ESTE LIVRO FOI INFORMATIZADO POR AMÉRICO AZEVEDO. CASO ESTEJA INTERESSADO EM OBTER MAIS OBRAS DESTE GÉNERO, CONTACTE COM AMÉRICO AZEVEDO - RUA MANUEL FERREIRA PINTO, 530 - 4470-077 GUEIFÃES MAIA - TELEF.: 229607039 Fantasmas do Passado Geena Lane Título original: Fantasmas del Pasado Quando se deteve a contemplar a fachada do Hospital Central de Chicago, Melanie Parker voltou a questionar-se sobre o que o destino lhe reservara desta vez. Apesar de já se ter licenciado há anos, andara de cidade em cidade, tentando encontrar um lugar onde exercer a sua profissão. Sabia que estava a iniciar uma nova etapa na sua vida: tinha sido admitida no Central de Chicago, numa equipa especializada em urgências pediátricas, a cargo do doutor Tavlor. Melanie não conseguia evitar a sensação de medo. Chegara o dia em que deveria assumir o novo posto, pelo que na sua mente deambulavam temores que em nada a ajudavam. Vinha-lhe à memória a recordação de como fora maltratada umas semanas antes. - Doutora Parker, espero-a no meu gabinete. Já! - gritara o seu arrogante chefe de equipa. - Trata-se de algo urgente? - perguntou Melanie com inocência fingida. Sabia que quebrara uma norma com o menino da cama 6, ao permitir que os pais ficassem nos Cuidados Intensivos para lá da hora. - Deixa-me dizer-te, querida, que não chegarás longe nesta profissão se insistires em incomodar todos com as tuas ninharias sentimentais - disse. Melanie não conseguia deixar de se sentir surpreendida: este homem tinha-a maltratado em muitas ocasiöes, mas nunca daquela maneira intolerável. - Sugiro-lhe que jamais volte a chamar-me assim - respondeu. - Há algum tempo que trabalho na sua unidade e considero lamentável que não se tenha apercebido de que não sou uma "querida". Sou uma médica - disse. - Pois eu digo que deves acalmar-te - retorquiu ele. Melanie pôde ver que o médico a olhava de um modo inquietante. - E também te recomendo que dês uma olhadela ao espelho, porque és linda. Não sei onde chegarás com a medicina, "doutora", mas posso dar-te umas ideias sobre o que poderias fazer com a bela figura que tens. - Que está a insinuar? - perguntou Melanie, friamente. - O que queeres, minha linda - respondeu ele, secamente. - Tu é que sabes a que é que estás disposta. Esta tinha sido a gota de água. Assim, começou a procurar outro hospital onde trabalhar. Não se tratava da primeira vez que abandonava um cargo quando considerava que tinham passado dos limites com ela. Melanie sabia quais eram seus direitos e sabia que uma queixa por assédio sexual fazia milagres. Mas sentia que não era lógico investir tempo a lutar por manter o seu posto em hospitais cujas políticas de relacionamento com os doentes eram, no seu entender, inflexíveis e pouco humanas. Quando tomou conhecimento de uma vaga em Chicago, apressou-se a enviar o currículo. Em apenas três semanas, recebeu boas notícias: o lugar era seu. Fez as malas; apanhou uma camioneta, alugou um apartamento e deu os primeiros passos que a levaram à esquina em que agora se encontrava parada. Melanie recordou o avô, um médico rural que, com os seus relatos, tanto a tinha influenciado. Ao transpor a porta do hospital, Melanie não poderia imaginar como a sua vida ia mudar. Percorreu o lugar com o olhar, procurando encontrar alguém que pudesse orientá-la. Assim que viu uma mulher de bata branca e estetoscópio ao pescoço, caminhou na sua direcção. - O meu nome é Melanie Parker. Sou médica e venho trabalhar neste hospital. - Não sabe quanto me alegra saber que está a entrar gente nova. Há muito trabalho por aqui. Permita que me apresente, sou Laurren Sanders. Melanie sentiu-se confiante. A mulher que lhe estendia a mão mostrava-se franca e bastou-lhe apenas esse contacto para ter a certeza de que seriam amigas. - Talvez pudesse indicar-me o Departamento de Pediatria. Tenho de falar com o doutor Taylor. - Tavlor... - murmurou Laureen, pensativa. - Passa-se alguma coisa? - Nada. Daniel Taylor é um médico estupendo e você vai aprender muito a seu lado. Só que... - Deixe-me adivinhar - interrompeu Melanie. - Trata-se de um homem feio, exigente e implacável. Velho, machista, que maltrata as mulheres. - Laureen sorria ao ouvir Melanie. - Errei? A jovem ficou uns segundos em silêncio. A sua expressão alternava entre o indeciso e o divertido. - Deixarei que julgue por si mesma - disse, enigmática. - Podemos almoçar juntas. Agora, levo-a ao segundo piso e apresento-a ao pessoal da sua área. - Caminharam juntas em direcção ao elevador. - Vemo-nos ao meio-dia no restaurante, Melanie. Desejo-lhe boa sorte para o seu primeiro dia. logo, conta-me o que se passou com o seu novo chefe. Assim se despediram ao chegar ao piso da Pediatria. Laureen voltou atrás e sussurrou-lhe ao ouvido: - E se continuar convencida de que se trata de um homem feio e velho, terei de pensar que tem um gosto muito particular - disse, piscando-lhe o olho. Melanie não teve tempo de meditar naquelas palavras. Minutos depois de se ter apresentado ao doutor James Auster, chefe do Departamento de Cirurgia Infantil, recebeu instruçöes para ir buscar uma bata. Apresentava-se uma situação de emergência: um autocarro escolar tinha tido um acidente a poucos quarteiröes do hospital e não havia tempo a perder. Catorze crianças encontravam-se a caminho do hospital. A equipa médica estava preparada para as receber. Só dois meninos necessitaram de tratamento cirúrgico: os restantes não precisaram mais do que tratamentos de complexidade média. Melanie passou a manhã em esgotante actividade. Mal acabava de atender uma criança, corria para tratar de outra. Apesar do inesperado início no seu novo emprego, sentiu-se feliz em comprovar que a equipa funcionava de uma maneira eficiente. Ela mesma se empenhara com destreza, tendo conseguido apaziguar várias crises de choro, com estratégias eficazes: palavras de afecto, carícias maternais e, em última instância, recorrendo ao seu talento inato para imitar a voz do Pato Donald. Mas no meio da confusão, algo aconteceu. Ocorreu enquanto examinava uma menina que apresentava lesöes no rosto. Nesse momento, Melanie teve uma estranha certeza de que alguém estava a observá-la. A sensação foi tão intensa que a obrigou a levantar a vista para a confirmar. "Devo ter-me enganado", pensou, ao não descobrir ninguém. "Estou tensa e, por isso, estou a imaginar parvoices." Quando terminou de suturar a última cabeça, juntou-se ao grupo dos colegas que informavam os pais acerca do estado de saúde das crianças. Fez a parte que lhe calhou com calma. Quando o sector recuperou a paz, Melanie verificou que tinham passado cinco horas desde que entrara no hospital. Decidida a descansar uns minutos, descobriu uma máquina de café. Alguém, nas suas costas, falou: - Vou dar-lhe um bom conselho: se aprecia a vida, não beba esse café. É demasiado jovem para morrer. - Ora, não pode ser tão terrível... - respondeu ela. - Claro que tem direito a viver as suas próprias experiências, mas depois não diga que não a avisei. - Como? - perguntou ela. - Sabe, sou um agente secreto disfarçado de médico. A minha missão é protegê-la. Esse café, por exemplo, é só um dos muitos perigos que existem por aqui. Melanie olhou para trás e viu um médico. - Não acredita em desconhecidos? - perguntou ele. - que no estado em que estou, sou capaz de vender a alma ao diabo por um café - respondeu Melanie. -Compreendo... Estive a observá-la enquanto falava com os pais das crianças. Fez um bom trabalho - disse ele. - Obrigada - respondeu ela. - Diga-me, costumam receber os médicos novos com tanto trabalho? - Claro, é política do hospital. Assim, podemos saber desde o começo se conseguem resistir a este ritmo. E se conseguir chegar à noite sem desmaiar, será admitida na equipa por mérito próprio. Pela maneira que a olhava, Melanie supôs que estava a atirar-se a ela. Era tanta a sua inquietação, que decidiu, desde logo, descobrir o nome do seu interlocutor. - Sou Melanie Parker - disse. - O seu nome é?... - Bond, James Bond. - Não consegue parar de brincar, pois não? - Desculpe, devia ter-me avisado de que me encontrava perante uma mulher tão... à luz das suas experiências anteriores, o diálogo que acabavam de ter não poderia ser menos preocupante. Se este homem fosse seu chefe, o panorama que a aguardava não podia ser pior. Para esconder o seu incómodo, interrogou-o com um olhar. - Se prefere, apresentar-me-ei de um modo mais convencional. Sou o doutor Jeremy Quinn. Melanie não pôde deixar de sorrir, aliviada. - O melhor exemplar masculino da cidade, um sujeito brincalhão e imaturo, mas humilde e de bom coração... - continuou ele. -Seodiz... - Verá que é verdade. Só tem de dar-me uma oportunidade - continuou, agora em tom de súplica. Melanie recordou uma imagem recente. Sentiu, também, uma certa inquietação. - Diga-me, doutor Quinn... - Jeremy, e trata-me por tu... - Diz-me, Jeremy, estiveste a observar-me às escondidas enquanto eu atendia as crianças? - Na realidade, teria sido mais gratificante estar a observar o teu belo rosto do que estar a tratar dessas crianças, que insistiam em chorar e gritar... Podes -crer que não estive a brincar às escondidas contigo. - Esquece o assunto, por favor - pediu-lhe ela. Melanie sentia-se envergonhada. Mas Jeremy parecia interessado em deixar bem claro este ponto. - Supus que eras a nova médica que entrava hoje e aproveitei este momento para falar contigo. Deixa-me dar-te as boas-vindas. Melanie soltou uma gargalhada, ao vê-lo fazer uma vénia. De resto, sentia-se tão bem a conversar com a extravagante personagem, que nem reparou, nem tão-pouco Jeremy, na presença de um homem que caminhava em direcção a eles. - Parece que a doutora Parker não tem dificuldade em travar conhecimento com o nosso pessoal. O homem que falara tinha expressão serena, mas os seus olhos olhavam com tal profundidade que até nesmo a Cristo conseguiriam intimidar. Era um olhar firme e intenso, azul e belo. - Sou Daniel Taylor, coordenador-geral desta unidade. - Estendeu a mão para cumprimentar Melanie. Mal as suas mãos se tocaram, ela sentiu-se corar. Tentou acalmar-se e procurou palavras adequadas para continuar a conversa. Fazia o possível para se controlar, mas tudo era em vão. Os segundos passavam e ela permanecia muda. O que se passava? Que e'feito causava sobre ela este homem, impedindo-a de responder? Jeremy acudiu em sua ajuda. - Estava a dizer à doutora Parker que este café é 'orrível. Trabalhou muito esta manhã e parece-me que não seria um bom começo se ficasse envenenada. A situação não podia ser mais tensa. - Doutora Parker, sugiro-lhe que suspenda por um momento a sua actividade social - disse Taylor. - Nem sempre a hora de almoço é tão tranquila. Se fosse a si, aproveitava para descansar e não para brincar. Jeremy estava aborrecido. Voltou-se para Melanie com a intenção de lhe dirigir a palavra, mas Taylor foi mais rápido: - E com respeito a si, doutor Quinn, preciso de um relatório completo do paciente da cama 9. A sua situação piorou e é necessário fazer uma reavaliação. - O seu olhar tornava-se gélido e Melanie não conseguia perceber o que estava a acontecer. - Desde já lhe digo que compartilho a sua opinião acerca do café deste piso, mas penso que a doutora Parker deve ser posta ao corrente de questöes mais importantes. "Sim, é uma reprimenda", pensou Melanie, desgostosa. Antes de partir, Taylor ainda lhe disse: - Dentro de meia hora esteja no meu gabinete. Quero apresentá-la ao resto do pessoal. Como Jeremy devia tratar do caso do menino imediatamente, também se despediu e combinou almoçar com ela em breve. Almoçar! Melanie recordou que tinha ficado de almoçar com Laureen. O primeiro contacto com o seu novo chefe tinha sido tão desconcertante que desejou encontrar a sua nova amiga para lhe fazer centenas de perguntas. Queria saber tudo acerca de Taylor. Esse homem era um misto de rudeza e mistério, e fazia-a sentir-se insegura. Teria Laureen previsto que ela iria reagir assim quando o conhecesse? Ao olhar para o relógio, viu que já eram duas horas. O almoço com Laureen ficaria para outra ocasião. Onde poderia encontrá-la? Enquanto a procurava, constatou que nem sequer sabia a que sector pertencia. Sentia tal necessidade de conversar com ela que pensou em pedir ajuda, mas desistiu da ideia. Decepcionada, recordou que a conversa com Taylor seria dentro de meia hora e concluiu que não dispunha de tempo suficiente. Uma enfermeira acenou-lhe. - Deve ser Melanie Parker. Não é verdade? - Sim, sou. - Chamo-me Carlota e trago uma mensagem. Melanie pegou no papel e leu: Esperei por si no restaurante até às 12 horas. Oxalá esteja tudo bem. Caso contrário, não desanime. Se quiser, podemos encontrar-nos mais tarde, no café da esquina do hospitaL Estarei lá às seis horas. Laureen Decidiu sair para apanhar ar e, de passagem, comer alguma coisa. Sentia-se inquieta só de pensar no encontro que teria e não queria demorar muito a regressar à sua unidade. Quando chamou o elevador, não sabia que na rua um acontecimento inesperado iria ter lugar. Um episódio que a teria como protagonista, em que se veria inevitavelmente envolvida, com muita pena sua. Era um belo dia de fim de Novembro e as poucas nuvens não conseguiam encobrir o Sol, que brilhava com intensidade. O Hospital Central de Chicago ficava em frente de um parque. Melanie só tinha de atravessar uma avenida para aceder àquele oásis. A essa hora, o parque estava repleto de gente. Enquanto subia as mangas da bata, de cara ao sol, Melanie considerou que ter ido ao parque tinha sido uma ideia estupenda. Desde miúda que detestava as grandes cidades. Apesar de trabalhar em pleno coração de Chicago, o facto de poder ter contacto com a natureza ajudava-a a recuperar o bom humor. Lugares como aquele lembravam-lhe a infância e as férias em casa dos avós, numa pequena localidade rodeada de montanhas. A sua infância fora solitária. Era filha única de uns pais carinhosos, mas sempre ocupados. Ambos empresários, viajavam frequentemente e as suas ausências eram prolongadas. Os pais deixavam-na ao cuidado do seu avô. Este tinha-lhe permitido aceder a um mundo fascinante: o dos instrumentos que empregava para trabalhar, o dos livros ilustrados e também o dos frascos de medicamentos nos quais aprendera a não mexer. Era este o mundo que mais tarde elegeria como seu. Mas o mais divertido era presenciar as consultas quando se tratava do tratamento de uma doença leve. Por acaso, o médico dissera chamar-se Daniel? Daniel era o nome do seu avô e até esse momento ela não reparara na coincidência. Em qualquer outra circunstância, Melanie teria considerado que se tratava de um sinal favoráveL Mas, agora, não conseguia vislumbrar nenhuma ligação possível entre os dois homens. Eram ambos médicos, sim, mas tão diferentes... O avô era gentil e bondoso. "Ao contrário deste Taylor", pensou. "Não é mais do que um parvo que se entretém a ser rude." Jurou a si mesma não voltar a permitir que o seu chefe a perturbasse. Mas poderia ela ser fiel a este juramento? Se ele lhe parecera odioso e inacessível! Claro que era charmoso. Era a primeira vez que se sentia perturbada com um simples olhar... Resolvida a empregar de um modo mais proveitoso o pouco tempolivre que lhe sobrava, decidiu esquecer o assunto. Precisava de comer alguma coisa e pensou ir a uma pastelaria. Descobriu um posto de venda ambulante de cachorros-quentes e aproximou-se. Pediu um e, quando terminou, pediu outro. E um sumo. E mais outro cachorro-quente. - Caramba, menina, quem me dera que todos os meus clientes fossem assim - disse-lhe, a brincar, o vendedor. - Ficava milionário num instante. Melanie sorriu. Era famosa pelo modo como comia. "A homem", tinham-lhe dito muitas vezes. E então lembrou-se novamente do avô. "Querida, no dia que quiseres conquistar um homem, mostra-lhe que sabes apreciar uma comida", costumava dizer. "Nada é menos prometedor do que uma mulher desinteressada da comida. A tua avó, por exemplo, comeu um frango inteiro no nosso primeiro jantar. Não esqueças o meu conselho: se sabes comer, se realmente aprenderes