Fordismo e Pós-Fordismo: Mecanismos Propulsores do Capitalismo João Carlos de Aquino Teixeira jcat@ufba.br Este trabalho tem o objetivo de discutir os dois principais modos de produção existentes, sob a ótica da teoria da regulação, o Fordismo e o Pós-Fordismo. Primeiramente, discute a teoria da regulação, que utiliza esses dois modos de produção como meios de explicação para o desenvolvimento econômico dos países capitalistas do século XX. Em seguida, apresenta o desenvolvimento desses dois modos de produção, detalhando suas principais características. Ao final, desenvolve uma análise crítica de ambos enquanto modelos explicativos do desenvolvimento econômico. Introdução Muito tem sido publicado em relação ao desenvolvimento de diferentes países no tempo, bem como na tentativa de compreender os elementos que contribuem ou dificultam esse desenvolvimento. Chama a atenção dos estudiosos, por exemplo, o crescimento econômico acelerado de países como os Estados Unidos, a partir do início do século XX, até os anos 1970, e do Japão, desde então. Desde o século XVIII, Adam Smith tenta explicar que o desenvolvimento econômico só será possível se os governos se afastarem o máximo possível da gestão da economia, deixando o desenvolvimento econômico a cargo da iniciativa privada, que se auto controla, através de uma mão invisível decorrente do somatório dos interesses egoísticos de cada um. Keynes explica como o estado pode fomentar o crescimento econômico através dos gastos públicos, uma forma de injetar capital no mercado aquecendo a demanda e aumentando o emprego e a renda. Cabe ao estado, então, controlar seus investimentos de modo a estimular ou desestimular a economia, de acordo com o momento vivido pelo país. Schumpeter, por sua vez, explica que o desenvolvimento econômico é resultante de esforços de empreendedores, que, através da inovação, promovem o surgimento de novas ondas de desenvolvimento. Uma grande inovação traria consigo uma grande onda de inovações menores, resultantes da difusão da inovação através das indústrias e da economia. São várias opções para tentar explicar os mesmo fenômenos. Entretanto, essas tentativas sempre são parcialmente bem sucedidas, ignorando algum aspecto importante na relação de fatores que determinam o apogeu ou declínio de uma nação. Dentre todas as tentativas de explicação do desenvolvimento econômico dos países capitalistas, destaca-se aquela que busca a explicação na combinação de diversos fatores, de modo a permitir um crescimento econômico e acumulação de capital de maneira contínua e crescente, apresentada pelos autores da chamada escola regulacionista, ou teoria da regulação. Segundo essa teoria, há dois modos de produção, que têm permitido aos países que os adotam desenvolver-se intensivamente, durante o século XX e, ao que parece, assim será, também, durante o século XXI. Esses dois modos são o Fordismo e o Pós-Fordismo. Este trabalho desenvolverá esses dois conceitos, extrapolando-os da fábrica, onde surgiram, até as economias dos países industrializados, de modo a tornar possível uma justificativa de seu desenvolvimento econômico. Caracterização de um Modo de Produção Para que seja possível compreender os dois conceitos, faz-se necessário uma definição mais precisa do conceito mais amplo que estes representam, o de modo de produção. Segundo Boyer (1990) modo de produção designa toda forma específica das relações de produção e de trocas, ou seja, das relações sociais que regem a produção e a reprodução das condições materiais necessárias para a vida dos homens em sociedade. (p.68) Um modo de produção extrapola o espaço da indústria, estendendo-se por toda a sociedade, uma vez que envolve não só o modo de organização da produção, a participação e remuneração dos empregados, mas ainda a regulação das atividades industriais por governo e sindicatos, o tipo de concorrência existente, a participação do país no cenário internacional e outros fatores que determinariam um contexto muito amplo, no qual é possível que um país produza valor e acumule riquezas ao longo de um período de tempo. É o resultado do acúmulo de pressões e tensões de diversas naturezas ocorridas numa determinada sociedade ao longo do tempo, a fim de ajustar as condições que envolvem a produção e venda de bens. Os grupos envolvidos, ao disputar benefícios entre si, promovem um ajustamento natural dos interesses, que pode favorecer ou desfavorecer o acúmulo de capital ao longo do tempo. Ao se discutir a dinâmica dos modos de produção, é necessário perceber que um modo de produção não é uma criação revolucionária, surgida da mente brilhante de algum estrategista. Ao contrário, trata-se de uma conjunção quase que involuntária de fatores, elementos e decisões que, ao longo do tempo, configuram-se em um complexo sistema que envolve todos os fatores mencionados anteriormente. Tendo sido configurado, testado e aprovado, um modo de produção passa a ser copiado por outras indústrias e até mesmo por outros países, até que aquilo que o tornava um sistema especial, diferente dos demais, torna-o um sistema comum, semelhante ao de outros países. Dessa forma, as mesmas condições que favoreceram o desenvolvimento de um modelo acabam por torná-lo inviável, quando outros modelos são criados em outros países. Os regulacionistas acreditam que é possível explicar o desenvolvimento e declínio econômico das nações capitalistas, em especial durante o século XX, através dessa lógica. Cada país apresenta o seu modo de regulação, aqui entendido como a maneira como a conjunção de formas institucionais cria, direciona e, em alguns casos, dificulta os comportamentos individuais e predetermina os mecanismos de ajustamentos nos mercados que, na maioria das vezes, resultam de um conjunto de regras e de princípios de organização (Boyer, op.cit., p.80). Um modo de regulação, portanto, são as condições exógenas ao modo de produção, que permitem que um determinado modo de produção se desenvolva, trazendo desenvolvimento econômico para seus países. Cada modo de regulação apresentaria determinadas condições que favoreceriam ou dificultariam tanto a produção e acúmulo de riquezas quanto as relações externas de um país, o que favoreceria ou dificultaria, por sua vez, seu crescimento e fortalecimento no cenário mundial. Sob essa ótica, seria possível explicar o crescimento dos Estados Unidos enquanto nação economicamente predominante mundialmente, a partir do início do século XX, seguido por alguns países europeus, como a Alemanha e a França, a partir dos anos 1960. Essa mesma ótica explicaria o fortalecimento do Japão, a partir da década de cinquenta, tendo seu apogeu nas décadas de oitenta e noventa. Explicaria, talvez, o enfraquecimento da economia japonesa, ocorrida a partir do final da década de noventa, e no início do século XXI. Toda essa dinâmica de desenvolvimento encontraria uma explicação na