. Era Matt e parecia mais sério que nunca. - Lamento, mas o Zan não está. - Eu sei - respondeu ele brevemente. - Acabei de deixá-lo. - Então, está no escritório? - Não sabias? 149 - Não tinha a certeza. Então, interrogou-se sobre o que estaria o cunhado ali a fazer se sabia que Zan não estava com ela. - Era a ti que eu queria ver. - Oh... - Posso entrar? - Claro. Depois, dirigiram-se até à sala. - Podemos ficar na cozinha - disse ele. Annis, desejando ter um pouco de tempo para pensar, adiantou: - vou fazer um café. - O que é que se passa de mal entre ti e o Zan? - Por que é que pensas isso? - Tens estado com ele ultimamente? Ainda não te apercebeste do que estás a fazer? Se ele não te amasse tanto... - Ele não me ama. Matt riu-se incredulamente. - Não me digas que pensas isso. Aquele homem está doido por ti. Se não estivesse, tu não terias tanto poder para magoá-lo. De repente, a jovem lembrou-se das palavras do marido: - O amor é diabólico. E era! Uma boa e honesta paixão era algo fácil. O amor é que alterava as pessoas, o que causava tantos tormentos e dores. - E, achas que ele não me magoa a mim? - Certamente, também pareces estar com um péssimo aspecto. Se fosse apenas uma simples discórdia de namorados... Mas é algo mais sério que isso, não é? 150 - Acho que deverias perguntar isso a ele. - E foi o que eu fiz, mas ele respondeu-me para me meter na minha vida. - Então, talvez fosse isso que devesses fazer, não achas? - Talvez, mas devo muito ao Zan e não tenciono permanecer inactivo enquanto ele está infeliz. Suponho que deves saber que anda a trabalhar que nem um doido. - O que ele tem feito é não permanecer em casa, já que parece ter muito que fazer. - Achas que sou algum idiota? O Zan sempre foi perfeitamente capaz de delegar o trabalho e eu já trabalho há suficiente tempo com ele para ver que está tudo normal na empresa. Que diabo lhe estás a fazer, mulher? Então, estava a culpá-la por tudo. - Devias era de perguntar o que é que ele me anda a fazer a mim. - Muito bem. É isso mesmo que eu quero saber. Annis deixou-se cair numa cadeira e apertou a cabeça. Apesar de não estar a olhar para Matt, podia sentir perfeitamente o impacto do olhar dele no seu corpo. - Oh, talvez não saibas como ele tem ajudado a Linda e o Richard, não é? Além de lhes arranjar uma ama, conseguiu que a Linda fosse aceite numa maternidade privada, encontrou-lhes uma casa e deu ao Richard um emprego melhor. Também lhes pagou as dívidas e empréstimos. E fez tudo isso para me apanhar a mim. - Estás a tentar dizer-me que fez chantagem? - É exactamente isso que estou a dizer. Ameaçou-me em cortar o apoio ao meu irmão e cunhada, se não me casasse com ele. 151 - Devias tê-lo mandado para o inferno. - Isso é muito simples de dizer, mas eu gosto da Linda e do Richard. Por isso, apesar de o odiar, não me atrevi a dizer-lhe que não. - Acho que não o odeias. Não há dúvida que existe qualquer coisa muito forte entre vocês. Annis mordeu os lábios e admitiu-o. - Talvez eu quisesse odiá-lo. Desde o início que soube que existia entre nós uma atracção quase irresistível. - Zan também sabia disso, por isso, por que é que teve de usar tácticas mais fortes? - Eu estava decidida a não ter uma relação com o homem que era responsável pela destruição de quase tudo aquilo que eu amei. Por um estranho acontecimento do destino, ele foi amante da minha mãe. - Amante da tua mãe? Tens a certeza disso? Não estarás enganada? - Vi-os juntos. Em qualquer dos casos, ele admitiu que estiveram juntos, apesar de negar que tinha sido amante da Maya. Quando o Zan terminou a relação, ela suicidou-se com comprimidos e, no dia do seu funeral, o meu pai também se suicidou. Matt ficou a olhá-la muito pálido. - Eu quis acreditar que nunca tinham sido amantes e quase consegui convencer-me a mim mesma. Mas quando li uma carta que a Maya tinha- enviado ao meu irmão, dois meses antes de morrer, falando-lhe de um fim-de-semana passado em Costwolds, vi claramente que ele tinha mentido. Apesar de chegar a aceitar que não o podia culpar por aquilo que acontecera à minha mãe, não posso perdoar-lhe por me ter mentido. Permaneceram um momento em silêncio, como um par de estátuas de pedra. 