A Esperança de amar Fionna Hood-Stewart Digitalização: Rita Revisão: Ster Lopes Victor Santander é um brasileiro bilionário e arrogante que não permite que mulher alguma tenha domínio sobre ele. Por isso decide levar Araminta Dampierre, uma delicada inglesa, para cama apenas por prazer. Seus únicos objetivos são despertar a na­tureza apaixonada de Araminta, satisfazer o de­sejo dos dois e ir embora... Mas o que ele não esperava era que acabaria perdidamente pos­suído pelos encantos de uma bela mulher! — Por que você não passa a noite aqui? — perguntou ele, repentinamente. — Olhe isso nunca deveria ter acontecido. Nunca aconteceu antes — disse Araminta, envergonhada. — Aconteceu porque nós dois queríamos que acontecesse — disse ele, com dureza. — Porque somos adultos que sentem desejo um pelo outro. — Talvez — ela admitiu, resgatando o sapato sob a almofada. — Mas isso não é razão para... bem, para... — Para irmos para a cama? — terminou ele. — E por que não? Não posso pensar numa razão melhor. — Não? — exclamou ela, subitamente irritada. — Bem, eu posso. Milhões delas. Você demorou um bom tempo para se lembrar delas, querida. A Esperança de amar Fionna Hood-Stewart ISBN 85-7687-106-8 # HARLEQUIN ROMANCE 9788576871064 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Copyright © 2004 by Fiona Hood-Stewart Título original: THE BRAZILIAN TYCOON'S MISTRESS Editoração Eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda. Tel.: (55 21) 2240-2609 Impressão: RR DONNELLEY MOORE Tel.: (55 11) 2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para as bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ - 20563-900 Tel.: (55 21) 3879-7766 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4° andar. São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ - 20921-380. Correspondências para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971. Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br CAPÍTULO UM Era uma terça-feira cinzenta, de uma tarde de outubro, quando Araminta Dampierre estacionou distraidamente seu velho Land Rover em frente a uma loja de uma pequena cidade, sen­tiu um solavanco e ouviu um baque. Desanimada, virou o ros­to. Logo atrás de seu carro estava estacionado um veículo no qual acabara de bater. Com um suspiro, Araminta desceu do carro e avaliou a bati­da no pára-choque do Range Rover cinza-prateado. Seu pró­prio Land Rover já não estava mesmo em bom estado, mas o outro carro estivera em perfeitas condições, obviamente era o modelo mais recente e brilhava de tão novo. Araminta olhou para os dois lados da rua vazia à procura do possível dono. Mas não havia ninguém por perto. Dando uma última olhada no estrago que fizera, Araminta decidiu ir fazer suas compras e esperar para ver se o dono do carro aparecia. Talvez o proprietário do veículo reluzente, que começava a detestar, retornasse nesse meio tempo, provavel­mente muito irritado. Na mercearia, Araminta entregou a lista para o Sr. Thomp­son e esperou pacientemente enquanto ele procurava os produtos nas prateleiras. — E como está sua mãe? — perguntou o comerciante grisa­lho de óculos. — Minha mãe está bem, obrigada — respondeu Araminta com um sorriso no rosto. — Já se recuperou daquela crise de bronquite. — Bem, graças a Deus. — O Sr. Thompson sorriu do outro lado do balcão. — É só isso? — Obrigada, acho que é só isso. Pode colocar na conta, como de costume. E mande lembranças para a Sra. Thompson. — Obrigada, senhorita. Pode deixar que eu mando. Araminta voltou à calçada, sacola de papel nos braços, pen­sando o quanto era curioso que as pessoas do local ainda a chamavam de "senhorita", mesmo já tendo 28 anos, casado e ficado viúva. Voltou para o carro, colocou as compras no banco de trás e pensou no que fazer, já que ainda não havia sinal do motorista do Range Rover. Ele ou ela poderia demorar séculos para apa­recer. Não podia ficar esperando a tarde toda. Relutante, Araminta pegou um bloco e uma caneta da bolsa e rabiscou o que esperava fosse um bilhete legível e colocou sob o limpador de pára-brisa do Range Rover. Não havia mais o que fazer. O motorista poderia entrar em contato com ela e poderiam trocar informações por telefone sobre as respectivas companhias de seguro. — Cheguei! — disse Araminta, entrando pela porta da sala de visitas da mansão Taverstock, onde sua mãe estava sentada lendo perto da lareira. — Ah! Que bom. Acabei de pedir a Olive para trazer o chá. — Tudo bem. Desço em um minuto. Só vou deixar as com­pras na copa. — Tenho de fazer alguma coisa em relação ao bazar de Na­tal. Talvez você pudesse ajudar Araminta. Em vez de ficar rabiscando esses seus livros infantis horrorosos. Está na hora de você se restabelecer e fazer alguma coisa de útil. Afinal de contas, quando seu pai morreu, eu não passava meu tempo por aí à deriva. Eu me recuperei. — Mãe, por favor. Não vamos começar esse assunto de novo. — Oh! Muito bem. Ela realmente tinha de achar um lugar só para ela, refletiu enquanto descia as escadas e colocava as compras sobre a mesa da copa. Era culpa sua estar sujeitando-se aos comentários sem sentido de sua mãe. Mas não tivera coragem ou recursos, para ficar na casa onde havia morado com Peter. Juntara todas as coisas, para colocar tudo em ordem e vendê-la, livrando-se da hipoteca. A primeira coisa que Victor Santander viu quando caminha­va em direção a seu novo Range Rover foi o amassado no pára-choque direito. Moveu-se em direção ao amassado e exami­nou-o mais de perto. Algum idiota batera com a traseira no carro dele e não tivera a cortesia de esperar. Ele se agachou, examinou o amassado e deu-se conta de que o pára-choque inteiro teria de ser trocado. Levantou-se bufando e percebeu um pedaço de papel sob o limpador de pára-brisa. Pelo menos o culpado tivera a decência de deixar o telefone, ele percebeu ligeiramente mais calmo com o pedido de desculpas. Estava assinado "A. Dampierre". Oh, bem, era melhor ligar assim que chegasse ao solar Chippenham, para onde se mudara no dia anterior. Um incidente em seu primeiro dia nessa curiosa cidadezinha inglesa não o fez pressentir coisas muito boas para o futuro. O tempo estava horrível. Mas combinava com seu humor, refletiu ele. Muito melhor que o fortíssimo sol de sua terra natal, sem o qual podia viver, por agora. Ao menos podia cicatrizar suas feridas em paz e quieto, sem ter de suportar o escândalo social que inevitavelmente teria de enfrentar no Rio de Janeiro, assim que descobrissem o novo caso de Isabella. Ao menos aqui o deixariam em paz. De volta ao solar, entrou pelo hall e foi saudado por latidos. Sorriu para Lolo, sua cadela da raça labrador, vindo apressada pelo tapete, agitada com a chegada do dono. — Calma linda — disse ele, acariciando a cabeça da cadela e seguindo em direção ao escritório. — Você vai se acostumar a viver aqui nessa casa grande. Com certeza vai gostar mais do que da nossa cobertura no Rio — murmurou ele, lembrando-se ele seu amplo e moderno apartamento em Ipanema, feliz de estar bem longe dele e de todo o horror das desagradáveis sur­presas de sua ex-futura esposa. Isso era o mais afastado que podia ficar de Isabella, tanto física quando mentalmente, refle­tiu ele, entrando no escritório. Tirou o bilhete do bolso e olhou-o brevemente. Achou que era melhor ligar de uma vez para A. Dampierre e resolver o problema. Contendo a irritação, sentou-se na ampla escrivaninha, co­berta por fotografias de corridas de cavalos, e discou o número, percebendo que A. Dampierre devia morar por perto, pois ti­nha o mesmo código de área. — Alô, mansão Taverstock — uma voz feminina aristocrá­tica atendeu. — Boa tarde. Eu poderia falar com... — hesitou ele. — A. Dampierre? — A. Dampierre? Ah! Acho que você deve estar se referin­do a... Aguarde um momento, por favor. — Ele ouviu um som à distância. — Alô? — Outra voz, muito mais suave, entrou na linha e, por alguma razão que não podia definir, Victor ficou surpreso ao saber que “A" era uma mulher. Tinha imaginado um fazen­deiro robusto. — Desculpe, deixaram um bilhete no meu carro. Foi à se­nhora? — Ah! Sim. A batida. Olhe mil desculpas pelo que aconte­ceu. Bati sem querer no seu carro. — Não tenho dúvida alguma disso — murmurou ele, seca­mente. — Não estava prestando muita atenção, receio eu — a voz feminina murmurou, tentando se defender. — Isso — ressaltou ele — ficou bem claro. — Bem, tenho certeza que meu seguro vai resolver o proble­ma — replicou a voz da mulher. — É claro — disse ele. — Desculpe por todo o inconveniente — ela continuou o tom de voz muito mais frio. — Se houver algo que eu possa fazer... — Diminuiu o tom de voz. — Acho que não. — Talvez eu possa ligar para o seguro imediatamente e ex­plicar? Victor foi tomado por uma curiosidade. — Talvez fosse melhor nos encontrarmos, e eu poderia lhe dar as informações do meu seguro. Uma hesitação seguiu-se. — Tudo bem. Quando seria bom para você? Victor pensou. Não tinha compromisso algum agora que se mudara e seus cavalos estavam instalados com segurança no solar. E por alguma razão inexplicável, aquela voz o intrigara. — O que acha de amanhã de manhã? — Tudo bem para você às dez horas? — Tudo bem. Mas não em frente à mercearia, se você não se importa — ele adicionou, com uma pitada de humor. Uma risadinha deliciosa ecoou do outro lado da linha. — Não, acho melhor não. Onde exatamente você mora? — No solar Chippenham. — No Chip... Oh! Então você é nosso novo vizinho. — Vizinho? — E. Moro na mansão Taverstock. Nossa propriedade compartilha uma divisa com a sua. — Ah! Entendi. Então já está mais do que na hora de nos apresentarmos. Victor Santander, às suas ordens. — Araminta Dampierre. — Prazer. Então, posso passar aí às dez? — Humm... se você não se importar, eu passo aí. Tenho de ir de qualquer jeito em torno desse horário — disse ela, apressadamente. — Como quiser. Espero você às dez. — E, mais uma vez, me desculpe pela batida. — Tudo bem. O estrago já foi feito mesmo. Até amanhã. Ele desligou o telefone e se levantou para pegar um copo de uísque antes de se acomodar para examinar o futuro dos dois cavalos que mantinha em seu haras perto de Deauville. — Quem era o homem com voz estranha ao telefone? — perguntou lady Drusilla, olhando com um ar especulativo a deliciosos bolinhos feitos mais cedo por Olive. — Oh, é nosso novo vizinho no solar. Parece ser tão autocrático. — E. Muito esquisito mesmo. Estrangeiro, em minha opinião. A. Dampierre. Que jeito estranho de perguntar por alguém. — Não foi culpa dele. Deixei um bilhete no carro dele e devo ter assinado A. Dampierre. — Um bilhete no carro de um desconhecido? — Lady Drusilla ergueu as sobrancelhas, horrorizada. — Francamente, Araminta, no que você estava pensando? — Bati sem querer no carro dele — explicou Araminta com paciência, curvando-se para servir o chá. — Que descuido terrível. — Sei disso — disse ela com firmeza. — Na verdade, ele foi muito gentil em relação a isso. — E deveria ter sido mesmo. Não é todo dia que alguém tem o privilégio de levar uma batida de uma Taverstock. — Mãe, por que você tem de ser tão pretensiosa? — excla­mou Araminta, os olhos azul-escuros cintilando face à ridícula declaração da mãe. — Vou tentar saber, através de Marion Nethersmith, quem exatamente ele é e o que está fazendo no solar — continuou lady Drusilla, como se sua filha não tivesse falado. — Foi um mistério e tanto. Ninguém sabia quem estava se mudando. Eu acho péssimo o fato de as pessoas não saberem mais nada sobre seus vizinhos. Eles podem ser qualquer coisa. — Bem, logo saberei — disse Araminta. — Vou passar lá amanhã as dez com as informações do meu seguro para resol­ver esse assunto. — Araminta, acho difícil acreditar que você, uma mulher casada, ou melhor, uma viúva, esteja se menosprezando dessa maneira. Por que não disse para ele vir aqui? — Porque — Araminta quase disse: Eu não sujeitaria nin­guém, muito menos um estranho, ao seu comportamento into­lerável. Em vez disso, fechou a boca e deu de ombros. — Te­nho de ir até a cidade de qualquer maneira. — Ah! Muito bem. Me passe um bolinho, querida. Sei que não devia, mas suponho que um não vá me fazer mal. CAPÍTULO DOIS Às dez horas em ponto, Araminta, vestindo jeans, suéter, capa de chuva e botas, estacionou no chão de pedras em frente ao solar Chippenham, percebendo que os jardins estavam bem cuidados e a entrada varrida. Quem quer que fosse o Sr. Santander, obviamente gostava de ordem. Por alguma razão, esse fato a deixou um pouco menos ame­drontada. Era prazeroso ver que o solar abandonado e deserto por longos anos depois da morte do Sr. Edward e ignorado pelo primo distante que o herdara e cujo interesse era apenas financei­ro estava sendo cuidado de maneira adequada pelo novo dono. Descendo do velho Land Rover, Araminta estremeceu ao ver o amassado no Range Rover. Com um suspiro, subiu os degraus e apertou a campainha. Foi atendida por um homem uniformizado. — Sr. Santander está me esperando — disse ela, surpresa com a elegância do homem. O solar Chippenham era uma casa grande e confortável, mas ninguém esperaria que funcionários uniformizados atendessem à porta. — Sra. Dampierre? — o homem perguntou respeitosamente. — Sim, isso mesmo. — Por favor, me siga. — O funcionário abriu a porta e ace­nou para que entrasse. Araminta olhou à volta, mal reconhecendo o local. O hall fora completamente redecorado. Ficou encantada com a parede, com os candelabros contemporâneos. Havia um arranjo de flores par­ticularmente atraente numa mesa no centro do chão de mármore branco que, na época do Sr. Edward, parecia gasto e sujo. — Por aqui, madame — disse o homem, guiando-a até a sala de visitas. Quando chegou perto da porta, Araminta ficou deslumbrada. Não havia mais as paredes verdes mofadas, as cortinas de franjas e os porta retratos melancólicos dos antepassados do Sr. Edward. Foi saudada por uma pintura bem clara, cortinas brancas, sofás contemporâneos com almofadas em tons suaves, e as paredes ti­nham os quadros mais extraordinários que já vira. — Você parece surpresa com o aspecto da sala. Araminta virou-se, quase tropeçando na borda do tapete, de­pois engoliu em seco quando seus olhos encontraram um par de olhos escuros, ligeiramente espantados. O homem que en­trara pela porta que ligava a sala ao escritório tinha cerca de l,80m. Os cabelos negros estavam grisalhos nas têmporas e as feições — bem, as feições eram seguramente nobres. — Espero que seja admiração e não repugnância que a faça olhar para esta sala de modo tão crítico — disse ele, olhando-a de cima a baixo. Depois, aproximou-se e estendeu a mão. — Sou Victor Santander. — Araminta Dampierre — murmurou ela. — E eu não esta­va sendo crítica de maneira alguma, simplesmente estou mara­vilhada com o fato de que a sombria sala de visitas do Sr. Edward tenha se transformado numa sala tão deslumbrante quan­to esta. — Você gosta? A mão dele segurou a dela um pouco mais do que necessá­rio. Surpresa com a sensação boa que sentiu subir pelo braço, Araminta puxou a mão rapidamente. — Sim. É... bem, é tão inesperada, clara e tão... não inglesa. Mas não parece inoportuna. — Ela terminou de modo pouco convincente, esperando não ter soado rude. Já era ruim o bas­tante ter batido no carro do homem. — Muito obrigado. Vou tomar isso como um elogio. Acho que ilumina o lugar. Mas espero não ter exagerado na arte lati­no-americana — disse ele. — Ah! Não — ela lhe assegurou, olhando para os quadros mais uma vez. — Isso faz com que ela seja absolutamente in-comparável. Então, lembrando-se do porquê de estar ali, endireitou-se e desejou estar vestindo algo mais elegante do que jeans e suéter. Não que isso fosse fazer diferença, é claro. Mas vê-lo tão segu­ro de si, tão irritantemente bem em calças bege de tecido cane­lado com corte perfeito, a camisa e a gravata cobertas por um Cashmere amarelo pálido, deixaram-na desejando ter sido mais Neleliva. — Devo me desculpar mais uma vez por meu comportamen­to descuidado de ontem. Sinto muito por ter causado um estra­go no seu carro. — Isso não tem importância. Não quer tirar seu casaco e sentar? Manuel vai nos trazer um café. — Virou-se para o serviçal e murmurou algo numa língua que ela não pôde entender. O homem se aproximou e pegou o casaco dela, antes de desa­parecer mais uma vez. — Por favor. Sente-se. — Ele indicou um dos sofás. — Você disse que somos vizinhos? Lembro de ver uma referência à mansão Taverstock no mapa daqui. Pertence a você e a seu marido? — perguntou Victor, observando a graciosa e alta mu­lher à sua frente, os grandes olhos azuis, a pele perfeita e os longos cabelos louros caídos no ombro de um suéter acima de seu número, que não permitia uma boa apreciação de seu cor­po. Como era linda sua nova vizinha. Mesmo sendo descui­dada. — Não. É da minha mãe. — Ele a observou afundar nas almofadas, elegante, apesar da casualidade da roupa, e sentou-se no lado oposto. — Como eu disse me sinto péssima por ontem. Mas trouxe os papéis do seguro para que possamos resolver isso o mais rápido possível. Ah! — exclamou ela. — Os papéis estão no bolso do casaco. — Manuel vai trazê-lo. Deixe os papéis para lá — disse ele, desprezando o assunto. —Obrigada. Ele a olhou de cima a baixo especulativamente. — Francamente, estou muito feliz por você ter batido no meu carro. Caso contrário, eu não nunca teria tido a oportuni­dade de conhecer minha vizinha. Ele sorriu para ela e, mais uma vez, Araminta surpreendeu-se com a beleza dele. Também teve a impressão de que estava sendo despida aos poucos. — Bem, isso é muito cortês de sua parte — disse ela, ajeitando-se no sofá e mudando o olhar de direção quando Manuel apareceu segurando uma bandeja com café e biscoitos. — Ah, aqui está Manuel com o cafezinho. — Ele sorriu de novo, mostrando dentes perfeitos. — No meu país, bebemos isso o dia todo. — Seu país? — Tinha notado um leve sotaque, mas não conseguira identificar de onde. — Sou brasileiro. No Brasil, bebemos xícaras de café forte o dia todo. Esse café que vai beber foi trazido da minha própria plantação — ele adicionou orgulhoso. — Se você gostar, pos­so lhe oferecer um pouco para levar para casa. — Muita gentileza sua — murmurou Araminta, levemente oprimida pelo jeito autoritário do anfitrião. Ela o observou servir o café preto denso nas duas xícaras antes de lhe entregar uma. Então, quando esticou o braço para pegar o pires, os dedos se tocaram novamente, e ela sentiu a mesma sensação de antes — algo parecido com uma carga elé­trica percorreu Araminta, que se encostou rapidamente no sofá, quase derramando o café. — Espero que você não beba café descafeinado — disse ele, a voz suave, mas os olhos permitindo que ela soubesse que ele sabia o que ela acabara de sentir. — Oh! Não. Eu adoro café. Está delicioso — ela assegurou, dando um gole na forte bebida. — Bom. Manuel vai lhe mandar para casa com um pacote de café Santander. — Muito obrigada. Agora, em relação ao seguro... — disse ela, colocando a xícara cuidadosamente no pires, determinada a manter-se na linha e não se distrair com a poderosa aura desse homem. — Talvez devêssemos... — Não quero ser mal-educado — replicou ele, olhando-a —, mas temos mesmo de continuar falando de um pára-choque amassado? Afinal de contas, isso é um problema de pouca im­portância. Fale de você: quem você é e o que faz. Araminta, sem o costume de ser tratada de maneira tão dire­ta, sentiu-se repentinamente desconfortável. O olhar dele pare­cia penetrar seu ser, ultrapassando o escudo de proteção que erguera depois da morte de Peter. De repente, parecia ter desa­parecido, deixando-a aberta e vulnerável ao olhar predatório desse homem. — Não tenho muita coisa para contar — disse ela, rapida­mente. — Moro na mansão e escrevo livros infantis. — Você é escritora? Que fascinante. — Não mesmo — respondeu ela, friamente. — É só um em­prego, e eu gosto dele. Agora, realmente acho Sr. Santander, que lemos de falar sobre o seguro do carro. Preciso ir à cidade; tenho muitas coisas para fazer ainda de manhã — insistiu ela, olhando relógio de pulso, sentindo que já estava mais do que na hora de dar um basta naquela conversa estranha e desconcertante. Ele a olhou intensamente por um momento, depois relaxou, sorriu e deu de ombros. — Muito bem. Vou pedir a Manuel para trazer seu casaco. — Há! Sim... obrigada. Não sei como fui esquecer os papéis no bolso. — Não é nada — replicou ele, com suavidade. — Você é escri­tora. Pessoas criativas são naturalmente distraídas porque vi­vem boa parte de suas existências dentro de suas histórias. Araminta ergueu o rosto, surpresa com a percepção dele, e sorriu involuntariamente. — Como sabe disso? — Sei porque tenho muito a ver com artistas. — Ele apontou para as paredes. — A maioria desses quadros foi pintada por artistas amigos meus. Sou amante das artes, por isso tenho muito a ver com essas pessoas. São brilhantes, mas nenhuma delas sabe onde colocou a chave. Nunca fico surpreso quando chego à casa de uma delas e a luz foi cortada porque alguém se esqueceu de pagar a conta! Ele deu uma risada forte, que a fez engolir em seco. E para deixá-la ainda mais desconcertada, quando os olhos dos dois se encontraram, Araminta sentiu outro arrepio. Incapaz de conter o calor que aumentava dentro dela, teve um acesso de riso. Percebeu que não ria assim há muitos anos. Desde a última vez em que ela e Peter... Ela precisava parar de pensar assim — de associar tudo na vida com seu casamento. — Você, obviamente, tem uma visão clara de como são os artistas — disse ela, sorrindo para Manuel quando ele lhe en­tregou o casaco. Tirou os papéis do bolso com cuidado para não deixar cair seus pertences: chaves, carteira, coleira do cachorro, uma ce­noura para Rania — sua égua — e alguns torrões de açúcar. Ela o viu olhando os documentos amassados e enrubesceu. — Estão um pouco amassados; ficaram no meu bolso por algum tempo. — Desde que estejam dentro da validade, não tem impor­tância. — Certo. — Araminta fingiu concentrar-se no conteúdo dos documentos, mas achou difícil fazer isso quando ele se levan­tou e veio até ela, depois se sentou casualmente no braço do sofá e olhou os papéis por cima dos ombros dela como se já a conhecesse há algum tempo. Sentiu o perfume almiscarado de sua colônia masculina. — Aqui, Sr. Santander — disse ela, mudando rapidamente de almofada. — Dê uma olhada. Talvez devêssemos ligar para a empresa. — Por que não deixa comigo? — disse ele, pegando os do­cumentos e examinando-os brevemente. — Vou cuidar disso. A propósito, já que somos vizinhos e não somos idosos, talvez pudéssemos nos chamar pelo nome de batismo? — Sim, acho que sim — replicou ela com indiferença, ten­tando com muito esforço parecer que encontros desse tipo aconteciam todos os dias. Levantou-se rapidamente. — É me­lhor eu ir. Obrigada pelo café e por ser tão compreensivo em relação ao acidente. — De nada — respondeu ele, levantando-se. — Deixe-me ajudá-la com o casaco. Um outro tremor pegou-a de surpresa quando as mãos dele tocaram seus ombros. — Foi um prazer conhecê-la, Araminta. — Victor inclinou-se e, para surpreendê-la ainda mais, beijou-lhe a mão. — Liga­rei assim que souber mais sobre o seguro. — Sim, por favor. — Ela deu um sorriso nervoso e foi em direção à porta. Quanto mais rápido escapasse, melhor. Victor levou-a até o hall e, depois de um rápido aceno, Ara­minta desceu rapidamente os degraus da frente da casa. Sentiu-se aliviada quando entrou no Land Rover e seguiu pela estrada. O que estava acontecendo com ela? Desejou saber. O que aquele homem tinha para deixá-la