teoria da regulação, estudando-se fatores que inicialmente favoreceram e posteriormente prejudicaram as nações em estudo. Segundo essa teoria, cada movimento ascendente estaria associado não somente a um modo de regulação, mas também a um modo de produção. Estes são o principal objeto deste artigo. O primeiro movimento, responsável pelo fortalecimento dos Estados Unidos e de alguns países europeus, bem como de alguns dos chamados países de industrialização recente (Brasil e México, Taiwan e Coréia em especial), é o movimento que vem sendo denominado de Fordismo, uma alusão ao criador da produção em massa, elemento central desse modo de produção. O segundo movimento, responsável pelo enfraquecimento do anterior, bem como pelo fortalecimento do Japão enquanto potência econômica mundial, é o Pós-Fordismo. O movimento possui como elemento central, por sua vez, o modo de produção surgido no Japão, a partir da década de cinquenta, inicialmente nas fábricas da Toyota, difundindo-se posteriormente por outras organizações japonesas. Esse modo de produção possui como elemento central a produção flexível, também denominada de produção enxuta, uma comparação direta ao movimento do Fordismo e da produção em massa. Entretanto, os próprios autores regulacionistas reconhecem que entre Fordismo e Pós-Fordismo há muito mais do que um espaço vazio. Em trabalho recente, BOYER e FREYSSENET (2000) discutem outros tipos de regulação possível, variando desde o Taylorismo, Sloanismo, passando pelo Fordismo, Woollardismo, Hondismo e Toyotismo, cada um apresentando características diferentes. Definição de Fordismo Conforme comentado anteriormente, o Fordismo é uma alusão ao nome do profissional que mais influenciou na criação desse modo de produção, o norte-americano Henry Ford, fundador da empresa que leva seu nome. Determinado e ambicioso, buscou incessantemente a contínua redução dos tempos de fabricação dos veículos produzidos pela Ford, de modo a atingir economia de escala - ou seja, reduzir o custo unitário de fabricação de um veículo através da diluição dos custos fixos em uma grande quantidade de produtos fabricados. Ford é considerado o criador do chamado sistema de produção em massa, centrado no conceito de linha de montagem, no qual os produtos são transportados dentro da fábrica, através das estações de trabalho, reduzindo o tempo de movimentação dos operários na busca de ferramentas e peças, aumentando a velocidade e ritmo de produção, de maneira padronizada e econômica. O sistema de produção em massa foi, certamente, um grande avanço na tecnologia de produção, especialmente se comparado ao sistema artesanal existente anteriormente. Entretanto, a criação desse sistema não foi a única contribuição de Ford para a indústria automobilística. Para desenvolver seu sistema de produção, Ford foi forçado a desenvolver um complexo sistema de relações que extrapolaram o âmbito das fábricas e indústrias por todo o mundo, atingindo profundamente todo o estilo de vida das pessoas e dos países pelo mundo afora, influenciando não só o modo como as pessoas trabalham e obtém renda, mas também aquilo que consomem, admiram e o modo como vivem. De maneira geral, o Fordismo envolve não só a criação do sistema de produção em massa, mas também a intercambialidade das peças e dos funcionários, a padronização de produtos, ferramentas e métodos de trabalho, a criação de relações trabalhistas mais estáveis, associados à integração vertical e à centralização do poder. Esses aspectos do Fordismo serão discutidos à seguir. Criação da Linha de Montagem Antes da contribuição de Ford, o sistema de produção de automóveis era basicamente artesanal, composto por operários altamente qualificados, trabalhando de maneira descentralizada e utilizando máquinas de uso geral para realizar uma série de atividades complexas, em todo o processo de produção de um carro (WOMACK, JONES e ROOS, 1992). Era comum, durante o processo, haver a necessidade de uma série de ajustes entre as peças, que não se encaixavam entre si. As peças, customizadas para cada veículo, eram fabricadas também pelos artesãos ou encomendadas para várias outras oficinas, que também funcionavam de maneira artesanal. O ritmo de produção era determinado por cada operário, havendo muita divergência de velocidade entre eles. O volume de produção era baixíssimo, por volta de mil ou menos unidades por ano, e poucos veículos eram iguais - na verdade, quando tentavam produzir dois carros com o mesmo projeto, estes raramente saíam iguais, devido à grande variação no processo de produção. Como consequência da imprevisibilidade da produção, o custo unitário era muito elevado - e este não reduzia com o aumento da escala - e a confiabilidade dos veículos era muita baixa. Para reduzir a ineficiência do sistema, era necessário que o sistema imprimisse a velocidade desejada, e não deixar isso a cargo de cada operário. Após introduzir um sistema no qual as peças eram levadas a cada operário, Ford aperfeiçoou um sistema onde o carro era movimentado em direção ao trabalhador estacionário. Tratava-se de uma correia na qual os veículos eram transportados por toda a fábrica a uma velocidade contínua, exigindo dos operários grande esforço de acompanhamento. Os benefícios dessas mudanças já foram muito grandes. Segundo WOMACK, JONES e ROOS, (op.cit.), após a introdução gradativa das mudanças no sistema de produção de veículos, o fluxo de tarefas necessárias para a montagem de um veículo Ford reduziu de 750 minutos, em 1913, para 93, em 1914, uma redução de 88% do esforço. SHIMOKAWA (1993) também comenta a redução do tempo necessário para a fabricação de um veículo, depois de Ford ter conseguido completar o desenvolvimento de seu sistema. Segundo esse autor, as fábricas que adotavam a produção fixa, em contrapartida ao sistema de linha de montagem, levavam no mínimo doze horas e vinte e oito minutos para montar uma unidade, enquanto na fábrica de Ford o tempo havia encolhido para uma hora e trinta e três minutos (p.59). Intercambialidade das peças e padronização do produto Outra grande contribuição de Ford, na criação do sistema de produção em massa, foi a padronização do produto e a intercambialidade das peças. No sistema de produção artesanal, cada veículo fabricado era um protótipo, dada a diversidade de projetos e as dificuldades de ajustes necessários. As peças eram adquiridas de fornecedores distintos, utilizando sistemas de medição e fabricação também distintos, nos moldes da produção artesanal, o que causava grande variabilidade nas peças, gerando, por sua vez, a necessidade constante de ajustes no momento da montagem. Cada projeto de veículo possuía suas próprias peças, muitas utilizadas exclusivamente em um único veículo. Ford foi o primeiro fabricante que percebeu que, se utilizasse peças padronizadas e similares para os modelos de veículos, poderia economizar grande parte