a desfrutar os prazeres da vida, serás boa para amar..." Estaria certo? Não havia dúvida de que Melanie tinha um excelente apetite, mas seria boa para amar? Repensou, com inquietação, nos ultimos anos. Tivera namorados, mas nenhum digno de registo. Tinha destinado toda a sua energia aos estudos e, depois de formada, só tinha vivido para a profissão. Concluiu que em assuntos do coração era uma novata. O sol acariciando o seu rosto contribuiu para melhorar o seu humor. Tão bem se sentia que quase podia assegurar que tudo iria correr sobre rodas. A entrevista com o pavão do Taylor, o seu novo trabalho e toda a sua vida. Mas algo ocorreu. Reparou que um menino de rosto estranho, vestido de farrapos e sentado à sombra de uma árvore, estava a observá-la. Fitou-o com interesse. Devia ter cerca de sete anos e estava sozinho. Dirigiu-lhe um sorriso, mas a criança permaneceu séria. Melanie sentiu-se desconcertada. Considerou a possibilidade de abandonar o parque, mas algo lhe dizia que o menino precisava de ajuda. Resolveu investigar. Quando chegou à árvore, pediu-lhe licença para se sentar a seu lado, mas ele não respondeu. - Creio que descobriste o melhor lugar do parque - disse Melanie, enquanto se acomodava. O miúdo olhava-a com os seus grandes olhos e, pela maneira como brilhavam, era fácil adivinhar que estava quase a chorar. Melanie pensou que nunca ninguém lhe tinha dirigido um olhar tão triste. Também pôde observar, através das roupas rasgadas, que as pernas do garoto estavam cobertas de feridas. - Por que me olhas desse modo? Passa-se alguma coisa? Tens algum problema? - E como a criança permanecesse sem dizer uma palavra, acrescentou: Talvez pudesses começar por me dizer o teu nome... Pelos vistos, a estratégia de Melanie não estava a resultar. Era a segunda vez que não obtinha resposta e começava a duvidar de que fosse possível arrancar-lhe uma palavra. Obstinada, fez mais uma tentativa: - Que distraída sou! - Percebeu que o miúdo a olhava, interessado. - Não podes confiar em mim se não sabes o meu nome: sou Melanie Parker, uma especialista em ajudar pequenos com problemas como tu. Vou fazer um contrato contigo. Falas-me de ti e eu compro-te um cachorro-quente. Concordas? Ou preferes comer primeiro e falar depois? Enquanto Melanie aguardava a resposta, sucedeu o inexplicável. Foi tudo tão rápido que ela nem teve tempo de reagir. O miúdo levantou-se a uma velocidade tremenda, e, graças a uma manobra precisa e premeditada, arrebatou a bolsa de Melanie, começando a correr. Melanie só se lembrou de gritar. O que se seguiu formou um turbilhão de acontecimentos, que só mais tarde seria capaz de ordenar. Primeiro, tinha sido o roubo e depois o grito. Um polícia passara, também a correr, em perseguição do miúdo. Um grupo de pessoas juntou-se á sua volta. Minutos mais tarde, o polícia devolveu-lhe a bolsa enquanto agarrava o pequeno. - Aqui tem o que é seu, minha senhora - disse. - Só preciso que me acompanhe à esquadra para apresentar queixa. Só assim poderá proceder judicialmente contra este pirralho. Melanie não conseguia tirar da cabeça a imagem do miúdo, das suas feridas, do seu olhar triste. - Gostaria de saber de que outro modo poderemos solucionar isto - perguntou. - Oh, não! Por acaso está louca? - exclamou o homem, repreendendo-a. - Que pretende fazer? - Tudo se passou de uma maneira tão rápida que não devemos tirar conclusöes precipitadas - disse. E voltou-se para ele. - Estou certa de que poderás esclarecer-nos. O polícia tentou protestar, mas Melanie fez um gesto com a mão para que deixasse falar o menino. - Hum... - balbuciou timidamente o pequeno. Melanie procurou controlar os seus sentimentos. Por nada deste mundo estava disposta a ceder na sua intenção de ajudar o miúdo. - Vejamos, tu só pretendias pregar-me uma partida, não foi? Querias brincar comigo às corridas... Agora, percebo que agi como uma tonta, gritando sem necessidade. Lamento muito, querido, não era minha intenção estragar a tua brincadeira. O menino inclinou-se, num sinal de concordância. - Já viu, as coisas foram exactamente como ele disse - voltou a intervir Melanie, dirigindo um olhar conclusivo ao seu interlocutor. - Mas o miúdo não disse nada! A única pessoa que falou foi você! - exclamou o polícia, incrédulo. Ao ver que ela tinha ficado em silêncio, perguntou-lhe: - Não vai mesmo denunciá-lo? Vai deixá-lo em liberdade? - Assim é - respondeu ela com firmeza. O polícia, porém, não se resolvia a soltar o miúdo. Tentou convencer Melanie, mas bastou-lhe observar a sua expressão para desistir rapidamente. - Pelos vistos, é teimosa. Mas deixe-me dizer-lhe uma coisa: o mundo não funciona como nos fílmes. Asseguro-lhe de que está a cometer um erro. E Melanie ficou sozinha com o menino. - Bem - disse -, creio que é tempo de falares. - Obrigado, minha senhora. Sentiu-se comovida. Teve a sensação de que aquele miúdo de cara suja não estava habituado a que fossem amáveis com ele. Muito menos a que o ajudassem a livrar-se de sarilhos. Mas ela queria fazer algo por ele. - Da tua recente façanha falaremos mais tarde. Ouve, estou a dar-te uma oportunidade. Não deves desperdiçá-la. Diz-me como te chamas e com quem vives. - O meu nome é Walt - disse o menino. - Bem, Walt, faz um esforço, sim? Só falta dizeres onde vives e quem cuida de ti. - Vivo em qualquer lado e posso cuidar de mim sozinho - respondeu ele. - Agradeço-lhe que tenha sido tão amável, mas agora tenho de me ir embora. - Nem sonhes, rapazito - disse-lhe ela, agarrando-o com firmeza. - Vês esse enorme edificio à tua frente? Pois bem, é um hospital, e trabalho lá. Sou médica. E por aquilo que pude ver, algo de mal se passa com as tuas pernas. Digo-te o que vamos fazer... - Não vou entrar num hospital - gritou. Era a primeira vez que Walt manifestava alguma emoção e, pelos vistos, a sua reacção era tão exagerada como a dor que deveria ter no seu interior. Melanie fazia um esforço para o manter quieto, rodeando-lhe o tronco com os braços. O menino tentava libertar-se. - Fica quieto e diz-me o que se passa... Sei como ajudar-te... - Sabe? Como? - Verás. - A minha mãe entrou num hospital há uns meses e nunca mais a vi - disse o menino. E começou a chorar. Foi tal a surpresa de Melanie e tanta a comoção que se gerou dentro de si, que, sem se dar conta, diminuiu a força com que prendia o pequeno Walt. Enquanto procurava palavras para o consolar e tentava convencê-lo de que precisava mesmo de ajuda, o miúdo cravou-lhe os dentes no braço com tanta força que Melanie não conseguiu evitar soltá-lo, possibilitando-lhe a fuga. O menino tinha desaparecido. A mordidela doía-lhe terrivelmente. Enquanto contemplava a ferida, pensando em Walt, lembrou-se, subitamente, de Taylor. Tinha-se esquecido do encontro no gabinete dele! Pegou na bolsa e, tal como Walt, correu desenfreadamente. Entrou no elevador visivelmente cansada. Na corrida, tinha tropeçado várias vezes, e, como consequência, um dos saltos dos sapatos partira-se e as calças que estreara nesse dia estavam sujas. Enquanto as portas se fechavam, Melanie tentava pensar em algo que pudesse acalmá-la, mas tudo parecia inútil. Cada pensamento que cruzava a sua mente conduzia-a em direcção a Walt e ao episódio que acabara de viver. Só isto a impedia de estar á beira do colapso, mas com a perspectiva de uma reprimenda por parte de Taylor, o panorama não podia ser pior. Para cúmulo, doía-lhe o braço. Sabia que precisava de fazer um penso. Mas de momento tinha assuntos mais importantes a resolver. Optou por tapar a ferida com a manga da bata e adiar o assunto até que Taylor a tivesse despachado. - Céus, rapariga, que lhe aconteceu? - perguntou Carlota, a velha enfermeira de rosto amável. - Refere-se ao meu aspecto ou ao meu atraso? - Não parece a mesma jovem bem arranjada que conheci esta manhã. Se bem me recordo, esta manhã os seus sapatos tinham os dois a mesma altura... - Basta, Carlota. Se continua assim, vou denunciá-la por maus tratos psicológicos. Onde é o gabinete do doutor Taylor? - Ao fundo do corredor, antes de chegar às escadas, encontra uma porta com o nome dele. No seu lugar, deixava o penteado e despachava-me. Perguntou por si três vezes nos últimos quinze minutos. ¨ Não valia a pena arranjar uma desculpa. Merecia todas as reprimendas. Como era possível que se tivesse metido em algo semelhante? Recordou a cara suja do miúdo e sentiu-se, mais uma vez, angustiada. Apesar de considerar que a tentativa de ajudar Walt justificaria plenamente a sua demora, sabia que nem toda a gente compartilhava os seus critérios acerca do que é importante e do que não é. Taylor não parecia a pessoa mais indicada para entender os impulsos do coração, e ela não tinha levado em conta este detalhe na altura de o deixar plantado àsua espera. Não, não a entenderia, e estava no seu direito. Decidiu guardar em segredo o episódio que tinha vivido minutos antes e suportar em silêncio a reprimenda. Não iria dar-lhe o gosto de se apresentar como uma tonta idealista e, ainda pior, fracassada. - Caramba, é você - disse Taylor, logo que a viu. - Lamento tê-lo feito esperar - disse Melanie. - Na verdade, utilizei esta meia hora para avançar numa coisa que estou a escrever - disse Taylor. - De qualquer forma, confesso que me surpreendeu a sua atitude. Não imaginava que se arriscasse a receber uma reprimenda no primeiro dia de trabalho. "Aqui vamos", pensou Melanie. "Agora vai torturar-me durante quarenta minutos, e não descansará até me ver num mar de lágrimas." Com as poucas forças que lhe restavam, minada pela dor que se intensificava a cada minuto, tentou a sua sorte, novamente. Queria ver se Taylor se resolvia a dar por terminado o assunto de uma vez por todas. - Asseguro-lhe de que não voltará a acontecer. - Procure que assim seja, doutora. Não estou disposto a tolerar que nesta unidade as pessoas façam tudo o que lhes dá na gana. Os momentos seguintes acabaram por arrasar os nervos de Melanie. Parada, direita como um soldado diante do seu superior, fez o possível por disfarçar as tremendas pontadas que tinha no braço, até ao ombro, sentiu que devia fazer algo imediatamente. Pedia a Deus que aparecesse alguma emergência e que, então, Taylor desaparecesse da sua vista. Mas nada ocorria e Melanie continuava em pé, enquanto Taylor começava a olhá-la de forma estranha. Parecia que tinha levado algum tempo a perceber que algo se tinha passado. - Talvez seja melhor sentar-se, doutora Parker. Pelo que vejo, está um pouco alterada. Mais do que sentar-se, o que ela queria era deitar-se no primeiro sítio que encontrasse. Taylor observava-a, sem perder um detalhe de cada um dos seus movimentos. Ela estava a ponto de lhe sugerir que adiassem o encontro, tratando. de arranjar alguma desculpa decente, quando o ouviu dizer: - Passa-se alguma coisa? - Por que faz essa pergunta? - questionou ela. De imediato ficou paralisada pela estupidez da sua atitude. A quem podia enganar, se toda ela era a imagem de calamidade? Não seria mais sensato dizer-lhe a verdade? Claro que sim, mas por alguma razão não conseguia comportar-se como uma pessoa lúcida. - Talvez esteja um pouco ensonada. Importa-se que use a sua casa de banho? Taylor fez um gesto de consentimento e indicou-lhe a porta. Melanie conseguiu levantar-se e caminhar direita. "Pelo amor de Deus!", pensou, desolada, "estou no gabinete do homem mais bem parecido que vi na vida e jamais estive tão horrível." Não se tratava, apenas, do seu aspecto físico, mas de algo que lhe vinha do interior. Os nervos e a terrível dor que sentia davam-lhe um ar descoloridd e desmazelado, que escondia toda a sua beleza. Começou a pensar em todo o tipo de soluçöes disparatadas: fugir pela janela, desistir ou permanecer fechada até que a Polícia viesse buscá-la. - Doutora Parker, está tudo bem? - Claro que sim. Só preciso de mais um minuto. A voz de Taylor tinha-a devolvido á realidade. Começou a sentir que recuperava o controlo. Os seus nervos começaram a dar-lhe uma trégua, mas a ferida continuava lá. Tinha um inchaço e, depois de confirmar que havia sinais de infecção, decidiu que o melhor seria insistir com Taylor para adiar a reunião. Lavou a zona da ferida com água e sabão. Lavou também a cara, limpando os restos de maquilhagem e humedeceu os cabelos, penteando-os com os dedos. Quando saiu da casa de banho, notou que Taylor estava distraído, a olhar pela janela que dava para o parque. Melanie tomou partido de uma vantagem momentânea: a luz da tarde iluminava o belissimo rosto do seu chefe e não resistiu à tentação de o observar às escondidas durante uns momentos. Era parecido com Garv Grant. Por acaso teria enlouquecido? Seria possível que estivesse sob a influência de um repentino pico febril? Por mais atraente que ele lhe parecesse, como poderia comparar este homem rude e antipático com uma das imagens românticas mais antigas e idealizadas da sua vida? Nesse momento, Taylor voltou a cabeça e olhou-a com evidente interesse. - Já chega, doutora. Creio que já é hora de me pôr ao corrente do que lhe aconteceu. - Não foi nada - disse ela. - Se me faz essa pergunta por causa do meu salto, isto é algo que acontece a todas as mulheres alguma vez na vida. Para complicar as coisas, sentiu novamente uma guinada. Mal conseguiu disfarçar a dor. Preocupado, Taillor decidiu descobrir o que se passava. - Talvez esteja enganado, mas creio que seria uma boa ideia dar uma olhadela nesse braço. - Não é necessário. - Por favor, deixe-me ajudá-la. Houve algo no modo como disse aquelas palavras, de uma doçura tão inesperada que Melanie não pôde resistir. Caminhou na direcção dele e estendeuo braço, num gesto de completa confiança. - Hum... O melhor será ocuparmo-nos deste assunto agora. A conversa pode esperar. Melanie sentiu-se agradecida. Não esperava tanta consideração. Será que fizera uma ideia errada sobre ele. Mais descontraída, propôs-lhe que ela própria se dirigisse à enfermaria e regressasse ao seu gabinete, logo que tivessem acabado de fazer os curativos. - De maneira nenhuma. Eu mesmo a tratarei. - Não quero incomodá-lo mais. Já lhe fiz perder tempo suficiente. - Talvez possa voltar ao seu trabalho por pouco e, dessa forma, sentir-me-ei menos culpada. - Parece que não fui suficientemente claro, doutora. Digo-lhe uma coisa e será melhor que não a esqueça: não sou homem de ficar atrás e prefiro que ninguém questione as minhas decisöes. Tinha sido bastante claro. Sem saber o que pensar acerca do modo como aquele individuo mudava de humor, Melanie ficou calada, expectante, vendo o doutor Taylor sair do gabinete para ir buscar o material necessário para a tratar. Regressou antes do previsto, sem sequer lhe dar tempo para poder observar, em detalhe, os pormenores da sala. - Antes de mais nada, tome este comprimido. Melanie olhou-o fixamente. Sabia bem que não estava numa boa posição, mas, apesar disso, não gostava da maneira como Taylor estava a tratá-la. -Não é por nada, mas gostaria de saber por que está a tratar-me com uma miúda. Inesperadamente, Taylor sorriu. - Bom, esse é um costume saudável. Deixe que me desculpe. Há muito tempo que lido com crianças que resistem a tomar a medicação. Agora, ambos estavam a sorrir. - É um antibiótico por via oral. Parece-me adequado que o tome, porque a sua ferida está infectada. É possível que alguma bactéria indesejável se tenha aproveitado... Não parece ser uma mordidela de cão... - Não, não é - respondeu Melanie, sem dar mais detalhes, enquanto embebia um par de gazes num líquido desinfectante. - Foi, por acaso, algum dos meninos desta manhã? Melanie permaneceu em silêncio, mas não somente por querer guardar segredo. O facto é que o contacto da sua pele com o líquido desinfectante a fazia perder a força. Por causa da dor, os seus olhos humedeceram-se. Como não queria mostrar-se vulnerável em frente ao seu superior, baixou a cabeça e permaneceu em silêncio, suportando a dura pena do sofrimento. - Talvez tenha sido o miúdo do parque? Melanie olhou-o, aterrada. Como poderia ele saber? Tê-la-ia seguido? Taylor continuava como se nada fosse, limpando a ferida. Mas