tão atordoada e, ao mesmo tempo, tão atraída? Era ridículo. Ela não se interessava mais por homens, sabia perfeitamente que nunca encontraria um homem como Peter, com seus cabelos louros, o olhar meigo e o charmoso jeito innlr.s de ser. Até sua mãe gostava de Peter, o que significava muita coisa. É claro que ele não havia sido muito capaz — ou prudente — com o dinheiro dos dois e fizera alguns investimentos ruins. Mas isso não importava mais — afinal de contas, era apenas dinheiro. Deveria ignorar o fato de que, por causa de seu descuido, ela agora era obrigada a morar com a mãe. A morte tinha uma maneira engraçada de amenizar os defeitos e acentuar as qualidades. Victor Santander voltou à sala de visitas e olhou fixamente para o lugar no sofá onde Araminta estivera sentada. Tinha tido uma surpresa agradável, ele tinha de admitir. Não conse­guia se lembrar de ter tido prazer em conversar com uma mu­lher que mal conhecia. Havia jantares ocasionais no Rio, Paris e Nova York que terminavam na suíte de seu hotel. Mas desde Isabella, perdera toda a confiança no sexo oposto. Então, por que achara a com­panhia de Araminta estranhamente agradável? Até mesmo fi-iiini com os papéis do seguro como uma desculpa para entrar cm contato com ela novamente. E ela parecera estranhamente tímida — algo com o qual também não estava acostumado, como se não estivesse se sentindo confortável por estar ao lado de um homem. A coisa toda era intrigante. Não que estivesse aqui para ficar intrigado, ou para perder seu tempo flertando com vizinhas. Viera para o interior da Inglaterra procurar paz, ter certeza de que seus cavalos estavam sendo bem treinados e examinar os seus empreendimentos financeiros sem ser interrompido. No entanto, Araminta, com seus olhos azuis intensos e o cabelo louro macio, havia iluminado seu dia. Suspirando e balançando a cabeça, Victor tirou Araminta de seus pensamentos e voltou ao trabalho. CAPÍTULO TRÊS — Duzentos mil exemplares! — exclamou Araminta, sem acreditar. — Quer dizer que eles gostaram tanto assim de meu livro? — Gostaram — seu empresário Pearce Huntingdon respon­deu do outro lado da linha. — Estão falando de entrevista na televisão. Vai ser um frenesi. Prepare-se para o sucesso! — Mas eu não sei se quero isso. Quero dizer, é claro que quero que meus livros sejam um sucesso e também quero ga­nhar algum dinheiro. Mas não todo esse... — Luxo. Você vai amar. — Não, não vou — respondeu ela, com firmeza. — Não quero que marque nenhuma publicidade sem me consultar pri­meiro. Ainda não estou pronta para essas coisas. Houve um pequeno silêncio. — Araminta, quando é que você vai esquecer o passado e encarar o fato de que tem um futuro brilhante pela frente? Sei que começou a escrever com o objetivo de se distrair. Mas já está na hora de levar você e sua carreira a sério. Todas as crian­ças do país vão amar seu livro se fizermos uma boa propagan­da. Por favor, acorde e sinta o cheiro do café. A referência ao café fez com que Araminta se lembrasse dos olhos negros de Victor Santander e depois olhasse para o paco­te dourado de café fresco que estava na pia da cozinha. Ele havia mandado o café mais tarde. — Olhe, vamos conversar sobre isso quando soubermos que é real — ponderou ela, não querendo discutir com Pearce, que podia ser terrivelmente persuasivo quando queria. — Vou pen­sar sobre isso e ligo para você. — Tudo bem, mas não pense demais. Não vou deixar você perder a chance da sua vida porque está determinada a se afun­dar no passado. Quando desligou o telefone da cozinha, Araminta percebeu que, pela primeira vez em meses se sentia muito animada. Pa­recia que seu livro ia decolar e, apesar do desejo de bani-lo de mm cabeça, não conseguia parar de pensar no sorriso cativante p nu colônia almiscarada de seu vizinho. Que absurdo! Estava reagindo como uma adolescente diante de um rosto bonito. Isso tem de parar, repreendeu-se, olhando para o relógio de pulso e percebendo que já estava quase na hora do chá. Não havia lugar na sua vida para outra coisa que não escrever seus livros e sair da casa de sua mãe. O resto — vida social, amigos, um homem e essas coisas — teria de esperar um momento em um futuro distante no qual tentava não pensar muito. — Ele era horrível? — investigou lady Drusilla assim que Araminta trouxe a bandeja com o chá. — Quem? O novo vizinho? — É claro. Eu não perguntaria sobre o novo leiteiro. Queria que você fosse menos vaga, Araminta. E uma característica sua bastante irritante. Contando até 20, Araminta colocou a bandeja na mesa e lembrou-se de que, se tudo corresse bem, se seu livro realmente decolasse, não teria de aturar as chatices de sua mãe por muito mais tempo. — Então? Como ele era? — insistiu lady Drusilla. — Ah! Simpático — respondeu Araminta evasivamente. — O que quer dizer com simpático? Ele é jovem? Velho? Bonito? Rico? Ou apenas comum? — Sinceramente, mãe, ele foi muito educado em relação ao fato de eu ter batido no carro dele e de que terá de ir ao mecâ­nico. E não, não era nem um pouco comum. Bem o oposto, na verdade. Achei-o muito cavalheiro. Deu-me um pacote de café. — Café? — Lady Drusilla levantou uma sobrancelha em admiração. — Quer dizer que ele é um comerciante de ali­mentos? — Não. Ele é, entre muitas outras coisas, imagino eu, dono de uma plantação de café no Brasil. O principal é que ele é muito agradável e parece que será um bom vizinho. A propósi­to, ele é brasileiro. — Nunca pensei em ver um brasileiro plantador de café no solar. O pobre Sr. Edward deve estar se revirando no caixão. Não consigo entender por que o primo dele não ficou com o lugar. — Graças a Deus não ficou. Vi o sujeito uma vez e já foi o suficiente para saber que seria o tipo de vizinho que não ia fazer falta. — Humm... Acho que você está certa. Ele não era muito simpático, não é? — Não, mãe, não era. E posso lhe garantir que Victor Santander é bem diferente de Henry Bathwaite. Além disso, fala um inglês perfeito. Talvez tenha sido criado aqui. — Talvez tenha tido uma mãe inglesa... ou talvez uma babá — meditou lady Drusilla. — Você sabe que esta noite eu tenho de presidir o comitê do baile Hunt e preciso da sua ajuda, não é? — Mãe, desculpe, mas eu simplesmente não tenho tempo. Tenho de terminar o meu livro. Lady Drusilla apertou os lábios. — É inacreditável você abandonar suas verdadeiras respon­sabilidades por causa de livros infantis ridículos. Pensei que tivesse criado você melhor. Araminta quase contou à mãe sobre os 200 mil exemplares que seu editor estava colocando no mercado, a festa de lança­mento planejada, mas reconsiderou. Quanto menos sua mãe soubesse, melhor. Então, conteve-se com dificuldade e ficou em silêncio. Talvez valesse a pena fazer algumas aparições públicas, por mais detestáveis que fossem, se isso significasse que poderia comprar sua liberdade e finalmente ser ela mesma. Três dias depois, lady Drusilla acabara de pegar sua cesta para colher alguns vegetais do jardim quando o telefone tocou. — Alô? — disse ela, olhando pela janela, irritada por ser interrompida quando tinha certeza de que estava prestes a cho­ver. — Dom dia. Poderia falar com a srta. Dampierre, por favor? — Sra. Dampierre. Desculpe, mas ela não está. Quem gostaria de falar com ela? — Victor Santander. — Ah! O novo vizinho. Sou lady Drusilla Taverstock, mãe Sra. Araminta. — Como vai? Ainda não tive o prazer de conhecer a senhora, mas espero que isso seja superado num futuro próximo. Lady Drusilla ficou mais afável. Pelo menos, o homem tinha boas maneiras. — Como vai? Talvez pudesse vir jantar conosco um dia desses. — Seria ótimo. — Lady Drusilla pensou rapidamente. Ela precisava conhecê-lo antes de Marion Nethersmith. Então, poderia falar com os outros sobre ele. — O que acha de amanhã à noite? — Será um prazer. — Que bom. Espero você às sete e meia para tomarmos um drinque. — Obrigado. A senhora pode dizer à sua filha que levarei os documentos do seguro dela amanhã? — Claro. — Até amanhã. Bom, pensou lady Drusilla, enquanto pegava a cesta mais uma vez, Marion vai se roer de curiosidade e inveja. — Você fez o quê? — exclamou Araminta, horrorizada, as mãos na cintura. — Convidei-o para jantar. Araminta, você está com proble­ma de audição? — Mas, mãe, como pôde? Mal o conhecemos. — Jogou as mãos para cima, em desespero. — Não consigo entender por que você está fazendo todo esse estardalhaço. Só convidei nosso novo vizinho, que você diz ser perfeitamente respeitável, para jantar. — Não consigo acreditar. Você nem me perguntou se eu queria... — Com os olhos brilhando, Araminta sentou-se na poltrona mais próxima, tentando entender por que pensar em Victor Santander vindo jantar a deixava tão perturbada. Depois que Araminta contou lady Drusilla que os empre­gados do solar usavam uniforme, ela decidiu preparar um jan­tar para impressioná-lo, contratando uma equipe. As sete e quinze do dia seguinte à cama de Araminta estava empilhada de roupas rejeitadas, enquanto oscilava entre vestir um vestido Armani que nunca usara e calças cinza de seda e uma blusa. Talvez o vestido fosse requintado demais para um simples jantar. Talvez as calças fossem apagadas demais. Depois de trocar-se pela terceira vez, finalmente decidiu usar as calças e, depois de uma última olhada no espelho — tinha colocado um pouco de maquiagem, por alguma razão desconhecida —, desceu as escadas sentindo-se confiante como não se sentia há meses. Talvez fosse hora de preocupar-se mais com sua aparência, decidiu ela, principalmente se tivesse de se auto-promover. O pensamento a fez tremer enquanto caminhava até a sala de vi­sitas, onde sua mãe estava dando as últimas instruções para os contratados. Mesmo no escuro, iluminada apenas pelos faróis dos carros e pelas luzes do jardim, a mansão Taverstock era imponente, refletiu Victor enquanto estacionava o carro. Desceu do carro pensativamente, ajeitou a jaqueta do terno cinza-escuro, subiu elegantemente os degraus da frente da casa e tocou a campai­nha. Uma mulher alegre, vestindo um uniforme, abriu a porta e conduziu-o ao hall de pé-direito alto e em direção à sala de visitas, de onde vinham vozes e o tilintar de cristais. Sob a porta, ele parou por um momento e observou a cena. Depois viu Araminta. Apreciou a visão por 30 segundos. Sua intuição estava certa: ela era tão sensacional quanto tinha imaginado. Era deslumbrante — e deliciosamente sexy, percebeu observando-a falar com um senhor perto da lareira. Esbelta e longilínea, as curvas de seus seios delineavam-se sob a blusa de seda... Seus pensamentos foram abruptamente interrompi­dos. — Ah! Sr. Santander, suponho? — Uma mulher muito distinta, em seus sessenta e poucos anos, usando um vestido preto com um broche de diamantes no lado esquerdo do peito, veio na direção dele. — Boa noite, lady Drusilla. — Muito obrigada pelas lindas flores. Não precisava — murmurou ela, observando cada detalhe de Victor. — Agora, venha conhecer os outros. Você conhece Araminta, é claro, este é o coronel Rathbone e a Sra. Rathbone, moram perto da­qui, na velha casa paroquial, e esta é a srta. Blackworth. — Ele cumprimentou educadamente uma senhora mais velha em um vestido roxo e um colar de pérolas de três voltas antes de virar-se para falar com o vigário. — Vigário, posso lhe apresentar o Sr. Santander? Nosso novo vizinho do solar. Lady Drusilla não perdia o tom de satisfação. Parecia que estava gostando de apresentá-lo à sociedade local. Neste mo­mento, ele ergueu os olhos e avistou Araminta. Permaneceram olhando-se por um momento, e ele pôde ler em seus olhos certo desconforto. Depois de trocar algumas palavras com o vigário, deu a volta para ir ao encontro dela. — Boa noite. — Boa noite — replicou ela, sorrindo educadamente, disfar­çando o pulso acelerado. — Espero que não fique entediado. Receio que o interior não oferece muito em matéria de di­versão. — Não vim para cá à procura de diversão — disse ele. Sua presença e seu perfume deixavam Araminta agradavelmente tonta. — Na verdade, vim em busca de paz e tranqüilidade. Não esperava sair tão cedo — ele completou. — Mas, é claro, é um grande prazer conhecer os vizinhos. Principalmente quando são tão... agradáveis. — Ele a olhou de uma forma que a fez sentir-se feminina e desejada, algo que não sentia há sé­culos. — O que posso pegar para você beber? — perguntou ela. — Um uísque e água, por favor. Contente por ter uma desculpa para ocultar sua perturbação, Araminta ocupou-se com o drinque. O que estava errado com ela? Ele não tinha nada de especial. Era apenas um vizinho. Victor observou-a preparar o drinque. Uma linda mulher com toneladas de sensualidade. Ela provavelmente tinha mari­do. Desejou saber onde ele estava. Para uma mulher casada, era estranho ela ser tão tímida. Ou talvez tivesse se divorciado há pouco tempo. Talvez isso explicasse sua reticência. Do lado oposto da mesa, Araminta observou sua mãe sub­metendo-o a um interrogatório e admirou sua educação, res­postas concisas e discretas. Mas daria tudo para essa noite não ter acontecido! Quando o café já havia sido servido e a maioria dos convidados já tinha partido, estava pronta para conduzi-lo até a porta. — A noite foi muito agradável — disse ele, olhando-a nova­mente do mesmo jeito avaliativo que a deixou levemente sem fôlego. — Poderia convidá-la para um jantar amanhã no solar? Afinal, não tivemos oportunidade de falar sobre o seguro. — Não, não tivemos — admitiu Araminta. — Tudo bem para você? Ou prefere jantar no Bells, em Sherington? Ouvi dizer que a comida de lá é excelente. — Acho que não posso — disse ela rapidamente, ao ver sua mãe pairando pelo hall. — Por que não nos falamos amanhã e marcamos um horário conveniente para conversar sobre os pa­péis? — Como quiser. — Beijou-lhe a mão. Depois, para surpresa dela, passou os lábios pela parte interna de seu pulso. Araminta prendeu a respiração quando sentiu um calor vin­do do alto ao abdome. Engoliu em seco e puxou a mão, perce­bendo o brilho diabólico nos olhos dele e o sorriso maroto nos lábios. Ficou louca de raiva por dentro devido à sua reação idiota. Ele foi em direção ao carro, elegante e predatório. Com o coração acelerado, Araminta observou o carro partir velozmente pela estrada, virou-se com um suspiro aliviado e entrou. Isso era ridículo. Como podia ficar nesse estado porque um homem tocara sua mão? Graças a Deus recusara o convite para sair com Victor Santander, já que ele a afetava tanto. Nunca ficara excitada com homem algum que conhecera. No entanto, por motivos inexplicáveis, esse brasileiro — que era quase um estranho — mexera com algo dentro dela. Tanto ele amedrontava quanto a excitava. Seu instinto a advertia que quanto menos visse o homem, melhor. Sabia muito pouco dele, mas sentia que havia algo sofisticado e perigoso nele. Ele era, disse a si mesma com firmeza, a última pessoa com quem gostaria de envolver-se. Isso se estivesse pensando em se envolver com alguém — o que, é claro, não estava. — Araminta? — Sim, mãe, estou indo. — Araminta fechou a porta da frente e voltou à sala de visitas, onde sua mãe estava sentada confortavelmente ao lado da lareira, esvaziando a última taça de champanhe. — Devo dizer que fiquei positivamente surpresa com nosso novo vizinho. Sabia que ele estudou em Eton? — Não sabia. Mãe, se não se importa, acho que vou me deitar — disse ela, passando a mão na testa. — Estou com um pouco de dor de cabeça. — Tudo bem — murmurou ela. CAPÍTULO QUATRO Alguns dias depois, Araminta disse a si mesma que o que sen­tira pelo vizinho não era nada além de uma atração passageira. Tinha se mantido ocupada, lendo e relendo a prova de seu livro para ter certeza de que não deixara passar nenhum erro antes de mandar a versão final para seu editor. Mas hoje estava tirando uma folga e resolveu dar um passeio a cavalo. Adorava o vento frio nos cabelos e a sensação de liberdade — tão diferente de estar confinada dentro de casa em frente ao laptop, como estivera nos últimos dias. Mas, pelo menos, esta­va tudo pronto e podia mandar pelo correio amanhã. Diminuindo a velocidade, Araminta percebeu um outro cavalo e um cavaleiro saindo do arvoredo. Olhou na direção deles e seu coração ficou paralisado. Não poderia ser Victor Santander! Estivera tão envolvida com o trabalho que esquecera o recado telefônico que ele deixara. Agora, enquanto os cavalos se aproxi­mavam, ela se repreendia. Victor provavelmente estaria irritado por ela não ter telefonado de volta. E tinha todo o direito. Victor parou o lindo cavalo castanho e olhou para Araminta com apreciação. Estava um tanto adorável montado naquela égua. Ficava intrigado com o fato de uma mulher ser exterior­mente tão indiferente a ele; no entanto, tinha certeza que ela escondia profundos desejos sexuais. De repente, a idéia de empenhar-se em seduzir Araminta e descobrir se aqueles desejos realmente existiam tornou-a enormemente atraente. Descobrira que era viúva. Bom. Sem mari­do ciumento. Além disso, nunca seduzira uma viúva. Essa po­deria ser a primeira. — Olá — disse ele casualmente, cavalgando ao lado dela, percebendo o quão adorável ela era, o rosto rosado e os cabelos dourados despenteados pelo vento, entre os quais desejava po­der passar os dedos. — Olá. — Não recebeu meu recado? — perguntou ele, olhando-a no olho, não permitindo que ela escapasse. Seria muito divertido ver Araminta Dampierre contrair-se ao seu toque. — Receio que esqueci de retornar a ligação — ela se descul­pou. — Estive muito ocupada com meu livro nos últimos dias. — Entendo — respondeu ele friamente. — Bem, entrei em contato com a companhia de seguro e vão lhe mandar alguns formulários para serem preenchidos. — Desculpe. Devia ter me lembrado. — E, devia. — Olhe, não sei o que dizer. — Mordeu os lábios e freou o cavalo. — Sinto muito. — Humm. — Ele a olhou com atenção, desejando saber se eslava pronta. Assim como a égua que estava controlando, Araminta precisaria ser tratada com cuidado, refletiu ele. Obviamente, tinha pouca experiência em lidar com os homens. — Há alguma coisa que eu possa fazer para me desculpar? —perguntou ela. — Na verdade, sim — disse ele, esboçando um sorriso, agonia que ela chegara aonde ele queria. — Me diga... o quê? — Jante comigo hoje à noite. — Eu acho... — Você disse que queria se desculpar — ele ponderou com um olhar sarcástico. — Sim, mas... — Mas? — Ele fez um olhar interrogativo. — Jantar comigo será penoso assim? — É claro que não. Tudo bem — concordou ela, sorrindo. — A que horas? — Às oito horas no solar. Mas posso pegar você, se preferir. — Não, não precisa. — Então, à toute à Vheure — disse ele, em francês, antes de olhar para o céu. — Melhor voltar para casa antes que a chuva caia. Acompanho você até a estrada. — Virou o cavalo e seguiu em direção à estrada. Incapaz de recusar um desafio, Araminta correu atrás dele. Logo estavam correndo um ao lado do outro e chegaram à es­trada simultaneamente. — Parece que empatamos — disse ele, admirando-a. — Isso foi divertido! — exclamou Araminta, dando risada. — Não podemos deixar de repetir o exercício — concordou ele, inclinando-se e pegando a mão dela. — Espero você às nove. Quando ele a deixou, Araminta desejou saber por que diabos aceitara o convite se sabia que era perigoso. Esse homem era gentil demais, astuto demais, e a crescente atração que ela sen­tia por ele ridícula. Mas certamente poderia controlar essa atra­ção tola. Não seria tão difícil. Virando o cavalo, seguiu para casa dizendo a si mesmo que só precisava ter autocontrole. Nada mais. Ele estava perto demais para que se sentisse cômoda, perce­beu Araminta enquanto escutava a análise de diversos quadros que adornavam com elegância as paredes da sala de visitas. Araminta demonstrava interesse e se perguntava como um ho­mem que ela mal conhecia podia ter tal poder sobre ela. Era como se ela tivesse mudado; sentia um desejo primitivo, algo que sempre desprezara em outras mulheres. A verdade é que nunca sentira tal desejo. Na verdade, agora que estava pen­sando sobre isso, quase nunca se sentira apenas fisicamente atraída por alguém. Mesmo Peter. Demorou a perceber que estava gostando dele. E não era apenas desejo sexual. O jantar estava maravilhoso. Victor esforçou-se para deixá-la à vontade. Para seu espanto, Araminta fez algumas confi­dencias a ele, falou sobre o próximo livro e algumas de suas esperanças e medos nesse campo. E ele a ouvia, obviamente interessado e admirado. Araminta sorriu quando trocaram olhares, os olhos escuros penetrando-a como se conseguissem ler sua alma. Tremeu e desejou que ele não tivesse idéia alguma do que ela ocultava na mente. — Você está com frio?—perguntou Victor, passando o braço pelo ombro dela e puxando-a ligeiramente em sua direção. — Não, estou bem — murmurou ela, consciente de que sua pulsação estava acelerada, desejando afastar-se dele. Mas o corpo não obedecia à cabeça. — Me deixe tirar seus óculos. — Victor colocou-os sobre a pequena mesa perto dele, os olhos hipnotizando-a. Havia um ja;;;. locando ao fundo e, por um momento, Araminta pergun­tou se isso era real ou apenas um sonho do qual acordaria repentinamente. Victor aproximou-se mais um passo, e ela pôde sentir o ca­lor de seu corpo e o perfume de sua loção pós-barba. Seu olhar hipnótico se concentrava nela, e Araminta não pôde resistir aos braços dele envolvendo-a. De repente, soube que, desafiando a i a/.