do esforço de ajuste. Ele buscou fervorosamente esse objetivo, praticamente durante toda sua vida, de modo a simplificar a fabricação de um veículo, até que os custos de fabricação estivessem tão baixos quanto possível. A chave para a produção em massa não residia - conforme muitas pessoas acreditavam ou acreditam - na linha de montagem em movimento contínuo. Pelo contrário, consistia na completa e consistente intercambialidade das peças e na facilidade de ajusta-las entre si. (TENÓRIO, 2000, p.142) Para obter maior padronização, era necessário desenvolver ferramentas que fossem capazes de desempenhar as tarefas necessárias para a fabricação das peças, e padronizá-las por toda a fábrica, bem como a redução do tempo de preparação das máquinas que seriam utilizadas para sua fabricação. Isso não só padronizaria a fabricação das peças, como tornaria mais simples o trabalho de cada operário. Era necessário padronizar o produto, projetando-o de modo a facilitar o trabalho de montagem e reduzir erros de fabricação e ajustes. Dessa forma, Ford reduziu sua linha produtos ao mínimo possível, tendo produzido o modelo T em nove versões do mesmo chassi básico, e procurado fabricar suas próprias ferramentas, específicas para a fabricação de suas peças padronizadas. A simplificação do projeto do modelo T tornava-o, ainda, muito simples de ser dirigido e consertado, desde que o proprietário possuísse noções básicas de mecânica. O modelo T da Ford foi seu vigésimo projeto de um período de cinco anos, começando com a produção do original modelo A, em 1903. Com o seu modelo T, Ford alcançou finalmente dois objetivos. Tinha em suas mãos um carro projetado para a manufatura, como diríamos hoje em dia, além de, numa expressão atualmente em voga, user-friendly. Qualquer um era capaz de dirigir ou consertar o carro, sem precisar de motorista ou mecânico. Essas duas realizações estabeleceram as bases para a mudança total de rumo em toda a indústria automobilística. (WOMACK, JONES e ROOS, op.cit., p.14) A estandardização toma o lugar da customização, não somente na produção como também na linha de produtos à disposição dos consumidores. Esse fato era bastante irrelevante, especialmente face aos baixíssimos preços que permitia e à enorme demanda reprimida em relação aos veículos automotores. O modelo T chegou a ter seu preço reduzido em 2/3 do original, como efeito da redução de custos decorrente da economia de escala. Segundo o próprio Ford, "qualquer pessoa pode ter um carro, desde que seja um Ford, modelo T, preto". Através dessa padronização forçada - os clientes não tinham o direito de desejar carros diferenciados - foi possível reduzir os custos e obter os efeitos da economia de escala, fatores que possibilitaram o crescimento da oferta de veículos no mundo todo, ao mesmo tempo em que estimularam a expansão do Fordismo através dos países. Contribuições de Ford à Indústria: Relações Trabalhistas Outra importante contribuição de Ford em relação aos sistemas de produção foram as relações trabalhistas que desenvolveu com seus funcionários. Por um lado, Ford inventou, talvez iluminado pelas idéias de Taylor e Smith, o funcionário intercambiável, facilmente substituível. O sistema de produção, que reduzia as tarefas realizadas por cada operário ao mínimo possível - se possível, somente uma única tarefa simples e repetitiva - simplificava também a tarefa de seleção e treinamento dos candidatos a vagas na fábrica, facilitando o crescimento do quadro de pessoal da empresa sem muito rigor. Estrangeiros, indígenas, agricultores, podiam ser facilmente transformados em operários com poucos minutos de treinamento. Dizem que em algumas fábricas da Ford era possível encontrar pessoas falando 50 línguas e sotaques diferentes. As condições de trabalho não tinham necessariamente que ser as mais apropriadas, e cabia a cada operário resolver se estava disposto a aceitar o cargo na empresa, pois se um não quisesse, sempre haveria outros que queriam, devido ao excesso de oferta de mão de obra existente à época. Ford não se limitou a aperfeiçoar a peça intercambiável, como também aperfeiçoou o operário intercambiável [...] [...] o montador da linha de produção em massa de Ford tinha apenas uma tarefa: ajustar duas porcas em dois parafusos ou, talvez, colocar uma roda em cada carro. Não tinha ele de solicitar peças, ir atrás das ferramentas, reparar seu equipamento, inspecionar a qualidade, ou mesmo entender o que os operários ao redor dele estavam fazendo. Pelo contrário, mantinha baixa sua cabeça, pensando em outras coisas [...] Com tal especialização do trabalho, o montador precisava de apenas poucos minutos de treinamento. Ademais, o ritmo da linha de montagem agia como constante disciplinador, acelerando os lentos e acalmando os apressados. (WOMACK, JONES e ROOS, 1992, pp.18-20) Todavia, pressionado por problemas como interrupções na produção, deterioração da qualidade, absenteísmo, doenças, rotatividade da mão de obra e pelo aumento da atividade sindical - todas manifestações de elevadas tensões sociais - Ford foi sendo forçado a oferecer melhores condições de trabalho e melhor remuneração aos seus operários, tornando-os consumidores dos veículos Ford. Para reduzir esses problemas, estabeleceu diversas formas de incentivos à produtividade, como escalas salariais crescentes, até chegar ao modelo, criado em 1914, do dia de trabalho de oito horas e de cinco dólares. Para merecer esse salário, os trabalhadores teriam que demonstrar sua capacidade e experiência através do trabalho. E para obter trabalhadores preparados para esses desafios, Ford fundou igrejas e estabeleceu programas de educação e bem-estar, para oferecer educação moral e ensino de inglês, bem como para introduzir aos seus trabalhadores estrangeiros e outros, os valores do estilo de vida americano. Aparentemente, essas providências contribuíram significativamente na estabilidade e na qualidade da mão-de-obra utilizada pela empresa, produzindo impactos na redução de custos e na melhoria da qualidade dos produtos (CLARKE, 1990) O impacto social do novo esquema foi impressionante. O absenteísmo caiu de 10% para menos de 0,5%. A rotatividade caiu de quase 400% para menos de 15%. A produtividade cresceu tão intensamente que, embora os salários tivessem dobrado e a produção por dia de trabalho diminuído, os custos caíram. (CLARKE, op.cit., p.139) Através desse esquema, Ford desejava aumentar a produtividade de suas montadoras, reduzir os custos e melhorar outros índices sociais, bem como desintegrar e enfraquecer a força dos sindicatos enquanto entidades de defesa dos interesses coletivos dos trabalhadores. Por algum tempo, isso foi possível - especialmente em relação aos sindicatos. Entretanto, seus efeitos foram rapidamente enfraquecendo, à medida em que as demandas sociais tornavam-se mais complexas. Ao sentir fracassar sua tentativa de dissuadir os