ela não pôde deixar de reagir, retirando o braço em sinal de desagrado. - Lamento, não era minha intenção perturbá-la. Deixe-me explicar como fiquei a saber. Também gosto de parques, apesar de não ter muito tempo para desfrutá-los. De vez em quando, chego à janela e entretenho-me a observar a vida que corre lá em baixo. Há bocado, descobri que você estava sentada debaixo de uma árvore, a conversar com um menino. Fez-lhe um gesto indicando a janela. - Não pude resistir à tentação de seguir o que estava a acontecer - continuou -, especialmente quando me apercebi de que a sua mala tinha desaparecido. A cena seguinte foi confusa: as pessoas à sua volta e o polícia que discutia consigo sem soltar a criança. Infelizmente, perdi o final. Você sentou-se com o miúdo no banco e os ramos da árvore impediram-me de ver o que se passou a seguir. Regressei ao trabalho, com o consolo de saber que mais tarde me contaria o final da história. - Tomou-lhe o braço e continuou o tratamento. Agora estava em silêncio, concentrado. Melanie sentiu-se envergonhada por ter desconfiado dele. - Devia ter lido o meu horóscopo esta manhã - disse. - Talvez tivesse sabido de antemão que hoje me calhava andar a fazer figura de idiota o dia inteiro. Interessa-lhe que lhe conte toda a história? - Tenho, no mínimo, mais cinco minutos para tratar esta ferida. Ouvir a sua história parece-me a melhor maneira de a manter distraída e, ao mesmo tempo, satisfazer a minha curiosidade. Então, Melanie narrou os acontecimentos. Falou-lhe na pena que tinha sentido de Walt e da sua tentativa de ajudá-lo. Disse que se sentia inútil por não ter conseguido conduzir correctamente a situação. Ao fim e ao cabo, era responsável por esse menino continuar sozinho nas ruas, doente e assustado. Perguntou-se, em voz alta, se não teria sido uma estupidez ter interferido no rumo dos acontecimentos, impedindo que o polícia o tivesse detido. Talvez alguém tivesse tomado conta dele. Mas pensando bem, concluiu que era muito improvável que lhe dessem um tratamento humano. - Não se julgue com tanta dureza - disse Taylor. - E, se quer a minha opinião, penso que actuou correctamente. Sei que pareço severo e duro, mas isso não quer dizer que não reconheça uma boa causa. Terminara de pôr o penso no braço de Melanie. - Conheço muitos médicos que sabem muito da sua profissão, que estão treinados para enfrentar todos os tipos de situaçöes. Este é o primeiro requisito e ninguém a quem este falte pode trabalhar na minha unidade. Mas não abundam pessoas que consigam envolver-se no mundo afectivo dos pacientes, o temor de um compromisso emocional faz com que os médicos se distanciem das necessidades espirituais das crianças. Hoje, via-a alegrar os doentes imitando o Pato Donald... Doutora, o futuro é promissor e não deve desanimar. Não podia acreditar no que estava a ouvir. Pela primeira vez na vida, ia trabalhar com alguém que partilhava as suas ideias e que era honesto. Tão comovida estava que nem ouviu alguém entrar no gabinete. - Taylor, desculpe interrompê-lo, mas é uma urgência. - Parker, tenho de ir - disse ele. - Só me resta acrescentar que, apesar de a ter elogiado, a farei trabalhar muito. No entanto, em muitos aspectos, é menina e farei de si uma grande médica. Aviso que não esperarei por si como hoje tive de esperar. E saiu, deixando-a desconcertada. Carllota estava à espera dela no corredor. Tinha-lhe conseguido uns tênis, para usar no resto da tarde. Melanie entrou na sala das enfermeiras para trocar de calçado e, ao sair, aproximou-se de Carlota para lhe agradecer. Segundo o que Carlota lhe explicou, Taylor tinha designado o doutor Malcom Freak para a pôr ao corrente dos procedimentos da unidade. Também a levaria a conhecer as enfermarias e os colegas. Melanie lamentou que não fosse Taylor a acompanhá-la. Já tivera dois encontros com ele, mas não tinha, ainda, uma ideia definida acerca dele. De imediato reconsiderou e começou a alegrar-se de não ter de voltar a vê-lo nesse dia. Teria, então, a oportunidade de se apresentar a ele na manhã seguinte mais recomposta. Só a ideia de se mostrar vulnerável diante do seu chefe provocava-lhe calafrios. Pensou em Laureen e no encontro que teria com ela à saída. Precisava que alguém a escutasse e não podia pensar em ninguém mais adequado do que ela. Sentia-se esgotada, mas sabia que ainda tinha à sua frente mais umas horas no hospital. Nada lhe apetecia mais do que tomar um bom café. A ideia animou-a. Com um sorriso, recordou o conselho de Jeremy e desistiu. Inesperadamente, Jeremy apareceu. - Que tal o dia, princesa? - Nada do outro mundo. Para dizer a verdade, senti-me num campo cheio de lírios, rodeada de passarinhos e em absoluta tranquilidade. Jeremy percebeu imediatamente a ironia. Apesar de ter melhorado o seu aspecto, era evidente que nada de bom se havia passado com ela. - E o que é que se passa com o seu braço? - perguntou quando reparou no penso. - Trata-se de uma longa história e agora não tenho tempo para contar. Mas pode apostar que sobrevivi às mais duras batalhas - disse-lhe. - Mais tarde, conto-lhe todos os pormenores, mas agora, segundo a Carlota me disse, devo esperar pelo doutor Freak. A enfermeira confirmou, enquanto uma expressão maligna cruzava o rosto de Jeremy. - Tenha cuidado com ele - disse, assegurando-se de que a enfermeira também o ouviria. - Deixe-me avisá-la: esse homem costuma partir os coraçöes de todas as mulheres. Conheci várias que não resistiram aos seus encantos. Aviso-a para que se saiba defender: o seu cabelo é a sua principal arma de sedução. Já para não falar na sua voz melodiosa... Carlota fazia esforços para conter o riso, mas não conseguia e procurava refúgio atrás de uma cortina. - Alguém pode explicar-me o que está a acontecer? - perguntou Melanie a ambos. - Já o saberá por si mesma - respondeu, enquanto a pobre Carlota continuava sem poder mostrar a cara. - Tenha presentes as minhas palavras e faça um juramento: por nada deste mundo deve permitir que o malvado destroce os seus sentimentos. Melanie não sabia qual era a brincadeira, mas, ao virar-se para a direita, viu caminhar na sua direcção um homem que só podia ser o doutor Freak. Era baixo e tinha uma enorme barriga, e uma peruca, que se parecia com pêlo de gato em mau estado. Malcom Freak vinha na direcção de Melanie, que pelos vistos, iria ter de fazer um esforço sobre-humano para conter o riso durante o resto da tarde. - Vou matá-lo - sussurrou a Jeremy. - E fará muito bem, disso não tenho dúvidas - respondeu o seu novo amigo. - Mas permita-me uma sugestão: faça-o numa destas noites, no meu apartamento, à luz das velas. Não puderam continuar a brincadeira porque Freak já se encontrava perto. Jeremy despediu-se e desapareceu. Ela viu-o desaparecer pelas escadas, sem se atrever a cruzar o olhar com Carlota, virou-se para o homem da peruca. - Boa tarde, doutora Parker. Sou Malcom Freak, chefe dos internos desta unidade e dou-lhe as boasvindas - disse. Por sorte, Melanie descobriu uma maneira de controlar o riso: tudo o que tinha de fazer era olhar fixamente para os olhos de Freak e fingir que a peruca não existia. Freak tratou-a com gentileza. O hospital era enorme Como parte de um projecto recente, impulsionado nada mais nada menos do que por Taylor, contava com espaço súficiente para as mães das crianças, já que se considerava que os cuidados que elas podiam dar-lhes iriam colaborar na recuperação. Visitaram as diferentes salas. Apesar de ela ir trabalhar nas Urgências, muitos dos seus pacientes iriam ficar internados. Quando terminaram a ronda, tinha certeza de que este posto lhe asseguraria um bom vínculo profissional. Alta tecnologia, especialidades, uma equipa forte... Que mais poderia desejar? O doutor Freak falou-lhe da forma como estavam organizados os horários de serviço nocturno. Um dia por semana, com a noite incluída, dois médicos deveriam permanecer de serviço no hospital. Freak quis saber qual era a disponibilidade de Melanie. - Pode pôr-me de serviço quando quiser. - Que lhe parece sexta à noite? Estaria livre vinte e quatro horas mais tarde, sábado à noite, e poderia contar com o domingo livre para descansar. ¨ - Parece-me bem - disse ela rapidamente. - Tenha em conta que isso representa um grande esforço da sua parte. Sou sincero consigo: os períodos de serviço nocturno são esgotantes e não sobram forças senão para descansar. - Repito-lhe, doutor: pode contar comigo. - Você é uma jovem fora do comum. Não é habitual que alguém da sua idade desista, com tanta facilidade, de se divertir aos fins-de-semana. - Não me importo. Não me ocorre melhor maneira de passar o tempo livre do que a ajudar estas crianças. Freak pareceu satisfeito e não demorou a agradecer-lhe a boa vontade. Continuaram a visita juntos e, quando chegou a vez de conhecer o resto do pessoal, Melanie foi apresentada a muitas pessoas, entre as quais já havia caras familiares. Jeremy, Carlota e mais de uma trintena de pessoas formavam a equipa de trabalho. Pareciam estar todos ali. Todos menos Taylor. Quando acabaram, já eram seis da tarde. Apesar de esgotada pelos acontecimentos do dia, sentiu-se feliz de pensar que Laureen a aguardava. Vestiu o casaco com cuidado, de maneira a não estragar o penso e partiu rumo ao café. Quando chegou à rua, descobriu que o tempo mudara desde a hora de almoço. Agora, o vento soprava com força. Não pôde evitar recordar Walt. Deteve-se a contemplar o parque, percorrendo com o olhar os possíveis lugares onde o poderia encontrar. Mas seguramente o menino encontrava-se a essa hora longe dali. Teria roupa suficiente para o frio? Voltaria a roubar? Não demorou mais de uns minutos a chegar ao café. Olhou para todos os lados, ansiosa por encontrar a amiga. Descobriu-a numa das mesas mais próximas que, por sorte, estava encostada a uma grande janela que dava para a rua. Dali, podia contemplar o parque e isso punha-a sempre de bom humor. Quando se aproximou de Laureen, notou que ela estava a fazer uma lista. Mas logo que Melanie a cumprimentou, deixou de lado a sua actividade e dedicou-lhe um dos seus sorrisos simpáticos. - Interrompi alguma coisa? - perguntou. - Não te preocupes - respondeu Laureen. - Ultimamente ando ocupada com milhares de assuntos e habituei-me a aproveitar qualquer momento para avançar um pouco nas minhas tarefas. - Tens trabalho pendente? - Não se trata nem de doentes nem de medicina, mas dos preparativos para o meu casamento - disse. Melanie sentiu-se surpreendida. Tinha muitos interesses, ela própria, mas não incluíam a possibilidade de casamento. Nem sequer tinha muito interesse em apaixonar-se. Taylor era atraente, mas não lhe passava pela cabeça a ideia de se envolver com ele. De forma que foi um pouco estranho tomar contacto com alguém que, além de trabalhar, fazia outras coisas na vida. Estava boquiaberta pela surpresa, quando o riso da sua nova amiga a fez reagir. Recomposta da notícia, felicitou-a. - É melhor pedirmos - sugeriu Laureen, mudando de assunto. - Falaremos melhor com o estômago cheio, não te parece? Melanie concordou e chamaram o empregado. O serviço era excelente e ambas comeram com considerável apetite. Estavam contentes, e qualquer pessoa que as pudesse observar teria apostado que se tratava de um encontro de amigas de infância. - Agora que me lembro, há uma coisa que te quero perguntar - disse Melanie. - Qual é a tua especialidade? Faço-te esta pergunta porque, à hora de almoço, reparei que nem sequer sabia em que piso do hospital te procurar. - Sou psiquiatra e podes telefonar-me para a extensão 995, sempre que quiseres. Estou no piso 5. - Fico contente que te ocupes do estado mental das outras pessoas. Confesso-te que hoje andei num corropio, comportando-me como uma idiota, fazendo e dizendo coisas que não me posso perdoar - Melanie sentia que podia confiar nela e revelar a sua angústia. - Estou a ver - disse Laureen, preocupada. - Ficou pensativa durante um momento e perguntou: - Isso tem alguma coisa a ver com o doutor Taylor? Pela primeira vez, Melanie sentiu-se alarmada perante a pergunta da amiga. Por que associava a Taylor o estado em que se encontrava? Conhecia-o bem? Algo de importante os unia? Iriam casar? Procurou acalmar-se e respondeu serenamente. - Não. Sabes como éo primeiro dia num trabalho novo... Não ligues, Laureen, só tenho estado um pouco tensa, mas amanhã tudo será melhor. Laureen torceu o nariz em sinal de reprovação. Estava treinada para conhecer evasivas, e esta certamente que não lhe escapava. Continuou a olhá-la até que por artes mágicas, como se fosse capaz de ler os pensamentos da amiga, disse-lhe: - Tenho aqui uma fotografia do meu noivo, Mark. Queres vê-la? Melanie acedeu, aliviada pelo gesto de Laureen. Aliás, compreendeu a estratégia da colega e agradeceu-lhe em silêncio, com um olhar significativo. Começou então a falar, decidida a contar-lhe tudo o que tinha ocorrido nesse dia agitado. Falou-lhe do seu almoço no parque e de como Walt desaparecera sem deixar rastro. Falou-lhe de Jeremy, de Carlota e do doutor Freak. Deixara Taylor para o fim, de propósito. - Tinhas razão, Laureen. Em parte errei, o meu diagnóstico sobre Taylor. - A que é que te referes? - Pelos vistos - disse, e amaldiçoou o modo como tinha começado a corar -, não é velho nem feio. - Estou a ver - disse Laureen. Deu-se conta da perturbação dela. - Na verdade, trata-se de um homem charmoso, ainda que, como já deves ter percebido pela foto do Mark, eu prefira os ruivos. Ambas sorriram, mas apesar de o comentário de Laureen a ter descontraído um pouco, Melanie duvidava da conveniência de partilhar os seus sentimentoS com ela. Por fim, decidiu-se. - Acontece que, além do seu aspecto, não sei o que pensar dele. Os nossos encontros de hoje confundiram-me. Taylor mostrou-se tão rude como amável. Não sei como ele é nem tenho ideia de como devo lidar com ele. Toda a situação faz com que me sinta insegura, e não gosto nada disso. - É verdade que se mostrou pouco amável contigo? - perguntou-lhe Laureen, inesperadamente. - Sim - disse Melanie. - Vou contar-te. E passou a meia hora seguinte a falar dos momentos que partilhara com ele. Laureen intervinha de vez em quando, obrigando-a a voltar atrás, e Melanie respondia a cada uma das suas dúvidas com toda a sinceridade. Quando acabou de falar, Laureen ficou a observá-la. Ou melhor, estava a reflectir, muito concentrada. Melanie fez um esforço para não interomper, mas não pôde conter a sua ansiedade. - Laureen, morro se não souber o que estás a pensar. - Digo-te uma coisa: esse homem usa uma máscara. No seu interior habita um ser diferente do que ele revela, alguém frágil e vulnerável. - Conhece-lo bem? Foi teu paciente e, por isso, não podes dizer mais nada? - Nada disso. Conheço-o há muitos anos, mas a minha lealdade não tem a ver com nenhum aspecto profissional, mas sim com prudência. Calou-se, atenta à chegada de alguém que Melanie não conseguia ver, por se encontrar de costas. - Como tens passado, Laureen? Aquela voz era inconfundível. A Melanie bastou ouvi-la para entornar o que restava do seu café. - Maravilhosamente, Daniel - respondeu Laureen, apontando para a sua amiga. - Creio que já conheces a nossa nova colega, a doutora Melanie Parker. Por estranho que pudesse parecer, Melanie deu graças a Deus pela grande mancha de café que lhe sujava a camisa, porque lhe deu a oportunidade de fugir em direcção à casa de banho, com a desculpa de ter de a limpar. A simples presença de Taylor alterava-a. Sozinha e em frente do espelho, decidiu acender um cigarro. Estava quase há uma semana sem fumar, mas por sorte conservava um maço de cigarros na mala. Enquanto o fumo a envolvia, viu a sua imagem no espelho, e começou a examinar-se com interesse, como se de outra pessoa se tratasse. Sabia que era bonita e que tinha boa figura, mas há muito tempo que não prestava atenção ao seu aspecto. Tinha um cabelo fantástico, da cor do trigo, e pleno de ondulaçöes que contribuíam para realçar a sua beleza. Uma vez pensara em cortá-lo curto, sabendo que a maneira como o usava chamava a atenção dos homens. Estava cansada que a assediassem, quando tudo o que queria era dedicar-se à carreira. De modo que, em lugar de o cortar, resolveu andar com ele preso, pensando que ficaria menos atraente. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu vontade de soltaro cabelo. Tinha um desejo louco de impressionar Taylor. "Por que não?", perguntava-se, fantasiando o instante em que o seu chefe pousaria os olhos sobre ela, descobrindo uma mulher diferente da miúda que antes tinha conhecido. No entanto, não teve coragem para o fazer. A presença de Laureen intimidava-a e ainda não estava preparada para impressionar Taylor. Sabia que ele conseguiria desestabilizá-la com um comentário e preferiu não se arriscar. Ao dirigir-se à mesa, viu que a amiga estava sozinha. à medida que se aproximava, podia ver mais claramente o modo como o rosto de Laureen deixava transparecer uma profunda melancolia. - Que se passou com Taylor? - perguntou. - Desapareceu. Quando te retiraste, trocámos umas frases de circunstância e depois despediu-se. - Deixou-me os seus cordiais cumprimentos? - Na verdade, só disse para não te esqueceres da tua medicação. Pediu-me para te lembrar que à meia-noite deves tomar a segunda dose do antibiótico. "Quer dizer que se preocupa comigo", pensou para si Melanie, com inegável alegria. Só a ideia de fazer parte dos seus pensamentos a enchia de excitação, ainda que o seu entusiasmo diminuisse ao considerar a possibilidade de que a atitude de Taylor obedecesse apenas a um hábito profissional. "Não faz sentido continuar a pensar nele", concluiu e concentrou a sua atenção na amiga, que parecia ausente. Melanie sentiu-se intrigada. - Bem, Laureen. Contei-te os meus segredos, mas tu não me confiaste nenhum dos teus. Laureen era uma mulher franca e directa, ainda que por vezes muito reservada. Tinha um inegável talento para ouvir os outros, mas não estava acostumada a compartilhar as suas preocupaçöes. Por isso, perante a surpreendente proposta de Melanie, ficou um pouco incomodada e na defensiva. - Oh, então! A todas nós faz falta uma boa amiga - disse Melanie, atenta ao que estava a acontecer e encorajando-a a confiar nela. Na verdade, desejava aproximar-se de Laureen para construir uma amizade sincera. Felizmente, não teve necessidade de insistir, já que a espontaneidade que demonstrara fez efeito no coração de Laureen, que, depois de hesitar por um momento, começou a falar de si mesma. Amava Mark e sentia-se feliz pelo passo que estavam prestes a dar. Ele era um homem alegre, que trabalhava como preparador físico numo centro desportivo. Contou-lhe, com pormenores, a maneira como se tinham conhecido e falou dos projectos que compartilhavam, da casa que tinham acabado de adquirir, assim como dos preparativos para o casamento. Melanie estava contente por ela, mas não podia evitar a sensação de que alguma coisa não estava bem. - Pelo que acabaste de me contar, Laureen, consigo entender que estás a viver um momento de felicidade. -Assim é. - Desculpa, mas tenho a sensação de que não me disseste tudo - disse-lhe. - A que te referes? - perguntou Laureen. - Ao regressar da casa de banho, tive a impressão de que estavas um pouco triste. Estou enganada? Laureen tentou sorrir, mas, apesar do esforço, não pôde evitar que o seu rosto se ensombrasse, cobrindo-se de evidente angústia. - Perceberás quando chegar a tua vez de casar... Apesar da enorme felicidade que se sente, é dificil não ter ao mesmo tempo uma certa nostalgia dos bons tempos vividos com gente muito querida. - Tomou alguns segundos para respirar profundamente, como se precisasse de encontrar forças e coragem para continuar o seu relato. - Crescemos praticamente juntas e durante muitos anos foi para mim como uma irmã. Tento não pensar nela, mas é inútil, não posso evitar. Lamento sinceramente que ela não possa ser testemunha da minha felicidade. - Vive no estrangeiro? - perguntou Melanie. - Oxalá fosse isso, porque ao menos tinha o consolo de um telefonema. Infelizmente, morreu há dois anos. Melanie não soube o que dizer. Optou por ficar em silêncio, na certeza de que nada podia fazer para ajudar. Pareceu-lhe que Laureen precisava de desabafar, porque continuou a falar do assunto sem parar. - Esteve doente dos nervos e depois desistiu de viver. Desde então, tenho-me culpado por não ter sido capaz de a ajudar. Isso não é justo e eu sei-o. Por alguma razão, mudara nos últimos tempos, até se transformar numa pessoa desconhecida de todos: cruel, mesquinha e desagradável. Eu continuava a gostar dela, mas a nossa relação ressentiu-se. Por estranho que te possa parecer, acredito que se suicidou numa tentativa louca de manter o marido. Foi tonta. - Ele tinha-a abandonado? - perguntou Melanie. - Não. Nós os três começámos juntos o curso de Medicina e lembro-me de que ela sempre disse que queria casar com ele. Estava louca por ele e conseguiu o que queria. Casaram-se quando eram jovens e já nessa altura ela estava obcecada por ele: dizia que o marido era o homem mais bonito do mundo e que mataria quem quisesse tirar-lho. Apesar de ele adorar crianças, ela nunca quis ter filhos porque não tolerava a ideia de compartilhar o seu amor com mais ninguém. O casamento começou a degradar-se e o amor que os tinha unido não durou. Ao fim de pouco tempo, a minha amiga começou a torturar o marido com ciúmes infundados. Ele é um grande homem e, apesar de já não a amar, fez tudo o que pôde por ela. Conheço-o: jamais a teria deixado. Mas Marta, assim se chamava a minha amiga, pagou-lhe o sacrificio da pior das maneiras: em vez de permitir que a ajudasse, suicidou-se, condenando-o à culpa para sempre. Simplesmente, não podia perdoar-lhe o facto de ele já não a amar como ela precisava. - E ele? Conseguiu superar a morte da mulher? - De vez em quando, cruzamo-nos - disse -, mas acho que se sente incomodado na minha presença. Nunca me deu a oportunidade de lhe dizer que não o culpo pelo que aconteceu e que espero que ele se apaixone por uma mulher que o ajude a continuar a vida. Mas ele pensa que o responsabilizo pela morte da Marta e isto só contribui para aumentar a sua culpa. - Disseste-lhe para ir ao teu casamento? Seria uma boa maneira de lhe demonstrares o teu apreço. - Convidei-o, hoje mesmo, mas apesar de me ter felicitado, não creio que vá, e isso entristece-me. - Quem é ele? Trabalha no hospital? Laureen não respondeu, dizendo que preferia não continuar a falar sobre o assunto. Já era tarde e Mark ficaria preocupado se ela não chegasse a casa a horas. Antes de partir, disse inesperadamente: - Quero que sejas minha madrinha. - Eu, tua madrinha? - surpreendeu-se Melanie. - Melanie, quero que ocupes o lugar que Marta já não pode ter. Mas esclareço-te uma coisa: se aceitares, sê-lo-ás por mérito próprio. - Só nos conhecemos há umas horas! A tua proposta é fantástica, mas é melhor pensares bem. - Nada disso - respondeu Laureen. - O lugar está vago para ti e,acredita, tenho a intuição de que seremos inseparáveis, não tarda nada. Que me dizes? - Sendo assim, por nada deste mundo faltarei ao teu casamento. Será uma honra acompanhar-te nesse dia. A campainha do despertador tocou às 6 e 30 da manhã. Melanie saltou da cama e dirigiu-se à casa de banho. Enquanto esperava que a água atingisse uma temperatura aceitável, decidiu dar uma olhadela em si própria. A imagem que o espelho lhe devolvia era verdadeiramente encorajadora: luzia formosa e descansada. Sentia-se emocionada pelo rumo que a sua vida estava a tomar e, alguma coisa desse seu bem-estar interno reflectia-se no aspecto exterior. Quase todas as pessoas com quem se cruzou ao chegar ao hospital fizeram comentários acerca do seu bom aspecto. Ela saudou toda a gente com desenvoltura, mostrando que estava contente por trabalhar ali. Carlota foi a primeira a reparar no seu bom ar. - Estás linda. O teu olhar tem um brilho diferente. Aposto que mais de um homem cairá hoje aos teus pés. Melanie agradeceu o cumprimento com um sorriso. Durante a noite tinha reflectido muito sobre Taylor e no modo como ela, fechada na casa de banho do café na tarde anterior, tinha querido impressioná-lo, mudando de penteado. Tinha demorado a adormecer, pensando no que a teria levado a agir assim. Não conseguia perdoar-se por ter sido tão tola e agradecia aos céus o consolo de ainda ter recuperado a sensatez a tempo. Por isso, apresentou-se neste dia com o cabelo apanhado e de sapatos de salto raso. Nada de maquilhagem. Mas, pelos vistos, nenhuma das suas estratégias a ajudava a passar despercebida. Carlota informou-a de que a unidade de Urgências estava a trabalhar em pleno e Melanie não demorou um minuto a vestir a bata. Taylor cumprira a sua promessa e ela não se queixava: o trabalho foi duro nesse dia, e os seguintes foram ainda piores. à medida que corria a semana, os dias iam ficando mais esgotantes. Foi-lhe dado o historial de nove crianças que já estavam internadas. Mas isso não era tudo, porque a sala de Urgências estava sempre cheia de pacientes de todos os tipos. Melanie fazia horas extraordinárias todos os dias, ajudando a tratar das urgências, escrevendo extensos relatórios ou simplesmente entretendo os miúdos que se mostravam mais assustados. Num plano pessoal, conseguiu integrar-se com menos dificuldade do que esperava, o que ficou a dever-se ao facto dos seus encontros com Taylor terem sido esporádicos durante a primeira semana. Via-o pouco, ainda que de vez em quando se cruzassem. Em cada ocasião, bastava ele dirigir-lhe um dos seus irresistíveis olhares para que ela corasse. - Como está o seu braço? - perguntava Taylor todas as vezes que a encontrava. Tratava-se de uma pergunta de circunstância, mas Melanie desesperava ao constatar a traição do seu rosto que corava. Nunca um homem a tinha perturbado tanto. O importante agora era controlar as suas emoçöes, dissimular a sua excitação e, perante Taylor, fingir que estava serena. - Muito bem, obrigada - respondia com brevidade. Estaria apaixonada por Taylor, ou sentia vergonha de recordar como tinha feito figura de tonta nos seus primeiros encontros? "Com certeza que tenho vergonha", pensava ela, já que Taylor era o homem mais intimidante que alguma vez tinha conhecido. Entretanto, Jeremy continuava a andar em seu redor, tentando conquistar o seu coração com atençöes. De uma certa forma, tratava-se do oposto de Taylor: alegre, despreocupado e encantador. - Bom dia, princesa - cumprimentava-a habitualmente. - Não se esqueça de que tem uma dívida para comigo: prometeu matar-me e cumprir o meu ultimo desejo. Vou pôr as minhas coisas em ordem e fazer o meu testamento. Depois, estarei pronto para morrer nos seus braços. - Concedo-lhe o meu perdão, Jeremy - dizia ela, benevolente. - Sabe, a realeza tem por hábito conceder perdöes e suspender as execuçöes no último momento. E isso é precisamente o que decidi fazer no seu caso. É livre de continuar a sua vida. - Não pode fazê-lo - respondia ele. - Estamos no século xx e a lei é para ser cumprida. Fará o que tem a fazer, custe o que custar. Ou carregará para sempre com a responsabilidade de ter destroçado a minha maior ilusão. Todos os dias tinham a mesma conversa, com pequenas variantes. Por vezes, Jeremy propunha Carlota para mediadora, para julgar o caso, mas a "juiza" nunca disse uma palavra. Divertiam-se muito. Era a maneira de encontrarem algum alívio, no meio das situaçöes, muitas vezes dramáticas. Apesar da boa disposição, Melanie não tinha interesse em ter um caso com Jeremy. Apenas se aproveitava da maneira como ele a fazia rir, permitindo que a cortejasse, mas deixando claro que não tinha nenhum interesse nessa hipotética relação. Até àquele momento, tudo se mantinha fácil, já que Jeremy só se insinuava por intermédio de brincadeiras sem conversarem a sério sobre o assunto. Durante a primeira semana, Melanie estabeleceu uma agradável rotina: às segundas e às quintas encontrava-se com Laureen no café. Almoçava sempre no parque, demorando no máximo meia hora. Tinha-se tornado amiga do vendedor de cachorros-quentes. Enquanto lhe prestava atenção, também aproveitava para procurar Walt. Mas, apesar da sua vontade em vê-lo, ele não voltou a aparecer. Todas as noites voltava para casa e esvaziava o frigorifico. Sentia-se sozinha, e por isso considerou a possibilidade de comprar uma gata que lhe fizesse companhia. Por fim, chegou a sexta-feira, dia em que Melanie deveria ficar de serviço à noite pela primeira vez. Estava exausta e teria preferido descansar. Mas nada a desanimava. Era forte e decidida. Entardecia e Melanie estava a examinar a garganta de uma criança chamada Helena, quando se lembrou de uma coisa que Freak tinha dito. Segundo ele, eram dois os médicos que ficavam de serviço. Quem trabalharia com ela naquela noite? Pensou em Jeremy e desejou que não fosse ele, já que a noite e a calma talvez lhe dessem a coragem necessária para a abordar mais directamente, e isto era algo que queria evitar. Indicou à mãe da criança quais eram os medicamentos que lhe devia dar e fôi à procura de Freak. -Acho que está na enfermaria de doenças infecciosas - disse-lhe uma colega. Melanie encontrou-o e esperou uns minutos para que ele acabasse de falar com a mãe de um doente. - Doutora Parker, lamento tê-la feito esperar - disse Freak. - Estava a falar com a mãe de um menino que se encontra em estado crítico. - Que lhe aconteceu? - perguntou Melanie. - Transferimos a criança para os Cuidados Intensivos, porque as suas funçöes vitais começaram a falhar. Sofre de uma estranha forma de mononucleose e, até agora, não respondeu à medicação. As próximas horas serão críticas e pedi à mãe para que não se afaste do hospital. - Santo Deus! Que idade tem a criança? - Dez anos. - Pobre mulher - disse ela com tristeza. - Oxalá haja esperanças para ele. Não devia sofrer tanto sendo tão pequeno, não é assim? - Está certa, doutora. Esta noite toca-lhe a si velar por esta criança. Peço-lhe que vá ao meu gabinete buscar a história clínica. Também a porei ao corrente de todos os procedimentos que temos levado a cabo até este momento. Deixo-lhe o meu número de telefone, para o caso de precisar. Ao fim e ao cabo, será você e o seu colega de banco que, esta noite, terão de tomar as decisöes. Melanie estava preocupada. Apesar de estar acostumada a lidar com a morte, não podia deixar de se preocupar com a responsabilidade. - Costava de saber quem vai estar de serviço comigo. - Pensei que lhe tinha dito: o doutor Taylor. A notícia caiu-lhe como um balde de água fria. Não tinha pensado na possibilidade de compartilhar o serviço com o seu chefe. Durante a semana tinham-se cruzado pouco e, finalmente, acabariam por passar toda a noite trabalhando lado a lado. - Por acaso, ele sugeriu que o doutor me devia propor o turno das sextas-feiras à noite? Freak olhou-a sem compreender e respondeu-lhe que ele mesmo se encarregava de elaborar as escalas de serviço nocturno. Isto aliviou-a, ainda que tenha sentido vergonha do que Freak pudesse ter pensado. Teria perdido a cabeça? Como pensara que podia existir uma intenção oculta da parte de Taylor? Por que haveria ele de querer estar com ela? Na profunda quietude da noite, só se ouvia o gemido constante de um menino que estava entre a vida e a morte. Chamava-se Alexandre Sommers e tinham-no transferido para a unidade de Cuidados Intensivos porque o seu estado era tão crítico que necessitava de assistência constante. Melanie passou boa parte da noite a cuidar dele, enquanto Taylor se ocupava dos restantes pacientes internados. Só tiveram duas urgências, e foi ele quem as tomou a seu cargo. Desde as oito da noite até às duas da manhã, Melanie permaneceu junto do menino. Não havia muito a fazer, somente esperar. Melanie tinha tido um dia esgotante e, a partir da meia-noite, começou a sentir um enorme cansaço. Apesar das enfermeiras estarem habituadas a fazer o seu lugar e poderem chamá-la em caso de se verificar qualquer variação no quadro clímico de Alexandre, ela não conseguia deixá-lo. Vê-lo indefeso partia-lhe a alma. Também a comovia pensar na mãe dele, consumida pela