ão, queria o beijo desse homem mais que qualquer coisa. li o beijo veio. Inesperadamente calmo no primeiro momen­to e depois mais forte; a língua explorava sua boca de um jeito novo, diferente de tudo o que tinha vivido com Peter. Não era um beijo rápido, uma preparação para o que viria a seguir, mas um beijo lento, calmo, lânguido, delicioso. Mesmo quando o beijo ficou mais forte, Araminta sabia que nunca tinha sentido nada parecido antes, e lentamente se dei­xou invadir por uma miríade de sensações: sentiu o corpo se render, fraco e derretido em seus braços, sentiu a ereção dele i onira seu corpo e sabia que nunca desejara um homem como desejava Victor Santander. As mãos dele agora percorriam seu corpo, passeando por suas costas, pela região das costelas, trazendo-a para mais perto, acariciando-a, até que, alheia à realidade, suspirou de tanto desejo. Quando voltou à realidade, estavam deitados em um dos enormes sofás e Victor desabotoava habilmente os botões de sua blusa de seda. A razão dizia-lhe para colocar imediatamen­te um ponto final nisso tudo, mas seu corpo desejava o toque dele e não conseguia fazer nada para deter aquela violenta in­vestida. Quando o dedo polegar dele tocou seu mamilo através do fino tecido do sutiã, ela soltou um gemido sufocado, e uma onda de calor fez com que arqueasse o corpo e ansiasse pelo toque de seus dedos, que agora removiam todas as barreiras, movendo-se até encontrar o desejo úmido e latejante entre suas pernas. Gemeu de prazer e jogou a cabeça para trás, incapaz de fazer outra coisa a não ser sucumbir a essa deliciosa tortura, abrir caminho para esse turbilhão de sensações que explodiram quando os dedos finalmente alcançaram seu âmago. — Você é linda — sussurrou ele — e eu quero você. Quando Araminta estava em seus braços, recuperando-se do orgasmo mais inesperado e arrebatador de sua vida, ouviu uma voz em sua mente. Isso não podia estar acontecendo, não devia estar acontecendo. Ela permitira que um homem que mal co­nhecia a tocasse intimamente. O que Victor devia estar pensan­do dela? Na verdade, neste exato momento, ele estava determinado a tirar o resto das roupas dela. Com um impulso, ela se ergueu e saiu dos braços dele. — Alguma coisa errada, querida? — perguntou ele, passando os dedos nos próprios cabelos, os olhos cintilantes de desejo. — Não... sim... olhe, não sei o que aconteceu — murmurou ela com a voz rouca e os cabelos despenteados, procurando o sutiã e a blusa. — Sei... que isso parece absurdo, mas, honesta­mente, não sei como isso aconteceu. Começou a mexer na presilha do sutiã e nos botões da blusa, desejando estar a milhas de distância, sentindo o rosto quei­mar. Era impensável e vergonhoso ter se comportado de tal maneira com um completo estranho. Victor levantou-se do sofá e ficou olhando para ela, pensativo. Não fez nenhum esforço para detê-la, apenas contemplou suas tentativas atrapalhadas de arrumar-se como se fosse o es­pectador de ura show. Mas o que acontecera para ela reagir assim? pensou ele. Ele se considerava um bom juiz de caráter, e sua repentina disposição para sucumbir a suas carícias o surpreenderam. Agora, diante do resultado do que acontecera, achou que sua primeira opinião — de que ela era relativamente inexperiente e não sabia o quanto era atraente e sensual — provavelmente estava correta. Bem, então, talvez tenha sido melhor mesmo não terem ido além. Caminhou até a janela para se acalmar. Foi melhor assim, repetiu ele para si mesmo. No entanto, não podia fingir que o que acabara de acontecer entre os dois não tinha sido incrivelmente sedutor e, para sua total surpresa, inigualável. Tudo bem, foram apenas alguns beijos e carícias, mas — Victor cortou os pensamentos e virou-se. — Por que você não passa a noite aqui? — perguntou ele, espontaneamente. — Olha isso nunca deveria ter acontecido. Nunca aconteceu antes — disse Araminta, envergonhada. — Aconteceu porque nós dois queríamos que acontecesse — disse ele, com dureza. — Porque somos adultos que sentem desejo um pelo outro. —Talvez — admitiu-a, resgatando o sapato de baixo da almofada. — Mas isso não é razão para... bem, para... —Para irmos para a cama? — terminou ele. — E por que não? Não posso pensar numa razão melhor. —Não? — exclamou ela, subitamente irritada. — Bem, eu posso. Toneladas delas. — Você demorou um bom tempo para se lembrar delas, querida — murmurou ele, secamente. —Talvez. Não sei onde eu estava com a cabeça. Desculpe. Não tive a intenção de lhe dar uma má impressão. Olhe... preciso ir para casa. Ele a observou pegar a bolsa, ignorando a pontada de decepção. Mas por que sentir decepção? Talvez fosse uma prova de que ainda era, apesar do que linha passado com Isabella, irracionalmente romântico. Ou Araminta era menos inocente do que parecia? Ele, mais do que ninguém, sabia do que as mulheres eram capazes. Por que essa seria diferente? Dirigindo de volta à mansão Taverstock, Araminta não conseguia parar de se perguntar como podia ter agido de maneira tão devassa. Nada remotamente parecido ocorrera antes em sua vida, nem mesmo quando era adolescente. Graças a Deus, voltou n a razão a tempo. Por um momento, pensou em Peter, e uma nova onda de culpa assolou-a. Não pensara nele a noite inteira, não se lembrou das noites calmas e delicadas que haviam passado um nos braços do outro depois de um suave, mas não muito excitante, sexo. Araminta passou a marcha com irritação enquanto entrava pelos portões da mansão Taverstock. Por que se elevara a alti­tudes desconhecidas ao toque de um quase estranho, e nunca durante o curso de seu tranqüilo casamento com um homem que sabia — tinha certeza absoluta disso — que amara? Algo muito sério devia estar acontecendo com ela. Confusa demais para entrar em casa e possivelmente enca­rar a mãe, Araminta guardou as chaves do carro no bolso e foi em direção ao jardim de rosas. Com um suspiro, olhou para a lua entre as nuvens e tentou entender o que acontecera. Não conseguia achar uma justificativa para seu estranho comporta­mento. Era melhor ter certeza de que isso não aconteceria novamente. Victor estava agitado demais para ir para a cama, e perma­neceu por um bom tempo na janela, desejando saber por que ela permitira que ele fosse tão longe. Era inocente ou hipócri­ta? Ponderou, desejando expulsar a frustração que ainda o atormentava. De qualquer maneira, foi melhor ela ter levanta­do e ido embora quando quis. Caso contrário teria sido desconcertante vê-la acordando a seu lado, pois não tinha outra intenção a não ser um bom e gratificante sexo. Foi até a sala de visitas e serviu-se de uma dose de conhaque antes de se sentar para trabalhar um pouco antes de dormir. Meia hora mais tarde, viu que era impossível concentrar-se no projeto em mãos. Devia estar cansado, concluiu. — Maldita Araminta — exclamou, expulsando de seus pen­samentos a imagem de sua adorável expressão ao alcançar o orgasmo em seus braços, e o estranho prazer que sentira ao ouvir o pequeno gemido de surpresa que dizia um tanto clara­mente que ela nunca chegara àquelas alturas antes. Com um suspiro, virou o copo de conhaque. Depois, desli­gou as luzes e subiu para o quarto, determinado a tirar a vizinha dos pensamentos. CAPÍTULO CINCO Não havia por que fingir que nada acontecera, percebeu Araminta no dia seguinte. Apenas tinha de encarar o fato de que devia ter ficado louca por alguns inexplicáveis minutos. Mas não pôde pensar muito sobre o ocorrido na noite anterior, pois logo de manhã o telefone tocou. — Araminta, é Pearce. Olhe, eles vão adiantar a data de lançamento do livro e estão organizando uma festa imensa no Ritz. Não consigo acreditar... vão publicá-lo em tempo recorde disse, ele, com excitação. — E eu devo estar lá? — Claro que sim, bobinha. Você é a única pessoa que tem de estar lá, faça chuva ou faça sol. — Mas eu acho que... — Mais uma palavra e eu grito — rosnou Pearce ao telefo­ne. — Araminta, é o seu livro, o seu sucesso. Não se sente nem um pouco animada com isso? Garota, você vai ganhar milhões quando as vendas decolarem! —Sério? É, suponho que sim — murmurou ela, vagamente. O pensamento de estar exposta a estranhos, de ter de sorrir e bater papo, parecer inteligente e responder a perguntas sobre o livro era atemorizante. — Araminta, não é o fim do mundo — continuou Pearce, pacientemente. — Você era uma pessoa sociável antes de se casar com Peter. O que há com você? — Peter não gostava muito de sair, então raramente saíamos. — Araminta, Peter não está mais conosco — disse Pearce, cuidadosamente. — Você tem de aprender a se virar sozinha. Graças a seus próprios esforços você vai ser um grande sucesso. Aproveite, menina, em vez de sair correndo. — Vou pensar — murmurou ela. — Quando vai ser a festa? — Em três semanas. — Assim tão rápido? — chiou Araminta. — É. Só Deus sabe o que estão fazendo para imprimir os livros a tempo. E é melhor você ir para Londres comprar um vestido decente para a ocasião. Não pense que pode vestir es­ses seus jeans. Quero que esteja deslumbrante. Se quiser, vou com você. — Não será necessário — respondeu. Tudo estava aconte­cendo tão depressa: primeiro, a noite de ontem, agora isso. Era como se os eventos a atropelassem. Quando desligou o telefone, ouviu sua mãe chamando-a das escadas e estremeceu, fechando os olhos. Talvez essa fosse realmente sua chance de se mudar dali. — Araminta, preciso da sua ajuda no baile — disse lady Drusilla, entrando no hall. — Desculpe, mãe, mas estarei fora — respondeu ela, dis­traída. — Fora? — Vou a Londres. Tenho de resolver umas coisas sobre meu livro. Vai haver uma festa de lançamento no mesmo dia do baile. — Meu Deus. Que desagradável. Eles não podiam marcar essa festa em outro dia? Não é tão importante assim, é? — Na verdade, é — replicou Araminta, pela primeira vez ciente do que estava prestes a alcançar. — Vão publicar 200 mil exemplares. — Parece um tanto exagerado, não? — Lady Drusilla er­gueu as sobrancelhas em reprovação. — Espero que não enca­lhem nas prateleiras. Seria um desperdício de papel. Furiosa com a resposta da mãe, Araminta deu meia-volta e decidiu que Pearce estava certo. Ela precisava continuar sua vida e não ter mais de aturar a mãe. Na verdade, decidiu ela, subindo as escadas e enxugando as lágrimas do rosto, o quanto antes fosse a Londres procurar algo decente para comprar, melhor. Três semanas depois, Araminta encontrava-se no salão do Ritz, cercada por Pearce, pelos jornalistas, pelos editores e al­gumas celebridades. Havia estandes com cópias de O leite de Phoebe e a promessa do mágico, garçons circulando e um quarteto de jazz tocando ao vivo. Piscou para ver se tudo era real. Viu-se de relance num espe­lho e achou que estava linda no vestido Dolce & Gabbana, com os cabelos escovados por um cabeleireiro da moda. Sentiu-se confiante e capaz de lidar com o agito do lançamento do livro. Então, quando se virou para responder à pergunta feita por um jornalista, ficou paralisada. Não podia ser Victor Santander do outro lado do salão, olhando-a com admiração. Victor Santander a observava de longe e ria sozinho. Afinal, ele estava certo em ter vindo. Quando seu velho amigo Pearce Himtingdon comentara do lançamento de um grande livro que ia chegar ao topo das listas, ele perguntara quem era o autor. Quando Pearce mencionou o nome de Araminta, Victor deu um jeito de ser convidado. Agora, olhando-a do outro lado do salão, Victor sentiu a mesma atração ardente. Ela estava muito diferente, elegante e sofisticada, num vestido que sutilmente acentuava cada curva de sua figura delgada e sensual. Não tinha muita certeza do motivo por que viera. Talvez a memória daquele mesmo corpo esbelto contorcendo-se em seus braços tivesse permanecido em sua mente, apesar de sua determinação em não deixar que ela se demorasse por lá. Percebendo que Araminta o vira, atravessou o salão até ela, não dando brecha para que escapasse. — Boa noite... e parabéns — disse Victor, aproximando-se Hiinvemente, deixando-a imprensada entre ele e o jornalista. — Boa noite. — Que feito esse, hein? Parece que seu livro vai ser um sucesso. — Hummm. Obrigada. — Hummm? Isso é tudo que tem a dizer? — O que você espera que eu diga? "Isso. Vou ser a número um na lista dos mais vendidos”? — perguntou ela, irritada. — Não fique irritada, querida — murmurou ele, decidindo deixá-la à vontade. — Tenho certeza de que já ouviu todo tipo de elogio exagerado e já não agüenta mais. Ligeiramente mais pacífica, Araminta olhou-o nos olhos e percebeu seu ar brincalhão. — Na verdade, você está certo. Além disso, não estou acos­tumada a usar salto alto e meus pés estão me matando. Victor sorriu, fez um inventário rápido do salão e viu os convidados começando a ir embora. — Sabe, podíamos escapar sem ninguém ver e ir a algum lugar para jantar. Você podia arrancar os sapatos embaixo da mesa. — Não posso abandonar minha própria festa — disse ela, tentada com o convite. A tensão de ter de sorrir e ser brilhante a noite toda estava começando a pesar sobre ela. — A propósi­to, me diga uma coisa, o que você está fazendo aqui? — Fui convidado — disse ele, com um sorriso devastador. Araminta percebeu que já havia várias mulheres olhando na direção deles. — Por quem? — perguntou ela friamente. — Por Pearce. — Pearce? — exclamou ela. — Você conhece Pearce? — Estudamos juntos em Eton. Almoçamos juntos hoje e ele mencionou seu nome e o lançamento. E dei um jeito de ser convidado. — Deu uma risadinha arrogante e atrevida. — Va­mos, — ele a encorajou, a voz aduladora — seja um diabinho. Você já fez sua parte para o livro. Não tem de ficar até o último convidado ir embora. — Pearce vai me matar. — Não se preocupe com Pearce. Ela olhou para ele e sorriu novamente. — Você sabe ser muito mandão, não é? — Quando é preciso. — E o que fazemos? — perguntou Araminta, percebendo, atônita, que estava flertando com ele. Ele passou o braço pelo dela e andou discretamente em dire­ção à porta à esquerda. — Não faça essa cara. Vamos passar pelo saguão como se estivéssemos indo tomar um ar. — Preciso pegar meu casaco. — Pode pegar na chapelaria amanhã. — Mas vou morrer congelada. Está... — Eu aqueço você, não se preocupe. — Realmente acho... — Araminta, fique quieta e faça o que eu mando — ordenou ele, agarrando a mão dela enquanto atravessavam o saguão do hotel. — Meu carro está esperando. Quando pisaram no lado de fora, Araminta viu o carro de Victor. Um chofer saiu e rapidamente abriu a porta. Logo de­pois, estavam indo em direção a Piccadilly. Victor estava com o braço em volta dela, esfregando seus ombros, não de maneira sedutora, mas de um jeito prático. Alguns minutos depois, pararam em frente a Annabel, uma discoteca na praça Berkeley. Quando estava no toalete retocando a maquiagem, Araminta pensou sobre o estranho rumo que a noite tomara. Tinha de ser louca para estar aqui com Victor Santander. Mas sentia-se estranhamente alegre. O entusiasmo por cau­sa de seu livro era real, a imprensa estava falando dele, e ama­nhã estaria nas prateleiras. Esperava que vendesse o que acre­ditavam que fosse vender. Seria terrível se, depois de toda essa comoção, o livro fosse um desastre. Mas queria aproveitar a noite. Victor era inteligente, divertido e boa companhia. Mas estava determinada a não se desviar do caminho de volta à casa de sua amiga Sara. Sorrindo, fechou a bolsa e entrou na dis­coteca. Ela era verdadeiramente adorável, percebeu Victor quando o garçom levou-os até a mesa e ele pediu champanhe. Adorá­vel, inteligente e bem-sucedida. Uma combinação interessan­te, pensou. Teve tempo de observá-la circulando entre os con­vidados da festa, observou sua elegância, o sorriso gracioso — muito diferente da pessoa que dera a impressão de ser antes. Intrigante. — Vamos dançar? — perguntou ele, depois de terem termi­nado o jantar e estarem bebendo champanhe novamente. Ele notou um brilho de precaução surgir nos olhos de Ara­minta. — Uma trégua. Não vou tentar seduzir você. É só uma dança. — Tudo bem. Levantaram-se e juntaram-se aos outros casais na pista de dança, balançando ao suave ritmo latino. Quando os braços fortes dele a circularam, Araminta sentiu um arrepio — aquela mesma deliciosa e perigosa sensação que sentira quando a to­cara antes — e se lembrou de onde e como aquele toque termi­nara. Havia séculos que não ia a uma discoteca — desde antes de seu casamento, pois Peter odiava discotecas. Esta noite levou-a de volta à época em que era garota e passava longas e diverti­das noites com os amigos, visitando diferentes lugares da moda. Mas tudo aquilo acabou abruptamente quando se casou e se mudou para o interior. Victor mostrou ser excelente dançarino, conduzindo-a sua­vemente pela pista, e ela se deixou levar, gostando como nunca imaginou que fosse possível. Ele foi divertido e adorável a noite inteira, nunca mencionando o encontro anterior, obvia­mente determinado a deixá-la à vontade. Mas, contrariando toda a lógica, Araminta começou a sentir uma pontada de de­cepção. A música terminou e eles retornaram à mesa para beber mais do delicioso champanhe. Victor ficou repentinamente pensativo, e ela olhou seu gracioso perfil moreno de cima a baixo, desejando saber no que estava pensando. — Tenho uma proposta a lhe fazer — disse ele finalmente, olhando-a diretamente através dos olhos dourados que a deixa­vam completamente vulnerável. — O quê? — A leve agitação de seu coração a fez engolir em seco. — Estou partindo depois de amanhã para a Normandia. Te­nho uma casa e cavalos em treinamento lá. Gostaria que você fosse comigo. Araminta deu um gole no champanhe. — Acho que não vai ser possível. — Por que não? Não estou chamando você para dormir co­migo, mas para vir como uma amiga. Só alguns dias para des­cansar. Meu avião está pronto. — Não acho que deveria ir — respondeu ela. — Acho que não seria apropriado. Além disso, não tenho roupa suficiente aqui, e preciso voltar para casa. — Para quê? Para encontrar com sua mãe e ouvir as fofocas do baile, querida? — Ele sabia exatamente o que estava acon­tecendo na casa dela. — Pensei que gostaria de dar um tempo de tudo aquilo. Verdade. No entanto, sabia que estava em terreno perigoso. — É muito gentil de sua parte me convidar — replicou Ara­minta, soando afetada aos próprios ouvidos. — Mas é que... — Não estou sendo gentil — interrompeu ele. — Eu gosto da sua companhia. Não estou fazendo um jogo para seduzir você — adicionou. — Afinal, você tem de concordar que o que aconteceu aquela noite foi por consentimento mútuo. — Eu... — Deixe de ter vergonha de algo perfeitamente normal que nós dois gostamos. O que aconteceu, aconteceu. Está no passa­do. Podemos recomeçar como amigos. Eu realmente gostaria da sua companhia — disse ele, com uma voz gentil, passando as mãos sobre as dela. — E meu casaco no Ritz? — disse ela, tentando pensar numa desculpa e imaginando o que sua mãe diria se soubesse que a filha estava pensando em voar para a França em um avião particular com um homem que conhecia muito pouco. Este último pensamento a fez decidir. Já tinha recebido or­dens suficientes de lady Drusilla. E, embora odiasse admitir, Victor estava certo. Precisava de um tempo. — Está bem. Vou com você — disse ela, repentinamente, espantada com a própria ousadia. — Posso aproveitar o dia de amanhã para comprar mais algumas roupas. — Ótimo. Então, é melhor irmos — disse ele, com um sor­riso satisfeito, acenando para o garçom. CAPÍTULO SEIS O avião aterrissou no aeroporto de Deauville, e Araminta e Victor logo estavam dentro do carro seguindo em direção a Falaise, uma cidade histórica ainda dominada por centenários castelos. Estava chovendo razoavelmente quando pararam o carro numa encantadora casa de moinho, logo abaixo dos muros do castelo. — Que lindo! — exclamou ela, enquanto Victor entrava no quintal. — Fico feliz que tenha gostado — comentou ele. — Tenho este lugar há dois anos, mas não venho com muita freqüência. — Não acrescentou que comprara a propriedade antes de Isabella realizar sua proeza, e vir aqui, de alguma maneira, fazia com que se lembrasse de todo o desastroso relacionamento. Mas hoje parecia diferente. A presença de Araminta fazia com que fosse possível rele­gar a regiões esquecidas do cérebro os pensamentos negativos que associava a Isabella. Quando se aproximaram da porta da frente, ela se abriu e uma mulher de meia-idade apareceu com um sorriso largo. — Bonjour, monsieur Victor — exclamou, sorrindo para Araminta enquanto pegava as malas dele. — Bienvenu. E tão bom vê-lo de volta. — Olá, madame Blanc, é bom vê-la também. — Quanto tempo o senhor pretende ficar? — perguntou ela, subindo as escadas de pedra sobre a qual havia um lindo cande­labro de bronze. — Alguns dias — replicou ele. — Você pode colocar as coisas de madame Dampierre no quarto da torre — acrescen­tou ele, saindo do caminho para que Araminta entrasse na am­pla sala de visitas. O estilo era bem diferente do solar. As paredes eram pinta­das de rosa e cobertas de pinturas clássicas, havia grandes pol­tronas de veludo e sofás confortáveis em frente à enorme lareira em que o fogo estalava. — É encantador! — exclamou Araminta, abrindo as mãos perto do fogo. — Estou surpresa por você não passar mais tempo aqui. — Está? — Ele se juntou a ela perto do fogo. — Acho que poderia. Tenho meus cavalos numa outra propriedade, não limito longe daqui. — Então, você mantém seus cavalos aqui e em Sussex? — ela investigou. — Sim. Costumava... Ele interrompeu o que dizia, olhando fixamente para as cha­mas, e ela desejou saber onde ele estava. Parecia estar muito distante, como se estivesse recordando uma outra época, um nutro lugar. — O que acha de bebermos alguma coisa? — perguntou Victor, voltando ao presente. — Adoraria. — Então vou abrir uma garrafa de champanhe. Espere aqui. Volto num segundo. Com um suspiro, Araminta afundou-se numa poltrona, con­tente por ter vindo. Era relaxante estar num lugar tão calmo e acolhedor. Não que a mansão Taverstock não fosse calma, mas a sensação de que sua mãe pudesse entrar e fazer alguns co­mentários — geralmente negativos — a deixava tensa. —Tinha uma garrafa no gelo — comentou Victor enquanto subia os degraus. Ainda era de manhã, mas o champanhe parecia apropriado. Quando ele lhe entregou a taça, Araminta sorriu. Na verdade, desde que o avião decolara sentia um sorriso borbulhando por dentro. — Ao seu sucesso — disse ele, erguendo a taça, o olhar preso ao dela. — Que seu livro fique no topo da lista dos mais vendidos. — Obrigada — respondeu ela, sinceramente. Agora que en­carava a possibilidade de sucesso de perto, parecia mais doce do que imaginara. E significava que finalmente poderia esca­par da mansão Taverstock. — No que está pensando? — perguntou ele, sentando no sofá oposto e esticando as pernas compridas em direção ao fogo. — Nada demais. — Vamos lá, me conte, eu não mordo. Não, pensou Araminta, você beija. E muito bem. Mas estava determinada a não permitir que pensamentos como estes a in­vadissem. — Estava pensando que, se tudo correr de acordo com o planejado, vou poder comprar minha própria casa — observou ela, dando um longo gole em seu champanhe. — Está planejando se mudar de Sussex? — Ainda não sei. — Sacudiu os ombros. — É só uma idéia. — O que sua mãe diria? — perguntou ele, o tom de voz delicado e os olhos fixos no conteúdo da taça. — Não tenho idéia. Provavelmente muita coisa. — Ela gosta da sua companhia — observou ele, com sagaci­dade. — Não, na verdade, não. Gosta de ter alguém que dependa dela e em quem possa mandar. — E alguém com quem possa implicar? Araminta ergueu o rosto rapidamente. — Como você sabe? — Avalio bem o caráter das pessoas, só isso. Sua mãe pare­ce ter uma personalidade forte. — Dominadora, você quer dizer — retrucou Araminta. — Acho que a culpa é minha, mas às vezes acho mais fácil do que começar uma discussão. — Você não gosta de discussões? — Detesto. — Seu casamento era harmonioso? — perguntou ele, com calma, mudando de posição no sofá para poder olhar melhor em seus olhos. — Era... era sim. Muito. — Entendo. O tom de sua voz fez com que o harmonioso soasse desinte­ressante. — Não era tedioso — acrescentou ela rapidamente. — Não disse que era. — Era... Bem, era... — Ela tentava desesperadamente en­contrar uma palavra que pudesse definir seu casamento com Peter e que não soasse negativa. — Chato? — completou ele. — Nem um pouco — respondeu ela, um pouco rápido de­mais. — É claro que não era chato. Era bom, agradável e... — Previsível? — pressionou ele. — Sim. E não vejo o que há de errado nisso — respondeu ela, na defensiva. — Ninguém disse que havia — ele retrucou. — Agora, por que não leva o champanhe com você lá para cima para ver se aprova seu quarto? — Boa idéia — respondeu ela, aliviada pelo fim da conversa desconfortável. — Vejo você aqui em meia hora. — Ótimo. — Araminta sorriu e seguiu-o até a sala de jantar, depois até a torre e sua escada em espiral. — É encantador! — exclamou ela, arrebatada, olhando para a cama com quatro colunas. — Que bom que você gostou. Antes que ela pudesse responder, ele foi embora. Araminta olhou à volta, encantada com o charme do lugar, a paz e o intoxicante sentimento de estar sozinha e distante do mundo, com esse homem devastadoramente atraente, e num lugar tão mágico. Agora, Araminta, ela se repreendeu, você não pode perder o loco. Você veio para alguns dias de descanso, nada mais. Araminta abriu a mala e começou a desfazê-la, pendurando us roupas num lindo armário de carvalho. Depois de um almoço delicioso, Araminta e Victor senta­ram-se mais uma vez na sala de visitas, para onde madame Blanc levara uma bandeja com café quente e chocolates. — Espero que não esteja planejando ter refeições como essa durante toda nossa estada — exclamou Araminta. — Por que não? Você não gostou? — perguntou Victor, franzindo as sobrancelhas. — Pelo contrário — riu Araminta. — Tudo estava simples­mente delicioso, mas não gosto nem de pensar nos quilos que vou ganhar. — Duvido que precise se preocupar com seu peso. Na ver­dade, não vai ser nenhum problema engordar um pouco. Você está muito magra. — E planejo continuar assim — disse ela. — Por que as mulheres são tão obcecadas por magreza quando nós, homens, gostamos de ter alguma coisa para aper­tar? — Humm. Tenho certeza disso — respondeu Araminta. Sa­bendo que estavam pisando em terreno perigoso, mudou rapi­damente de assunto. — Seus cavalos estão longe daqui? — Não muito. Há uns 20 minutos. Gostaria de vê-los? — Adoraria. — Muito bem, vamos vê-los amanhã de manhã. Acho que esta tarde devemos dar um passeio em Deauville. Não há muito para ver nesta época do ano, mas há algumas lojas abertas. — Seria ótimo. Acho que parou de chover. A que horas quer sair? — Daqui a mais ou menos meia hora? — Certo. — Araminta levantou-se. — Então, é melhor eu subir. — Vejo você no hall quando estiver pronta. Era estranho ter uma mulher como hóspede nesta casa. Não trouxera ninguém desde que seu casamento com Isabella che­gara ao fim. Na verdade, o pensamento de que comprara a casa para Isabella — enquanto ela saía com outro homem — ainda tinha o poder de fazê-lo sentir raiva. Mas não como antes. Sem­pre a desprezaria, mas não a odiava mais. Ela não merecia. O que nunca perdoaria era o fato de ter abortado o filho que esta­vam esperando para não ter de manter nenhum vínculo com ele. Isso era imperdoável. Olhando para as chamas na lareira, Victor desejou saber se Araminta realmente acreditava que estavam aqui apenas como amigos, ou se ela reconhecia a intensa atração que havia entre os dois. As mulheres são criaturas estranhas; parecem ter prazer em enganar a si mesmas. Por que ela simplesmente não admitia o que essa viagem inevitavelmente viria a ser? Alguns dias deli­ciosos consumando o ardente desejo que sentem um pelo ou­tro. Quando terminasse, poderiam voltar para suas vidas. Mas não queria apressar as coisas. Araminta fora casada, mas ele tinha uma boa idéia de que tipo de casamento tinha sido. Duas horas mais tarde, estavam caminhando pelo calçadão de Deauville. Quando ficaram de frente para o vento, Araminta sentiu um bem-estar animador. Caminharam em silêncio al­gum tempo, aproveitando o ar fresco revigorante. Depois, Victor colocou um braço amigável em volta dos ombros dela, e Araminta sabia que não resistiria ao desejo in­saciável que a consumia desde aquela noite no Solar. Não era absurdo resistir? Perguntou a si mesma, diminuindo o passo e olhando para o mar. Como se sentindo a mudança de humor dela, Victor virou-a na direção dele e olhou-a nos olhos. — Por que negar que nós dois queremos exatamente a mes­ma coisa? — questionou ele. Um sorriso tocou os lábios de Araminta. — É mesmo... por quê? Me beije, Victor. Decidi que quero ser beijada. — Seu desejo é uma ordem — respondeu ele prontamente. E sua boca fechou-se na dela, forte e exigente, fazendo-a sus­pirar de prazer. Depois de vários minutos abraçados, ele olhou para ela. — Vamos para casa — murmurou ele, com a voz rouca. — Vamos — concordou ela, pegando a mão dele e correndo pelo calçadão. Sentia-se leve e livre, como se finalmente pudesse respirar. Por um instante, pensou nas conseqüências disso tudo. Depois, distanciando-se da lógica, sorriu para ele, determinada a apro­veitar a viagem. Uma hora depois, estavam de volta. Não houve tempo para sutilezas, para fazer mais do que subir as escadas da torre antes que Victor arrancasse a blusa dela, jogando-a na cama e devorando-a. Araminta nunca imaginara que fazer amor pudesse ser as­sim — tempestuoso e selvagem. A sensação da pele dele na dela e o som da voz rouca sussurrando palavras numa língua que não entendia deixavam-na tonta como nunca. Na manhã seguinte, acordou de um sono delicioso com um carinho gentil nos cabelos. Manteve os olhos fechados e des­frutou da sensação, ainda meio dormindo e não muito cons­ciente de onde estava. De repente, abriu os olhos e viu o rosto lindo de Victor olhando para ela. — Bom dia — murmurou ele. — Trouxe uma xícara de café para você. — Oh! Obrigada. — Araminta lutou para sentar-se, mas ele passou a mão sobre seus ombros e ela se lembrou dos aconteci­mentos da tarde e da noite anteriores. Deixaram o quarto apenas para preparar magníficas omele­tes e partilhar uma garrafa de vinho antes de voltar ao ninho na torre. Agora, à luz do dia, Araminta corou ao pensar no que ela mesma iniciara com um homem que mal conhecia. — Não. Fique assim — ele ordenou quando viu que ela tentava alcançar uma roupa para se vestir. A mão acariciava seu rosto e seu pescoço. Não havia motivo para negar a intensa atração que existia, para fingir que os dois não queriam consumar o desejo nova­mente, à luz do dia. Mas, antes que pudesse pensar mais, Victor colocou a mão sob o edredom. Com os olhos repletos de desejo, passou os dedos no mamilo intumescido dela, fazendo-a suspirar. Em se­guida, antes que pudesse protestar, sua boca selou a dela. Victor não teve pressa. Aos poucos, moveu-se para cima dela até que ela pudesse sentir todo o corpo dele, até que suas línguas se buscassem apaixonadamente. Assim como na noite anterior, houve um momento em que Victor sabia que também tinha perdido o controle. De repente, Araminta gemeu. Num ligeiro movimento, ele se afastou, deixando-a nua diante dele. Era linda, sensual, com­pletamente mulher, refletiu ele, antes de beijar seu pescoço, seus seios — aqueles lindos mamilos rosados denunciavam cada sensação enquanto sua língua os roçava — e ela arqueava o corpo, implorando que ele satisfizesse seus mais íntimos de­sejos. A tensão crescia dentro dela enquanto deslizava os dedos pelos cabelos negros e grossos dele, implorando que a levasse no ápice. No entanto, ele continuava no mesmo ritmo lento. Quando ela pensou que não suportaria mais, Victor tirou a mão de trás dela e, acariciando seu seio, movimentou a língua nela, levando-a a um auge tão quente e intenso que a fez gritar, implorando por satisfação e alívio. Em seguida, quando não podia mais agüentar, quando suas unhas cravavam-se no peito largo dele e estava pronta para implorar misericórdia, o calor intenso que se formara entrou em colapso, e ela flutuou numa viagem incrível e arrebatadora que se prolongava cada vez mais, até que caísse entre os lençóis amassados, fraca, mas sabendo que queria o que estava por vir. — Minha linda — sussurrou Victor, olhando-a fixamente eles de sentar-se para tirar o robe e juntar-se a ela na cama novamente. Araminta esticou o braço e tocou a coxa dele. — Victor, o que está acontecendo entre nós? — sussurrou, atordoada. — Por que é tão maravilhoso? — Você nunca se sentiu assim antes, não é? — murmurou ele, uma ponta de orgulho em sua voz. — Não. — Ela sacudiu a cabeça. — Nunca. Eu... eu nunca soube que podia ser assim. Ou que eu pudesse reagir desta forma — acrescentou o rosto corado. — Nós apenas começamos, Araminta — disse ele, apoiando-se nos cotovelos e olhando para ela. — Eu sei — sussurrou ela, com um pequeno sorriso. Ela estava linda deitada ali, tão sensual, feminina e adorá­vel, o corpo já bem saciado e, no entanto, pronto para se arquear mais uma vez ao seu toque. Lentamente, ele deixou que seus dedos peregrinassem sobre ela novamente. Em seguida, sabendo que Araminta não podia mais esperar, Victor moveu-se sobre ela, esperou um segundo para ver sua reação e, ao ver seus olhos se dilatarem de expec­tativa, desejou sentir o calor dela, sentir-se revestido por seu macio e dócil ser, envolvê-la em seus braços, beijar seu pesco­ço e deleitar-se em sentir as pernas dela envolvendo sua cintura enquanto os dois, juntos, prosseguiam num ritmo rápido e envolvente. Em algum lugar de sua mente enevoada ele ouviu seu gemi­do; sabia que mais uma vez estava chegando à satisfação total e lançou-se com mais força, determinado a alcançar o mais profundo âmago dessa mulher que conhecia tão pouco, mas que, estranhamente, dera-lhe algo que acreditava perdido para sempre. Os dois entraram juntos na corrida pelo êxtase. Victor jogou a cabeça para trás e Araminta gemeu de prazer quando explo­diram, depois caíram entrelaçados nos lençóis. — Você está bem? — sussurrou ele alguns minutos depois, quando já recuperara o fôlego e a pulsação voltara ao normal. — Sim — respondeu ela, apoiando a cabeça em seu ombro úmido. — Isso tudo é tão estranho... tão inesperado. Tão... tão... — Não conseguiu concluir a frase. — Eu sei, querida — respondeu ele cuidadosamente. — E isso tem importância? Por que não aproveitar apenas? — Sim — respondeu ela, sabendo que tudo o que queria agora era sentir seu corpo perto do dela, o peso de seu braço sobre o ombro e saber que estavam aqui, neste pequeno mundo mágico. — Íamos ver os cavalos esta manhã — disse ele, depois de um tempo. — Então, por que não vamos? — Araminta apoiou-se nos cotovelos e sorriu. — Não fique aí deitado. Vamos ver seus, famosos cavalos. Ela sentia a energia renovada, tinha vontade de caminhar, correr e sair. Sentia-se viva. Era maravilhoso. Jamais se sentira assim, e essa percepção a deixou atônita. Nunca se sentira as­sim com Peter? Como se percebesse sua repentina culpa, Victor levantou-se c colocou os braços em volta dela. — Nada de memórias, certo? Estamos aqui agora, e é isso que importa. O passado e o futuro se encarregam de si mesmos. Tudo o que importa é o que estamos vivendo agora. Não vá estragar. — Você está certo — concordou ela. — Aqui e agora. Acho que vou tomar um banho. — Vou fazer o mesmo. Vejo você lá embaixo em meia hora. Meia hora depois, Araminta estava no hall. Vestia jeans e botas. — Você está maravilhosamente inglesa — ressaltou Victor no descer as escadas sorrindo, o cabelo ainda molhado do ba­nho. As calças de tecido canelado e o suéter escuro davam-lhe uma expressão perigosa. Chegou ao hall e salpicou-lhe um bei­jo na ponta do nariz. — Vou pegar um casaco e vamos. Que tal almoçarmos numa das pousadas que conheço por lá? — Ótimo. Na verdade, tudo estava ótimo, percebeu Araminta, como se estivesse vivendo num sonho do qual esperava não acordar. Pelo menos, não por enquanto. Quando entraram no carro, lembrou-se de que não ligara para sua mãe. Ligaria para casa num horário que sabia que sua mãe não estaria lá e deixaria uma mensagem na secretária ele­trônica. Dessa maneira, nada que ela dissesse estragaria este momento. Logo estavam passando por charmosas estradas com seus campos verdes e cercas vivas que faziam Araminta se lembrar do sul da Inglaterra. — Parece Sussex, não é? — É, parece. — Foi por isso que comprou o solar? — perguntou Aramin­ta, curiosa. — Em parte — respondeu ele, parecendo sem vontade de ser mais elaborado. — Entendo. — Não, não entende, mas deixe para lá. Se eu dissesse por que comprei o solar, iria para uma parte da memória em que decidimos não entrar. — Certo. — Araminta deu de ombros e concordou. Ele pro­vavelmente estava certo. Afinal, estavam vivendo uma fanta­sia. Sem passado e sem futuro. Algo em seu tom de voz lhe dizia que o que o tivesse feito abandonar o lugar e comprar o solar não era agradável. Desejou saber se era casado ou tinha sido casado e, se fosse, onde estava sua esposa e se tinham filhos. Mas forçou-se a ficar calada. Ao longe, avistou um pequeno lago e um pequeno castelo, cercados por uma grama bem cuidada. — É encantador! — exclamou ela. — Você acha? — Claro que é. Que lugar maravilhoso para deixar seus ca­valos. Não consigo imaginar por que você não fica aqui o tem­po todo, em vez de ficar no solar. Victor não respondeu. Sua expressão ficou séria por um mo­mento, depois ele sorriu e acenou para um homem baixinho e de pernas tortas correndo em direção a eles. — Bonjour, Gaston. Como vão os cavalos? — Muito bem, monsieur Victor. — Ótimo. Então vamos dar uma olhada em alguns. — Com certeza. Devo encontrar vocês no estábulo? — Sim. Vamos caminhar até lá. Victor colocou o braço de Araminta no dele e pegaram um caminho pelas árvores em direção ao castelo. Os jardins eram lindos, e o perfume do outono enchia o ar. — Esta propriedade é sua? — perguntou ela. — Pertencia a minha mãe. Ela morreu há três anos. — Sinto muito. — Eu herdei este lugar. A maioria dos meus cavalos fica aqui. — Mas a casa é tão linda — exclamou ela, olhando para o castelo. — É um lugar lindo. Passei muito tempo aqui quando era criança. Talvez algum dia eu reforme a casa e... — interrompeu o que dizia abruptamente, depois se virou para um outro cami­nho. — Vamos ao estábulo antes que chova de novo. Já que ele obviamente não queria falar sobre o assunto, Ara­minta decidiu não perguntar mais. Mas concluiu que devia ter havido algum forte motivo para Victor ter adquirido a casa na Normandia e depois o solar. Quando chegaram ao estábulo, todos os pensamentos e con­jecturas foram esquecidos. Alguns cavalos eram campeões ou, provavelmente, se tornariam campeões nos anos seguintes. Uma hora depois, estavam na cidade próxima, sentados numa mesa de canto de um restaurante encantador, em frente a uma lareira. Victor pediu uma garrafa de um excelente vinho tinto. Enquanto olhava o menu, Araminta pensava nos assuntos sobre os quais poderiam conversar, já que passado e futuro estavam proibidos. Estranho como um momento podia ser tão pleno e, ao mes­mo tempo, tão vazio sem passado e futuro. Só os dois e seus sentimentos. E embora isso fosse fascinante, não conseguia parar de desejar que o homem ao lado dela revelasse mais so­bre si mesmo. CAPÍTULO SETE A temperatura caiu naquela noite, e depois do jantar Araminta e Victor sentaram-se abraçados no sofá perto da lareira. Pare­cia natural estar enroscada com ele entre as almofadas, a cabe­ça apoiada no ombro dele, bebendo conhaque e lendo um livro enquanto ele folheava o jornal. Por um momento, desejou algo mais do que a vida que leva­va algo que envolvesse calor, afeição e vida doméstica. Mas era perigoso e irreal demais pensar em algo desse tipo. Princi­palmente quando o homem a seu lado deixara bem claro que estavam simplesmente vivendo alguns momentos que, dentro de alguns dias, ou horas, chegariam a um abrupto fim. Um ligeiro suspiro escapou de Araminta enquanto tentava se concentrar no assunto do livro. — O que foi, linda? — perguntou Victor, puxando-a mais para perto. Araminta sorriu. — Nada. Estou bem. Divertindo-me. E você? — Também — respondeu ele, e depois se virou para olhar o fogo crepitando na lareira. Nesse momento, o telefone tocou e, deixando o jornal na mesa perto da lareira, levantou-se para atendê-lo no hall. Araminta ouviu-o responder e tentou continuar lendo. Mas a repentina mudança em seu tom de voz a fez erguer o olhar e prestar atenção. — O que quer dizer com "Ela está precisando de ajuda”? — inquiriu ele. Houve um momento de silêncio. — Sei. E você quer que eu vá cuidar disso, como sempre? Achei que a essa altura eu já não tinha mais nada a ver com as loucuras dela. — Outra pausa. — Certo. Pegarei um avião amanhã. O coração de Araminta sentiu uma forte pontada de desa­pontamento. O que estava ocorrendo não era bom, e "ela", quem quer que fosse, solicitava a presença dele. Isso significa­va o fim imediato do momento mágico que passavam juntos. E apesar da tentativa de não deixar que isso a incomodasse, sentiu-se mal. — Receio ter más notícias — anunciou Victor sucintamente quando retornou para perto da lareira. — Terei de ir para o Rio amanhã, o que significa que teremos de encurtar nossa estada aqui. Sinto muito. — O tom de voz tornara-se sério e a expres­são do rosto, severa. — Sinto muito também. — Ela tentou disfarçar o desapon­tamento. — Espero que não seja nada sério. Ele a olhou como se a visse pela primeira vez. — Sério? Não sei exatamente. Isabella esmagou o carro contra um ônibus e está no hospital. Isso é o que ela diz. Por que acham que tenho de cuidar dela quando está além de mim... — Isabella? — Minha esposa — respondeu ele. As palavras atingiram Araminta como uma bola de chumbo, limão ele era casado! Devia ter imaginado. Era tudo bom de­mais para ser verdade. — Seus... seus filhos também estão no Rio? — perguntou ela, em voz baixa. — Meus filhos? — Victor franziu as sobrancelhas e olhou-a fixamente. — Sim. Imagino que... — Não tenho filhos — respondeu ele duramente, as feições desfiguradas enquanto olhava com irritação para o fogo. Mais uma vez, Isabella impunha sua presença inoportuna. Isabella, a desgraça de sua vida. Por que o maldito namorado não toma conta dela direito? Talvez esteja ocupado demais cheirando cocaína. — Preciso fazer umas ligações — disse ele bruscamente. — é melhor irmos para a cama cedo. Vamos partir às sete da manhã em ponto. Virando-se abruptamente, saiu da sala sem dizer sequer um "sinto muito" ou qualquer coisa que uma pessoa civilizada diria. Araminta lutava contra a mágoa. Ele omitira que era casado, então por que tratá-la dessa maneira agora? Admitiu que, em parte, a culpa era dela mesma. Viera por escolha própria, sem se preocupar em saber se o homem era casado ou não! Convenceu a si mesma de que estava feliz por terem de ir embora tão cedo, pois quanto mais rápido voltasse à Inglaterra e à realidade, melhor. Erguendo a cabeça, pegou seu livro e, antes que Victor vol­tasse, subiu as escadas para seu quarto, onde, ainda enraiveci­da, preparou-se para dormir. Depois de uma hora se mexendo, caiu num sono perturbado, do qual foi acordada por uma batida à porta às cinco e meia da manhã. — Café da manhã em meia hora. — A voz de Victor anun­ciou através da porta de madeira. — Obrigada — resmungou ela, fazendo careta. Maldito Victor Santander, suas mentiras e seu comporta­mento autocrático. Volte para sua vida infeliz. Só esperava que Isabella Santander fosse uma chata. Ele merecia! Duas horas depois, estavam sobrevoando o canal Inglês. Araminta sentou-se num silêncio de pedra, olhando pela jane­la. Victor passara boa parte do tempo do vôo com o ouvido grudado no celular. Logo o avião pousou e Araminta sentiu uma onda de alívio. Nesse momento, tudo o que ela queria era ficar o mais longe possível de Victor Santander, e esquecer que ele existia. — Podemos desembarcar agora, Sr. Santander — disse o comissário educadamente. — Muito bem. Você na frente. — Victor acenou com a ca­beça para Araminta, que pegou a mala e saiu do avião de cabe­ça erguida, determinada a não deixar transparecer sua inquieta­ção. Caminhou elegantemente ao lado de um silencioso Victor e entrou no carro, desejando saber por que ele estava tão mal-humorado. Afinal, era ele que tinha uma esposa, e era Isabella que tinha causado o problema e não ela! Quando chegaram à Rua Pont, Araminta sentiu-se contente por deixá-lo. — Você vai ficar bem? — perguntou Victor. — Ficarei bem — respondeu Araminta, com uma frieza que o fez ter certeza do que ela sentia. — Sinto muito por ter acabado assim. — Não se preocupe. Provavelmente foi melhor. — Ela deu um sorriso e saiu do carro. — Boa viagem. — Duvido que seja. Ligo para você quando voltar — acres­centou Victor brevemente. Quando chegou ao apartamento, Araminta colocou a mala ao lado da porta e foi preparar uma xícara de café. Descafeinado, percebeu com satisfação. Jogaria o maldito pacote de café Santander na lata de lixo assim que chegasse em casa. Enquanto esperava a água da chaleira ferver, batia nervosa­mente as pernas contra o armário e olhou para a pilha de cartas enviadas para ela que Sara deixara na mesa da cozinha. Tam­bém notou uma lista de ligações telefônicas a responder. Havia uma mensagem de sua mãe e outra de Pearce com o título “Muito Urgente". Ela suspirou e percebeu que, em seu devaneio, esquecera de ligar para Pearce para saber como fora o primeiro dia de ven­das do livro. Depois de dar uns goles no café, tirou o telefone do gancho o discou o telefone do escritório dele. — Araminta, por onde andou? — explodiu Pearce. — Estive fora — respondeu ela vagamente. Pearce era a última pessoa que queria que soubesse de seu paradeiro. — Como pôde sair da festa sem me avisar? Havia milhares de pessoas querendo falar com você. — Calma, Pearce, não é o fim do mundo. Como andam as coisas por aqui? — perguntou. — Como andam as coisas? Fantásticas. Recorde de vendas nos primeiros dois dias — acrescentou ele. — Você disse recorde de vendas? — Esgotado. Estão imprimindo mais 300 mil cópias. As crianças estão enlouquecidas com o livro. — Você está brincando — murmurou ela, estupefata. — Não, Araminta, não estou brincando. Recebi até uma li­gação da sua mãe, que ouviu algumas notícias e queria saber mais. Acredite se quiser. — Meu Deus! — Isso é tudo o que tem a dizer? Meu Deus! Depois de desaparecer da face da Terra, o mínimo que podia fazer era vir com algo mais criativo, como: "Uau, Pearce, isso é maravilho­so. Você fez um trabalho e tanto!" — Pearce, desculpe — disse ela, tentando assimilar as notí­cias. — É que... olhe, eu viajei e umas coisas aconteceram... Está livre para o almoço? — Claro — respondeu ele. — Vou levá-la ao Bar do Harry. Você provavelmente não terá paz em qualquer outro lugar. A propósito, tem algum repórter do lado de fora do apartamento de Sara? — Não vi nenhum. — Que bom. Eles estavam estacionados na entrada ontem, mas obviamente perceberam que você não estava lá. Então, vejo você no Harry a uma da tarde. Araminta colocou o telefone no gancho e tentou assimilar a virada que sua vida tinha dado nos últimos dias. Enquanto es­teve fora, agindo como uma adolescente ficara famosa. Era incrível. Araminta levantou o gancho novamente e ligou para a man­são Taverstock. — Alô? — a voz arrogante de lady Drusilla atendeu imedia­tamente. — Araminta. Onde você esteve? Fui cercada pela im­prensa, que quer saber tudo sobre você e essa porcaria de livro que escreveu. Tenho me sentido muito abatida ultimamente. Você realmente devia ter tido um pouco de consideração por mim quando decidiu entrar nessa profissão. — Desculpe mãe — disse ela, controlando a raiva. Mesmo agora, que era um sucesso e alcançara o que deixaria qualquer mãe orgulhosa, sua mãe não conseguia pensar em outra coisa a não ser nela mesma. — Quando você vem para casa? — Não sei — respondeu asperamente. — Bem, o que devo dizer a essas criaturas? — Diga o que quiser — Araminta soltou amargamente. — O que acha de dizer que tem uma filha ingrata que não tem consi­deração por você e que ficará contente se ela nunca mais colo­car os pés na sua porta? Com lágrimas correndo pelo rosto, Araminta bateu o telefo­ne com força e jogou-se no sofá, deixando lady Drusilla assom­brada. Victor caminhava pelo corredor de uma clínica particular no Leblon e bateu à porta do quarto que lhe indicaram. — Entre — respondeu uma voz feminina que conhecia mui­to bem. — Olá, Isabella. Espero que esteja melhor — disse ele fria­mente, observando-a da porta. Não parecia haver nada de erra­do com a mulher ali deitada, lindamente vestida e com o rosto maquiado. — Victor, querido. — Ela estendeu as longas mãos, com as unhas pintadas, em direção a ele. — Estive tão mal. Simples­mente péssima. — Você não parece nem um pouco doente — disse ele, ain­da sem entrar no quarto. — É porque estou melhor agora. Por que você está aí? Sente-se aqui na cama. Quero falar com você. — Isabella, não temos mais nada a dizer. Sei muito bem que esse acidente foi uma história que você e sua irmã inventaram pura me fazer vir até aqui. Você cometeu um grande erro. — Mas, Victor, querido. Tinha de ver você para dizer que mudei