152 - Ele não te mentiu. A Maya passou, sim, um fim-de-semana em Costwolds, mas o homem que estava com ela não era o Zan, era eu. -Tu? - Nessa época, o meu casamento estava a passar um péssimo momento. A Helen tinha tido um parto muito difícil com a Lisa e estava há semanas no hospital. A senhora Sheldon levara as crianças para Jersey e eu fiquei sozinho. Annis respirou fundo e Matt continuou. - Não me podes culpar mais que aquilo que eu já me culpei a mim mesmo. - Como é que a conheceste? - Conhecemo-nos num restaurante, onde ambos comíamos sozinhos. Eu ofereci-me para levá-la a casa e ela pediu-me que ficasse. Fui um maldito estúpido em ter uma relação daquele tipo, mas a Maya era uma mulher encantadora e linda, e eu estava muito sozinho. Quando o Zan descobriu, ficou lívido. Nessa altura, eu já tinha recuperado o bom senso e estava a tentar terminar tudo. Mas a Maya não quis, apesar de eu nunca lhe ter mentido, ela achou que as coisas eram diferentes. Foi então que o Zan entrou em cena. Encarregou-se de tudo e eu fui mandado para Santa Clara, na Califórnia. Quando regressei a casa devido ao nascimento da Lisa, soube da morte da Maya. Lamento-o imenso. Apesar de tudo, ela era uma pessoa inocente, de certa maneira, infantil e patética... Annis levantou-se e ofereceu-lhe café. - Não, obrigado. Tenho de me ir embora e falar com a Helen. - Não vais...? -Não achas que está na hora dela saber? 153 - Não! - gritou. - Por que é que achas que o Zan não me contou a verdade? Acho que não te estava a proteger a ti. Tinha medo que a Helen saísse magoada com tudo isto. Temia que o vosso casamento pudesse acabar. - Tens razão. - Então, para o bem de todos, digamos que tudo faz parte do passado e que deveremos esquecê-lo. - Tu vais conseguir esquecer? - Acho que agora consigo, visto que já sei toda a verdade - disse, olhando-o nos olhos. - Obrigada por me teres contado. Não deve ter sido fácil. - Não podia deixar de fazê-lo - hesitou. - Isto, vai acertar as coisas entre ti e o Zan? - Não sei. Espero que sim. - Tenta perdoar-me. Gostaria que continuássemos a ser amigos. Quando Matt saiu, tudo encaixou na mente da jovem. Lembrou-se que a sua primeira impressão acerca do amante de Maya era a de um homem casado, alto, moreno e bonito, além de um conhecido homem de negócios, descrição que condizia tanto com Zan como com Matt. E a carta de Maya dizia que tinha de tratar de alguns problemas pessoais. Gradualmente, o calor substituiu a agitação e sentiu que o espírito se animava, pela primeira vez, desde há dias. Zan não fora o amante de-Maya. A única coisa que quisera fora proteger a felicidade da irmã. Os seus pensamentos viram-se interrompidos pelo barulho da porta e ela deu um salto de alegria quando Zan entrou. Parecia muito sério e cansado, como se não tivesse dormido na noite anterior. 154 - Decidi dar-te o divórcio o mais rapidamente possível. Annis ficou gelada. A sua recém encontrada felicidade desaparecera. - Pensava que não gostavas de divórcios. - E não gosto. Mas nunca devia ter-te obrigado a casar comigo. Tu disseste que apenas nos faríamos infelizes um ao outro e tinhas razão. De agora em diante, és livre para te ires embora. Podes fazê-lo assim que quiseres pois nada disso afectará a situação do Richard. Tudo terminara. Até mesmo a obsessão dele morrera. Mas fora apenas uma obsessão? Matt tinha a certeza que Zan a amava. - Não tenciono ir-me embora. Pelo menos, até tu me dizeres que queres que eu saia. Ouviu então a sua respiração sibilante e, por uma fracção de segundo, algo na expressão dele encheu-a de esperança. - Eu quero que te vás embora. Não podemos viver assim. E, agora, visto que não há necessidade de continuarmos juntos... Agàrrando-se a uma última esperança, ela insistiu. - Diz-me uma coisa. Por que é que insististe tanto para que eu ficasse? - Tu sabes bem. - Era apenas pela criança? Por favor, Zan, diz-me a verdade. - Eu queria que ficasses. Não podia suportar a ideia de te perder. A possibilidade de estares grávida pareceu-me ser uma dádiva de Deus. Ainda esperava que fosses capaz de deixar o passado para trás e confiasses 155 em mim. Estava errado. A única coisa que posso fazer agora é dizer-te o que sinto. - O Matt esteve aqui. Perguntou-me o que é que se passava entre nós e eu contei-lhe. - Devia de se meter na vida dele! - De certa forma, isto dizia-lhe respeito. Admitiu que foi o amante da Maya, que tu apenas o encobriste. - O que é que pretendes fazer? - Nada. Pelo que me diz respeito, tudo terminou. Não quero que Helen sofra. Zan suspirou. - Achas que deveria ter-te contado? Ela negou com a cabeça. - Compreendo por que é que não o fizeste. - Tenta não culpar demasiado o Matt. Estava só e vulnerável. Sentia muitas saudades da Helen. Quando se apercebeu de como fora parvo, fez um esforço para acabar tudo, mas a Maya estava encaprichada por ele. Fui eu que me meti no meio e tentei convencê-la a