Hegel E O CONCEITO DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA 1 Joaquim de Carvalho O pensamento não é dado nem se dá imediatamente e de uma só vez, ou por outras palavras mais adequadas, não é mas devém, sendo justamente pela consciência das várias formas, fases e períodos porque passa e se manifesta a sua desenvolução que ele se aprende, conhece e toma consciência mais plena e perfeito de si. Assim considerado, o pensamento filosófico não é de maneira alguma independente e exterior à marcha da história, mas as suas manifestações, que se apresentam diversas e até antagónicas no decurso das gerações, propõem o problema da respectiva racionalidade, isto é, o problema de saber em que medida as diversas e antagónicas filosofias são racionalmente pensáveis e coerentes no seu advento histórico. Daí, o problema primário e basilar da história da filosofia, ou seja o do objecto que lhe ´+e próprio, pois é em função deste objecto que se ão-de investigar, relacionar e explicar as manifestações do pensamento filosófico. este é um problema que, em geral, os historiadores das diversas ciências particulares não têm que considerar, porque o objecto de cada ciência está mais ou menos particularizado e os progressos dos conhecimentos acerca dele se constituem normalmente por adição sucessiva das contribuições dos diferentes sábios. para o historiador da filosofia, pelo contrário, o objecto que ele se propõe historiar constitui um problema urgente e prévio, não só para se orientar, como sobretudo, para afastar do horizonte histórico-filosófico os conceitos que impedem a visão clara e a marcha segura. A primeira dificuldade que lhe cumpre dissipar é o desconcerto que à primeira vista resulta do espectáculo da sucessão das concepções filosóficas. todas dizem propor-se e dar a explicação racional da realidade, mas cada uma arvora a própria concepção como a verdadeira filosofia, por antagónica e polarmente oposta que seja às outras. Daí haver quem seja levado a querer que as diversas manifestações do pensamento filosófico ao longo do tempo não vão além de uma galeria de opiniões dos "heróis da razão", sem conexão de umas com as outras e cujos pensamentos morreram com o passado que os sepultou, perdendo todo e qualquer interesse para o presente. A primeira tarefa do historiador da filosofia consiste em remover este ponto de vista, que priva a história da filosofia de objecto consistente e racionalmente pensável. para se tornar disciplina coerente, a história da filosofia carece de um objecto que esteja acima e fora da poeira dispersiva das opiniões de cada um, e esse objecto somente pode encontrar-se na própria ideia da filosofia. Só ela pode tornar sinfonia a multidão de rapsódias esparsas, distantes e díspares. Indo à razão de ser de todas as manifestações pretéritas do pensamento filosófico, Hegel pensou que elas não vieram à existência sem causa, e sendo assim não se trata de opiniões contingentes e conjecturais mas de ideias que devem ter entre si conexão racional. O que somos, somo-lo pela história, é o tópico da filosofia hegeliana, e consequentemente, a razão actual, instruída e consciente dos contrastes das diversas doutrinas e da respectiva superação por concepções mais compreensivas e extensivas, não se produziu nem se constituiu instantaneamente, de uma só vez. Produziu-se ao longo do tempo e desenvolveu-se com a apercepção da multiplicidade das suas formas e incidências, à maneira de um rio que se vai tornando mais caudaloso à medida que se afasta da nascente e vai recebendo maior volume de afluentes diversos. Assim considerado, o desenvolvimento do pensamento filosófico não deve ser visto limitadamente, em relação somente a dado país, mas universalmente, isto é, em relação à totalidade do mundo humano. Uma nação, pode estacionar, o que parece ter acontecido na China, mas o espírito universal não pára nem estacionas porque o seu viver é o seu agir. Por isso, o espírito universal, em cada época, por um lado recebe e assimila a herança científica e filosófica das gerações passadas, e por outro, desenvolve-a, acrescentando-lhe algo que lhe faltava. Donde, a produção intelectual ter por característica a presencialidade de um mundo cultural preexistente, cuja instância é assimilada e acrescentada ou modificada no acto em que o espírito dela se aposta. E, estabelece Hegel duas ilações relativamente ao ponto que nos ocupa: a história da filosofia é a iniciação necessária no conhecimento da própria filosofia e tem por objecto as manifestações do pensamento que a si próprio se encontra e reconhece e mediante este acto se descobre e se produz pelo que a história da filosofia se converte em ciêncioßSecretrioßdeßEstadoßRuißCunha.ßÇãßßÇãß-ßDiaßInternacionalßdaßPessoaßComßDeficinciaß-ßaßACAPOßacompanhoußÇãoßßprogramaßdasßac 1. In "Introdução à História da Filosofia", Hegel, precedida de um preâmbulo sobre Hegel e o conceito de História da Filosofia, pelo Prof. Joaquim de Carvalho, Arménio Amado -- editora, sucessor, Coimbra, 30 ed., 1974.