de idéia. Pensei que não o amasse mais, mas... — É mesmo? — Ele jogou o casaco na cadeira e bateu a poria com força. — Devia ter pensado nisso antes de matar meu filho. — Ah! Mas tudo isso é passado. Decidi que não quero me divorciar e que eu te amo. Podemos ter outro bebê. Ela era boa: Victor tinha de admitir. Mas teria de achar outro idiota para seduzir com suas artimanhas. — Isabella, está perdendo seu tempo. A propósito, o que aconteceu com o namorado? — Que namorado? — respondeu ela inocentemente. — Você criou tudo aquilo para... — Cale a boca — sibilou ele, indo para o meio do quarto e olhando-a friamente. — Como ousa me fazer de idiota? Não foi suficiente você abortar um filho meu e ir embora com outro homem? Você realmente acha que eu a receberia de volta? Acabou, Isabella. — Ele se agitava pelo quarto. — O show acabou e, se não sair dessa maldita cama para ir até o escritório do meu advogado na primeira hora da manhã, vou me negar a pagar a pensão que concordei em pagar. — Você não faria isso. — Ela olhou para ele com irritação. — Não me provoque — murmurou ele com os dentes cerra­dos. — Fique feliz por eu ter outros assuntos para tratar aqui no Rio. Recomendo que esteja no escritório do meu advogado às nove da manhã. Estarei lá e pretendo acabar logo com isso. Em seguida, pegou o casaco e saiu pelo corredor afora, após bater a porta com força. CAPÍTULO OITO Araminta logo descobriu que ficar famosa de uma hora para outra tinha prós e contras. Por um lado, era bem-vinda a todos os lugares; os editores ofereceram um enorme adiantamento pelo livro seguinte e a vida estava cor-de-rosa. Por outro, tinha pouca ou nenhuma privacidade. Finalmente, percebendo que não terminaria seu próximo li­vro se não tomasse medidas drásticas, decidiu aceitar o convite dos amigos Ana e Tim Strathmuir para ficar num chalé na Es­cócia e desaparecer por um tempo. Não tinha tido sinal de Victor, nem uma palavra desde que desaparecera de sua vida abruptamente. E isso fora há quase um mês. Não que passasse seus dias pensando nele, mas muito contra sua vontade sonhava com ele à noite. Acordava cheia de desejo por esse homem que passara tão rápido por sua vida. Agora, chegando ao castelo Strathmuir, sentia-se aliviada por estar na Escócia, completamente sozinha, sem a imprensa para perturbar e sem a possibilidade, ainda que remota, de en­contrar Victor. As chaves estavam na casa da fazenda, com o administra­dor. Quando viu a fumaça de uma chaminé e luzes na janela, deduziu que deveria ser ali. Estacionou em frente à porta, des­ceu do carro e tocou a campainha. Logo a porta abriu-se e uma mulher grisalha a cumprimentou. — Oh! Você deve ser a Sra. Dampierre — exclamou a mu­lher. — Sou Rhona MacTavish. Entre. — Obrigada. A senhora está com as chaves do chalé Heather? — perguntou, sorrindo. — Sim, querida. Sente-se perto do fogo enquanto eu as pego. Aceita uma xícara de chá e um uísque para esquentar? — acrescentou a Sra. MacTavish com um sorriso largo no rosto. — Seria ótimo — aceitou Araminta, com gratidão. — Vou esquentar a água. — Ela sumiu na cozinha enquanto Araminta esfregava as mãos perto do fogo. Era maravilhoso estar num ambiente tão simples, onde nin­guém sabia quem ela era. A Sra. MacTavish sequer a reconhe­cera. Algumas semanas na Escócia lhe dariam a paz e a tranqüili­dade para trabalhar no próximo livro, e não deixaria lugar para pensar em Victor. Saber que já tinha o livro esboçado em sua mente era um alívio. — Aqui estão o chá e o uísque. — A Sra. MacTavish voltou apressada, segurando uma enorme bandeja com bolo de frutas, creme e manteiga, chá e um copo de uísque. — Não precisava ter se incomodado — exclamou Araminta, tocada pela generosidade da anfitriã. — Bem, você parecia estar precisando. Depois de terminar o chá e engolir o uísque, Araminta final­mente se levantou. — A senhora foi gentil demais e não quero atrapalhar. — Não se preocupe. Gosto de ter companhia. Vou pegar meu casaco e vou junto até o chalé. Era para Hamish ligar as luzes para a senhora mais cedo, mas sabe como são os homens. — Antes que Araminta pudesse impedi-la, ela já estava colo­cando o casaco. — Muito bem, mas trago a senhora de volta. — Oh! Não. Estou acostumada a caminhar. Não é longe. Não vai se sentir muito sozinha? — perguntou curiosa, en­quanto fechavam à porta e seguiam até o carro. — Nem um pouco. Na verdade, vim aqui para encontrar paz e tranqüilidade para escrever. — Ah, sim. A Sra. Ana disse que a senhora era escritora. Artistas gostam de ficar sozinhos — disse enquanto entrava no Land Rover. Minutos depois, estacionaram em frente a um encantador chalé, visível através de uma densa neblina. Araminta desceu rapidamente do carro, animada, e a Sra. Mac Tavish seguiu-a com as chaves. — Parece que Hamish acabou passando por aqui — ressal­tou ela, notando a luz resplandecente na varanda da frente. Quando abriram à porta, o chalé estava claro e acolhedor. Um fogo estalava na lareira da charmosa sala de estar. O lugar era encantador, pequeno e antigo. Tinha sido redecorado com o maior bom gosto por Ana e Tim. Araminta percebeu imedia­tamente que se sentiria em casa ali. — É deslumbrante — disse Araminta, depois de percorrer os cômodos do segundo andar, encantada com a cama de qua­tro colunas da suíte. — Sei que vou ficar feliz aqui — murmu­rou, como se precisasse se assegurar. — Bem, que bom — respondeu a Sra. Tavish, satisfeita. — Agora, vou retornar. — Por favor, deixe-me levá-la de carro. — Araminta foi em direção à porta. — Oh! A senhora tem de se acomodar. Não se preocupe comigo. A caminhada me abre o apetite. Percebendo que era inútil discutir, Araminta agradeceu mais uma vez, acompanhou-a até a porta e ficou olhando a velha senhora desaparecer na neblina a passos largos. Ela se demorou mais um instante, observando as redondezas e respi­rando o ar puro, depois fechou a porta e trancou-a cuidadosa­mente. Virando-se, olhou à volta mais uma vez. Finalmente, estava sozinha num lugar que, pelo menos por enquanto, podia cha­mar de casa. Sem regras, regulamentos, a voz irritante da mãe, críticas ou repreensões e jornalistas inoportunos. Suspirando, entrou na sala de estar e sentou-se num dos am­plos sofás perto do fogo, determinada a ficar tão contente quanto se convencera de que ficaria. Mas, quando encostou a cabeça nas almofadas e fitou as chamas, era impossível não especular, não desejar saber o paradeiro de Victor e o que ele eslava fazendo neste exato momento. No dia 22 de dezembro, Victor finalmente entrou em seu apartamento em Eaton Place, cansado, mas satisfeito com o resultado de sua inesperada viagem. Estivera fora por um mês, mas parecia muito mais. Alcançara seu objetivo: conseguir o divórcio. Finalmente estava livre de Isabella. Era quase Natal, uma época do ano que achava deprimente. Natal só é bom quando se tem crianças ou se tem uma família. Mas, para um solteiro, era uma época de avaliação, de repensar todos os erros do passado. Com um suspiro, Victor sentou-se na espaçosa sala de estar. Olhou para a correspondência na mesa de café, mas não havia nada importante. Em seguida, avistou uma revista perto das cartas, e os olhos se estreitaram quando examinou a capa. Ele não estava errado! Era mesmo Araminta, segurando uma cópia do livro dela. Olhou a revista por um momento, depois a colocou de volta na mesa. Ela nunca estivera longe de seus pensamentos nas últimas semanas. Decidira que era melhor não ligar para ela. Determinara-se a não dar importância alguma aos episódios, mas não teve êxito. Quer dizer que ela ficara famosa de uma hora para outra? Estava feliz por ela, é claro. Talvez agora, com tantas coisas acontecendo em sua vida, tivesse se esqueci­do dele. Melhor. Era? De repente, Victor arrependeu-se de não ter telefonado ou mantido contato. As últimas semanas foram utilizadas para romper com o passado e livrar-se do antipático problema cha­mado Isabella. Requeria atenção absoluta. Agora que voltara, com tudo resolvido, talvez as coisas pudessem ser diferentes. Talvez devesse ligar para Araminta e explicar. Ele a deixara de uma maneira um tanto brusca. Victor levantou-se. Para sua surpresa, percebeu que não queria passar mais uma hora sem ouvir o som daquela voz suave e rouca — uma voz que, verdade seja dita, esteve presen­te em todos os seus momentos livres. Pegou o telefone e discou o número da mansão Taverstock. Deixou tocar por um tempo, mas ninguém atendeu. Depois de várias tentativas, desistiu. Talvez estivesse aqui em Londres, raciocinou. Mas, na pressa de partir, não tinha pedido o telefo­ne do apartamento. Droga. Depois se lembrou de Pearce e uma nova esperança surgiu. Ligou para o celular do amigo. — Alô? — Pearce? — Sim. Quem fala? — Victor. — Ah, a volta do peregrino — exclamou Pearce. — Acabei de voltar. Passei um mês no Brasil. — Eu sei. Um passarinho me contou. — Araminta? — Isso. Mas não parecia muito contente. — Ela estava com raiva de mim? — Bem, depende do que você chama de estar com raiva. Se ela estava tendo um ataque porque você foi para o Brasil? Não, não diria isso exatamente. Deveria estar? — perguntou Pearce, repentinamente interessado. — Claro que não. Não seja ridículo. — Victor forçou-se a parecer desinteressado. — Só disse para ela que talvez fosse para o Brasil. — Está explicado. Vai ficar na cidade para o Natal? — Ainda não pensei sobre isso — ressaltou Victor, olhando ao redor da sala sem qualquer decoração festiva. — E você? — Oh! Vou para Wiltshire, como sempre. — Ahh... A propósito, tentei falar com Araminta na mansão Taverstock, mas ninguém atendeu. — Ela não está lá e lady Drusilla está provavelmente envolvida com ò Natal. Houve muitos acontecimentos desde que você partiu para o hemisfério sul, meu camarada. — O quê? — Bem, graças à minha excelente gerência, Araminta tor­nou-se uma sensação da noite para o dia. As crianças deste país não pensam em outra coisa a não ser em Phoebe. O mais ven­dido na lista de Natal. — Então, foi por isso que a vi na capa de uma revista — Victor respondeu. — Só uma? — Pearce riu. — A mulher é uma sensação, o fenômeno mais recente. E isso é só o começo. Espere até os direitos do filme serem negociados e... — Sei, sei, tenho certeza disso. Mas onde ela está? — inter­rompeu Victor, impaciente. — Fora. — Isso eu entendi — respondeu, tentando manter a calma — Onde? — Não tenho permissão para revelar seu paradeiro. — Não tem permissão... Isso é ridículo, Pearce. Sou eu, não um estranho — retrucou arrogante. — Preciso falar com ela com urgência. — Sobre o quê? Sou o empresário dela. Se for importante, posso tratar do assunto — disse Pearce cautelosamente. — Por favor, Pearce, não é da sua conta o que tenho a falar com ela. Agora, vamos lá, me dê o número dela. — Desculpe, não posso mesmo. Mas se você me der o seu, posso dar a ela. Assim, se Araminta realmente quiser falar com você, ela liga — disse Pearce, sabendo o quanto Victor ficaria irritado. — Oh! Muito bem — Victor concedeu, de má vontade. Era melhor que nada. Tudo o que podia fazer era esperar que ela decidisse ligar. Mas, apesar de sua costumeira autoconfiança, não tinha grandes esperanças. CAPÍTULO NOVE — Araminta, falei com Victor Santander. Ele quer falar com você — anunciou Pearce numa ligação na manhã seguinte. Sentando-se na cama, Araminta piscou os olhos com força. Seu coração disparou e ela engoliu em seco. — Quando ele telefonou? — Noite passada. Não quis incomodar você. — Ah! — Você parece desapontada. — É claro que não estou desapontada — retrucou, irritada. — Bem, como lhe disse, telefonou ontem à noite, disse que estava de volta e queria seu número, pois não conseguiu locali­zá-la na mansão Taverstock nem no celular. É claro que não dei o número do chalé Heather. — Claro que não. — Não sabia se você queria falar com ele ou não. — Não quero — mentiu, tentando convencer a si mesma. — Bem, de qualquer maneira, peguei o telefone dele. Posso lhe dar, se quiser, e você liga para ele ou não; como desejar — disse Pearce, morrendo de vontade de saber mais. — Certo — respondeu, tentando soar aborrecida. — Vou pegar uma caneta. — Tentou acalmar a pulsação acelerada. — Pronto, pode falar. Pearce deu o número e ela anotou. Então ele estava em Lon­dres. Estava morrendo de vontade de perguntar a Pearce se Victor dissera o que ia fazer no Natal, depois rapidamente se lembrou. Ele provavelmente voltara com a esposa. Passariam o Natal juntos. Mas, quando desligou o telefone, percebeu, com certo alí­vio, que isso não fazia sentido. Se esposa estivesse em Lon­dres, ele não ligaria e deixaria o número para ela. Araminta encostou-se nos travesseiros e permaneceu olhan­do fixamente para os números à sua frente. Ele estava de volta. Desapareceu por um mês inteiro sem dar sinal de vida e agora esperava que ela telefonasse. Num minuto, pensou em ligar para Victor. No seguinte, de­cidiu que jamais se rebaixaria a telefonar para ele depois dos últimos acontecimentos. Quando se sentou à mesa da cozinha para tomar o café, ain­da não tinha conseguido decidir o que fazer. Talvez saísse para uma caminhada, na esperança de que o ar da Escócia pudesse ajudá-la. Uma hora depois, estava caminhando pelo campo, tentando não se entregar à fraqueza. Não telefonaria para ele. Falar com Victor ressuscitaria aqueles sentimentos tumultuados que ten­tava reprimir. Contente consigo mesma e com sua força de vontade, Ara­minta respirou fundo o ar fresco e voltou ao chalé cheia de determinação. Esqueceria aquele homem e se dedicaria apenas a escrever. Depois de trabalhar o dia inteiro, Araminta levantou-se da frente do laptop cansada, mas satisfeita com os primeiros re­sultados. Manter-se ocupada a ajudava a esquecer que dentro de dois dias seria Natal e estaria sozinha. Alongando os braços, seguiu em direção à cozinha. De re­pente, a campainha tocou. Surpresa parou no hall e olhou o relógio de pulso. Já eram quase oito horas e não conhecia ninguém que pudesse chegar sem avisar. Então, lembrou-se. Devia ser Hamish, com as tor­tas de carne que a Sra. Mac Tavish gentilmente prometera. Indo até a porta da frente, abriu-a com um sorriso no rosto. — Você sempre abre a porta para estranhos com essa facili­dade? Araminta quase morreu ao ver Victor Santander, sorrindo sedutoramente e deixando suas pernas bambas e o coração pal­pitando. — O-o que está fazendo aqui? — gaguejou ela. — Não é óbvio? Vim ver você. — Mas como... — Não vai me convidar para entrar, querida? — continuou ela, sem lhe dar a chance de falar. — Está um tanto frio aqui fora. — Quem lhe deu meu endereço e por que você veio? — balbuciou ela, tentando desesperadamente se acalmar. — Se me deixar, vou me esforçar para responder a todas as suas perguntas — respondeu ele. — Oh, meu Deus, entre — resmungou contrariada. — E feche a porta, por favor. Já tive surpresas suficientes para uma noite. No hall, Victor tirou o casaco e pendurou-o. Sob o casaco, vestia um suéter que acentuava a pele morena e os olhos amendoados. — Já que está aqui, é melhor entrar e tomar um drinque — disse ela, de má vontade. — Obrigado. Vou aceitar. Está muito frio aqui. — Esfregou as mãos. — Como chegou até aqui? — Fui com meu avião até Edimburgo e depois aluguei um carro. — Entendo — disse ela, olhando-o com frieza. — Acho que tenho de agradecer a Pearce por isso. — Não o culpe. Não o deixei em paz até que me dissesse onde você estava. Mas não me deu seu telefone. — Estou impressionada. Acho que deixei bem claro que queria ficar sozinha. — Sei disso. — A voz de Victor ficou mais suave e ele se limitou a ela perto da bandeja de prata com diversas garrafas de bebida e copos de cristal. — Mas não vim aqui para incomodar você. Eu... — Não? Então, por que exatamente você veio? — Ela se virou para encará-lo, e a percepção de que estava fora de controle como nunca fez com que seus olhos cintilassem. — Simplesmente para pedir desculpas pela maneira grossei­ra como deixei você na última vez em que nos encontramos — respondeu ele, calmamente. A mão dela vacilava, enquanto servia o uísque. — Que educado de sua parte. Podia ter feito isso por tele­fone. — Não tinha seu número. — Podia ter esperado eu ligar — argumentou ela, desejando que ele não ficasse tão perto, que o perfume de sua loção pós-barba não a fizesse se lembrar de momentos eróticos. — Você teria ligado? — desafiou Victor. — Não faço idéia — respondeu Araminta secamente. Um arrepio subiu por sua espinha ao toque dele. — Não temos nada a dizer. — Não acha que está sendo um pouco precipitada? — ele questionou. Fez um breve carinho no ombro dela, que fez com que um calor passasse por seu corpo. — Afinal de contas nós... — Afinal de contas nada — ela interrompeu, irritada, movi­mentando-se em direção à lareira para ficar o mais distante possível dele. — Você é um homem casado, Victor Santander. Tem compromissos e obrigações. Não é da minha conta como você leva sua vida, mas posso lhe assegurar que não tenho intenção alguma de fazer parte dela. — Entendo — disse Victor, olhando-a especulativamente. Quer dizer que ela pensava que ele ainda era casado. Estava quase corrigindo esse mal-entendido quando decidiu não fazer isso. Não era o momento para confissões. — Olhe, desculpe se insultei você de alguma maneira — continuou suavemente. — Não vim aqui para discutir. Não po­demos ter uma trégua? Afinal de contas é Natal. Ela o olhou por um momento e, apesar de seu instinto gritar para não escutar, o coração amoleceu. — O que você tinha na cabeça? — perguntou, pensando em como seria bom não passar o Natal sozinha. — Bem — respondeu ele calmamente —, estou sozinho para o Natal e, aparentemente, você também está. Achei que talvez pudéssemos unir forças e partilhar o feriado juntos, queridas. — E onde planeja ficar? — perguntou ela docemente, inca­paz de suprimir seu senso de humor. — Poderia ficar num hotel da região — disse ele, com um sorriso e um olhar que teriam derretido o coração da mulher mais forte. Araminta pensou por alguns segundos e, apesar da relutân­cia, acabou cedendo. — Você também pode ficar aqui — murmurou, de má vontade. — O único hotel da região fica a 15 quilômetros de distancia e, afinal, há dois quartos aqui no chalé. — Ótimo. Vou pegar as minhas coisas no carro — disse ele. — Espere um minuto... — Sim? Você acabou de me convidar para ficar, não foi? — Ah, convidei sim — respondeu, jogando os braços para o ar, desesperada e confusa demais para entender suas próprias atitudes. — Querida, não fique aflita — disse Victor, aproximando-se e colocando as mãos nos braços dela. — Não vai acontecer nada que você não queira que aconteça. Prometo. — Tenho certeza disso — revidou, afastando-se, sem acres­centar o mais importante. Não estava preocupada com ele, mas com ela mesma. Apenas sentir sua presença no mesmo ambiente era sufi­ciente para criar uma miríade de sinais interiores que ela preferia que estivessem seguramente trancafiados. — Então, qual é o menu do almoço de Natal? — perguntou Victor depois de trazer as coisas do carro e já estarem confortavelmente sentados em frente ao fogo. — Não faço idéia. Não estava planejando ter um almoço. — Não estava planejando o almoço de Natal? — disse ele, com uma severidade fingida. — Ah, mas eu insisto. — Os olhos estavam cintilantes com uma mistura de divertimento e algo mais. — Faremos assim: vamos a Edimburgo amanhã para comprar algumas coisas para o Natal. — Não vejo sentido nisso — respondeu Araminta, ainda lutando lutar contra o entusiasmo de Victor. — Ah, Araminta, relaxe — replicou Victor, dando um longo gole no uísque e observando-a cuidadosamente através do copo. Esticou o braço e tocou seu joelho, causando-lhe tremores por todo o corpo. — Vamos nos divertir... aproveitar esse tempo juntos. — Olhe, não quero começar aquela história de vamos viver o momento novamente, certo? Pode funcionar para você, mas não para mim. — Você quer dizer que precisa de todo o tipo de justificativa? — Nunca disse isso. — Tirou os joelhos do alcance dele e virou-se para o fogo. — Então, o que sugere? Que passemos o feriado contando tudo sobre nossos casamentos fracassados? — Eu nunca disse isso. E quem disse que meu casamento foi um fracasso? — Ela colocou o copo de cristal com força na mesa de café. — Bem, soou assim. Alguma outra sugestão? — Não. Acho você perfeitamente odioso, e eu queria não ter dito que podia ficar — retrucou ela, contrariada, os olhos subi­tamente cheios d'água. Victor observou-a, preocupado. Talvez tivesse sido impe­tuoso demais. Ficou irritado consigo mesmo. O que havia nes­sa mulher que lhe provocava reações tão incomuns? Ele estava descontando sua raiva de Isabella em Araminta? Levantando-se, caminhou até onde ela se refugiara, perto da lareira. — Desculpe minha linda. Não queria magoar você, querida. — Colocou os braços sobre os ombros dela e puxou-a mais para perto. — Acho que fiquei pragmático demais com os anos. — Estendeu a mão e seu dedo delineou o rosto dela. Uma estranha sensação parecida com nada que sentira nos últimos anos. Em seguida, percebendo que ela estava prestes a se es­quivar mais uma vez, colocou os braços com firmeza em volta dela. — Não me mande embora, Araminta. Por favor, me dê mais uma chance. — Por quê? — respondeu ela, erguendo o rosto. — Tudo que você quer é prazer momentâneo. — Não tenho certeza se estou pronto para algo além de par­tilhar um momento. Não seria justo com você se dissesse o contrário. Mas por que não podemos aproveitar o tempo que tomos? — Recuou um pouco e olhou fundo nos olhos de Ara­minta, procurando uma resposta. — Então? — Ele deu a ela um sorriso bem diferente: impo­nente, mas suave, e que pedia uma resposta. E antes que Ara­minta pudesse resistir, colocou a cabeça dela gentilmente sobre o ombro dele. — Por alguma razão, Araminta, precisamos um do outro neste momento — murmurou ele suavemente. — Por favor, mio lute contra isso. Aceite. E deixe o futuro para depois. No início, ela permaneceu tensa nos braços dele. Aos poucos, sabendo que queria isso mais que qualquer coisa no mun­do, sabendo que não podia resistir ao calor e ao perfume dele, permitiu-se relaxar em seu abraço. Naquela noite, Araminta deu um boa-noite amigável e contente para Victor e entrou no quarto. Até trancou a porta, lembrando-se da manhã na Normandia, determinada a não deixar que aquilo se repetisse. Mas nenhuma visita noturna perturbou seu descanso. O si­lêncio reinou logo que caiu no sono, contente em saber que ele estava no quarto ao lado. Victor não pegou no sono com tanta facilidade. Por um mo­mento, pensou em levantar-se e bater à porta dela, mas sabia que ela empunharia as armas. Ainda estava reticente, com medo de ser magoada. Machucara muitas mulheres nos últimos anos, descontara a raiva por seu casamento falido em outras. E não tinha a inten­ção de fazer isso novamente. Amanhã explicaria sua situação a ela e poderiam seguir em frente. A manhã seguinte era véspera de Natal e Araminta, que ninava a magia do feriado, desceu as escadas de bom humor. Ela o encontrou no fogão, preparando o café da manhã. - Bom dia, querida. — Ele sorriu para ela. — Você gosta de ovos fritos ou mexidos? — Mexidos, por favor — respondeu surpresa em ver a mesa encantadoramente arrumada. — Sente-se e não mexa um dedo. Ficará pronto em um mi­nuto. Os melhores ovos que você já comeu. — Humilde, como sempre — comentou ela, obedecendo. — Não me desconcentre linda, este momento é crucial. Ah! Perfeito! — Colocou os ovos no prato e serviu-a. — Deseja mais alguma coisa, madame? — Sente-se. Seus ovos vão esfriar — falou, rindo, observan­do