deixá-lo. Passavam todas as chamadas dela para mim e, sempre que ia ao escritório, era eu que falava com ela. Não levei muito tempo a perceber que era uma pessoa emocionalmente instável. Senti pena dela e, quanto estava muito mal, levei-a a almoçar algumas vezes. Então, uma manhã, conseguiu chegar ao gabinete do Matt. Disse que precisava de vê-lo e ameaçou contar tudo à Helen. O Matt entrou em pânico e prometeu-lhe que iriam jantar na noite seguinte. Depois, contoú-me tudo, estava muito preocupado. Zan suspirou e continuou a falar. - Concordámos que seria melhor que ele deixasse o país por uma temporada. Eu prometi encontrar-me com a Maya no lugar dele e dekar-lhe bem claro que 156 estava tudo acabado e que contar à Helen não alteraria nada. Foi nessa noite que nos viste juntos. É estranho como o destino funciona, íamos para uma mesa quando olhei para o lado e encontrei os olhos de uma mulher. Descobri que esse gelo e fogo podiam queimar. A tua linda cara ficou gravada na minha mente. Quando Annis o olhou surpreendida, adiantou: - Pode ser que isto seja estranho, mas assim que te vi descobri que eras a mulher que eu sempre esperei durante toda a minha vida. Zan levantou-se. - Se as circunstâncias fossem diferentes, eu ter-me-ia aproximado e falado contigo naquele mesmo momento. Mas a Maya estava quase histérica e ameaçara fazer um escândalo. Quando olhei de novo, tu já tinhas saído. No dia seguinte, regressei ao mesmo restaurante e perguntei por ti, mas ninguém sabia quem tu eras. Não podia acreditar que te tinha perdido e, noite após noite, durante quase três semanas, voltei lá para ver se tinhas regressado. Depois, como já sabes, tive que ir para os Estados Unidos. Mas o teu rosto continuava a atormentar-me e, quando voltei, comecei a perseguir todas as mulheres que se pareciam contigo.. Annis estava imóvel. - Finalmente, quando já perdera toda a esperança, vi-te de passagem no gabinete do Stephen. Foi como se estivesse possuído. Tinha que te conhecer, que te fazer minha. Normalmente, não sou assim, mas estava aterrorizado pela possibilidade de voltar a perder-te. - E agora estás a dizer-me para me ir embora? - Só porque não consigo viver mais assim. - Mas, continuaremos a ser amigos? - Quero muito mais que amizade. 157 - Amigos apaixonados? - É um pensamento tentador. Mas, não quero apenas paixão. Quero que me ames a mim como eu te amo a ti. Annis também se levantou e apoiou as mãos no peito. Sentiu o seu coração a acelerar-se quando disse: - Eu amo-te. Amo-te há muito tempo, mas eu... O resto das palavras perderam-se, afogadas na pressão da boca dele. Beijaram-se como duas pessoas esfomeadas até ficarem sem fôlego. Depois, ele sentou-se e colocou-a ao seu colo. - Volta a dizer a mesma coisa - ordenou. - O que é que queres que eu diga? - Que me amas. Que és minha. Como resposta, abraçou-lhe o pescoço e sussurrou: - Sou tua, desde que tenha braços para te abraçar e lábios para te beijar... - Nunca pensei ouvir-te dizer isso. - Acho que comecei a amar-te desde a primeira vez que te vi com a Maya... - Mas tive sempre que te obrigar a tudo. - Nem sempre - afirmou, lembrando-se da noite em São Francisco. - Quase sempre, bruxa sem compaixão. Não tens pena de mim pela forma como me trataste? - Desculpa. Não acreditei em ti quando me disseste não tinhas sido o amante da Maya. - Estava a pedir-te muito. Mas, o mero facto de quereres dar-me uma esperança... Depois de teres lido aquela maldita nota, não te censurei por não acreditares em mim. 158 - Gostaria de tê-lo feito - beijou-o, apaixonada e arrependida. - Beija-me assim todos os dias durante o resto da minha vida e terá valido a pena. E, falando do resto das nossas vidas, que te parece uma segunda lua-de-mel? - Não sinto que tivéssemos tido a primeira. Parece-me que desperdiçámos a maior parte. - Humm ... bom, sugiro que reactifiquemos isso. Onde é que queres ir? - A São Francisco, ao Havai. - A qual dos dois? - A ambos. E, se queres fazer felizes três pessoas ... Ele ficou intrigado. -Três? - O Matt estava muito preocupado e queria que as coisas corressem bem entre nós. Se lhe pedires a casa de Lani House novamente emprestada... Zan beijou-a. - Tudo aquilo que quiseres, minha querida. Desde que ele também não queira ir... - Podia ser-nos útil... - Útil? - Para te dar alguns conselhos. Ao fim e ao cabo, ele já tem três filhos. Zan abanou a cabeça e os seus olhos brilharam. - Não necessito desse tipo de conselhos. Eu acho que o velho ditado funciona: a prática aperfeiçoa. Fim *** Sempre-Lendo, o melhor grupo da Net!