trabalhadores a trabalhar mais intensamente, Ford fez outras tentativas através da repressão - chegando a ter criado uma força policial própria, o "Departamento de Serviço". A tentativa de Ford de criar um Novo Homem adequado à sua Nova Era criou apenas hostilidade e ressentimento, ao mesmo tempo que embarcava numa escalada de custos de supervisão e implementação. O alto índice de desemprego possibilitou a Ford recrutar mão-de-obra durante toda a década de 1930, e ele conseguiu utilizar suas riqueza e poder para excluir os sindicatos; entretanto, outros empregadores estavam reconhecendo os sindicatos e percebendo que novas formas de relações industriais, construídas sobre os acordos coletivos, eram capazes de reconciliar o controle do trabalho com a paz industrial, [...] (CLARKE, op.cit., p.140) Percebe-se, portanto, que Ford tenta estabilizar as relações trabalhistas das duas maneiras possíveis. Por um lado, através de incentivos, oferecendo benefícios e remuneração ampliada para aqueles trabalhadores mais bem sucedidos e mais adequados ao seu sistema de produção, enquanto tentava treiná-los e educá-los para se adaptem ao sistema. Por outro lado, reprimindo, pressionando e minando o poder dos sindicatos, num propósito firme de manter controle sobre os trabalhadores. Esses parecem ser os dois padrões atuais, desde que sejam guardadas as devidas proporções históricas e contextuais. Henry Ford como líder: Centralização e Integração Vertical A necessidade de utilização de peças intercambiáveis, com padronização do sistema de medição e fabricação, levou a Ford a desenvolver suas próprias fábricas de peças e componentes, de modo a tornar confiável o suprimento de peças aceitáveis, em acordo com o rígido cronograma fordista de produção. Associando essas necessidades à sua obsessão por controle, Ford procura integrar verticalmente suas atividades ao máximo, chegando a possuir suas próprias plantações de seringueiras no Brasil, para poder fabricar seus próprios pneus e outros componentes emborrachados. Todo o império Ford, já distribuído em diversos países, funciona sob seu comando, procurando sempre produzir internamente o máximo possível das peças utilizadas. Henry Ford não passava de um mero montador quando inaugurou Highland Park. Ele adquiria seus motores e chassis dos irmãos Dodge, adicionando-lhes uma série de itens encomendados a outras firmas para montar um veículo completo. Em 1915, contudo, Ford tinha incorporado todas essas funções a sua empresa, e se aproximava da completa integração vertical - a saber, produzir o automóvel completo desde as matérias primas básicas. Tal evolução atingiu sua conclusão lógica no complexo de Rouge, em Detroit, inaugurado em 1931. Ford perseguira a integração vertical em parte por haver aperfeiçoado as técnicas de produção em massa antes de seus fornecedores, podendo reduzir enormemente os custos se fizesse tudo por conta própria. Havia, outra razão: sua personalidade peculiar fazia com que desconfiasse profundamente das demais pessoas. (WOMACK, JONES e ROOS, 1992, p.21) O motivo mais forte, entretanto, para a centralização e integração vertical, na realidade, foi a desconfiança de Ford em relação aos fabricantes do mercado, especialmente se forem levadas em consideração as necessidades rígidas da Ford em relação aos seus componentes. "ter de comprar de fornecedores e depender do mercado - pensava ele - traria inúmeras dificuldades" (WOMACK, JONES e ROOS, op. cit.). Difusão do Fordismo O modo de produção criado por Henry Ford em sua organização permitiu a ela um rápido crescimento em vendas durante a primeira metade do século XX, o que tornou-a modelo de sucesso perante outras montadoras, bem como perante fabricantes de outros tipos de produtos. A expansão internacional da própria Ford serviu como uma vitrine internacional para os métodos utilizados pela empresa, que foram sendo rapidamente imitados por organizações industriais ao longo do tempo, não só nos Estados Unidos, mas também na Europa, no Japão e em outros países. O Fordismo proporcionou grandes vantagens competitivas aos países e organizações que o adotaram. Através desse sistema de produção, foi possível expandir rapidamente a produção, reduzindo os custos unitários de fabricação, de modo a atender a grande demanda reprimida existente nos países em desenvolvimento. Diversas nações, lideradas pelos Estados Unidos, consolidaram sua posição enquanto líderes econômicas no planeta, graças aos aumentos de produtividade obtidos com o método fordista de produção - Inglaterra, Alemanha e França em especial -, tendo seu produto interno bruto aumentado significativamente durante os anos de apogeu do Fordismo. Os salários e a renda média aumentaram, não só graças à estratégia fordista de transformar seus funcionários em consumidores de produtos Ford, mas especialmente pelos rígidos acordos sindicais necessários para viabilizar as fábricas fordistas nos diversos países em que atuavam. Pelo mesmo motivo, a duração dos turnos de trabalho foi sendo reduzida, até chegar ao turno de trabalho de oito horas, vigente nas empresas da atualidade. Grandes investimentos foram realizados durante todo o desenvolvimento do Fordismo, de modo a ampliar a capacidade produtiva e conquistar novos mercados emergentes, gerando uma distribuição de renda e acelerando o desenvolvimento de outros setores, como transportes,construção civil, e indústrias de bens de capital. Como outra consequência do Fordismo, percebe-se que houve uma maior facilidade de colocação e profissionais, mesmo aqueles menos experientes, em posições industriais e gerenciais nas grandes organizações - o Fordismo funciona não somente na fábrica, mas também no escritório, onde a divisão de tarefas e outros aspectos do Fordismo funcionam, de maneira adaptada aos serviços de gestão. Surge uma classe de trabalhadores, com poder aquisitivo e ansiosos por adquirir diversos produtos, mesmo que tenham que abrir mão da qualidade - face ao grande índice de defeitos apresentado pelos bens produzidos pelo sistema fordista - e a customização dos produtos - os bens produzidos pelo Fordismo são altamente padronizados. Por outro lado, o trabalho adquire um caráter monótono, rotineiro, onde o trabalhador passa a ser visto, de alguma forma, como um apêndice das máquinas, destinado a apertar seus botões e ativar seus circuitos, para produzir esses bens padronizados. Culturalmente, o Fordismo está associado ao consumo em massa, padronização e barateamento não só dos produtos, mas também das artes e das culturas de um modo geral. O mundo passa por uma americanização, onde os principais bens de consumo são reflexos daqueles produzidos nos Estados Unidos, ou por suas empresas, trazendo consigo uma boa dose de sua cultura. Não só veículos, mas também alimentos - hot dogs, hamburgers e coca-cola - filmes e programas de televisão, passam a fazer parte do cotidiano de