dor e pela ansiedade, a rezar sozinha no corredor, pedindo que um milagre lhe salvasse a vida do filho. Melanie não parava de se perguntar como é que era possível que a criança não tivesse respondido à medicação. Observava-o a lutar pela vida e, de vez em quando, aproximava-se do seu ouvido para lhe dizer palavras de alento. Contava-lhe histórias da sua própria infância e cantava-lhe melodias. Mas nada resultava. às duas da manhã, continuava ali, quando uma voz conhecida chegou para interromper o silêncio. Trouxe-lhe um café. Era Taylor que se encontrava parado a seu lado, estendendo-lhe uma chávena fumegante. Se aquilo que me está a oferecer provém de uma máquina que se encontra no corredor, esqueça. Não seria uma boa ideia ficar doente e deixá-lo sozinho com todo o trabalho que há para fazer. - Compreendo, doutora, mas pode confiar em mim. Por nada deste mundo faria alguma coisa que pudesse prejudicá-la - disse-lhe, de tal forma que as suas palavras pareciam estar carregadas de um significado que excedia a simples questão do café. Melanie fitou-o. O seu coração batia com força e aguardava expectante as palavras de Taylor, que tambem parecia perturbado com o que tinha dito. - Nas noites em que estou de serviço tenho sempre a precaução de ter algo decente para beber - disse ele. Ela pegou na chávena, reflectindo na habilidade que Taylor tinha para a desorientar. Cada vez que parecia querer aproximar-se dela, acabava por erguer uma nova barreira entre eles. Melanie devolveu-lhe um sorriso de agradecimento. Tomar um bom café era tudo o que precisava para recuperar as forças e continuar desperta até de manhã. Mas parecia que Taylor tinha uma ideia diferente. - Acho que já é hora de ir dormir um pouco. Eu acordo-a daqui a umas horas e, se acontecer alguma coisa, chamá-la-ei de imediato. - Nada disso. O Alexandre e eu tornámo-nos grandes amigos e há umas horas que estou a contar-lhe boa parte da minha vida. Estou à espera que se decida a revelar-me os seus mais interessantes segredos. Mas, apesar dos seus esforços, a criança continuava sem reagir. Melanie trocou com Taylor um olhar de profunda tristeza. - Acho que devia descansar. Lembre-se de que sou seu chefe: poderia obrigá-la, se fosse necessário. - E o que é feito do seu próprio cansaço? Pelo que sei, não dedicou as últimas horas ao descanso. Alguma coisa me inquieta em relação a este miúdo. Os medicamentos parecem não estar a funcionar. - Há que dar um pouco mais de tempo. Talvez daqui a algumas horas... - Mas ele não tem mais tempo, doutor. A saúde desta criança está a piorar progressivamente diante dos nossos olhos e eu não me resigno a pensar que não haja nada que possamos fazer. Taylor também estava desorientado. A sua expressão facial revelava que partilhava as preocupaçöes da colega. Melanie teve tempo para o observar. Era incrivelmente atraente. Nem as olheiras visíveis de cansaço conseguiam ocultar a sua virilidade. à medida que o via a trabalhar, Melanie experimentava uma larga gama de sensaçöes. Alguma coisa crescia no seu interior, algo que só estava disposta a pensar em termos de admiração. Não lhe parecia sensato admitir que ele despertava uma parte obscura da sua personalidade. Contra a sua vontade, estava a apaixonar-se irremediavelmente por ele. Acabou de beber o café no momento que Taylor voltou a entrar na sala. - Pelos vistos, é teimosa. Já que não posso obrigá-la a dormir, vou passar o resto do tempo a seu lado. Melanie tentou protestar, mas Taylor mostrou-se decidido a ficar com ela. - Foi uma surpresa para mim saber que era você que estava neste turno. Até teria apostado que íria sair com Jeremy este fim-de-semana. - Por que é que diz isso? - perguntou ela. - Até um cego veria que ele está louco por si. - Jeremy já era louco antes de me conhecer. O que não compreendo é porque é que o meu comportamento seria tão previsíveL. É certo que converso com ele, porque o considero divertido, mas isso não significa que me encontre com ele fora daqui. Ou significa? - Não sei. Vejo-a tão cheia de vida que não me custa imaginá-la com alguém tão alegre como Jeremy. Havia uma sombra de pesar nas suas palavras, mas Melanie não se apercebeu. - Dou-lhe um conselho: não deixe que o trabalho seja tudo na vida. Talvez Jeremy não seja o grande amor, mas com ele poderá divertir-se e viver bem. Se estivesse na sua cozinha, teria partido vários pratos. Mas estava no hospital e devia pôr um travão à sua raiva. Taylor tinha-a posto fora de si, intrometendo-se na sua vida privada, empurrando-a para os braços de outro homem. Permaneceu em silêncio por um momento, tentando controlar a fúria, à procura das palavras adequadas. - É verdade que sou jovem - disse, sem o olhar. - Também é certo que amo a vida. Mas se preciso de me rir procuro companhia. E se preciso de descarregar energia começo a correr. Que se passa com as pessoas hoje? Por que é tão difícil manter um ideal? - Taylor olhou-a sem perceber a que se referia. - Não preciso de me meter na cama do primeiro sujeito que se cruza no meu caminho. Para mim o amor é outra coisa. É algo mais do que um divertimento. E sou suficientemente adulta para tratar dos meus assuntos pessoais. - Eu só... - tentou replicar Taylor. - Agradeço-lhe os seus conselhos. Mas um dia que esteja com um homem será porque me sinto apaixonada por ele. Preocupe-se com a sua própria vida, doutor Taylor. E deixe-me em paz. - Acredite que não quis ofendê-la - disse Taylor. Peço-lhe que esqueça as minhas palavras. O pedido de desculpas de Taylor não conseguia fazer Melanie sentir-se melhor. Estava magoada por ele se interessar tão pouco por ela. O seu chefe tinha-se comportado de uma forma insultuosa, e ela sentia-se uma ingênua por ter desejado que ele correspondesse aos seus sentimentos. Nesse momento, sucedeu algo inesperado que mudaria o andamento da noite. Melanie passara demasiado tempo imóvel junto à cama do menino e o cansaço diminuira as suas faculdades mentais. Mas a discussão com Taylor fez com que a sua mente voltasse a funcionar com renovada lucidez. - O problema é o diagnóstico! - disse ela quase a gritar, voltando-se para Taylor. Explicou-lhe a sua teoria sobre a razão que estava por detrás da falta de reacção da criança à medicação. Tinha toda a atenção de Taylor e este concordava com cada um dos passos do seu raciocínio. Melanie baseava as suas suspeitas num estranho caso que observara anos antes. Só agora se dava conta de como o quadro clínico de Alexandre se parecia com o outro. Taylor sugeriu que reunissem informação para fundamentar a teoria, pelo que se dirigiram à biblioteca do hospital. Encontraram um artigo que confirmava a suspeita de Melanie: existia uma patologia cujos sintomas eram tão similares à da mononucleose que podia mesmo confundir-se com esta. Apesar disso, o tratamento da outra doença consistia num complexo de drogas diferentes do que até agora tinha sido ministrado ao pequeno Alexandre. Taylor concordou que se tratava de uma possibilidade. Trabalharam juntos durante horas. Ninguém diria que, uns minutos antes, tinham tido uma conversa tão tensa. Agora eram um só, na tarefa de conseguir que Alexandre continuasse com vida. logo que terminaram de corrigir a medicação, sentaram-se e esperaram. Melanie estava exausta. A dada altura, caiu para a frente e teve de se agarrar à cama de Alexandre. - Acredita que estamos certos? - perguntou ela. - Ainda não podemos saber, mas se esta criança sobreviver será graças a si - respondeu-lhe Taylor, admirado como a colega mudara o rumo dos acontecimentos. - Agora vou dar-lhe uma ordem e não permitirei que seja questionada. Quero que descanse umas horas. Nesta altura, não há nada para fazer. Melanie não apresentou objecçöes. Rendeu-se quando consultou o relógio. Em breve, amanheceria. Caiu exausta sobre a cama destinada ao descanso dos médicos. Adormeceu profundamente. E teve um sonho tão agradável quanto perturbador. Estava a dormir num local estranho. Uma caixa de cristal fazia de cama e os seus cabelos estavam soltos. Apesar de ter os olhos fechados, estava à espera de um príncipe que a ajudaria a despertar. Aguardava-o com a mente e com o corpo. Depois de uma interminável espera, um beijo devolvia-lhe a vida. Era um beijo suave e terno que se tornava mais apaixonado. Todo o seu corpo vibrava ao compasso do desejo. Abria os olhos e reconhecia-o. Tanto o rosto como os olhos azuis lhe pareciam familiares. Era o príncipe da sua infância e era Taylor. Mas o sonho ficou por ali porque Melanie acordou surpreendida com Taylor na sua cama, segurando as suas mãos entre as dele. Estava a acordá-la para lhe dizer algo muito importante: o menino salvara-se. Finalmente, tinham acertado no diagnóstico e isso devia-se a ela. Falava-lhe com uma voz carinhosa. Era um momento de enorme intimidade e, pela maneira como se olhavam, qualquer pessoa teria pensado que se tratava de um par de namorados. Só Deus sabe o que poderia ter acontecido se Jeremy não tivesse entrado no quarto. Vinha dar a Melanie uns pãezinhos quentes que tinha comprado para ela. Também lhe trazia café. Estacou ao vê-los para compreender que o que estava à espera de encontrar não correspondia áquilo que encontrou. Tinha planeado estar a sós com Melanie e, pelos vistos, não lhe agradou verificar que Taylor tinha chegado primeiro. Tinha a mão na maçaneta quando viu que as mãos deles estavam entrelaçadas, e não soube o que dizer. - Desculpem - arriscou Jeremy, logo que se recompôs, dirigindo o seu olhar a Melanie. Ela sentiu pena dele e, de forma instintiva, retirou as mãos das de Taylor. - Pensei que estivesses sozinha e vinha acordar-te com um bom pequeno-almoço. Tinha terminado de dar as suas explicaçöes e resolveu permanecer em silêncio. Até esse momento tinha-se comportado de forma diplomática, mas agora era evidente que uma emoção diferente se estava a gerar no seu interior. Melanie deu-se conta da situação. - Mas você éo chefe e suponho que fará valer a sua autoridade, como é costume. Aqui no hospital sou seu subordinado, de maneira que espero as suas instruçöes, doutor Taylor. É você quem decide quem fica com ela, não é assim? - perguntou Jeremy. Melanie conteve a respiração, sem conseguir acreditar no que estava a ouvir. Jeremy tinha dirigido a Taylor uma pergunta com duplo sentido, uma pergunta que lhe dizia respeito, e ela só desejou ter um buraco onde se enfiar. Jeremy estava furioso, mas de forma contida. Dirigiu um sorriso a Melanie e fez um gesto com a mão em forma de despedida. Já tinha aberto a porta e estava a retirar-se, quando Taylor o deteve para lhe pedir que ficasse. Reagiu com elegancia à provocação de Jeremy, encarregando-se de deixar claro que tinha compreendido a sua mensagem. - Não se passa nada, Jeremy. Só estava a dar uma boa notícia à doutora Parker. Estou certo de que lhe fará bem comer alguma coisa na sua companhia. - E, acrescentou: - Vê que não sou assim tão mau. Concedo-lhe o privilégio de ficar com ela. Melanie viu Taylor sair do quarto sem poder fazer nada para o deter. Estava desolada, tentando perceber o que estava a acontecer. Tinha vivido com Taylor um momento de magia, mas de repente tudo se desmoronou perante os seus olhos. Tinha consciência de que estava metida entre dois fogos cruzados: o de Jeremy e o de Taylor. Era evidente que ambos sentiam algo por ela, apesar de o demonstrarem de formas muito diferentes. Jeremy não hesitava em manifestar o seu interesse de uma maneira activa e despreocupada, enchendo-a de atençöes. Ao contrário, Taylor movia-se com constante ambivalência, num jogo de avanços e recuos que a deixavam à beira de um colapso. Recordou a primeira manhã no hospital. Nesse dia, Taylor encontrou-os a brincar junto da máquina do café e não teve dúvidas em separá-los. Por que agia agora de forma tão diferente? Começou por lhe sugerir que saísse com Jeremy e agora agravava as coisas cedendo o seu espaço, para que o outro avançasse. Numa só semana, e sem que pudesse entender as razöes, os papéis tinham-se invertido. Jeremy não tinha sido repreendido por Taylor, enquanto este ultimo tinha decidido retirar-se sem oferecer resistência. Por que agiria assim? Estaria convencido de que era bom para ela estar perto de Jeremy? Não se sentiria bastante jovem e amante da vida para a fazer feliz? Melanie sentia-se confusa. A sua postura na vida tinha sempre sido sincera. Nunca tivera a necessidade de investigar o comportamento de alguém, quase como se tratasse de um detective profissional. Envolvida nos seus pensamentos, decidiu que o melhor seria aceitar o pequeno-almoço que Jeremy lhe oferecia. Era a única coisa que podia fazer. - Foste demasiado duro com Taylor - disse. - Não esperava encontrar-te com ele - disse Jeremy secamente. - Nem sequer sabia que estavam os dois de serviço. Se tivesse sabido, tinha tentado ocupar o horário dele. Por nada deste mundo te teria deixado à sua mercê. Melanie percebeu no rosto do amigo um gesto de amargura. Decidiu animá-lo. - Também não é caso para tanto. Meteste na cabeça que Taylor é perigoso, mas não é bem assim. De facto, esta noite foi amável e trabalhámos sem problemas. Contou-lhe tudo o que dizia respeito ao caso Sommers. Jeremy ouvia-a em silêncio. Podia ver-se no seu rosto a admiração que sentia por ela. - Ouve, Melanie, preciso de falar contigo, mas não aqui. Tem de ser fora do hospital - disse. O seu tom era imperativo. Parecia inquieto. - Amanhã é o teu dia livre e talvez pudéssemos almoçar juntos. Melanie pensou em toda a espécie de evasivas para escapar à situação. Qualquer desculpa era válida se a ajudasse a não ferir os sentimentos do colega, embora soubesse que não tardaria a ter de enfrentar a realidade. Por agora contava com a possibilidade de se desculpar e ganhar tempo, confiando que ele se acabaria por dar conta por si só que não valia a pena esperar que os seus sentimentos fossem correspondidos. - Talvez um dia destes - disse Melanie. - Tive uma noite estafante e só penso em descansar. Agora, gostaria de ir visitar o meu doente favorito. Quero ter o prazer de ouvir pela primeira vez a sua voz. - Vai tranquila, princesa. Mas não te esqueças de que espero com ansiedade o momento em que te decidas a ouvir-me. Melanie deitou-lhe um ultimo olhar antes de sair da sala. Pôde ver a forma como Jeremy a olhava e sentiu medo do que tinha sido capaz de despertar nele. Tinha pensado que seriam grandes amigos, mas, pelos vistos, o destino pregara-lhe uma partida. Depois do meio-dia, chegou o doutor Freak. Nas primeiras horas da manhã, uma enfermeira tinha-lhe dado as boas-novas para casa: o pequeno Alexandre conseguira passar a noite e todos celebravam. Apesar de ser o seu dia livre, Freak quis ir ao hospital para se inteirar do milagre e felicitar Melanie pessoalmente. - Parabéns, doutora Parker. Fez um trabalho magnífico. O meu diagnóstico era incorrecto e tremo só de pensar que o meu erro quase custou uma vida. Graças a Deus, a doutora apareceu para resolver correctamente o assunto. Sinto-me orgulhoso por trabalhar a seu lado. O Alexandre deve-lhe a vida e essa é a maior recompensa que um médico pode ter, não acha? Melanie sorriu humildemente. - Fizemo-lo juntos, doutor Freak. Refiro-me ao doutor Taylor, que me deu todo o apoio e não saiu do meu lado. Estou certa que sem a sua presença e força, nada teria conseguido. - Estou a ver - disse Freak.. - Nem sempre há esse espírito de equipa entre os médicos. Nem é frequente que alguém partilhe os seus feitos com outro colega e tanto a doutora como o Taylor se encarregaram de me fazer saber que se admiravam mutuamente. É evidente que formam uma excelente equipa. Freak estava a falar da medicina e Melanie sabia-o mas, ainda assim, não conseguiu evitar que essas palavras tivessem um eco especial no seu coração. Durante todo o dia, continuou a trabalhar intensamente, esperando cruzar-se com Taylor. Apesar disso, contra todos os seus desejos, ele desaparecia da sua vista. Parecia evitá-la, como se o episódio vivido com Jeremy nessa manhã o retraisse. A ponte que se tinha estabelecido entre ela e o seu enigmático chefe