a pose de garçom de Victor. — Muito bem, querida, seu desejo é uma ordem. — Se é assim, tome seu café logo para irmos a Edimburgo. Se vamos fazer o que planejamos, temos de ir logo. As lojas vão fechar. — Gostei da animação, querida. A primeira coisa que preci­samos é de uma árvore de Natal. — Não vamos encontrar uma árvore de Natal agora. É tarde demais. — Claro que não. Ligo para a loja e mando entregar uma imediatamente. — Victor, isso é um absurdo. Como eles vão entregar uma árvore de Natal em tão pouco tempo? — Por que não? — disse arrogante. — Sou ótimo cliente. — Tenho certeza que sim. Mas por que não perguntamos à Sra. MacTavish se não há uma na propriedade ou na cidade? Ele a fitou, impressionado. — Ótima idéia. Vejo que a fama não a corrompeu. Ainda tem uma mentalidade prática. — Fama? — Por um minuto, Araminta havia se esquecido de Phoebe e do estrondoso sucesso que estava vivenciando. — Não finja para mim. Sei tudo sobre o livro. Na verdade, li parte dele ontem à noite e achei sensacional. Você merece to­dos os louros, apesar de Pearce achar que é totalmente respon­sável pela decolagem de sua carreira. — E riu. — Bem, em parte é mesmo. — Parabéns. — Levantou a xícara de café. — Eu devia ter dito algo antes. — Ah, esqueça isso. Estou feliz de estar longe do tumulto. Ao menos o Sr. MacTavish e a esposa não conhecem o livro, o que é um alívio. — Os netos deles vêm para o Natal. Espere até eles saberem que a autora de Phoebe está na casa ao lado. — Como sabe dos netos deles? — questionou, surpresa. — Fiz uma parada lá antes de vir para cá. Ou não teria des­coberto como chegar ao chalé. — Aposto que deu um jeito de cair nas boas graças deles. Você não perde uma, não é? Agora, vamos lavar a louça e sair... ou não encontraremos nem um pedaço de avelã nas lojas, quanto mais um bolo de Natal. As lojas devem estar lotadas. Almoçaram no Café Royal no fim da tarde, cercados por pacotes de presentes e enfeites de Natal — Victor insistiu que se separassem por uma hora para comprarem um presente sur­presa um para o outro. Amolecida por uma garrafa de vinho, Araminta reconheceu que estava feliz de Victor ter ficado, mesmo que por pouco tempo. Também reconheceu todas as razões por que deveria mandá-lo embora, mas decidiu ignorá-las, por enquanto, e aproveitar a presença dele. Depois do café, decidiram voltar ao chalé, antes que o tráfe­go ficasse ruim. Araminta olhou pela janela e fez uma careta. — É melhor irmos logo. — O céu estava cinza e a noite estava chegando rapidamente, junto com a neve que começava a cair. Mas, quando estavam pagando a conta, três menininhas se aproximaram timidamente da mesa. — Com licença — disse a mais alta, com um rabo-de-cavalo ruivo. — A senhora é Araminta Hamlin? — Sou sim. — Araminta assinava o sobrenome da avó. — Pode, por favor, autografar meu livro Phoebe! — per­guntou a menina, esperançosa. — Lógico. Qual é seu nome? — Lizzy. Com um sorriso e um suspiro, Araminta assinou o livro e observou as crianças voltarem à mesa dos pais. — Acho que tenho de me acostumar com isso. Mas foi tudo tão rápido que mal posso acreditar que seja verdade. — Pode acreditar. — Acho que sim. — Vendo que outras pessoas a observa­vam, levantou-se rapidamente. — Vamos embora antes que alguém tenha a brilhante idéia de chamar a imprensa. Aí mes­mo não teremos mais paz. — Está certo. — Victor levantou-se, pegando as sacolas, e os dois saíram do restaurante. Victor a observava, percebendo o quanto ela estava ansiosa para sair dali. Achou intrigante o fato de repudiar a fama que tantos outros na posição dela adorariam. Por um breve momen­to, Isabella veio à sua mente. Se tivesse um terço do sucesso de Araminta, desfilaria nas coberturas de Ipanema e faria de tudo para ser notada... De volta ao chalé, ficaram emocionados ao ver que o Sr. MacTavish deixara uma adorável árvore de Natal no degrau da entrada. — É perfeita — exclamou Araminta. — Vamos decorá-la imediatamente. Colocaram a árvore no canto da sala e decoraram-na cuida­dosamente. Olhando-a, Victor sentiu um desejo. Não seria fácil ficar perto dela e não tocá-la, refletiu. Ela havia acabado de colocar o anjo no topo da árvore, e de se convencer de que não ter intimidade era o melhor, quando perdeu o equilíbrio na escada. — Oh! — gritou, numa voz aguda, cambaleando e caindo diretamente nos fortes braços de Victor. Ele permaneceu segurando-a, olhando fixamente em seus olhos azuis translúcidos, lendo todas as suas dúvidas e medos. — Deixe acontecer — sussurrou ele. Em seguida, encostou os lábios nos dela, segurando-a com firmeza, abaixou-se até o sofá e concentrou-se no beijo. Araminta estava tensa em seus braços. Não, não, não. Isso não podia estar acontecendo. Precisava ter mais força de von­tade. Mas o beijo intensificou-se e, enquanto a língua dele explo­rava os contornos de sua boca, lembrou-se do prazer indescritível que sentira com ele. Uma lança de calor arpoou em sua pélvis, deixando-a vergonhosamente úmida e cheia de desejo, os mamilos duros contra o peito de Victor. Mas Victor não estava com pressa. Também estava se lem­brando dos momentos agradáveis que haviam passado juntos. Antes daquele momento, o calor lhe faltara por muito tempo; e surgira do nada, quando ele menos esperava. Lentamente, lutou contra as últimas barreiras de resistência. As mãos dele peregrinavam sob o seu suéter rosa-claro; desabotoou o sutiã, deixando os seios livres para receber as carícias. Passou as pontas dos dedos levemente sobre os mamilos inchados, enviando ondas de choque para seu âmago. Araminta gemeu e arqueou o corpo quando ele levantou seu suéter. — Linda... você é simplesmente linda — sussurrou antes de se abaixar e chupar o bico de cada seio, até que ela soltasse um pequeno gemido e as ondas de desejo espiralassem por entre suas coxas, abrindo-lhe caminho. Victor arrancou as roupas dos dois, os dedos acariciando-a, deleitando-se com o calor úmido que os recebia. Araminta o queria, mais do que podia descrever. Mas como podia sentir-se assim por um homem preso a outra mu­lher, um homem que ela não... amava? A palavra relampejou quando ele a penetrou, firme e rápido, e ela soube que a última frase não era inteiramente verdade. Colocando as pernas em volta dele, percebeu que seus senti­mentos por esse homem eram mais fortes do que queria admitir. Mas mesmo quando a penetrou com mais intensidade, quando sentiu aquela pressa, seguida de uma explosão tão violenta a ponto de deixá-la completamente sem força, sabia que não devia permitir que seus sentimentos se manifestassem. — Araminta... este nome é tão bonito, tão diferente — sus­surrou Victor com voz rouca. De repente, Victor se perguntou: o que estava fazendo aqui? Por que exatamente viera? Só porque era Natal não significava que ele tinha de ficar sentimental. Estava determinado a ficar protegido num mundo onde os sentimentos e emoções não podiam alcançá-lo, mas algo em Araminta o desarmara. No entanto, sabia muito bem como as mulheres eram. Sofrerá por tempo demais em razão do comportamento hipócrita de Isabella. Partiria logo depois do Natal, antes que esse enredo se tor­nasse uma outra confusão em sua já complicada vida. Afinal, jurara para si mesmo que Isabella seria a última mulher a en­volvê-lo. E pretendia manter a promessa. Dormiram juntos. Parecia tão natural sentir o corpo dele no dela, os braços envolvendo-a, refletiu Araminta. Perigosamen­te natural, percebeu quando o sono finalmente veio. Pelo me­nos estava mais feliz do que estivera nos últimos tempos. Na verdade, mais feliz do que nunca. CAPÍTULO DEZ Passaram o dia de Natal como planejado: assando um peru, bebendo champanhe, rindo das brincadeiras um do outro entre beijos e carinhos. Era o Natal mais maravilhoso que já havia passado, perce­beu Araminta, de pé em frente ao fogão mergulhando uma co­lher no molho que preparara. Tão natural, aconchegante e en­graçado. — Humm. Acho que está bom. — Está? Deixe-me provar. — Victor estava atrás dela e colo­cou os braços em volta de sua cintura. — Não confia em mim? — questionou ela, entregando-lhe a colher e pensando o quão maravilhoso e íntimo era estar no chalé, longe do mundo, vivendo um idílio romântico. Mesmo que fosse só isso, valia cada minuto, concluiu os olhos brilhando quando ele experimentou o molho e balançou a cabeça em aprovação. — Só mais uma pitada de sal e vai ficar perfeito — implicou ele, beijando-a na cabeça e virando-se para encher as taças de champanhe. — A propósito, não vai desejar feliz Natal para sua mãe? — Acho que é melhor — respondeu Araminta, relutante. Tinha medo de estragar aquele momento perfeito, mas precisa­va ligar. — E você? — perguntou. — Não vai telefonar para sua... família? A hesitação na última palavra não passou despercebida a Victor. — Não. Agora não. — É claro. Esqueci que o horário é diferente — replicou Araminta rapidamente, irritada por ter perguntado. Caminhou até a sala e pegou o telefone. Melhor se livrar logo da obrigação. — Feliz Natal, mãe. — Bem, finalmente — respondeu a voz queixosa de lady Drusilla. — Esperava que ligasse mais cedo, Araminta. Pen­sei que mesmo sendo famosa, você se lembraria de telefonar para sua mãe na manhã de Natal. Não tenho me sentido muito bem. — Mãe, é só meio-dia. Não telefonei antes porque sabia que você estaria na igreja. Victor ficou de pé na porta, taça na mão, observando Ara­minta sentada, tensa, no braço do sofá. Lady Drusilla parecia fazer da vida dela um inferno, até onde ele podia perceber. Que direito tinha a velha bruxa de fazer a filha se sentir culpada, agora que vivenciava tanto sucesso e felicidade? Araminta colocou o telefone no gancho e respirou fundo. — Tudo bem? — perguntou Victor, entrando na sala. — Tudo. Minha mãe parece nunca estar satisfeita comigo, não importa o que eu faça — disse, levantando-se. — Bem, não precisamos falar sobre ela, não é? — Acho que precisamos — respondeu Victor, cuidadoso, entregando-lhe o champanhe e olhando-a bem de perto. — Ninguém deveria fazer o que sua mãe parece fazer com você. — Eu sei. Você está certo — concordou ela. — Então, por que você deixa? — Não sei. — Ela sacudiu os ombros. — Hábito, suponho. Culpa, essas coisas. — Culpa pelo quê? — Ah! Não sei. Por não ser a filha perfeita. Tentei durante anos. Pensei que depois de me casar com Peter, talvez... — Percebeu o terreno complicado no qual estava pisando e deci­diu calar-se. — O que pensou depois de casar com Peter? — perguntou Victor. Araminta hesitou. Não tinha a intenção de falar sobre o pas­sado. — Na verdade, nada. — Não pareceu — respondeu ele secamente. — Tudo bem — disse ela, irritada com a insistência dele. — Casei com Peter em parte porque minha mãe o considerava o marido ideal... o perfeito cavalheiro inglês e essas coisas. — E ele era? — Superficialmente, acho que sim. Olhe, eu realmente não sei, ta? — Levantou-se rapidamente. — Isso não importa mais, já que ele está morto. — Você também se sente culpada por isso? — perguntou ele. — O que quer dizer com isso? — Apenas isto. você, de alguma forma, se sente responsável pela morte dele? — Não. Claro que não. Por que me sentiria? Não foi minha culpa que os freios não funcionaram. Não pedi que nevasse naquela noite. Não fiz o caminhão derrapar pela estrada — ela retrucou com os olhos marejados. — Não, mas se sente como se tivesse — disse Victor calma­mente, levantando-se e pegando os ombros tensos dela. — Araminta, você está presa numa teia de culpa que domina toda sua existência. — Sério? Você me conhece tão bem para me dar conselhos como um psicólogo? Você não sabe nada sobre mim ou sobre minha vida — disse, irritada. — Por que não me deixa sozinha? Eu não consigo entender por que apareceu aqui do nada. Não tinha nada melhor para fazer no Natal? — Isso é ridículo — retornou ele, furioso e ofendido. — Ah! Sério? Então, por que exatamente você veio? — ela falou, irritada, os olhos azuis brilhando como duas bolas de fogo. — Você não parece muito claro em relação aos próprios motivos para fazer as coisas, Victor Santander. Talvez fosse melhor dar uma olhada no próprio quintal antes de dar conse­lhos gratuitos para os outros. Pegando a taça, saiu da sala indignada e voltou à cozinha. O homem era presunçoso, cheio de si e insuportável! O fato de ele ter tocado na sua ferida o tornava ainda pior. Era verdade que se sentia culpada por ter discutido com Peter na noite de sua morte, por talvez ter sido a causa involuntária de ele ter saído de casa sem necessidade naquela noite. Mas não signifi­cava que era responsável. Maldito Victor e sua psicologia barata. Ela não precisava disso. Muito menos no dia de Natal. Araminta estava se perguntando por que deixara ele ficar. A culpa era toda dela. Se o tivesse expulsado, não estaria prepa­rando um almoço de Natal ridículo que ela não queria comer. Nem teria gastado tempo escolhendo um presente para ele: um suéter verde-pálido. Ou... De repente, as lágrimas escorreram pelo rosto dela e seus ombros tremeram. Victor estava perto da lareira e lutava com os pensamentos inoportunos que passavam por sua cabeça. Araminta tinha todo o direito de estar zangada. E todo o direito de perguntar por que ele aparecera. O fato de nem ele saber não melhorava as coisas. Entrou na cozinha e viu Araminta de costas, com os ombros sacudindo. Uma onda de compaixão e raiva por seu comporta­mento insensível o fez dar um passo adiante. — Querida, não chore — disse ele, ficando atrás dela, pas­sando os dedos nos cabelos louros que caíam sobre os ombros. — Não. — Ela se virou e se afastou dele. — Não me toque. Gostaria que você fosse embora. — Araminta, linda, eu não vou a lugar nenhum. Antes que ela pudesse protestar, Victor abraçou-a, com for­ça. — Você não tem o direito de me julgar. — Eu sei — replicou ele. Antes que ela continuasse, beijou-lhe os lábios. Araminta tentou se afastar, mas foi inútil. Sua raiva dimi­nuía, com o toque das mãos acalmando-a daquela maneira pos­sessiva que a deixava ansiando por muito mais, quando deve­ria, na verdade, ter perseverança para mandá-lo embora. Podia sentir sua mão movimentando-se sob a blusa e sabia que seus mamilos diziam mais que suas palavras. Quando Victor a empurrou contra a porta da geladeira, Ara­minta ficou ofegante, uma onda de prazer esmagadora a inva­diu. Num movimento rápido, ele a penetrou e juntos chegaram a novas alturas. Ela se grudou nele, os braços pendurados em seu pescoço, enquanto ele a penetrava intensamente, como se tentasse apagar alguma memória possuí-la de uma maneira como nunca havia sido possuída antes. O espiral aumentou de velocidade, e ela não pôde mais agüentar. Afundou as unhas nos ombros dele e deu um grito de alívio. Os dois colidiram numa satisfação ofegante. — Foi incrível — sussurrou ele, levantando-a nos braços e carregando-a até a sala, onde a colocou cuidadosamente no sofá, beijando-a e colocando sua cabeça em seu colo. Araminta estava fraca demais, satisfeita demais e deliciosa­mente saturada para fazer mais do que fechar os olhos. Como poderia viver sem isso? Perguntou a si mesma. De repente, recuperou a consciência e sentiu cheiro de quei­mado. — Oh! Meu deus! — Ela se sentou num pulo. — O peru! CAPÍTULO ONZE — Tenho de voltar para Londres — disse a Victor no dia seguinte, durante o café da manhã. Foi uma decisão tomada sem pensar. Mas, depois que decidira, Araminta sabia que ti­nha de levar adiante. Prolongar o interlúdio só faria a partida mais difícil. Victor olhou diretamente para ela. — Por quê? — perguntou. — Tenho umas entrevistas para dar—mentiu, com convicção. — Um dia depois do Natal? — questionou ele, levantando uma sobrancelha. — Não, não hoje. Daqui a alguns dias. — Ah! Entendo. Então veio aqui para ficar apenas alguns dias? — Olhe, o que eu faço é problema meu, está bem? O comportamento perturbado de Araminta só confirmava o que ele já havia percebido: que ela estava fugindo dele antes que se envolvesse demais. Talvez fosse melhor assim. Ele certamente não queria nada sério com ninguém... queria? — Certo — disse ele repentinamente. — Quando quer ir embora? — Hoje à tarde está bom para você? — perguntou docemente, ocultando a dor e o orgulho ferido por trás de um sorriso. Ele não se importava com ela. Os momentos maravilhosos que passaram juntos na cama e fora dela eram parte do ritual, era assim que interagia com todas as mulheres. | — Acho que é possível — concordou Victor, num tom que mascarava a vontade de levantar-se, sacudi-la nos braços e fazê-la esquecer a vontade de ir para Londres ou qualquer ou­tro lugar. — Alguma hora específica? — O que for melhor para você — respondeu ela educada­mente. — Acho que vou subir fazer umas ligações e começar a arrumar minhas coisas. — Não achei que precisasse de uma manhã inteira para fazer as malas — murmurou ele. — Me diga: como planeja viver, agora que é famosa e ganha muito dinheiro? — Do mesmo jeito que sempre vivi. Oh! Quer saber se pre­tendo procurar um lugar só para mim? — questionou. — Sim. — Bem, claro que sim. — Em Sussex? — perguntou ele casualmente. — Eu... ainda não sei. — Sabe, acho que você ainda não entendeu bem o que está acontecendo na sua vida — disse Victor, como se estivesse lendo sua mente. — Goste ou não, sua vida está dando uma volta de 360 graus. — Bem, isso é problema meu não é? — disse ela, com um sorriso iluminado. — Acho que sim. Se for assim que quer que seja. O vazio que sentiu ao subir as escadas fez com que Aramin­ta se sentisse cansada e aborrecida. Deixou-se cair pesadamen­te na cama, debilitada demais para lutar contra a nuvem negra de depressão que se formava sobre ela. Por que não topou com alguém normal, alguém como Peter? De repente, levantou-se, ciente de que era uma covarde. Ca­sara-se com Peter por todas as razões erradas: porque parecia seguro, porque sua mãe aprovara, porque, bem, porque tinha sido a saída mais fácil. E qual foi o resultado? Uma relação sem graça, com pouca satisfação sexual e ela fingindo para si mesma que tudo estava bem. No andar de baixo, Victor mexia no fogo, pensativo. Ainda faltavam alguns dias para o Ano-novo, então deveria fazer bom uso deles. Pensou no que Araminta estaria fazendo lá em cima. Por um instante, quase desistiu da decisão de não insistir para ela ficar. Mas não era justo. Afinal de contas, não tinha o que lhe oferecer. Ou tinha? Victor levantou-se num pulo e, pela primeira vez, registrou que havia se divorciado. Mas isso não significava que tinha algo a oferecer. Estava finalmente livre dos laços que o prende­ram por muito tempo. A última coisa que planejava era entrar em outro relacionamento que não daria certo. Suspirando, sentou-se na poltrona mais próxima. O que Araminta possuía que tocara uma parte dele que ele acreditava que ficaria dormente para sempre? Horas depois, Araminta estava sozinha em frente ao prédio na Rua Pont onde ficava o apartamento de Sara, desejando sa­ber o que Victor estava fazendo. Era um sentimento tão fami­liar, refletiu com tristeza. Quando entrou no apartamento escuro, forçou-se a lembrar as palavras que trocaram quando se despediram. — Ligo para você mais tarde — dissera Victor. E ela balança­ra a cabeça, sabendo que não estava falando sério, que provavel­mente havia uma pilha de convites esperando por ele em Eaton. Acendendo a luz, percebeu uma pilha de correspondência na mesa de jantar e, colocando as malas no chão, folheou-a. Apertou os olhos quando viu um envelope escrito à mão com um selo estrangeiro. O carimbo postal era ilegível, então o virou. Estranho. Não havia remetente. Curiosa, Araminta abriu o envelope e tirou uma única folha de papel, dentro da qual havia várias fotografias. Desdobrando-a, viu uma foto de Victor, o braço nos ombros de uma linda morena de cabelos longos. Estavam olhando um para o outro. Com as mãos tremendo, Araminta olhou as outras fotos. Victor e a mulher. Sentindo-se um pouco tonta, Araminta se jogou na cadeira e leu o papel. Tudo o que dizia era: Ele não é o que parece. Esteja avisada. Um amigo Quem quer que fosse não queria se identificar. Quando olhou as fotos novamente, percebeu que devia estar olhando para Victor e sua esposa, a mulher misteriosa cujo nome lembrava ser Isabella. Ficou enraivecida. Ele era desprezível. Furiosa, correu até o quarto e abriu sua agenda. Não ficaria sentada esperando uma ligação que provavelmente não aconte­ceria. Embora odiasse a idéia, ia ligar para alguns amigos para ler certeza que seria convidada para sair todas as noites. Estava disposta até a se deixar fotografar pela imprensa, se isso fosse necessário para manter Victor à distância. De agora em diante, por ela, Victor Santander podia padecer no inferno. E aproveitar! O telefone tocou, mas ninguém atendeu. Fazia três dias que haviam deixado a Escócia, e por três dias linha tentado entrar em contato com ela, tentara de tudo, desde o celular a deixar bilhetes na caixa de correio do aparta­mento. Mandara até mesmo um telegrama. Ou Araminta tinha partido de Londres sem dar uma palavra, ou estava simples­mente se recusando a responder. Mas por quê? A despedida tinha sido um pouco formal, particularmente quando comparada aos dias que passaram juntos no aconchegante chalé, mas nada que merecesse silêncio abso­luto. Além disso, para seu desconforto, Victor não sabia como se sentia. Por um lado, estava irritado com ela; por outro, estra­nhamente ferido. Para não mencionar seu orgulho. Afinal, nin­guém rejeitava Victor Santander. Araminta estava lhe causando inquietação. Só estava pen­sando em si mesma. Não percebera que ele havia ficado ligado a ela nas poucas vezes que dividiram a mesma cama? A véspera de Ano-novo chegou e foi embora, com Victor em frente à lareira de Eaton Place bebendo uísque. Onde ela estava neste exato momento?, Desejou saber, furio­so de estar triste por uma mulher. Esqueça Araminta Dampierre. Provavelmente ela nem lembrava que ele existia, agora que estava famosa. CAPÍTULO DOZE Era divertido, é claro, ir para uma ilha caribenha em um jato particular para passar a véspera de Ano-novo. Mas mesmo en­trando no espírito das coisas, Araminta achou difícil aproveitar as danças na praia até o amanhecer, beber drinques exóticos e dormir até tarde. Na verdade, ficou contente quando o avião finalmente tocou a pista em Londres. Ignorando os milhares de recados telefônicos irritados e os bilhetes na caixa de correio, Araminta concentrou-se em plane­jar os próximos dias. Sabia que era hora de ir a Sussex. Tinha de ver a mãe, mesmo que fosse por pouco tempo. Além disso, precisava organizar suas coisas. Na semana seguinte começa­ria a caça a um apartamento em Londres. Respirando fundo, Araminta deixou-se cair numa poltrona, e depois de remexer nos bilhetes de Victor por vários minutos, finalmente abriu um. Era arrogante e exigente, como imaginara. Então, Victor Santander não gostava de ser rejeitado? Bem feito. De repente, Araminta curvou-se, suprimindo a náusea que sentira. Acontecia com freqüência agora, fazendo-a acreditar que álcool e festa demais definitivamente não combinavam com ela. Ela fez uma careta. Talvez fosse melhor ir imediatamente para a mansão Taverstock e dar a tão necessária pausa. Não que estar com lady Drusilla fosse muito relaxante. Mas, no entanto, podia andar a cavalo e ficar calma, pensar no rumo que sua vida tomava. Victor não estaria lá, pois mencionara que ia para a América Central no início do ano. No mesmo dia, mais tarde, sentindo-se consideravelmente renovada e determinada a não pensar nele mais do que podia evitar, Araminta partiu para a mansão Taverstock. — Pensei