vários países, difundindo a cultura do consumo pelo mundo afora. O país da indústria passa a ser o país da imaginação, sendo Dysney e Hollywood dois dos ícones da predominância cultural americana sobre os demais países. Até mesmo a língua inglesa, cuja importância histórica já decorria dos movimentos colonizadores da Inglaterra, consolida sua posição como a mais importante língua do planeta. O american way of life torna-se o modo de vida de milhões de terráqueos, traduzido nos sonhos de consumo e crescimento profissional, social e financeiro. Crise do Fordismo Durante a primeira metade do século XX, o Fordismo, em suas diversas variações, representou o principal motor de desenvolvimento econômico dos países que a ele aderiram, mesmo durante a recessão no entre guerras. O ano de 1955 representa o pico da produção fordista, tendo sido atingida a marca de sete milhões de veículos vendidos. Por outro lado, depois do pico sempre existe uma queda, e essa aconteceu nos anos que se sucederam. O fator mais importante, nesse sentido, foi o crescimento das importações de veículos de fabricação oriental - os japoneses em especial. A partir de 1955, essa fatia do mercado interno americano não para mais de crescer. O Fordismo passa a apresentar sinais de esgotamento quando, após anos de crescimento, as indústrias percebem que não é mais possível crescer apenas expandindo seus mercados e sua capacidade produtiva de maneira padronizada, uma vez que os principais mercados do mundo haviam sido plenamente ocupados e a demanda apresentava tendências decrescentes. Os padrões de relações trabalhistas não satisfaziam mais plenamente a sociedade, e surge uma necessidade de renovação das condições subjacentes ao Fordismo. A forma de remuneração já não agrada mais os sindicatos, assim como o tipo de trabalho predominante e as relações entre a gerência e os empregados. O comportamento de consumo, por outro lado, deixa de preferir produtos padronizados, de acordo com o sistema fordista, e passa a exigir maior diferenciação e customização, o que inviabiliza a economia de escala, criando o imperativo de economia de escopo - a viabilização de produção em pequenos lotes de maneira lucrativa. [...] a crise do fordismo foi gerada pela sua inflexibilidade em aderir a novos parâmetros que não exclusivamente técnicos, isto é, relacionados exclusivamente à organização da produção, mas também por parâmetros socioeconômicos com conseqüências diretas na relação capital-trabalho. Isso ocorre na medida em que a crise passa agora a ser protagonizada pela sociedade como um todo, o que vai exigir dos sistemas-empresa uma nova base institucional, conseqüente com as novas realidades econômicas, políticas e sociais em que o determinante é o mercado e não mais mediações do estado [...] (TENÓRIO, 2000, p.161) CLARKE (1990), discute o papel desempenhado pelo estado em relação ao Fordismo, como elemento estimulante ao emprego e ao investimento, através de políticas keynesianas de investimento público e financiamento do crescimento industrial, da oferta de subsídios e pela forte regulação das relações trabalhistas. Enquanto alguns autores propõem que isso foi uma realidade especialmente durante as décadas de 1950 e 1960, este autor parece propor a inexistência de relação entre os dois movimentos: Longe de resolver os problemas econômicos, sociais e políticos, as soluções keynesianas tenderam apenas a intensificá-los. O rápido crescimento dos gastos estatais impunha um crescente escoamento improdutivo dos lucros. As medidas políticas expansionistas alimentavam as pressões inflacionárias. A crescente intervenção estatal encorajava a mobilização política popular e politizava a tomada de decisões econômicas. Em resumo, a relação entre o Fordismo e o keynesianismo era mais ou menos tão próxima e tão estável como se pode imaginar que teria sido uma relação entre Ford e Keynes. (p.147) O Fordismo, assim como o keynesianismo e o welfare state, bem como o modernismo, chegam ao seu limite, surgindo a necessidade de se estabelecer um novo papel para o estado, bem como novas condições industriais, substituindo a produção em massa pela produção customizada, substituindo a ação gerencial burocrática por uma mais flexível, aumentando a satisfação em relação ao trabalho. Era necessário o surgimento de um novo paradigma industrial, que estimulasse a competição, reduzindo a intransigência dos sindicatos e aumentado a agilidade empresarial. Ao que parece, essas condições serão encontradas num novo modelo, advindo do Japão, denominado, de maneira geral, de Pós-Fordismo. O desenvolvimento de um mercado mundial integrado resultou numa descartelização e desconcentração do capital, conforme visto pela perspectiva da nação-estado. A especialização flexível e as formas flexíveis de organização do trabalho substituem cada vez mais a produção em massa. A classe trabalhadora industrial de massa se contrai e se fragmenta, dando origem a um declínio da política de classe e à dissolução do sistema nacional corporativista de relações industriais. (KUMAR, 1997, p. 60) Alguns autores advogam que essa crise foi o fim do capitalismo. KUMAR (op.cit.) sugere que isso não se trata do fim do capitalismo, mas apenas um processo de reestruturação diante de novas circunstâncias, de modo a retomar o crescimento perdido desde o final dos anos dourados (décadas de 50 e 60). Definição de Pós-Fordismo Se o Fordismo teve seu nascimento nas fábricas da Ford Motor Company, nos Estados Unidos da América, o Pós-Fordismo, por sua vez, surgiu nas fábricas da Toyota Motor Corporation, no Japão. Ao perceber a inviabilidade do modelo norte americano no Japão, Eiji Toyoda, seu fundador, se viu forçado a repensar o modelo fordista, considerado então o padrão ideal para as montadoras de automóveis. Aos poucos, ele foi construindo primeiramente o modo de produção denominado de produção enxuta ou produção flexível (lean production), e em seguida o modo de regulação que favoreceriam o crescimento da economia japonesa em poucas décadas, o Pós-Fordismo. Segundo TENÓRIO (2000) Pós-Fordismo é a "diferenciação integrada da organização da produção e do trabalho sob a trajetória de inovações tecnológicas em direção à democratização das relações sociais nos sistemas-empresa". O Pós-Fordismo, segundo este autor, é o resultado da evolução das condições institucionais, alimentadas pelo desenvolvimento tecnológico - em especial a tecnologia eletroeletrônica, que não só possibilita, mas também demanda mudanças significativas nos sistemas de produção utilizados pelas principais empresas do mundo. Este mesmo autor complementa que o movimento inclui a utilização de estruturas organizacionais mais horizontalizadas e menos compartimentalizadas e a utilização de políticas inovadoras de recursos humanos, justificados pela globalização da economia, pelo desenvolvimento científico e tecnológico e pela