parecia agora definitivamente quebrada. Melanie considerou a possibilidade de ir à sua procura para tentar reparar o desastre, mas abandonou a ideia. O que lhe poderia dizer para clarificar as coisas, se não tinha a certeza se ele estava interessado nela? Corria o risco de parecer tonta e de se expor. Recordava a forma como Taylor tinha cedido o seu lugar a Jeremy e sentia que tinha razöes para se manter em silêncio, à espera do que pudesse acontecer. Tinha nascido alguma coisa entre eles, ou tudo se resumia a um lamentável engano? Que partida lhe estaria a pregar a sua imaginação romântica? Por que não corresponder ao amor de Jeremy, que parecia ser menos complicado? às seis da tarde, trocou de roupa para sair do hospital. Dedicaria o domingo a descansar. Esperava-a um bom livro e também a firme promessa de tomar o mais longo banho de imersão da sua vida. Antes de sair, teve uma agradável conversa com a mãe de Alexandre, que se desfazia em lágrimas de agradecimentos. Também cumprimentou o menino, prometendo-lhe que na segunda-feira voltaria para conversar com ele. O rosto da criança fez-lhe recordar o de Walt, o menino do parque, que a essa hora estaria só e indefeso em algum lugar da cidade. Logo que saiu do edifício, levantou a gola do casaco e caminhou uns metros, em direcção à paragem do autocarro. Estava um frio terrível e a rua estava coberta de orvalho. Quase ao virar da esquina, levantou a cabeça para olhar para o semáforo. Nesse momento, deu pela presença de Jeremy. Estava encostado a uma parede, de braços cruzados e sorridente. - Está demasiado frio, princesa - disse-lhe alegremente, agitando no ar as chaves do seu carro. - Tenho um cavalo alado pronto para te devolver sã e salva ao teu lar. Melanie sorriu perante a forma do convite, tentando ganhar tempo para pensar como sair dessa situação. A última coisa que queria era estar sozinha com jeremy e ouvir uma declaração de amor. Tentou várias desculpas, mas nenhuma deu resultado. - Não percebo o que se passa contigo - disse ele. - Tento ser amável, mas a única coisa que consigo são recusas. Pensei que a minha companhia te agradava. - E aproximou-se dela de forma inesperada, rodeando a sua cintura com um braço e puxando-a na sua direcção. Olharam-se com dureza. Melanie já estava disposta a dizer-lhe que estava a passar os limites, quando se apercebeu de que Taylor estava a passar junto a eles. Tudo aconteceu de forma tão rápida, e ela estava tão desorientada pela maneira como os acontecimentos se sucederam que não teve os reflexos necessários para se desprender dos braços de Jeremy. Estava abraçada a ele quando Taylor a cumprimentou. - Boa noite, doutora Parker. Desejo aos dois um bom fim-de-semana. Isso foi tudo o que disse, ao passar, sem sequer parar. Melanie não conseguiu observar a sua expressão. Antes de ter tempo de reagir, Taylor desapareceu. Melanie pensou que um raio a tinha partido ao meio. Mas ainda lhe faltava ser surpreendida mais uma vez: no rosto de Jeremy havia uma expressão de maliciosa vingança. Estava com um ar gozão, cujo destinatário era o homem que acabava de dobrar a esquina. Só nesse momento é que se deu conta de que Jeremy a tinha agarrado, porque sabia que o seu chefe os veria. E Taylor reagira com indiferença. Os dois homens estavam a fazer um jogo que ela desconhecia, um jogo em que não queria ver-se envolvida. Desprendeu-se dos braços de Jeremy com brusquidão e começou a andar em direcção à escuridão da noite. Sentia-se às cegas e estava muito cansada. No apartamento, procurava acalmar-se, enfrentando os acontecimentos: Taylor era atraente e, para sua desgraça, tinha-se deixado cativar por ele. Ele encarregara-se de mostrar que não queria nada com ela e, da maneira que as coisas estavam, quanto mais depressa assumisse esta realidade, melhor seria. Por outro lado, Jeremy parecia desejá-la, ainda que pudesse estar a usá-la como pretexto para resolver questöes de poder com o seu chefe. Dedicou o dia a descansar. Estava zangada e decidida a não deixar que continuassem a brincar com ela. Quando a noite chegou, Melanie já tinha tomado a firme decisão de seguir adiante com a sua vida. Na manhã da segunda-feira seguinte, Melanie regressou ao hospital. Subia no elevador sem saber o cenário que a aguardava nesse dia. Mas de uma coisa estava certa: pediria a Freak uma troca no horário das noites de serviço. Queria manter a maior distância possível em relação a Taylor. Por certo encontraria uma boa desculpa para justificar o seu pedido. Logo que chegou ao segundo piso, foi recebida por Carlota. - Bem lhe disse que alguém iria cair a seus pés... - A que se refere? - perguntou Melanie. - Aproxime-se do seu cacifo e verá como é bonito o ramo de rosas que lhe deixaram. Melanie prometera a si própria manter a calma nesse dia, mas começar a semana desta maneira estava fora das suas perspectivas. Dirigiu-se como um furacão ao seu cacifo para retirar o ramo. Nem sequer se preocupou em ler o cartão que acompanhava as flores. Foi de imediato à sala das enfermeiras para fazer a Carlota uma pergunta fulminante. - Pode dizer-me onde é que deito fora esta porcaria? - Carlota olhou-a com uma expressão de profunda desilusão, sem entender como é que era possível ela rejeitar um presente tão agradável. - Se não me diz onde posso pôr este "presentinho", serei obrigada a atirá-lo para o chão. Talvez até decida esmagá-lo e isso não seria nada bom, porque esta sala ficaria um desastre. Decida! - Francamente - disse Carlota. - Nunca a vi tão alterada e não sei o que se passa consigo, mas farei o que me diz. - Agarrou nas flores e deitou-as no caixote do lixo que estava debaixo da sua mesa. Logo que recuperou controlo sobre si mesma, Melanie sentiu remorsos. Carlota estava fora do assunto e não era justo que a sua fúria caísse sobre ela. Melanie tentou desculpar-se de mil maneiras, mas não conseguiu que Carlota se dignasse a virar a cabeça. Sentia-se terrivelmente mal, mas não teve tempo de insistir: nesse momento, dois maqueiros entraram na unidade trazendo um menino ferido. Trabalhou sem descanso, perguntando-se a cada momento qual dos dois homens tinha tido a ousadia de lhe enviar um ramo de flores. "Na verdade", pensou, "é preferível não tentar descobrir e poupar-me à obrigação de ter de dar uma bofetada a algum." A sua fúria chegava a tal ponto que nem sequer a presença das crianças a conseguia acalmar. às quatro da tarde, Taylor reuniu o pessoal da unidade. Tratava-se de mais uma das reuniöes periódicas nas quais se expunham as preocupaçöes da equipa de médicos. Melanie tudo fez para chegar em cima da hora, assegurando-se, deste modo, que não se veria obrigada a ter um encontro pessoal. Estava de péssimo humor, desejosa que chegassem as seis da tarde para se encontrar com Laureen no café. Durante todo o tempo da reunião permaneceu encostada a uma parede, decidida a não participar na conversa. Procurava estar suficientemente longe das outras pessoas, como que para passar despercebida. Do seu lugar estratégico, podia observar o modo como Taylor e Jeremy cruzavam olhares. A tensão que se sentia entre ambos parecia pronta a estalar. Melanie captou este clima desde o princípio e por essa razão devia ter antecipado o que se seguiu. O problema começou com Jeremy, que, como era seu hábito, agia de forma impulsiva. Tinham passado dez minutos desde o começo da reunião quando chegou a sua vez de falar, dedicando parte da intervenção a questionar a autoridade do seu chefe. Nada fazia para esconder o quanto odiava Taylor. Taylor agia com o maior cuidado, desautorizando-o com elegância ou propondo transferir a discussão para certos pontos mais adiante. Mesmo assim, não escapava a ninguém o grande esforço que fazia para se controlar e para não pedir a Jeremy para se retirar. As pessoas olhavam-se entre si, sem fazerem a mínima ideia do que estava a acontecer. O que começara por ser uma reunião de trabalho era agora cenário de uma insólita batalha. Somente Melanie mantinha a calma, atenta à forma como os acontecimentos se precipitavam, compreendendo com clareza o que se estava a discutir. "Não se trata de trabalho. Isto tem a ver comigo." Jeremy continuava a falar, piorando a situação. Passou da confrontação velada à mais descarada falta de respeito. Finalmente, Taylor perdeu a paciência. - Doutor Quinn - disse-lhe com dureza, fazendo valer o peso da sua autoridade-, sugiro-lhe que pondere as suas palavras. Estou aberto a cada uma das suas questöes, mas não vou permitir que continue a comportar-se como um miúdo impertinente. Deixe-me lembrá-lo que esta é uma reunião de trabalho. - E eu recordo-lhe de que não sou um miúdo mas um homem. É isso que o incomoda em mim, doutor Taylor? - Jeremy estava descontrolado. - Por acaso não quer reconhecer que sou mais homem que você? Taylor ordenou-lhe que se retirasse de imediato e pediu desculpas ao resto dos presentes pelo mau momento que estavam a passar. Jeremy estava a fazer a figura mais triste da sua vida e Melanie não sentiu compaixão por ele. Estava demasiado zangada com Taylor para pensar que Jeremy era o único responsável pelo que estava a suceder. Sem deixar de olhar para o seu chefe, cruzou os braços, aguardando a resolução da situação. Ninguém era capaz de adivinhar a reacção de Jeremy, já que este permanecia quieto, sem acatar a ordem de Taylor. Passados uns segundos, recolheu uns papéis que estavam em cima de uma cadeira e saiu. A restante equipa médica estava desconcertada, sem saber como seguir com a reunião. Taylor dispensou-os, convocando-os para o dia seguinte às oito da manhã. Fez bem, porque ninguém conseguiria desfazer o mau clima que se tinha entretanto instalado. Um a um, saíram sem fazer comentários. Melanie permaneceu uns instantes com os olhos cravados em Taylor, como vinha a fazer desde o início da discussão. Quando já não estava mais ninguém no gabinete, avançou lentamente para ele, decidida a enfrentá-lo sem rodeios. - Pergunto-me que raio de jogo é que vocês os dois estão a fazer. De facto, estou morta por saber do que se trata. Talvez, nessa altura, compreendesse melhor qual é o papel que me cabe neste assunto. Taylor revirou os olhos, dando a impressão que estava a sentir-se mal. Melanie fora demasiado directa. - Jeremy está com ciúmes. É imaturo e não sabe que há outras maneiras de lutar por aquilo que deseja. - Ah! - disse ela com ironia, dando a entender que essa resposta de forma alguma a satisfazia. Desta vez, não queria barrar os seus impulsos: tinha de saber em que situação se encontrava. - E você, doutor Taylor? Que tem para me dizer? - Não sei a que se está a referir - respondeu ele, tentando fugir. Melanie estava por tudo. Sentia-se capaz de qualquer coisa para chegar ao fundo da questão. Sempre tinha odiado as intrigas e não ia permitir que jogassem com ela ao gato e ao rato. - Jeremy está um pouco fora de si, isso é certo - disse ela com veemência. - É imaturo e não faz nenhum esforço para o esconder. Mas, pelo menos, deixa que se forme uma opinião sobre ele. Jeremy revela-se e isso é algo que você não consegue tolerar. Taylor acusou o toque e fechou os olhos com angústia, mas, mesmo assim, Melanie não se deteve. - Não é melhor do que ele, ainda que eu lhe reconheça a virtude de cair sempre de pé. Nada consegue perturbar o doutor Taylor, não é? Imagino que se deve sentir muito seguro, sempre a esconder os seus sentimentos. Mas deixe-me dar-lhe um conselho: tenha cuidado com as máscaras. De tanto as usar, pode ser que fiquem agarradas à cara definitivamente. Melanie não agira com prudência, mas não se arrependia do que tinha dito. - Não vale a pena continuar a falar - disse, perante o silêncio de Taylor. - É melhor ir-me embora. Já estava quase a sair, quando se voltou para o contemplar. Taylor parecia alheio, mas resolveu falar. Acho que tem razão, doutora, é melhor ir-se embora. Muito do que disse está correcto, mas seria doloroso para mim defender-me. Teria de lhe explicar demasiadas coisas e não acho que valha a pena. Saiba que não quis magoá-la. Se o fiz, desculpe. Melanie estava decidida a não lhe dar tréguas. - Por que não diz algo um pouco menos cobarde? - Taylor olhou-a, resignado. - Muito bem, doutora Parker. Se o que me pede é smceridade, digo-lhe que percebo mais do que o Jeremy sente, porque também tenho ciumes dele. Melanie apoiou-se na parede, mantendo a distância. - Não esperava encontrá-la nos braços dele naquela noite, depois de a doutora me dizer que não estava interessada nele. É tudo. Não a culpo por o preferir e tão pouco estou a fazer uma dedaração de amor, porque não posso fazê-lo. Só posso sugerir-lhe que peça o amor que merece. Não se conforme com menos. Desejo-lhe toda a sorte do mundo e esqueça as minhas palavras. Sozinha e indefesa perante os seus próprios sentimentos, Melanie começou a chorar. - Lmbro-me de uma coisa que uma vez li e que agora me parece apropriado dizer-te: em assuntos sentimentais, nunca se pode dar conselhos e soluçöes. Só um lenço limpo num momento oportuno. Fiel às suas palavras, Laureen tirou um lenço da mala e deu-o a Melanie que, apesar dos seus esforços para se acalmar, não conseguia deixar de chorar. Laureen ficou a observá-la em silêncio, sabendo que o melhor que podia fazer pela amiga era deixar que ela descarregasse livremente a sua frustração. - Não sabes quanto me odeio por te estar a fazer isto - disse Melanie no meio de soluços. - Faltam poucos dias para o teu casamento, convidaste-me para ser tua madrinha, e eu estou, a agir como se só eu tivesse importância. - Não mistures as coisas, Melanie. Duas boas amigas não precisam de estar a passar por momentos idênticos para se entenderem. A única coisa que deve existir entre elas é afecto, e isso é algo que tu e eu temos em comum, não é assim? - Deixa de ser tão boa para mim - pediu-lhe Melanie, sentindo-se culpada. - Assim só vais conseguir fazer com que eu me sinta pior. Nenhuma das duas reparou que Larrv estava há um bom bocado a rondar a mesa delas, sem perceber uma' palavra do que estavam a dizer. O homem tinha simpatizado com Melanie e esperava com ansiedade o momento oportuno para se dirigir a ela, inquieto por a ver chorar de forma tão desconsolada. Por fim, aproximou-se com o pretexto de lhes servir mais café. - Repare, eu não tenho de me meter nos seus assuntos - estava a falar com Melanie com muita calma-, mas acho que não merece que a tratem mal. Seja quem for a pessoa por quem chora, diga-lhe que se desculpe se não quiser ter problemas comigo. As duas mulheres olharam-no, surpreendidas. A intervenção do empregado pareceu-lhes tão simpática como extravagante e não tardaram a sorrir. - Obrigada, Larry - disse Laureen -, mas não creio que seja necessário chegar tão longe. Tenho a certeza de que as coisas se poderão resolver de outro modo. Larry parecia não concordar, mas encolheu os ombros, regressando de imediato às suas tarefas. Melanie sentiu-se suficientemente aliviada para mudar de assunto. Já contara os seus problemas a Laureen e isto não a tinha ajudado a sentir-se melhor. Limpou os olhos pela última vez e começou a perguntar tudo sobre o casamento que se avizinhava. Falaram durante horas. Laureen contou que a festa seria numa elegante quinta nos subúrbios da cidade. Estava radiante e não o escondia. Lembrou-se de algo importante: queria que Melanie jantasse com eles na quarta-feira seguinte. O dia do casamento estava perto e Mark queria muito conhecê-la. Já tinham pago a conta quando Melanie perguntou à sua amiga acerca do vestido que iria usar. Laureen desenhou-o numa folha branca. - Ainda não me disseste o que é que vais vestir - perguntou, por sua vez, Laureen. Melanie ficou a olhar para ela. Faltavam apenas dez dias para o casamento e, pela primeira vez, tomou consciência de que ainda não reparara nisso. - Peço-te que escolhas o vestido mais bonito que há na Terra - disse-lhe Laureen, inclinando-se para ela. Já estava quase na hora prevista para a chegada de Laureen quando Melanie se aproximou de Mark para o cumprimentar e desejar-lhe boa sorte. Estavam no parque, a conversar em voz