que você talvez a tivesse visto nos últimos dias — disse Victor casualmente a Pearce. — Na verdade, eu a vi. Passamos o Ano-novo juntos. — Vocês o quê? — Victor colocou a faca ao lado do prato, os olhos faiscando. — Na verdade, foi uma festa e tanto. Dançamos a noite toda numa praia na casa de Rollo Bolton — continuou Pearce, alheio à raiva à sua frente. — Quer dizer que enquanto eu...? — Victor interrompeu a frase e respirou fundo. — Está me dizendo que você e Aramin­ta estão tendo um caso? — perguntou. — O quê? Um caso com Araminta? — Pearce olhou para Victor e caiu na risada. — Pelo amor de Deus. Ela não queria passar o Ano-novo na cidade; então, como eu estava indo para a casa de Rollo, perguntei se ela não queria vir junto. — O que quero saber, Pearce, é onde posso encontrar Ara­minta? — Você parece estar gostando muito dela, de repente — disse Pearce, pensativo, com um olhar astuto. — Me diga: o que aconteceu com a voluptuosa Isabella? — Quero saber onde posso achar Araminta — insistiu Victor, curvando-se. — Quanto a Isabella, entrou para a história, finalmente me divorciei. — Meu Deus, e você não diz nada? — Foi em dezembro, quando estava no Brasil. — Devo dizer velho amigo, que nunca pensei que ela deixaria você em paz. — Não lhe dei escolha — resmungou Victor. — Agora, você pode, por favor, me dizer onde está Araminta? Tenho tentado falar com ela há dias, e tudo que consigo é falar com sua maldita secretária eletrônica. Até deixei bilhetes na caixa de correios — confessou, passando as mãos nos cabelos. — Entendo. Desculpe, mas não posso ajudá-lo. — Pearce, você não vai sair desta mesa até me dizer — disse Victor, o tom de voz baixo e ameaçador. — Sem excentricidades latino-americanas, cara. Estamos na Inglaterra. Além disso, sou o empresário dela. Não posso dizer para todo mundo onde ela está. Ética profissional, você sabe. — Não sou todo mundo — retrucou Victor, arrogante. — Não. Mas aposto que você é uma das razões para ela ter saído da cidade — respondeu com sagacidade. Agora ficara óbvio para Pearce por que Araminta parecia meio deprimida. Pensou que estivesse aborrecida com alguma coisa. Não havia problema em dar uma pista a Victor. Talvez até estivesse fazendo um favor aos dois. — Então? — Victor estalou os dedos. — Digamos — murmurou Pearce cuidadosamente — que ela está visitando um membro próximo da família no interior. E não me pergunte mais nada — disse, levantando as mãos —, porque não vai tirar outra palavra da minha boca. Esqueça que eu lhe disse isso, certo? — Obrigado. — Pela primeira vez, em 35 anos de existên­cia, Victor sentia verdadeira gratidão por outro ser humano. Araminta ficou chocada quando chegou à mansão Taverstock e encontrou a mãe em péssimo estado. Sentiu-se imediata­mente culpada de tê-la abandonado durante as festas de fim de ano. — Mãe, acho que deveria ir ver o Dr. Gollins logo — disse ela, olhando a mãe com preocupação, sentada perto da lareira, os olhos fundos, as pernas embrulhadas no cobertor. — Já fui querida — disse lady Drusilla com a voz fraca. — E o que ele disse? — perguntou ansiosa. — Receio não ter boas notícias. — O quê? — Araminta sentou-se na beira da cadeira. — Receio que estou com câncer. — Oh! Não. — Araminta atravessou a sala correndo e, pela primeira vez na vida, apertou as mãos magras da mãe nas dela. — É...? — Deixou o fim da frase inacabado. — Tem me incomodado já faz tempo. Não queria lhe con­tar... estragar seu sucesso com o livro. Sei que nunca fiquei muito entusiasmada com suas aventuras, Araminta, mas estou muito orgulhosa de você. — Os olhos de lady Drusilla estavam cheios de lágrimas e ela apertou as mãos da filha. — Não foi fácil criar você sozinha. Por ser viúva... — A voz oscilou e Araminta abraçou-a. — Ah, mãe. Eu sinto muito. Você já foi a um especialista? — Já. Mas ele não está muito esperançoso. Desculpe ser um incômodo para você. — Oh, mãe, como pode dizer isso? — perguntou Araminta, aflita, horrorizada por todos os anos que podiam ter estado juntas e, no entanto, um muro de desentendimento as manteve separadas. Lady Drusilla morreu nos braços de Araminta dois dias de­pois, na manhã em que Victor Santander chegou ao solar. Mãe e filha trocaram tantas confidencias nas últimas poucas horas que estiveram juntas que Araminta mal podia acreditar que a vida tivesse dado a elas essa última oportunidade de re­parar os desentendimentos de anos. Sentia-se cada vez mais enjoada, mas sabia que eram os nervos. Ficaria melhor assim que tudo terminasse. — Sr. Victor? — Manuel bateu à porta do escritório e trou­xe-lhe uma bandeja com café. — Obrigado, Manuel. Alguma notícia? — Victor olhou para o relógio de pulso, desejando saber qual seria a melhor hora para encontrar Araminta na mansão. Queria pegá-la de sur­presa. — Sim, senhor. Acabei de ouvir da faxineira que lady Dru­silla, de Taverstock, morreu na noite passada. — Lady Drusilla? Morta? — exclamou Victor, horrorizado. — Sim. Aparentemente, tinha câncer, mas ninguém sabia. A filha estava com ela no final, pobre mulher. — Ele fez o sinal da cruz. — Obrigado, Manuel, isso é tudo — murmurou Victor, virando-se para a janela sem acreditar. Tinha de ir até lá. Minutos depois, estava parando o carro em frente à Tavers­tock, onde diversos veículos estavam estacionados. Talvez não fosse a melhor hora, mas ele não se importava, só queria estar perto dela, proporcionar o consolo que ela precisava na­quele momento. Olive abriu a porta e encaminhou-o para o escritório. — Já vou chamar a srta. Araminta — murmurou. Olive deixou-o no escritório e cruzou o hall até a sala de visitas, onde Araminta estava sentada com o vigário, planejan­do o serviço funerário. — Há um cavalheiro à sua espera no escritório — murmu­rou Olive, antes de se retirar em direção à cozinha. — Pode me dar licença um minuto? — disse Araminta, sus­pirando. Tinha muita coisa para fazer e bem pouco tempo para lamentar a morte da mãe. — Araminta, acho que isso já é o suficiente para os prepara­tivos do funeral. Descanse um pouco e vemos isso amanhã. Não se preocupe em me levar até a porta — disse o vigário gentilmente. — Obrigada. Você tem sido maravilhoso. — Sacudiu a mão dele, agradecida. Depois, atravessou o hall e caminhou até o escritório, espe­rando ser o agente funerário que a aguardava. A visão de Victor de pé no meio do cômodo foi tão inespe­rada que ela prendeu a respiração. — Araminta, querida. Vim assim que soube. Antes que pudesse reagir, Victor envolveu-a com os braços, segurando-a tão perto de si que tudo o que podia fazer era apoiar-se nele e extravasar um pouco da dor que estava supor­tando nos últimos dias. De repente, começou a soluçar descontroladamente enquanto ele a segurava, acariciando-a, passando as mãos nas suas costas e nos seus cabelos, antes de mover-se em direção à cadeira perto da lareira e colocá-la em seu colo. Era tão maravilhoso estar segura em seus braços. Naquele momento, esqueceu todas as dúvidas e medos; sabia que este era o único lugar onde poderia encontrar consolo. — Tudo bem, querida. Não vou deixar você — sussurrou, sentindo sua insegurança, sua necessidade se ser afagada e cui­dada. Assim que conseguiu falar, Araminta descarregou toda a dor do relacionamento complicado com a mãe durante todos os anos, e a repentina reconciliação dias antes da morte dela. Tudo acon­tecera tão rápido que mal podia compreender-lhe o sentido. — O mais importante é que aconteceu — disse ele, enxu­gando seu rosto com o polegar antes de tirar um lenço do bolso. — Pense nisso como um presente que lhes foi dado antes que fosse tarde demais. Araminta concordou com a cabeça, recostou-a no ombro dele e sentiu o calor e o perfume daquele corpo. Estava mara­vilhada em saber que ele estava ao lado dela quando mais pre­cisava. Gentilmente, Victor beijou-lhe os lábios, e Araminta sentiu o coração derreter-se. Não era um beijo sensual, mas um inten­so e terno gesto de... amor. A percepção a chocou e a fez sentar-se. Já estava tão confusa, a última coisa com que podia lidar agora era o fato de que estava loucamente apaixonada por um homem casado. Nesse exato momento, tudo o que podia fazer era aceitar o que ele oferecia. Sentiu mais uma vez a náusea que a incomodava nos últimos dias. — Você está bem? — perguntou Victor, preocupado, vendo seu rosto pálido. — Não parece muito bem. — Não me sinto muito bem — murmurou ela, saindo com pressa do colo dele e indo em direção ao banheiro, onde teve ânsia de vômito. Depois de algum tempo, a sensação passou e ela bebeu um gole de água antes de voltar ao escritório onde Victor andava de um lado para o outro, a expressão profunda­mente preocupada. — Araminta, querida, você não está bem. É melhor ir a um médico. Vou levá-la agora mesmo. — Não, não é nada... só estou nervosa. Vou ficar bem. — Por que não vem comigo para ao solar? — insistiu ele. — A imprensa estará aqui assim que a notícia vazar. — Tudo bem. — Araminta sorriu para ele, sabendo que não podia deixá-lo nesse momento mesmo se tentasse. CAPÍTULO TREZE Para Araminta, os três dias seguintes foram enevoados. Tudo o que sabia, durante o funeral e depois, era que nunca conse­guiria passar por isso se Victor não estivesse a seu lado, atento a tudo que precisava, impedindo a passagem de jornalistas e fotógrafos antipáticos. Quando enjoou, ele a segurou perto da pia; quando precisou dormir, ele providenciou um travesseiro macio e a levou para o quarto de hóspedes, ficando perto dela até que caísse no sono. Na noite após o funeral, Victor observou Araminta fechar os olhos exaustos e suspirou aliviado. Foram tantas coisas nos últi­mos dias que ele se perguntava como ela conseguira agüentar. Especialmente quase não se alimentando, dizendo que a comida a enjoava. Agora, sentado à beira da ampla cama de hóspedes, es­tendeu o braço e tocou seus cabelos dourados com os dedos. Gentilmente, com cuidado para não acordá-la, ajeitou-se na cama e ficou quieto ao seu lado. Apesar do esforço para manter-se acordado, logo seus olhos também se fecharam e ele caiu no sono, à mão sobre o corpo adormecido de Araminta. Araminta sonhou com os braços dele envolvendo-a. Ainda meio dormindo, aconchegou-se a ele. Era cedo quando ele acordou e sentiu o calor do corpo dela no seu, provocando uma reação imediata. Tentou mudar de posição, mas Araminta estava muito próxima e teria sido im­possível sem acordá-la. Quando viu que ela havia se mexido, deixou as mãos escorregarem pelo corpo dela num gesto cari­nhoso e calmante. — Mmmm. Isto é tão gostoso — murmurou ela, mudando a posição da cabeça no travesseiro. Incapaz de resistir, Victor beijou-a suavemente, descendo pelo queixo e pelo pescoço. Araminta curvou o corpo como um gatinho satisfeito, e ele continuou descendo até sua boca alcançar o mamilo dela, onde parou, hesitando com medo de que ela des­pertasse completamente. Mas tudo o que ela fez foi suspirar. Incapaz de parar, Victor colocou o mamilo entre os lábios e pressionou-o levemente, enquanto suas mãos passavam por suas pernas, levantavam sua camisola até que seus dedos chegassem ao meio das coxas. Ela estava tão quente, relaxada e flexível, que ele foi além, os dedos procurando o caminho para o lugar que sabia que a deixava sem sentido. Araminta deliciava-se com o toque dos dedos de Victor, acariciando-a em lugares que despertavam sensações incríveis pelo seu corpo. De repente, seus olhos se abriram, percebendo que não era um sonho, mas muito real. Mas era tarde demais para parar ou fazer qualquer outra coisa que não se submeter às hábeis carícias. Quando ele a penetrou suavemente, com um cuidado até esse momento des­conhecido, ela sentiu um nó na garganta. Havia algo novo, intenso e suave que não existira antes, e que dava ao ato de estarem juntos nova dimensão. Ele se movia dentro dela como se quisesse alcançar suas profundezas, conhecer cada minús­cula parte do seu ser até alcançar sua alma. O fato de ele estar sendo tão gentil, carinhoso e amoroso a fez querer chorar quando chegaram ao ápice do prazer — não desmoronando, como antes, mas num fluxo prolongado, até que finalmente se deitaram abraçados, sem a necessidade de pronunciar palavras, sem a necessidade de algo além da mara­vilhosa intimidade que compartilharam de forma tão especial. O dia estava amanhecendo quando caíram no sono nova­mente, e acordaram apenas às dez horas, com a chuva batendo na vidraça. — Parece que o dia está horrível — murmurou Victor, levantando-se para abrir as cortinas. — Que dia é hoje? — perguntou Araminta, sonolenta. Per­dera a noção do tempo e sabia que, por mais difícil que fosse, tinha de voltar à realidade. — Oito de janeiro — respondeu ele. Parecia tão natural, e ao mesmo tempo tão estranho, que esse homem com o qual sabia que tinha apenas um relacionamento temporário estivera presente quando ela mais precisava de alguém. Mas agora que o funeral chegara ao fim, tinha de se forçar a retomar sua vida. Araminta sentou-se lentamente e sentiu a náusea familiar crescer em seu estômago. — Oh, não! De novo não — implorou ela, cambaleando até o banheiro. — O que houve? — Victor seguiu-a, preocupado. — Não sei o que há de errado comigo. Fico enjoada o tempo todo, principalmente de manhã — lamentou-se. — Vou pedir para Manuel fazer um chá — disse Victor, preocupado. — Tem certeza de que ficará bem? — Tenho. — Balançou a cabeça positivamente, grata por vê-lo ir embora. A sensação passou depois de um bom tempo e ela conseguiu sentar à beira da banheira. E Victor? Tinha sido tão carinhoso e gentil. Como poderia fingir que não se importava com ele quando todo o seu ser clamava por seu amor? Colocando o rosto nas mãos, Araminta deu lugar a um mo­mento de auto-piedade. Era tão difícil saber que achara o ho­mem de seus sonhos, mas que esse exato homem não a queria do jeito que ela o queria. Cruel demais o destino ter colocado ele em seu caminho só para desaparecer logo que as coisas voltassem ao normal. Victor estava aqui, agora, porque sabia que ela precisava dele. Mas, depois disso, tudo acabaria. Olhou-se no espelho. Estava muito pálida. Ficou tonta nova­mente e voltou ao quarto, sentando-se na poltrona ao lado da janela. Nesse momento, Victor entrou, carregando uma bandeja com chá e torradas. — Aqui está — disse ele. — Isto vai fazer você se sentir melhor. Provavelmente, não comeu o suficiente. Acho que este é o seu problema, querida. — Pode ser — concordou Araminta. — Victor, acho que devo voltar para casa hoje. A imprensa já deve ter ido embora e preciso resolver algumas coisas antes de ir para Londres. — Não gosto da idéia de saber que vai ficar lá sozinha — observou, servindo o chá e entregando-lhe. — Deveria ter al­guém lá com você. — Peço a Olive para dormir lá. — Tudo bem — concordou, com relutância, desejando que ela pudesse ficar, mas sabendo que estava certa. — Levo você mais tarde. — Obrigada — respondeu com gratidão, dando um gole no chá. — Você foi tão maravilhoso comigo nos últimos dias, Victor. Não sei como suportaria sem você. — Não foi nada — respondeu ele. — Estou falando sério. — Ela estendeu o braço e tocou sua mão, notando como ele ficara tenso. Será que estava com medo de ela ter interpretado seu gesto como algo mais do que ele prometera? Rapidamente, puxou a mão, determinada a partir o mais rá­pido possível. — Vou tomar banho e me vestir, e se não se importa, pode­mos ir — disse ela, colocando a xícara no pires. Victor a olhou por um minuto, a expressão séria e tensa, e ela desejou saber o que dissera para causar tal reação. — Tudo bem — disse ele finalmente. — Vou deixar você se arrumar. — Em seguida, levantou-se e saiu do quarto. Meia hora depois, Araminta estava no andar de baixo, agra­decendo a Manuel pela delicadeza. Victor pegou a mala e ela o seguiu até o Range Rover. Alguns minutos depois, estavam na mansão Taverstock, e Araminta desejou que a viagem tivesse sido mais longa. Quando Victor estacionou, ela desceu do carro rapidamente, segurando a mala. — Obrigada por tudo — disse ela novamente quando ele deu a volta no carro. — Você foi um amigo maravilhoso. — Parecia tão inadequado dizer isso a um homem que ela amara com mais paixão do que podia acreditar ser possível há apenas algumas horas. — Até logo, Araminta. E, por favor, prometa que não vai desaparecer novamente. — Não vou desaparecer — murmurou ela. — Vou alugar um apartamento em Londres não muito longe de você: em Wilton Crescent. — Bom, então vamos nos encontrar lá. O tom autoritário estava de volta e ela o fitou, desejando saber o que se passava em sua mente. — Certo. Bem, vejo você, então — murmurou ela, sem jeito. — Ligo à noite para ter certeza de que está tudo bem com você. Talvez tenha de passar uns dois dias em Londres, mas estarei de volta no fim de semana. Se precisar de alguma coisa, é só ligar para Manuel. — Deu um beijo em sua testa e apertou seu braço. CAPÍTULO CATORZE Nos dias seguintes, Araminta concentrou-se nas questões prá­ticas pertencentes às propriedades de sua mãe. Encontrou-se com o advogado, que leu os termos do testamento. Tudo havia sido deixado para ela. Agora tinha de pensar no que fazer com it mansão Taverstock. Amava muito o lugar, pois lhe trazia lembranças da infância, do falecido pai e, agora, da mãe. Bem, não havia motivo para tomar decisões apressadas. Olive entrou e disse-lhe que o almoço estava pronto. — Obrigada, Olive, mas acho que não... — Srta. Araminta, que besteira é essa de não querer comer? — interrompeu, colocando as mãos na larga cintura e sacudin­do a cabeça grisalha. — Fico enjoada o tempo todo. Bem, na verdade, não o tem­po todo. Só de manhã. — É mesmo? — Olive olhou-a atentamente, olhos estreita­dos, e tirou as próprias conclusões. — Já foi ao médico? — Não. Não acho que esteja realmente doente... só um pou­co abatida. — Já pensou que pode ser outra coisa? — questionou Olive. — O que quer dizer? — Araminta olhou-a nos olhos, a ex­pressão questionadora. — Bem, srta. Araminta, achei que uma mulher da sua idade se daria conta do que poderia ser... a senhora sabe... — Olive tez um gesto sem jeito e Araminta olhou-a fixamente, espanta­da, entendendo subitamente o significado das palavras. — Oh, meu Deus — sussurrou ela. — Quer dizer que posso estar grávida? — Bem, não há como saber. Essas coisas acontecem — dis­se Olive. — Mas isso é terrível. — Araminta engoliu em seco. — Quero dizer, não é terrível, é maravilhoso, mas, Olive... — Caiu no choro e Olive correu até o sofá. Sentando-se ao lado de Araminta, colocou o braço em volta dela e bateu em seus ombros. — Não, não fique aflita, querida. Se estiver grávida, não vai fazer bem para o bebê. Se eu fosse você, ia até a cidade e pedia ao Dr. Collins para fazer um desses exames modernos de gravi­dez. — Você acha? — perguntou Araminta, com medo da res­posta, e vendo a imagem de Victor à sua frente. Como podiam não ter tomado as devidas precauções? O que ia fazer? No fundo de seu coração, Araminta já sabia o resultado do teste. No entanto, Olive estava certa. A melhor coisa a fazer era marcar uma consulta o mais rápido possível. Na manhã seguinte, Araminta saiu do consultório do Dr. Collins tremendo, não de frio, mas de nervoso; estava espe­rando um bebê. Parte dela sentia a emoção de saber que seria mãe, a outra, a parte que sabia que havia sido completamente irresponsável, estava confusa. O que diria a Victor? Perguntou-se enquanto andava em direção ao carro, estacionado na mesma vaga onde tinha entra­do em contato com ele pela primeira vez. Permaneceu lá por um momento. Parecia que havia sido muitos meses atrás, mas não fazia tanto tempo assim. Tempo suficiente para engravidar, racionalizou ela, abrindo a porta do carro, mais cuidadosa em seus movimentos, como se pudesse machucar o pedacinho de vida que agora existia den­tro dela. Enquanto dirigia, Araminta pensou em todas as possibilida­des. Acabara de enterrar a mãe e estava esperando um bebê. O que sua mãe diria? Esperaria que ela fizesse um aborto? O pensamento a fez tremer. Araminta sabia que teria o bebê de qualquer jeito. Afinal, não precisava de Victor. Várias mulheres eram mães solteiras. Qual era o problema? Era financeiramente independente, po­deria dar tudo que a criança precisasse, sem qualquer ajuda. Então, por que estava tão infeliz? Chegando em casa, Araminta contou a Olive a verdade, mas implorou que não contasse a ninguém. O problema que teria de enfrentar agora, percebeu Aramin­ta, mal-humorada, era se contava ou não ao pai da criança. Passou o resto da tarde remoendo o problema. Talvez não lhe contasse imediatamente. Talvez esperasse. Mas e se ele descobrisse? Como reagiria? Ia querer fazer parte da vida des­sa criança mesmo não querendo compromisso com ela? Era tão difícil e confuso. Finalmente, Araminta decidiu que a melhor coisa era esperar ele voltar e ter mais tempo para refletir sobre a questão. — Você está o quê? — exclamou Pearce, encarando-a do outro lado da mesa do Clube Mark. — Já disse: estou esperando um filho — respondeu Aramin­ta, em voz baixa. — Não faça uma cena, por favor. — Araminta, tem noção do golpe de publicidade que isso vai ser? Quando vai nascer? Em tempo de coincidir com o próximo livro, espero. — Pearce, não fiquei grávida para satisfazer meus fãs — disse ela, rindo apesar da agitação. — E, por favor, isso é se­gredo. Só contei porque achei que você deveria saber o que está acontecendo. — E quem é o pai sortudo? — Não quero falar sobre isso — respondeu, encerrando o assunto. — Não quer...? Mas, Araminta, isso é loucura. Você senta aqui, me diz que está grávida e não quer me dizer quem é o pai. Acho que tenho um palpite — disse, olhando-a com sagacidade. — Sério? — Araminta tentou soar indiferente. — Ainda não contou a ele? — perguntou Pearce. — Não. Ainda não. — Posso perguntar por quê? — questionou. — Ele não tem o direito de saber? — Tem. Não. Não sei. — Araminta levantou o copo e deu um gole no champanhe. — Araminta, você está me dizendo que está esperando um filho de Victor e que ele não sabe de nada? Ela ficou olhando para as mãos, firmes em seu colo, e con­cordou com a cabeça. — Bem — exclamou Pearce, digerindo a informação. — Acho melhor você remediar essa situação de uma vez. Se tem alguma coisa que esse homem detesta é que mintam para ele. — Não estou mentindo. Ele provavelmente não vai querer saber. Afinal de contas, ele é casado. — Quem lhe disse isso? — Ele mesmo. — Entendo. — Pearce franziu a testa. Na última vez que vira Victor, ele estava ansioso para encontrar Araminta e muito feliz por ter se divorciado. Nada disso fazia sentido. — Pearce, prometa que não vai dizer nada ao Victor ou a ninguém. Contei a você em confiança. — Sei disso. No entanto, é meu dever alertá-la, como seu amigo, e amigo de Victor, que a única coisa decente a ser feita é contar para ele a verdade. — Vou pensar sobre isso — concordou, depois mudou rapi­damente de assunto antes que ele continuasse a questioná-la. — Não vai me convidar para conhecer seu novo apartamen­to? — perguntou Victor, enquanto caminhava pela Rua Sloane, contente com o que comprara na Chanel: uma sacola de via­gem perfeita para Araminta. — Estou livre agora e tenho algo a lhe dar. — Tudo bem. Pode vir se quiser. — Então, vejo você em dez minutos. O que podia fazer? Perguntou-se Araminta, o coração ba­tendo a mil por hora. Passou a mão protetoramente sobre a barriga. Simplesmente, não podia contar a ele sobre o bebê; não agora. E se ele reagisse mal? E se ficasse furioso e ela aflita e...? Melhor não pensar nisso, apenas recebê-lo normalmente e não deixar que isso a aborrecesse. Teria