valorização da cidadania. ALBAN (1999), ao descrever esse movimento como toyotismo - veremos adiante que o Pós-Fordismo pode ser desdobrado em outros sub-movimentos -, caracteriza o movimento como composto por uma mecanização flexível, associada à multifuncionalização da mão de obra, ao sistema de qualidade total e à produção just in time. WOMACK, JONES e ROOS (1992), ao definir o modelo japonês de produção flexível, também denominado por esses autores como produção enxuta (lean production) apresentam duas características que consideram fundamentais: os fatos dessas organizações transferirem o máximo de tarefas e responsabilidades para os trabalhadores de níveis mais baixos, aqueles que realmente agregam valor aos produtos, e possuírem um sistema de detecção de defeitos que rapidamente relaciona cada problema a sua causa, e que essa, uma vez eliminada, elimina os defeitos dos produtos antes que os mesmo aconteçam. Para que seja viável, segundo esses autores, o Pós-Fordismo deve utilizar trabalhadores qualificados, multifuncionais e pró-ativos em direção à inovações e melhorias de qualidade. Isso, por sua vez, implica em trabalho de equipe na linha de montagem e um sistema simples, mas abrangente, de disseminação de informações, possibilitando a qualquer um na fábrica responder rapidamente aos problemas e conhecer a situação global... No final das contas, a equipe dinâmica de trabalho é que emerge como coração da fábrica enxuta. Montar essas equipes eficientes não é simples. Primeiro, é preciso dotar os trabalhadores de variadas qualificações: de fato, em todos os serviços de sua equipe de trabalho, permitindo a rotatividade das tarefas e substituições dos trabalhadores uns pelos outros. A seguir, é preciso que adquiram qualificações adicionais: reparos simples de máquinas, controle de qualidade, limpeza e solicitações de materiais. É preciso, ainda, que sejam encorajados a pensarem ativamente - de fato, proativamente, de modo a encontrarem soluções antes que os problemas se tornem graves. (WOMACK, JONES e ROOS, op.cit., p.89) Para KUMAR (1997) o âmago do Pós-Fordismo é a especialização flexível, ou seja, a utilização de máquinas-ferramenta numericamente controladas que permitem a produção econômica de pequenos lotes de produtos, a rápida criação de novos e diversificados produtos, atendendo aos gostos diferenciados dos clientes. Para que seja plenamente viável, a especialização flexível inclui também a flexibilidade e perícia da mão de obra, diferentemente daquela utilizada na produção em massa, predominante no Fordismo. Difusão e Adoção do Pós-Fordismo Assim como no Fordismo, os demais países desenvolvidos não aderiram imediatamente ao novo sistema, surgido no Japão. Assim como no Fordismo, foi necessário em certo tempo de maturação desse novo sistema, até que os outros países pudessem aceitá-lo e adotá-lo, pressionados pelo sucesso comercial de seu país de origem, bem como pelo fracasso do Fordismo em sustentar o crescimento econômico das organizações e dos países. Nos Estados Unidos, a mola propulsora para a adoção do Pós-Fordismo foi o crescimento incessante das exportações de veículos japoneses, que foi aumentando gradativamente, atingindo seu auge nos anos oitenta, culminando com a instalação de montadoras japonesas nesse país. A primeira montadora norte-americana a adotar a produção enxuta, curiosamente, foi a Ford. Atualmente, essa organização lidera o ranking das mais evoluídas em relação à produção enxuta, talvez até mesmo competindo com as montadoras japonesas. O sucesso da produção enxuta no Japão leva os incautos a associar produção enxuta a esse país. Nem todas as montadoras japonesas são enxutas, assim como nem todas montadoras enxutas são japonesas, conforme apresentam WOMACK, JONES e ROOS (1992): Temos de parar de identificar "japonês" com produção "enxuta" e "Ocidente" com produção "em massa". Na realidade, algumas fábricas no Japão não são particularmente enxutas, e um sem-número de fábricas japonesas na América do Norte são uma demonstração de que a produção enxuta pode ser praticada bem longe do Japão. Ao mesmo tempo, as melhores fábricas norte-americanas na América do Norte mostram que a produção enxuta pode ser plenamente implementada pelas companhias ocidentais, e as melhores fábricas em nações em desenvolvimento mostram que a produção enxuta pode ser introduzida em qualquer parte do mundo. (p.78) No Japão, as pioneiras da produção enxuta foram a Toyota e a Honda. Essas montadoras difundiram esse sistema de produção em outros países. Fora do Japão, destaca-se a Ford, em especial, como exemplo de adotante, mesmo que tardia, do sistema de produção enxuta. Entretanto, em um estudo comparando a utilização de automação entre diversos países, MACDUFFIE e PIL (1996) alertam para o fato de que as montadoras japonesas têm utilizado a automação mais intensamente que as da Europa e dos países recentemente desenvolvidos, seguidas de perto pelas montadoras norte-americanas. Nos demais países, a adoção tem sido realizada também por imitação do sucesso das montadoras japonesas bem como por pressões institucionais que têm sido exercidas sobre essas montadoras, em relação à regulação das relações trabalhistas, bem como outras pressões para a redução dos preços. Isso tem ocorrido gradativamente na Europa, Brasil e México, bem como em alguns países asiáticos, liderados pelos japoneses. As Conseqüências do Pós-Fordismo Assim como o Fordismo, o Pós-Fordismo é um movimento que não se limita à indústria automobilística, espalhando-se rapidamente para outras indústrias, conforme vai ocorrendo a difusão da globalização, do capitalismo e do desenvolvimento científico e tecnológico. Seus efeitos são encontrados não somente em outras indústrias, mas refletem-se em toda a estrutura das sociedades capitalistas do mundo, de diversas maneiras. Associado ao pós-modernismo e ao neoliberalismo, o Pós-Fordismo avança as fronteiras e influencia todo o comportamento humano ao redor do planeta. Dentre as principais conseqüências econômicas do Pós-Fordismo, pode-se perceber a revitalização de economias em estagnação - ou decadência, em especial nos Estados Unidos e na Europa, depois de ter projetado a economia do Japão entre as mais importantes do planeta. Através do Pós-Fordismo, ou da produção enxuta, sua forma mais simplificada, é possível vencer os imperativos da economia de escala, reduzindo custos sem a necessidade de se ampliar a quantidade, atendendo à demanda mais irregular que se encontra nas três últimas décadas do século XX. Entretanto, o Pós-Fordismo traz consigo uma grande ameaça aos regimes capitalistas: a redução do nível de emprego e da renda dos trabalhadores, uma vez que a mecanização flexível permite maior nível de automação em algumas tarefas, o que permite reduções nos quadros de funcionários das organizações. O trabalhador volta a fazer trabalho mais complexo e