baixa, quando se aperceberam que o carro que trazia a noiva estava a chegar. Imediatamente, os convidados começaram a entrar na igreja, preocupados em ocupar os seus lugares. Mark também entrou e só Melanie ficou no exterior para receber a noiva. Deveria entrar com ela, seguindo-a a poucos passos de distância. Viu-a sair do carro e ficou imóvel a olhar para ela. Laureen estava linda, e o vestido que usava assentava-lhe perfeitamente, acentuando a figura e elegância. As duas amigas cruzaram olhares carregados de emoção e Melanie teve de fazer um grande esforço para não soltar umas lágrimas. Os casamentos sempre a tinham emocionado e este estava a comovê-la como nenhum outro. Para aligeirar o momento e ajudar Laureen a relaxar, Melanie aproximou-se dela para lhe sussurrar ao ouvido: - Gosto tanto de ti, Laureen, que estou disposta a perdoar-te por teres convidado o Taylor para a festa. Laureen devolveu-lhe um magnífico sorriso e piscou-lhe o olho como sinal de aprovação. Então, abriram-se as portas centrais da capela e um coro começou a cantar uma belissima canção. Ali estava Laureen, radiante, de braço dado com o pai, iniciando o caminho que a levaria em direcção a Marc. A cerimónia durou uns trinta minutos e culminou com o beijo que Laureen e Mark deram em frente a todos, enquanto o coro começava a cantar. Melanie cumpriu o ritual de ajudar a noiva a dar a volta, ajeitando a cauda do vestido. O primo de Mark era o padrinho do casamento de Laureen e aproximou-se de Melanie para lhe dar o braço. Saíram juntos da igreja, andando lentamente atrás dos noivos. Já no parque, os convidados amontoaram-se em redor dos flamejantes noivos. No meio das pessoas, Melanie só os pode cumprimentar uns breves momentos, chegando até eles com bastante dificuldade. Os pais de Laureen estavam impacientes, já que queriam chegar o mais rápido possível ao local do copo-de-água para ultimarem alguns detalhes e aproximaram-se de Melanie para a convidar a ir com eles. Ela aceitou, encantada. O que menos desejava, nesse momento, era encontrar-se com Taylor e ver-se na obrigação de conversar com ele. De repente, estava a sentir-se insegura e um pouco arrependida por ter escolhido um vestido tão ousado para essa ocasião. Ao chegar à belíssima quinta onde se celebraria a festa, Melanie fez com que os pais de Laureen também a convidassem para partilhar a mesa. Ocupou o lugar mais afastado da pista de dança. Esta festa iria ser importante, uns cento e cinquenta convidados, muitos deles caras conhecidas do hospital. Era tão grande o número de pessoas que Melanie pensou que, com um pouco de sorte, conseguiria ficar sentada sem que ninguém reparasse na sua presença. Mas tal não aconteceu, por culpa de Laureen, que evidentemente tinha outros planos para ela. Tudo começou com a valsa. Os noivos dançaram durante alguns minutos. Melanie observava-os da sua trincheira, quando, de repente, se apercebeu com terror que Laureen estava a fazer gestos para que ela dançasse com Marc. Depressa percebeu que não valia a pena negar: a noiva já estava a dançar com um convidado e não podia deixar o noivo à espera. Assim, em vez de permanecer discreta na festa como tinha planeado, acabou por dançar com Mark no meio da sala, sentindo-se observada por todo o mundo. De facto, aqueles que a estivessem a ver estariam a olhar para uma bonita mulher com um vestido cor de salmão, que dançava com enorme classe e feminilidade. Muitos perguntavam quem ela era, esperando a oportunidade de a convidar para dançar. Era assim e não valia a pena voltar atrás. Afinal, este era o dia mais feliz da vida da sua amiga e era sua obrigação contribuir para a alegria dela. As músicas seguiam-se umas às outras e Melanie não regressava à mesa, passando de par em par. Divertiu-se, esquecendo-se dos maus bocados que tinha passado nos últimos dias. A música envolvia-a e ela deixava-se levar, cada vez menos preocupada com a possibilidade de se encontrar com o seu chefe. A certa altura, pareceu aperceber-se da presença do doutor Freak. Desfez-se do rapaz com quem estava a dançar, entusiasmada com a ideia de conversar com o seu colega do hospital. Ao aproximar-se dele, Melanie reparou que estreava uma peruca nova. - Doutor Freak, não sabia que viria. Como está? - Estou bem - respondeu ele secamente. Melanie ficou a olhar para ele. Simpatizava com ele e ficou surpreendida perante a frieza da sua resposta. Algo não estava bem e quis saber do que se tratava. - Passa-se alguma coisa? - perguntou. - Já que pergunta, vou dizer-lhe, doutora Parker. Há alguns dias, quis dar-lhe um presente pelo grande favor que me fez com o menino Sommers. Nunca pensei que fosse capaz de deitar no lixo o ramo de flores que lhe enviei. Melanie sentiu como se um balde de água fria tivesse caído em cima da sua cabeça. Ficou a olhar para o chão, compreendendo como tinha sido tonta. Quando é que iria aprender a não ser tão impulsiva? Sentiu pena de Freak e lamentou tê-lo feito sentir tão mal. Tinha de se desculpar, fosse como fosse. - Pelo amor de Deus, doutor, não quis ser malcriada consigo. Pensei que tivesse sido outra pessoa a enviá-las - disse-lhe. - Estava tão zangada que nem sequer li o cartão que vinha com o ramo... Acredite em mim, foi tudo um grande equívoco. - Não sabe como fico contente por saber isso. Bem me parecia que o seu comportamento tinha sido demasiado estranho. Melanie sentia-se tão culpada que teria ficado a noite toda ao pé dele, mas não podia: o primo de Mark vinha na sua direcção para a convidar a dançar. Foi tão insistente, que até mesmo o doutor Freak lhe pediu para aceder ao convite. Perto da meia-noite, sentiu-se cansada e pensou em sair um pouco da festa. Continuava sem notícias de Taylor, que, pelos vistos, tinha arranjado melhor forma do que ela de se manter discreto. Não conseguia apagá-lo da sua mente e eram muitas as interrogaçöes que a atormentavam. Onde estaria ele? Teria decidido não ir à festa? Uma coisa era certa: sem ele nunca poderia ter respostas. Estava irremediavelmente condenada a esquecê-lo e isso fazia-a sofrer. Queria estar um pouco sozinha para pôr as ideias em ordem. Decidiu dar um passeio pelo jardim. Apesar de estar uma noite fresca, saiu sem levar casaco. O baile tinha-a cansado tanto que não pensou que poderia ter frio. Ao fim de alguns passos, descobriu um banco escondido atrás das árvores. A ideia de descansar um pouco animou-a. Era noite de Lua Cheia e o céu estava estrelado. Pensou que era um bom presságio para Laureen ter casado numa noite assim. Não conseguiu resistir à tentação de se descalçar e de tocar com os pés na relva. Nesse momento, tudo estava perfeito para ela, a não ser o facto de o homem dos seus sonhos lhe ter fechado a última porta. Foi nessa altura que se apercebeu de que alguém estava a observá-la de longe, imóvel, com o rosto oculto pela penumbra. Era somente uma silhueta, mas Melanie soube de imediato de quem se tratava. Viu-o aproximar-se, incrivelmente belo no seu fato escuro, e fechou os olhos. Não os quis abrir até ter a certeza de que não estava a sonhar. - Deixe-me dar-lhe o meu casaco, doutora Parker. O seu vestido é muito bonito, mas não a protegerá de uma constipação. Melanie conteve a respiração por uns instantes, sentmdo o seu coração bater com uma intensidade Pela primeira vez em muito tempo, não se importou com o que pudesse ocorrer depois. Daniel Taylor estava a tapar-lhe os ombros com o seu casaco à luz do luar e ninguém, nem mesmo ele, lhe podia roubar a recordação desse instante mágico. Antes que Melanie tivesse podido agradecer o gesto, Daniel estava sentado a seu lado. Sentiu-o tenso, ansioso por lhe contar como uma urgência no hospital o tinha atrasado, obrigando-o a faltar à cerimónia e atrasando também a sua chegada à festa. Por que razão lhe estaria a dizer tudo isso? Teria ele adivinhado que ela tinha estado toda a noite a perguntar por ele? Embora isso fosse verdade, não agradou a Melanie que Taylor tivesse agido como se o soubesse, fazendo-a destinatária das suas desculpas. - Suponho que já deve ter cumprimentado os noivos - perguntou Melanie com frieza. - Claro que sim - disse ele, sorrindo. - Já estou há umas horas por aqui. Melanie olhou-o incrédula. Se era verdade o que ele dizia, como era possível que não se tivessem encontrado antes? Taylor pareceu ser capaz de ler os seus pensamentos, já que não tardou em acrescentar: - Parece-me que esteve demasiado ocupada para reparar na minha presença. Devia tê-la cumprimentado antes, mas estava tão entusiasmada a dançar que seria uma pena interromper-lhe o divertimento. Melanie permaneceu em silêncio. - Esta noite captou a atenção de muitos homens. Na verdade, deslumbrou-os com a sua aparência. Aposto que neste momento estão à sua procura por toda a parte. "Outra vez a mesma coisa", pensou Melanie, olhando-o de lado. Estaria a insinuar com as suas palavras que deveria voltar à festa? Tratar-se-ia de um gesto parecido com o da outra noite, quando pretendeu empurrá-la para os braços de Jeremy? Estaria ele com ciúmes ou só a brincar com ela? Decidiu esclarecer as suas dúvidas. Estava farta de jogos contraditórios e não queria dar-lhe a oportunidade de a confundir novamente. Então, optou por calçar os sapatos e tomar as rédeas da situação. - Tem toda a razão. Acho que já é altura de voltar para a festa. Por nada deste mundo quero defraudar as expectativas da dezena de admiradores que arranjei esta noite. Talvez até encontre alguém que possa dar-me o amor que eu mereço. Devolvo-lhe o seu casaco, doutor Taylor. Já não vou precisar dele. Estava prestes a deixá-lo quando ele a deteve. - Estou a comportar-me como um miúdo novamente, não é? Ela hesitou em responder. - Peço-te que me perdoes e que fiques mais um pouco ao pé de mim. Por favor, Melanie, não vás. Era a primeira vez que a chamava pelo seu nome. Também era a primeira vez que a tratava por tu. Desconcertada perante este gesto de intimidade, Melanie voltou a pôr o casaco sobre os ombros. Ficou em silêncio, disposta a ouvir o que ele tinha a dizer. - Não consegui tirar os olhos de ti desde que cheguei. Sabia que isto ia acontecer e, por isso, hesitei tanto em vir a esta festa. A urgência para que me chamaram quase resolveu o meu dilema, mas fiquei livre cedo demais para não vir. Melanie preocupava-se em não olhar para ele, pensando que deste modo lhe seria mais fácil ser sincero. - Laureen é uma amiga muito querida para mim, alguém que merece o meu apreço, e, por isso, não quis faltar esta noite. Quando vinha a caminho, pensava na possibilidade de me desculpar, invocando um pretexto para permanecer na festa só por minutos. - Mas mudaste de ideias... - Sim - reconheceu ele. - Não consegui resistir à tentação de te observar à distância, sem que me pudesses ver, desejando loucamente separar-te de todos os hómens que te rodeavam e ter-te só para mim. Mas, como vês, também esta noite preferi manter-me à margem da tua vida. Sei que a minha atitude deve parecer-te contraditória, mas acredita que não posso agir de outra maneira. Desejo-te como nunca desejei ninguém antes, Melanie, mas não seria justo envolver-te nos meus problemas. Melanie procurou o seu olhar. Se fosse verdade que te querias manter à distância, não estarias aqui sentado e eu não estaria com o teu casaco - disse sem pensar, sabendo que era a única oportunidade que teria para chegar ao fundo da questão e descobrir o que motivava o constante distanciamento de Tayior. Tinha de o obrigar a ser sincero, forçando-o a expor a verdadeira natureza dos seus sentimentos. Era o momento de pôr os pontos nos is. Sem olhar à volta para se assegurar de que estavam sozinhos, pôs o rosto de Taylor entre as suas mãos para lhe dizer que estava disposta a envolver-se com ele e, nesse momento, simplesmente, beijou-o. Foi um beijo breve, que tentava criar entre ambos uma ponte mais concreta do que as palavras. Ela estava a dar o primeiro passo, mas faltava saber se ele também estava disposto a andar para a frente. Quando os seus lábios se separaram, Taylor levou uns segundos a recuperar, olhando-a com intensidade. Então, como se estivesse a concretizar uma secreta fantasia, começou a acariciar-lhe o cabelo, desprendendo com suavidade cada um dos ganchos que o prendiam. Fê-lo lentamente, sem se querer apressar, e cada pedaço que libertava parecia uni-los mais e mais. Foi um momento mágico, um cerimonial carregado de sensualidade. Melanie teve a deslumbrante percepção de que este homem a estava a despir devagar, livrando-a do véu que há demasiado tempo a cobria. Nunca tinha sentido tanta excitação. Nunca tinha desejado tanto que um homem a tocasse. Daniel Taylor correspondeu-lhe, atraindo-a ainda mais para ele, pondo os seus braços por baixo do casaco, rodeando com firmeza a sua cintura. Percorreu com as mãos as suas costas, demorando-se emcada toque, desfrutando de uma gradual aproximação ao corpo que tanto desejava. Melanie estremecia perante a intimidade do contacto e não conseguia deixar de tremer. Nunca se tinha sentido assim. Ali estavam eles, sem deixarem de se olhar nos ~ olhos embriagados pela força de uma paixão que lhes fazia perder o fôlego. Então, Tavlor procurou os seus labios para os beijar apaixonadamente, fazendo um esforço para não ir mais além, ambos enlouquecidos pela forma como os seus corpos se tocavam. Se estivessem em qualquer outro lugar, não teriam podido evitar fazer amor nesse mesmo momento. Só Deus sabe quanto tempo permaneceram assim. Sentiam-se num mundo à parte daqueles que os rodeavam, imersos na intensidade do seu encontro, sem repararem na presença de alguém que os estava a observar de longe. ~Era Jeremy, que aparecera na festa sem ser convidaporque alguém no hospital lhe tinha dito que Taylor também iria ao casamento de Laureen. ~Este facto levou Jeremy a apresentar-se, já que queria a todo o custo impedir que Melanie caísse nos braços de Taylor. Demorou um certo tempo a encontrá-los, dando voltas por todo o lado, aproveitando para beber cada taça de champanhee que encontrou, quando se aproximou de uma janela para dar uma vista de olhos pelo jardim. Branco como um fantasma e enlouquecido pelos ciúmes, percebeu que chegara demasiado tarde. Só pela expressão do seu rosto podia advinhar-se que iria causar problemas. Já estava embriagado quando saiu para o jardim à velocidade.de um raio, levando à frente tudo o que se atravessava no seu caminho. Encontrou-os abraçados, completamente alheios à sua presen~ Começou então a aplaudir, primeiro devagar e depois com mais força, e não se deteve até que reparassem nele. - Que fazes aqui? - perguntou-lhe Melanie, alarmada quer com a sua presença quer com o seu comportamento. - Que significaesse aplauso despropositado? - Ah! Aplaudo porque estou a presenciar uma cena verdadeiramente encantadora. E também porque não encontro melhor forma de felicitar o vencedor da batalha.