desafiador. O padrão de emprego remanescente é muito mais exigente do que aquele permitido pelo Fordismo, restringindo a oferta de emprego para o segmento mais qualificado da economia, transferindo grande parte do mercado de mão de obra para segmentos menos estáveis, como trabalho autônomo, terceirização e outros tipos de trabalhos temporários. Essa ameaça pode ser acalmada considerando-se que em muitos setores o Pós-Fordismo não causa o desemprego estrutural, como muitos advogam, mas uma transferência de vagas para outros setores da economia, como serviços, cuja natureza tem sido historicamente intensiva em mão-de-obra e outras áreas das organizações que exigem maior qualificação e remuneram adequadamente. "Embora em número expressivamente menor, os trabalhadores não desaparecem num sistema de automação flexível. Em algumas áreas, o controle humano continua sendo o mais adequado, ou simplesmente o mais viável, e em outras, onde o controle numérico domina, a assistência de programação e manutenção das máquinas encontra-se ainda muito pouco automatizada. Em ambos os casos, contudo, o trabalho requerido já não consiste no trabalhador semiqualificado do taylorismo-fordismo. O fato é que numa fábrica flexível não existe apenas uma linha de produção e montagem, mas sim 'infinitas' linhas. Isso faz com que os trabalhadores, assim como as máquinas, tenham que ser flexíveis. Ou seja, um mesmo trabalhador deve ter a capacidade de exercer diversas funções, operar e ou monitorar várias máquinas, para que toda a equipe possa ser reconfigurada sempre que necessário." (ALBAN, 1999, p.195) Não bastasse a ameaça de desemprego estrutural, pode-se perceber outra ameaça, talvez tão assustadora quanto ela, em relação à mudança da natureza do trabalho remanescente. Se o trabalho no regime fordista era maçante, monótono e repetitivo, limitando o ser humano a ser apenas um apêndice de uma máquina, o trabalho no regime pós-fordista assume uma natureza aparentemente mais interessante, pois transfere, conforme foi apresentado, boa parte do processo decisório das organizações para os níveis operacionais, enriquecendo a natureza do trabalho, rompendo a rotina e, numa primeira análise, tornando-se mais interessante e enriquecedor. Por outro lado, as organizações, após sucessivas etapas de downsizings e reengenharias - resultantes em grande parte da adoção de sistemas flexíveis de gestão e produção, passam a transferir a sobrecarga de trabalho dos postos eliminados para os trabalhadores remanescentes. Isso termina por piorar as condições de trabalho, não por monotonia, mas por intensas pressões no ritmo e na natureza do trabalho, associados ao desafio constante de redução de custos e aumento da qualidade do produto. De maneira semelhante, TENÓRIO (2000) propõe que, além de eliminar importantes postos de trabalho, causando o desemprego estrutural, o Pós-Fordismo causa o aviltamento do trabalho, a mudança da natureza do trabalho de gerência, e exige uma qualificação intelectiva, representada pela capacidade de pensar abstratamente, pelo raciocínio indutivo e pela exigência de uma concepção teórica dos processos aos quais os dados se referem, não somente dos trabalhadores das fábricas, mas também daqueles dos escritórios. Isso exige, por parte do trabalhador, maior investimento em qualificação, diante da necessidade de enfrentar desafios mais complexos, de modo a garantir sua empregabilidade - termo que passa a existir e fazer sentido dentro do ambiente de trabalho das empresas pós-fordistas. Ao que parece, a vida das organizações que praticam a produção enxuta está cada vez mais difícil: Os trabalhadores afirmam que estão estressados, as ruas e rodovias estão congestionadas com caminhões fazendo entregas just-in-time, as empresas são menos rentáveis em uma busca sem fim por participação de mercado, maior diversidade de produtos e menores ciclos de vida de produtos, o capital está mais caro, enquanto os preços das ações japonesas caem e as companhias são forçadas a emprestar dinheiro para repagar bônus conversíveis que no passado teriam sido convertidos em ações. (ROOS, 1992, p.6 - tradução do autor) Segundo MACDUFFIE e PIL (1996) a utilização de tecnologia de produção flexível não só permite, mas exige a utilização de trabalhadores multi-qualificados, de modo a acomodar uma maior complexidade de produto sem penalizar a produtividade ou a qualidade, dominando uma maior variedade de tarefas, certificando-se de que as peças corretas sejam utilizadas na fabricação dos veículos, trabalhando com seus membros de equipe de modo a encontrar o layout mais eficiente de peças e ferramentas e identificar problemas específicos de qualidade de cada produto. Esses autores verificam uma relação entre o uso de automação flexível e mão de obra flexível, ao mesmo tempo em que apontam haver, em contrapartida, uma relação entre a utilização de automação rígida e abordagens tradicionais de mão de obra (Fordista/Taylorista). Além disso, junto com o Pós-Fordismo, ocorrem movimentos de redução da soberania das nações-estado, com crescente influência política das organizações multinacionais ou globais na política local das localidades onde estas atuam. Isso talvez seja possível devido ao enfraquecimento e à fragmentação das classes sociais, do declínio de partidos políticos, do surgimento de movimentos e redes sociais baseadas em critérios diversos, do declínio de sindicatos, da bancarrota da previdência social, dentre outros. (KUMAR, 1997) Além das mudanças nas condições sociais dos países que adotam este sistema de produção, este autor cita outras conseqüências, de natureza cultural, dentre elas o desenvolvimento e a promoção de modos de pensar e comportamentos individualistas, da cultura da livre iniciativa, o fim do universalismo e da padronização da educação, a fragmentação e o pluralismo em valores e estilos de vida, ou seja, junto ao Pós-Fordismo, pode-se encontrar evidências da pós-modernidade, assim como do pós-modernismo. Se o Fordismo representa o consumismo e a padronização, dentro de limites racionais bem definidos, o Pós-Fordismo representa a liberdade de expressão, a ênfase na emoção e na estética, como reflexo de mudanças culturais muitos marcantes, associadas à queda do keynesianismo e do welfare state e ao surgimento do neoliberalismo e ao fortalecimento do conceito estado mínimo. Análise Crítica e Conclusões Muitos advogam que o Pós-Fordismo representa o fim do Fordismo e da economia de escala como regime de acumulação predominante. A Teoria da Regulação, ao discutir o Pós-Fordismo, parece apresentá-lo como o grande paradigma vigente a partir dos anos oitenta, talvez, superando o Fordismo, e preenchendo os espaços vazios que este apresenta. Entretanto, não é o que parece sugerir a indústria automobilística, por exemplo. Há indícios (SHIMOKAWA, 1999) de que a indústria automobilística esteja se reorganizando em agrupamentos - fusões, aquisições e joint ventures, de modo a reduzir custos e explorar plataformas tecnológicas conjuntamente. Esse é o caso, por exemplo da GM e da Toyota, que se fundiram, criando a NUMMI, New United Motors Manufacturing, Inc., e da fusão entre a Chrysler e Daimler-Benz, que se fundiram na Daimler-Chrysler. O mesmo parece estar ocorrendo entre os fabricantes de componentes da indústria automobilística. Ao que parece, a economia de escala, elemento central do Fordismo, ainda possui elevado valor ao reduzir custos e favorecer investimentos. A mudança que está havendo é que as empresas estão preferindo fazer investimentos conjuntos, ao invés de fazê-los isoladamente, ao mesmo tempo em que se esforçam para flexibilizar sua capacidade produtiva, de modo a atender a demanda irregular a que são expostas. Entretanto, ainda parece haver uma busca por aquilo que ROOS (1992) denomina de "o próximo paradigma", que poderá vir a substituir o Fordismo e o Pós-Fordismo, de maneira satisfatória e eficiente, enquanto modo de produção ou até talvez de modo de regulação dominante, uma vez que ambos têm demonstrado serem insuficientes para garantir o crescimento contínuo de economias a longo prazo. Por outro lado, pode-se considerar que o construto da teoria da regulação possui uma excelente capacidade explicativa, apresentando fatos de modo a explicar racionalmente a dinâmica econômica dos países capitalistas durante o século XX. Pode-se afirmar que essa teoria preenche alguns dos espaços vazios deixados pelas teorias que a antecederam - em especial o keynesianismo e o schumpeterianismo. Muitas vezes, estuda-se o Fordismo e o Pós-Fordismo como elementos isolados, restritos ao âmbito das fábricas, sem considerá-los um modo de regulação, mas simplesmente uma tecnologia de produção, desconsiderando os arranjos institucionais que permitiriam uma compreensão mais ampla dos conceitos. Entretanto, essa teoria também explica os fatos a posteriori, sob a luz de uma organização lógica de elementos que justifiquem o crescimento e declínio das economias nacionais, não permitindo nenhuma previsibilidade sobre o desempenho das economias. Ela não explica ou orienta como uma nação pode se aparelhar para obter melhores resultados ao longo do tempo, uma vez que os modos de regulação e de produção acontecem quase que por acaso. Outro ponto fraco dessa teoria, é que ela se esforça em separar o Fordismo do Pós-Fordismo, como se fossem radicalmente diferentes um do outro. Entretanto, ambos parecem ser, na verdade, dois momentos diferentes de um mesmo processo. Pós-Fordismo não significa, necessariamente, algo contrário ao Fordismo. Os dois não são extremos de nenhum continuum, pois não se opõem diretamente em aspecto algum. São apenas complementares. O Pós-Fordismo é simplesmente uma evolução do Fordismo, uma tentativa de melhorar o sistema de produção com o propósito de corrigir suas falhas. Não é necessariamente melhor, apesar de trazer consigo uma promessa de que as relações trabalhistas serão mais democráticas ou as condições de trabalho serão melhores, ou de que os consumidores poderão, enfim, obter diversidade sem ter que pagar mais caro por isso. O Pós-Fordismo representa um sistema de produção que sob certas condições econômicas pode ser mais eficaz do que o Fordismo - não necessariamente sempre. Até porque o Pós-Fordismo parece apresentar os primeiros sinais de desgastes, especialmente com o desaquecimento da economia japonesa, seu país de origem. Da mesma forma, tanto o Fordismo quanto o Pós-Fordismo têm assumido formatos diferentes em cada país que adota um modo de produção, como produção em massa ou produção enxuta. Pode-se afirmar, portanto, que o Fordismo norte-americano do início do século não foi sempre o mesmo, seja no crescimento contínuo antes do crash da bolsa de Nova Yorque, na depressão do entre guerras, mesmo com a influência do New Deal, ou nos anos dourados que se seguiram. Da mesma forma com o Fordismo tardio europeu, iniciado nos anos 50/60, e desenvolvidos até a década de 80. Nem o Pós-Fordismo tem sido o mesmo em suas diferentes aparições. O Pós-Fordismo japonês - provavelmente o original - não é igual ao Pós-Fordismo norte americano, praticado pela Ford atualmente, nem tampouco do Pós-Fordismo praticado na Região Sul da Itália, ou até mesmo daquele Pós-Fordismo praticado por empresas japonesas instaladas em outros países. A própria definição de Fordismo e Pós-Fordismo tem sido igualmente equivocada nas discussões de autores nacionais e internacionais. Alguns estudam isoladamente os modos de produção, sendo produção em massa e produção enxuta dois extremos opostos. Outros se esforçam para associar ao modo de produção algo mais extenso, incluindo outros elementos que fazem maior sentido, como o modo de regulação - papel do governo e sindicatos e outras instituições, que controlam as ações das empresas de modo a equilibrar os interesses de todos os atores no processo econômico. Bibliografia AGLIETTA, Michel. A theory of capitalist regulation. Verso. ALBAN, Marcus. Crescimento sem emprego. Salvador: Casa da Qualidade Editora, 1999. BOYER, Robert. Technical change and the theory of 'Régulation'. (a) --------------------.Wage/labour relations, growth, and crisis: a hidden dialectic. (b) --------------------.A teoria da Regulação: uma análise crítica. Nobel, 1990. --------------------; FREYSSNET, Michel. O mundo que mudou a máquina: síntese dos trabalhos do GERPISA 1993-1999. Nexos Econômicos - CME-UFBA, Outubro, 2000 - V.II - No. I, pp.15-47. CLARKE, Simon. Crise do fordismo ou crise da social-democracia? Lua Nova, No. 24, Setembro 91, pp.117-150. KUMAR, Krisham. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. MACDUFFIE, John Paul e PIL, Frits K. From fixed to flexible: automation and work organization trends from the international assembly plant survey. March 1996. Disponível em Acesso em 06/09/2002. ROOS, Daniel. Changing contexts and the motor vehicle industry. IMVP Research Briefing Metting, may, 1992. Disponível em < http://imvp.mit.edu/papers/9092/Imvp012a.pdf> Acesso em 06/09/2002. SHIMOKAWA, Koichi. From the Ford system to the just-in-time production system: a historical study of international shifts in automobile production systems, their connection, and their transformation. Japanese Yearbook on Business History, 1993. Disponível em Acesso em 06/09/2002. ---------------------. Reorganization of the global automobile industry and structural change of the automobile component industry. (1999) Disponível em Acesso em 06/09/2002. TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de Administração Científica. 8.ed.São Paulo: Atlas, 1990. TENÓRIO, Fernando Guilherme. Flexibilização organizacional: mito ou realidade? FGV Editora, 2000. WOMACK, James P.; JONES, Daniel T.; ROOS, Daniel. A máquina que mudou o mundo. Rio de Janeiro: Campus, 1992. ?? ?? ?? ?? 3