~Náo é isso que se faz nestes casos? Taylor olhava para ele fixamente, tentando perceber até que ponto Jeremy estava disposto a prosseguir. - Não existe nenhuma luta e eu não sou um troféu - disse Melanie, tentando controlar a situação. - Não sei o que vieste aqui fazer, mas deixa-me lembrar-te de que este é o casamento de Laureen e não vou permitir que o estragues. Estás assim tão bêbedo que não percebes que estás a fazer uma figura lamentável? Jeremy olhou para ela com ironia. - Estás a surpreender-me, miúda. Sempre te considerei demasiado boa pessoa para te estares a envolver com um sujeito como este - disse-lhe, apontando para Taylor com desdém. - Estás a dizer que eu estou bêbedo, mas acredita que nem com todo o álcool do mundo conseguiria ser tão perigoso como ele. Ele já te deve ter falado da esposa? Melanie desviou rapidamente o olhar para Taylor, pedindo a Deus que este dissesse alguma coisa para se defender. Mas a expressão sombria no seu rosto desanimou-a por completo. Que deveria fazer Melanie? Alguma coisa tinha de acontecer. De forma instintiva fechou os olhos, desejando que fosse o seu coração e não a sua cabeça a ditar-lhe o próximo passo a seguir. Tinha dúvidas acerca de Taylor, mas foi a recordação do beijo que ele lhe tinha dado que falou no seu interior. Soube, como nunca antes, que o amava com todo o seu coração e que estava disposta a impedir que Jeremy interferisse entre os dois. - O que disseste até ao momento não é assunto teu, mas nosso - Melanie estava a responder à pergunta de Jeremy com grande convicção. - Não tens o direito de semear dúvidas entre nós. Eu sou um capricho para ti e é tudo. Vai para casa agora mesmo e deixa-nos em paz. Taylor olhou para ela embevecido. Ela estava a agir quase às cegas, confiando nele. Mas Jeremy estava demasiado fora de si para se render ao primeiro obstáculo. Sem prestar atenção à atitude de Melanie decidiu voltar ao assunto, desesperado por jogar a última cartada que tinha. - Não percebes que estou preocupado contigo, Melanie? E isso não tem nada a ver com o facto de gostar de ti. Só confrontando-te com a verdade é que posso impedir que morras. Ou por acaso ele tenciona falar-te do modo como acabou com a sua bela esposa? Queres que te aconteça o mesmo que lhe aconteceu a ela? Melanie não conseguiu evitar de sentir medo. De repente, o chão estava a fugir-lhe debaixo dos pés. Por um momento, perdeu a noção do espaço e do tempo, e nem sequer a imagem de Taylor a dirigir-se violentamente para Jeremy conseguiu devolvê-la à realidade. Só uma intervenção inesperada o conseguiu. - Deixa-o, Daniel - uma voz surgiu entre as árvores, impondo-se com firmeza. - Não vale a pena perderes a cabeça com ele. Pelo que acabo de ouvir, é apenas uma criança que faz jogo sujo. Era a voz de Laureen, que estava a poucos metros da cena. A sua expressão era tão grave que custava a reconhecer nela a pessoa do costume. Tinha aparecido no momento certo e, pelos vistos, estava disposta a pôr tudo em pratos limpos. Muitos dos convidados começaram a juntar-se em seu redor, preocupados com a perspectiva de estalar um escândalo. Laureen recuperou o fôlego para continuar. - Na verdade, doutor Qulim - acrescentou, olhando Jeremy com uma expressão gelada -, esta é uma festa privada e eu não me lembro de o ter incluído na lista de convidados. Melanie e Daniel são meus amigos e eu não vou permitir que se comporte desta maneira com eles. Não aqui, doutor. Não no meu casamento. Nesse momento apareceu em cena Mark, abrindo espaço na crescente multidão de curiosos. - Passa-se alguma coisa, querida? - perguntou ele, desconcertado, a Laureen, sem saber o que pensar acerca da presença de Jeremy, um completo desconhecido para ele. Interrogou Taylor com o olhar, que só nesse momento se decidiu a soltar a sua presa. Laureen estava a pôr Mark ao corrente da situação quando Jeremy a interrompeu. - Não se preocupe, doutora, vou-me já embora. Lamento a situação que lhe causei - disse. Perante o olhar de todos, começou a andar em direcção ao seu carro, que estava estacionado à entrada do jardim. Só tinha dado uns quantos passos quando se deteve, voltando a cabeça para olhar para Melanie com melancolia. - Pensei que era meu dever avisar-te para não te envolveres com esse sujeito, ainda que agora veja que não tem sentido meter-me nos teus problemas. Vejo-te segunda-feira, miúda, enquanto Taylor não conseguir que me ponham fora do hospital. E partiu cabisbaixo, suficientemente sóbrio para conduzir, deixando Melanie cheia de interrogaçöes. Estaria Jeremy louco ou teria falado a verdade, aindaquecom fins reprováveis e egoístas? Qual era o segredo que ocultava o homem que amava? Existiria algo reprovável no seu passado, algo que o tivesse impedido até hoje de ter alguma coisa com ela? Fosse qual fosse a verdade, este não era o momento apropriado para se ocupar do assunto. Laureen estava de pé em frente deles, nervosa, e não era isto que merecia no dia do seu casamento. Melanie sentia-se tão envergonhada que nenhum pedido de desculpas lhe parecia suficiente. Não sabia o que dizer nem como enfrentar a situação. Taylor continuava imóvel a seu lado: ao que parecia, as palavras de Jeremy tinham gerado nele um efeito devastador. Laureen voltou-se para os convidados que a rodeavam, tentando que dessem pouca importância ao sucedido. Conseguiu que regressassem à festa, depois de prometer que. em poucos minutos os acompanharia. Só Mark permanecia ao seu lado. Laureen ficou pensativa por um momento. - Ouçam bem o que lhes vou dizer: quero que se vão embora imediatamente. Melanie quis protestar, mas Laureen não a deixou. - Acabo de unir a minha vida ao homem que amo, e nem uma legião de Jeremys enfurecidos alterariam a situação. Não sou a principal afectada pelo que aconteceu, mas sim vocês. Desde o princípio que soube que estavam destinados a amar-se. Era apenas uma questão de tempo. - Olhando para Daniel acrescentou: - Meu amigo, não largues as coisas a meio. A vida está a oferecer-te uma oportunidade e, para a aproveitares, deves deixar o passado para trás. Daniel, enfrenta os teus fantasmas de uma vez e começa a desfrutar a vida. Mostra a tua dor à mulher que amas e verás como ela curará as tuas feridas. Melanie estava comovida. Percebeu que Laureen conhecia bem aquele homem e, secretamente, elogiou-a por ter sido fiel com o seu silêncio. Viu-os abraçarem-se com ternura e ouviu Daniel dizer: - Não sabes o peso que me tiras de cima. É muito importante para mim que não me consideres culpado pelo que aconteceu à Marta. Melanie nem queria acreditar: Daniel era o homem misterioso, cuja história Laureen lhe contava! Agora compreendia as contradiçöes de Daniel e cada um dos movimentos que tinha feito para a preservar daquilo que considerava uma carga trágica. -Peço-lhes que me dêem este presente de casamento: vão-se já embora, têm muito para conversar esta noite - insistiu Laureen. - Nada me fará mais fw feliz do que vos ver juntos. Voltaremos a estar juntos quando eu regressar da lua-de-mel. Comovidos com a generosidade de Laureen, Melanie e Daniel decidiram seguir o conselho. Despediram-se dela, mostrando-lhe toda a gratidão que sentiam, felicitando Mark pela mulher que tinha escolhido. Assim que entraram no carro, Melanie pediu a Daniel que a levasse para casa. Pelo modo como ele se comportava, era evidente que não se sentia capaz de a enfrentar, depois do que Jeremy tinha dito. O silêncio era profundo entre ambos e só se quebrava quando ela lhe indicava o caminho a tomar. A viagem foi longa e serviu para que cada um reflectisse sobre o que tinha acabado de acontecer. Por fim, chegaram e Taylor desligou o carro. Continuavam em silêncio sem que nenhum tomasse a iniciativa de o quebrar. Finalmente, Melanie disse: - Desculpa. - Compreendo, Melanie. Não posso culpar-te por precisares de tempo para pôr as ideias em ordem. - Não é nada disso, tonto - disse, acariciando-lhe os cabelos. - Quero que durmas comigo hoje. Nenhuma palavra poderá unir-nos tanto, só os nossos corpos falarão a verdade. O resto São coisas do passado. Apesar das palavras dela, Melanie e Daniel ainda demoraram a subir ao apartamento. A rua estava escura e Daniel não conseguiu resistir ao convite de Melanie para lhe despir o vestido. Convidou-o a percorrer o seu corpo com as mãos e com a boca. à medida que a despia, ela deixava-o cada vez mais excitado. Estremecia ao perceber que a força da sua própria paixão a estava a tornar uma verdadeira mulher. Embora fosse Melanie a incentivá-lo a tomar a iniciativa, ela não tardou a responder activamente aos seus movimentos, fazendo-o participar do intenso prazer de se tocarem. Com enorme sabedoria feminina, conseguiu que Daniel perdesse a cabeça e deixasse para trás tudo o que os pudesse separar. Ternos nuns momentos e selvagens noutros, deixaram que a força do desejo os levasse mais além. O calor dos seus corpos já tinha embaciado os vidros quando ela lhe agarrou as mãos que estavam a acariciar-lhe os seios e as conduziu até à humidade das zonas mais Intimas, para lhe mostrar que estava pronta para o receber dentro de si. Então, lentamente, ele tirou-lhe as calcinhas e começou a acariciá-la, feliz com o modo como ela mostrava o prazer que sentia e lhe pedia que não demorasse a possuí-la. O que ele, de facto, não tardou a fazer. Passaram de um conhecimento progressivo a uma paixão quase frenética e mal conseguiram esperar até chegarem a casa dela para alcançarem o climax, gemendo de prazer, embriagados de alegria e trémulos de felicidade. Separaram-se apenas para entrar, de mãos dadas, em casa. Ainda lhes restava umas horas e ambos sabiam que o amanhecer os iria encontrar amando-se, felizes. Duas semanas depois, Melanie dirigia-se à cafetaria. Ia encontrar Laureen e não via a hora de perguntar à amiga como tinha sido a lua-de-mel. Estava atrasada porque tinha tido um contratempo de última hora: um menino de aspecto triste e pernas magras estava sentado de cabeça baixa na sala de espera do hospital. Era Walt, a criança do parque, que, finalmente, se tinha cansado de vaguear sozinho pelas ruas. Melanie escutou-lhe o relato das últimas desventuras e fez um acordo com ele: Carlota cuidaria dele durante uma hora até ela regressar. Melanie apressou o passo, agradecendo aos céus a oportunidade de fazer algo pelo menino. A esta emoção juntava-se a felicidade do iminente encontro com Laureen. Entrou na cafetaria, procurando-a com o olhar. - Que tal estava Acapulco? - perguntou. - Uma maravilha! - respondeu Laureen. E contou com todos os detalhes os ultimos dias da sua vida. - Mark e eu concordamos em que tudo resultou conforme tínhamos sonhado. Felizmente que aquele mau momento vivido por culpa do louco do Jeremy durou pouco, embora ainda esteja surpreendida pela forma como consegui que ele se fosse embora. - Decidiu ir-se embora quando se deu conta de que não tinha a minima hipótese - disse Melanie. - Estou convencida de que as suas motivaçöes não eram só sentimentais. Jeremy não parece ser do género de pessoa que se sente confortável a trabalhar sob as ordens de outro. Acho que tinha inveja de Daniel e usou-me para soltar a sua frustração. - Que se passou com ele? - quis saber Laureen. - Jeremy passou a estar numa situação bastante delicada. Daniel estava disposto a não tomar medidas contra ele apesar do que tinha feito, enquanto se comprometesse a respeitá-lo. Entendeu que dependia dele mesmo a sua continuidade no cargo. - Ele mostrou-se disposto a mudar de atitude? - Nunca chegámos a saber, porque, na segunda-feira a seguir ao teu casamento, Jeremy apresentou o pedido de demissão. Apareceu mais tarde para levar objectos pessoais. Encontrou-me e disse-me que não gostava de trabalhar com crianças e que estava contente por ter a oportunidade de tratar de adultos. Acho que foi uma sorte ter-se demitido. - Sim. Os assuntos do hospital não podem ser prejudicados por questöes pessoais - disse Laureen. - O que eu não compreendo é como é que ele sabia do suicídio de Marta... - comentou em voz alta. - É fácil - disse Laureen. - Jeremy trabalhava no hospital quando tudo se passou. Uma tragédia com essas características não se consegue ocultar. Apesar disso, as pessoas respeitaram sempre Taylor, sem que ocorresse a alguém fazer um comentário ao assunto. à excepÇão de Jeremy, evidentemente, que algum tempo não teve dúvidas em usar essa informação para tentar prejudicá-lo. - Já que falamos na Marta, quero que saibas que estou orgulhosa por ser tua amiga. Sabias do meu interesse por Daniel e guardaste segredo até ao fim. Laureen dirigiu-lhe um sorriso sereno. Confesso que em mais de uma ocasião estive a contar-te tudo. Não era fácil ver-te tão desorientada, sofrendo por não saberes como interpretar Os sinais contraditórios de Daniel. Quando me contavas os teus encontros com ele, não conseguia perceber se ele tinha interesse por ti e, por isso, decidi ficar à margem da situação e ver como se desenrolavam os acontecimentos. Devia o meu silêncio a Daniel e queria dar-lhe a oportunidade de ser ele mesmo a resolver a situação. Nesse momento, repararam na presença de Daniel que entrava na cafetaria. Parecia um homem novo, alegre. Abraçou Laureen com ternura e sentou-se ao lado de Melanie, beijando-a. - Bem, parece que não perderam tempo desde a última vez que vos vi - comentou Laureen, brincando. - Estás óptimo, Daniel, ainda que tenha a sensação de que perdeste peso. - Isso é culpa da tua amiga, que não me deu tréguas desde que te foste embora - disse Daniel, rindo. - Estás a queixar-te? - perguntou Melanie, irónica. - Nada disso. Nunca na minha vida estive tão disposto a ficar em pele e osso. - No caso de resolverem fazer uma paragem nas vossas actividades - disse com malandrice -, gostava de vos convidar para jantar neste sábado. - Quem vai cozinhar? - quis saber Daniel. - Mark, claro - assegurou Laureen sem dúvidas. A resposta de Laureen fez com que Daniel expusesse uma divertida teoria acerca do extraordinário poder que têm as mulheres sobre os homens que as amam. - Já que falas de amor, Daniel, gostava de saber em que momento percebeste que estavas apaixonado por Melanie. Curiosidade feminina, percebes? - Foi quando a vi trabalhar pela primeira vez. Devias tê-la visto a imitar o Pato Donald para entreter as crianças! Nesse momento soube que ela era especial. - Laureen não está à espera que lhe contes isso - interveio Melanie. - Ela quer saber quando é que tiveste vontade de me beijar. Também quero saber. - Lembras-te do dia em que foste almoçar ao parque e eu te observei através da janela do meu gabinete? - Melanie respondeu afirmativamente com o olhar. - Pois, por estranho que possa parecer, gostei da maneira como comias. - Do que é que estás a falar? - perguntou Melanie. - Não sei. Havia alguma coisa na maneira como comias que me pareceu sensual. Por alguma razão, tive a sensação de que eras uma mulher aberta ao prazer. Sei que parece uma parvoice, mas, a partir desse momento, não mais deixei de ter fantasias contigo. Parece-te estranho? Melanie permaneceu tão pensativa que Daniel sentiu que talvez ela estivesse à espera de outro género de resposta. Preocupado, quis saber se a desiludira. - Pelo contrário, DanieL. É que acabo de me dar conta de que o meu avô era um sábio - disse ela. - Um dia, explico-te as suas teorias acerca da relação entre a cozinha e o amor, e poderás compreender como é natural para mim que te tenha conquistado assim. Enquanto Daniel a acariciava e a beijava, apareceu Larry.... Melanie fez um sinal ao empregado de que não queriam mais nada.- Tenho de me ir embora - disse, olhando para o relógio. - Se não se importam, deixo-os a conversar, já que tenho de regressar ao hospital. Daniel ficou surpreendido. - Pensei que já tinhas acabado por hoje - disse-lhe. - Tenho um assunto pendente de muita importância. - afirmou. - Lembram-se do miúdo que me roubou a mala no parque? - Claro que sim - responderam ambos. - Graças a Deus, há uma hora apareceu no hospital à procura de ajuda. Neste momento, Carlota está a ocupar-se dele, mas eu prometi voltar. Pelo que parece, confia em mim e espera que eu opossa ajudar. Tanto Daniel como Laureen perceberam que ela estava emocionada e desejaram-lhe boa sorte. - Passo lá para te buscar mais tarde - disse Daniel, beijando-a nos lábios. - Diz a Walt que eu mando dizer que ele está em boas mãos. Esse menino tem sorte em te ter encontrado no seu caminho. Melanie agradeceu as suas palavras e despediu-se. - Parece que há um final feliz para todos - suspirou Laureen. - Claro que sim. Esse éo seu melhor talento. - A que é que te estás a referir? - perguntou Laureen, interessada. - Estou convencido de que Melanie é uma mulher capaz de fazer milagres. Está a fazer a Walto mesmo que me fez a mim. Vai fazer com que a vida lhe dê uma nova oportunidade. Espero que ele a possa aproveitar. Laureen estava pensativa. Concordava com DanieL - Daniel, sabes que adoro casamentos. Agora é a minha vez de ser madrinha. É melhor não perderes tempo a pedir a Melanie que se case contigo. Um sorriso começou e espalhou-se na cara de Daniel Taylor. A expressão no seu olhar era tão brilhante, que Laureen não teve dúvidas: brevemente haveria outro casamento e, agora, cabia-lhe a si escolher o vestido mais adequado à ocasião. Fim