várias oportunidades para contar, quando fosse o momento certo. O som da campainha fez com que se apressasse em direção a porta. — Oi. — Oi. Entre — disse ela, forçando um sorriso de boas-vin­das e esperando que o barulho de seu coração não pudesse ser ouvido. — Isto é para você. — Victor entregou-lhe a bolsa e tirou o casaco preto. — Para mim? — Araminta pegou o pacote e olhou-o. Por que estava lhe dando um presente? — Abra e veja se gosta — disse ele enquanto caminhavam pela sala de estar. — Bonito lugar — murmurou admirado, olhando as paredes verde-claras, os sofás creme e as antiguidades de bom gosto. — Não deveria ter me trazido um presente — disse Aramin­ta enquanto desamarrava a fita, abria a caixa e removia a linda bolsa de couro creme. — É inacreditável! — exclamou, esquecendo as preocupa­ções por um momento. — Vi essa bolsa ontem e pensei em comprá-la. Como adivinhou? Muito obrigada. — Ela se apro­ximou para beijá-lo no rosto. Mas Victor colocou levemente a mão na nuca de Araminta e a beijou. — Senti sua falta, minha linda, senti mais sua falta do que achei ser possível. — Victor, não... — Mas suas palavras foram emudecidas pelos lábios dele, a língua movimentando-se implacavelmente, e seu corpo pressionando com força contra o dela. Araminta sabia que tinha de parar imediatamente, que não podia permitir que ele a deixasse fora de si. Mas era impossível não se render à insistência das mãos que se movimentavam tão habilmente pelo seu corpo, não ansiar por algo além do peito musculoso pressionando contra os já doloridos mamilos. O que esse homem fazia com ela? Por que já estava se derretendo por dentro? Amolecendo com seu to­que? Sentia os braços e as pernas fracos quando in Suspirando, Araminta largou a bolsa no sofá e entregou-se ao abraço. Não havia nada que pudesse fazer, não havia como resistir. Por um momento, desejou afastar-se, contar-lhe a ver­dade, dividir essa maravilhosa e, no entanto, apavorante expe­riência. Mas algo a deteve e ela se rendeu aos beijos, jogando-se com ele no sofá. Se isso era tudo que teria, era melhor aproveitar o momento e guardar as memórias para os dias difíceis que viriam, quando ele provavelmente não estaria por perto e ela teria de enfrentar o futuro sozinha com o bebê. Victor afastou-se, acariciou seu rosto e enrugou a testa. — Algum problema, querida? Você parece perturbada. — Não, eu... — Ela não poderia continuar; não conseguia olhá-lo nos olhos e não lhe contar a verdade. Em vez disso, colocou a cabeça no ombro dele e abafou as lágrimas que esta­vam sempre tão próximas nos últimos dias. — Qual é o problema? — sussurrou, colocando os braços em volta dela e segurando-a bem próximo enquanto acariciava suas costas. — Por favor, me diga o que há de errado. É por causa da sua mãe que você está assim? Araminta hesitou. Seria bem fácil mentir. Mas lembrou-se das palavras de Pearce na hora do almoço. Recompondo-se, afastou-se dele e levantou-se do sofá enquanto Victor a acom­panhava com os olhos. — O que foi Araminta? Você parece muito preocupada e atordoada. Conte-me. — ordenou. Ela foi para perto da janela, olhou para fora por um momen­to, engoliu em seco e virou-se. — Aconteceu uma coisa, Victor. Eu... — Ela estava deses­perada, olhando-o com olhos temerosos, observando-o levan­tar-se do sofá e aproximar-se. — O quê? — perguntou ele com dureza, sendo tomado pelo desânimo. Ele devia saber que era bom demais para durar. Lembrou-se do que Pearce lhe dissera. É claro, ela encontrara outro ho­mem quando estivera no Caribe! Como podia ter sido tão idio­ta? Isabella sempre lhe mostrara do que as mulheres eram capazes. Enquanto esperava como um idiota em Eaton Place, Araminta obviamente tinha aprontado. — Victor, preciso contar isso antes que as coisas se compli­quem mais entre nós. — Não se preocupe — retrucou-o, o rosto com as feições raivosas. — Posso imaginar. Bem, foi bom enquanto durou, Ara­minta. Claro que eu sabia que era uma coisa passageira, e foi por isso que não quis me envolver emocionalmente. Muito mais fácil assim, não acha? — Deu uma risada curta e áspera, ele a fez ter certeza dos sentimentos dele. — Olhe, é melhor eu ir embora — disse, olhando o relógio. — Vejo você por aí. Não precisa me levar até a porta. Araminta ficou grudada ao chão enquanto ele se virou e ca­minhou até o hall. Queria correr atrás dele, implorar para ele esperar porque ela precisava explicar algo. O que imaginara? Ele sabia o que ela ia lhe contar, que estava esperando um bebê? Ou tinha entendido uma coisa completamente diferente? Por que tinha ficado tão bravo? Desesperada, atirou-se na cadeira mais próxima e escondeu u rosto nas mãos. Era o fim. Tudo acabado. Qualquer esperan­ça que tivera, estava morta. Não havia mais nada a fazer a não ser encarar o futuro sozinha e ter certeza de que seu filho seria amado e teria tudo que precisasse, mesmo não tendo pai. Endireitou-se na cadeira, determinada a não dar lugar às emoções. Não era bom para o bebê, e esta era sua maior priori­dade agora. Não permitiria que nada nem ninguém — muito menos Victor e sua arrogância — prejudicasse seu filho. Levantou-se e olhou para a bolsa no sofá. Provavelmente, nunca a usaria. Pois aquilo marcava uma virada na sua vida, um marco que jamais seria esquecido. Victor saiu de Wilton Crescent furioso e caminhou até Est Place tentando entender por que o comportamento sem sentido de Araminta — o qual, é claro, ele esperara desde o prin­cípio — o deixara tão transtornado. Dane-se ela. Danem-se todas as mulheres. Por que ele era um tolo sentimental? Por que tinha acreditado, durante todos esses dias que passou no solar depois da morte da mãe dela, que as coisas entre eles tinham se aprofundado, algo que, embora detestasse admitir, ele almava? Ele entrou no apartamento e foi direto à sala de estar, onde se serviu de uísque e ficou olhando para o nada, vendo o rosto de Araminta e desejando nunca ter colocado os olhos nela. Ia vender o solar, decidiu abruptamente. Livrar-se do lugar e não se sujeitar à possibilidade de encontrá-la. Nesse momento, o toque do telefone o trouxe de volta a terra. — Alô? — atendeu bruscamente. — Alô, cara. Sou eu, Pearce. — Oi, em que posso ajudá-lo? — Você parece um pouco desanimado. Está tudo bem? — Ótimo. O que você quer? — lançou Victor. — Bem, na verdade, gostaria de saber se gostaria de jantar em algum lugar. Mas é claro que, se não estiver no clima, jan­tamos outro dia. Victor hesitou. Não queria nada naquele exato momento. Mas de repente mudou de idéia. Que sentido havia em ficar ali, olhando para o nada? — É uma ótima idéia — respondeu. — Encontro você as oito no Green. — Até mais. Pearce desligou o telefone e sorriu. Definitivamente, havia alguma coisa errada, e era óbvio que tinha a ver com Araminta. Ele precisava fazer alguma coisa em relação a esses dois. CAPÍTULO QUINZE — O que acha de uma garrafa de Poully Fuissé? — murmu­rou Pearce, olhando a carta de vinhos. — Parece que você está precisando beber alguma coisa. — Estou mesmo — concordou Victor. Pearce pediu o vinho e olhou para o amigo. A expressão de Victor era: sombria e ele desejou saber se Araminta tinha toma­do coragem e este era o resultado. — Almocei com Araminta hoje — comentou. — É mesmo? — Victor deu um sorriso cínico. — Uma figu­ra e tanto, essa sua amiga Araminta. — Minha amiga? — Não é? — Sim, suponho que seja. — Por que não me contou que ela conheceu alguém em Barbados? — disse Victor repentinamente, sem conseguir es­conder a raiva. Maldito Pearce. Afinal, era cúmplice. — Não tenho idéia do que você está falando. — Vamos lá, Pearce. Você ainda tem alguma lealdade co­migo, apesar de seus interesses comerciais com Araminta — disse Victor de forma mordaz. — Acho que vai ter de ser um pouco mais explícito — res­pondeu Pearce com frieza. — Ela me disse esta tarde, ou melhor, tentou confessar. Mas não dei chance a ela — acrescentou. — Espere — disse Pearce. — Você viu Araminta e ela ten­tou lhe contar alguma coisa? — Isso. Só pode ser que ela teve um caso com alguém quan­do estava comemorando o Ano-novo. — E o que faz você ter tanta certeza disso? — O que mais poderia ser? — exclamou Victor. — O que mais poderia fazer uma mulher afastar-se de mim, ficar preo­cupada, apertando as mãos, dizendo que tinha algo para me contar e parecendo culpada? — questionou, levantando as so­brancelhas com sarcasmo. — Posso pensar em várias coisas — replicou Pearce. — Não acha que talvez tenha sido um pouco precipitado? — Não vejo por que — respondeu Victor, um pouco menos seguro de si mesmo. — Era óbvio. — Talvez não — respondeu Pearce, olhando diretamente nos olhos de Victor. — Por que está dizendo isso? — Acho que não tenho o direito de contar. — Pare com esses subterfúgios. Diga-me. — Desculpe, mas acho que não é minha função. — Olhe, estamos falando de Araminta. Pensei que ela fosse diferente. Fui um imbecil em achar que talvez... — Parou de falar, percebendo o que estava admitindo. — Que estivesse apaixonado por ela? — perguntou Pearce calmamente. — É claro que não estou apaixonado por ela, isso é ridículo. É que... — Por que não admite Victor? Vou lhe dar um conselho, cara: encontre Araminta e pergunte o que ela queria dizer. E não chegue lá parecendo um urso de mau humor. — Você sabe alguma coisa... — Victor controlou seu tem­peramento com dificuldade. Depois, colocou o guardanapo na mesa e levantou-se. — Vou lá agora mesmo tirar isso a limpo. — Excelente idéia. — Pearce olhou-o sair com um sorriso. Esses dois foram feitos um para o outro, concluiu, conformado em jantar sozinho. O humor de Victor não tinha melhorado quando estacionou no hotel Berkeley e caminhou até o prédio de Araminta. Dois minutos depois, tocou a campainha e esperou. Em se­guida, ouviu a voz dela no interfone. — Araminta, sou eu, Victor. Preciso falar com você. Ouve um momento de hesitação. — Acho que não temos mais nada a falar. — Olhe, por favor, desculpe. Fui muito grosseiro esta tarde. Precisamos conversar. — Não. — Araminta, estou lhe avisando, se não me deixar entrar, vou quebrar a porta e provocar a maior confusão aqui. Ele era realmente impossível, refletiu Araminta, irritada, apertando o botão do interfone. Agora que tinha tomado à decisão de assumir as responsabi­lidades, não estava mais amedrontada e sabia exatamente o que iria fazer. Escutaria o que ele tinha a dizer, depois se livraria dele de uma vez e colocaria um ponto final em todo esse des­propósito. O nó na garganta apertou. Araminta tocou na barriga quando ouviu o barulho do elevador. Depois, engolindo seco, levantou as costas, olhou-se no espelho e, de cabeça erguida, foi abrir a porta. Felizmente não estava desarrumada, vestindo um suéter branco e saia. Ela estava linda demais! Victor engoliu em seco, de pé à porta. — Entre — disse Araminta, virando-se e caminhando em direção à sala de visitas, onde a lareira estava acesa. De alguma maneira, ela estava ainda mais adorável do que ele se lembra­va, quase etérea, sentada no sofá ao lado do fogo. Não era tão fácil, agora, ali abordar o assunto, quando ela estava tão fria e calma. — Olhe, voltei porque acho que me precipitei mais cedo — disse, olhando-a atentamente, um repentino desejo invadindo-o. — Não sei por que se incomodou — murmurou ela. — Você parecia muito seguro de suas atitudes. — Parecia? — perguntou ele. — Bem, você deixou absolutamente claro o tipo de opinião que tem sobre nosso relacionamento, então realmente acho que não há mais nada a ser dito. — Olhe, desculpe. Cometi um erro. Aconteceram coisas na minha vida que fazem com que seja muito difícil confiar nos outros. — Que pena — disse ela, numa voz lânguida. — É verdade. Percebo isso agora. Olhe, quando você come­çou a me contar alguma coisa esta tarde, achei que estava ten­tando me dizer que estava com outro homem. — E por que isso era tão importante? Afinal, não temos um compromisso. — Eu sei, mas... — Não — interrompeu os olhos raivosos. — Foi você quem disse que não podia se comprometer. Vamos viver o momento, foram palavras suas. Se eu tivesse saído com alguém, seria bem-feito para você. Estavam olhando um para o outro agora. O ataque de Araminta lhe dizia o que precisava saber. Ela não tinha sido desonesta com ele; sua raiva provava isso. — Olhe querida, desculpe. — Ele se aproximou dela. — Não podemos esquecer isso e começar de novo? — Começar de novo? Não. Acho que não. O jeito como você se comportou foi estarrecedor. Não quero ver você de novo. — Lágrimas surgiam em seus olhos enquanto ela falava. — Mas, Araminta, você precisa entender. Isso é muito mais sério do que pensei. Acabei de perceber o quanto gosto de você e que... — Oh! Verdade?— disse ela, enfurecida. — Bem, é tarde demais, Victor Santander. Devia ter pensado nisso antes. E você é casado. Não existe futuro para nós dois. — Se você me deixar explicar... — O que há para ser explicado? — disse ela, as lágrimas escorrendo pelo rosto. — Casado é casado, não existe meio termo. Recebi uma carta da sua esposa — acrescentou amarga­mente. — Com fotos de vocês dois juntos. — Quando foi isso? — Assim que cheguei de Barbados. Olhe, você segue seu caminho e eu o meu, está bem? Esta discussão não tem sentido. — Araminta, por favor, me dê uma chance de explicar — implorou Victor, segurando os braços dela. — Não sou mais casado com Isabella. Eu me divorciei quando estive no Brasil. Foi por isso que demorei tanto e não entrei em contato. — Divorciado? — sussurrou ela, incapaz de acreditar no que ouvira. — Sim, divorciado. — Por que não me contou? — disse ela, a raiva crescendo. Ele a deixou pensando que era casado, enganou-a para que não esperasse nada dele. Em outras palavras, não confiava nela. Livrou-se dos braços dele e foi até a janela. — Saia da minha casa — sibilou, tremendo, incapaz de con­trolar a dor. — Saia daqui e não volte nunca mais. Você é desprezível. Não quero vê-lo nunca mais. Em seguida, virou-se e correu para o quarto, batendo a porta com força. Victor permaneceu de pé, olhando para a porta. Ela estava profundamente magoada, era óbvio, e aparentemente todas as suas suspeitas tinham sido infundadas. Então, o que ela estava tentando contar para ele mais cedo? Passando as mãos pelos cabelos, Victor analisou a situação. Por um momento, ficou inclinado a segui-la, insistir para dizer a verdade. Mas hesitou. Ela havia passado por muita coisa e ele se sentia envergonhado por ter tirado conclusões precipitadas. Decidiu dar um tempo para a poeira baixar. Ela estava trans­tornada demais. Melhor deixar que ela descansasse e tentar amanhã de manhã, quando os dois estariam mais calmos. Não levara a sério a afirmação de não querer vê-lo nunca mais. Repentinamente, decidiu que não ia a lugar algum. Ficaria e dormiria no sofá. Dessa maneira, ela não poderia escapar dele, mesmo se quisesse. Araminta atirou-se na cama e desabou em lágrimas. Não podia mais segurar. Ainda bem que finalmente lhe dissera para nunca mais voltar. A decisão estava tomada e não ia voltar atrás. Chorou lágrimas de dor, angústia, raiva e remorso. Pouco a pouco, ela se recompôs, levantou-se e se arrumou para dormir. Teria sorte se conseguisse dormir e esquecer toda a confusão por algumas gloriosas horas. CAPÍTULO DEZESSEIS Às três da manhã, Araminta levantou-se com o barulho da chuva. Sentiu um calafrio e acendeu a luz. Esfregou os olhos e pegou o roupão, lembrando-se que, em seu estado tempestuoso na noite passada, esquecera-se de trancar a porta da frente. Vestindo os chinelos, saiu do quarto e foi em direção ao hall para checar a porta da frente, enrugando a testa quando percebeu que estava trancada. Virou-se e foi até a sala de visitas, onde uma lâmpada permanecia acesa. Não tivera tempo de des­ligar as luzes. O vento estava forte e a chuva batia com força. Odiava tem­pestades. Sentiu-se amedrontada e sozinha. Envolvendo os braços na cintura, caminhou em direção à sala. Em seguida, um movimento no sofá a fez ficar paralisada. Havia alguém no apartamento. O que ela podia fazer? Victor virou-se no sofá, tentando achar uma posição confor­tável, mas sem conseguir. Então, ouviu um barulho e sentou-se. Olhou em direção à porta e viu Araminta rígida como uma estátua, o rosto branco e assustado. Levantando-se, atravessou a sala em dois passos. — Por que se levantou? Você está bem? — O... o que está fazendo aqui? — sussurrou, fitando-o, as pernas bambas. — Venha aqui e sente-se. — Victor segurou seu braço e levou-a até o sofá. — O que está fazendo aqui? — perguntou novamente, per­plexa e, ao mesmo tempo, agradecida por não estar sozinha. — Não quis deixar você sozinha — respondeu ele, imagi­nando se ela estava se sentindo bem, pois a mão direita estava sobre a barriga. — Está se sentindo bem? — questionou. Ela parecia tão frágil. — Vou pegar um conhaque para você. — Não, não posso. — Besteira, querida. É claro que pode. Vai lhe fazer bem. — Não... álcool não. — Araminta, não seja boba — disse, passando a mão nos cabelos dela. — Não posso beber agora — murmurou ela, recostando-se no sofá. — Por que não? — perguntou Victor peremptoriamente. — Porque estou... Ela se sentou ereta, o rosto pálido e as mãos trêmulas. — Olhe Victor, me deixe sozinha. Vou beber um copo de água. — Araminta, exijo que me conte imediatamente por que não pode beber álcool — ordenou Victor, a voz determinada. — Não é importante — murmurou ela. Não podia contar. — Araminta, não minta para mim. Odeio mentiras. — Ele estava de pé em frente a ela, os olhos, implacáveis nos dela, não permitindo escapatória. Por um momento, Araminta pensou em negar a verdade, mas uma angústia a invadiu e sabia que não podia. Quaisquer que fossem as conseqüências, teria de admitir a realidade. — Então? — Es... estou esperando um bebê — gaguejou ela, olhando-o nos olhos por um momento, depois olhando para as mãos ner­vosas no colo, esperando a tempestade que cairia sobre sua cabeça. Atordoado, Victor absorveu as palavras por um momento. Ela estava grávida. Então, ele estava certo. A traição era intensa, vil. Tentou desesperadamente contro­lar a raiva de pensar que ela estava esperando o filho de outro homem. Como pôde fazer isso com ele? Araminta olhou-o, cautelosa. — Sei que devíamos ter nos precavido. É que eu não tinha tido nenhum relacionamento depois da morte de Peter, e ele não podia ter filhos... bem, eu me acostumei a não me preocu­par com o uso de contraceptivos. Não espero que você assuma qualquer responsabilidade — continuou, nervosa. — É meu filho. Eu lido com as conseqüências. — Levantou o rosto e determinou-se a ser corajosa. — Não precisa se preocupar com nada — murmurou. Victor encarou-a, sem acreditar. O filho era dele. Não de outro homem, mas o fruto do... amor deles. Nunca, em todos esses anos, algo o afetara como as últimas palavras de Araminta. — Araminta — sussurrou ele, precisando confirmar a ver­dade —, você está me dizendo que vamos ter um filho? — Não — respondeu ela, sentindo-se muito mais no contro­le agora que aceitara a realidade. — Eu vou ter um bebê. — Nosso bebê — insistiu ele, tomado por uma miríade de emoções que mal podia definir. — Victor, não precisa fazer um drama em relação a isso. Eu assumo a responsabilidade. Vou registrar a criança no meu nome. Dessa forma, não vai lhe causar nenhum constrangi­mento. — Ela o olhou diretamente nos olhos, deu vários passos para trás e virou-se para a janela, escondendo as lágrimas. Victor a observava incapaz de reagir. De repente, o signifi­cado de tudo o que ela dissera o atingiu. Sua expressão tornou-se sombria e furiosa ao aproximar-se dela. — Como ousa dizer essas coisas? — reclamou ele. — Que coisas? — Araminta tremeu ao perceber sua raiva. — Por favor — disse ela, assustada —, não fique bravo. Fico nervosa, e não é bom para o bebê. — Desculpe — disse ele, com dureza. — Não tive intenção de lhe fazer mal. Araminta, quando isso aconteceu? Por que não me disse antes? — Por que sabia que seria um problema para você e não sabia como reagiria — murmurou ela, tentando ser sensata. — Um problema? Do que diabos está falando? Que tipo de homem você acha que sou? — Eu... — Você não tinha o direito de esconder isso de mim. Devia ter me contado imediatamente... dividido essa notícia comigo. Eu... eu não posso acreditar — disse, sacudindo a cabeça, a expressão ficando encantada. — Você está esperando um filho meu. Mas você está bem? Deveria estar descansando. Para surpresa de Araminta, ele deslizou os braços sob ela e a levantou. — Minha linda Araminta. Vou deitar você em algum lugar. Não deve se incomodar com nada, não deve ir a lugar algum — disse, num tom controlador, colocando-a ternamente no sofá. — Mas... — Araminta piscou quando ele deu um beijo sua­ve em sua testa. — Você e o bebê devem ficar aquecidos. — Você... quer dizer que não está bravo? — sussurrou ela, sem acreditar. — Bravo? É claro que não. Vai ser um menino. Meu primei­ro filho. Temos de nos casar imediatamente. — Mas isso é um absurdo, Victor — protestou ela, forçando-se para sentar. — Não acho que você tenha pensado nisso de maneira apropriada. Por favor, não diga coisas sem pensar. — A dor de vê-lo fantasiar deixou-a com lágrimas nos olhos. Talvez, para ele, tudo isso fosse apenas um jogo. Victor olhou para baixo e pegou as mãos dela. — Estou falando sério. Sou divorciado. — Mas isso não significa que queira se casar de novo tão rapidamente. — Vamos ter um filho, Araminta. É claro que vamos nos casar imediatamente. — Não estamos na Idade Média, Victor. As pessoas têm filhos sem se casar. — Mas não concordo com isso — respondeu autocrático. — Posso assinalar — murmurou ela, com um ligeiro sorriso no rosto — que você ainda não me pediu? — Ainda não lhe pedi? O que quer dizer com isso? — Exatamente isso. Ainda não me fez a proposta. — Quer dizer que não quer se casar comigo? — perguntou ele, perplexo. — Não disse isso. Apenas ressaltei que você não me pergun­tou. Além disso, preciso de um tempo para pensar. — Mas isso é ridículo — ele explodiu, olhando-a fixamente. — Aqui estou eu, propondo que façamos à coisa certa, e você reage dessa maneira absurda. — Não é absurdo, é realista. Não preciso de favores — disse ela com arrogância. — Não quero me casar com você só por­que estou grávida e você sente uma necessidade antiquada de provar que é um cavalheiro honrado. — Se é assim que você pensa, então realmente há muito pouco a ser dito. Acho que está sendo ridícula, imatura, irres­ponsável e, devo acrescentar egoísta — disse, em um tom res­sentido e raivoso, indo em direção à porta. — Não pode sair com esse tempo — exclamou Araminta. — Não daria a mínima se tivesse um furacão — replicou ele. — Vou sair daqui. — Bem, isso depende inteiramente de você. — Ela deu de ombros, um ligeiro sorriso no rosto em vê-lo tão perturbado só porque as coisas não estavam acontecendo como ele queria. — Vou ligar amanhã para saber se está bem de saúde — anunciou friamente, vestindo o casaco. — Quero que vá direto para a cama. Insisto que tome conta direito do meu filho. Virou-se e saiu do apartamento, deixando Araminta no sofá, imaginando se fora precipitada demais em sua resposta. Mas sabia que estava certa. A não ser que ele a amasse tanto quanto ela o amava, não havia sentido em um casamento por obriga­ção. Era tudo ou nada. CAPÍTULO DEZESSETE — E isso não é tudo — ressaltou Victor, indignado. — Con­segue acreditar que ela se recusou a casar comigo? — explo­diu, apoiando-se na mesa de Pearce. — Mas como você colocou isso para ela? — Assim que soube a verdade, disse a ela que nos casaría­mos imediatamente. Era um passo óbvio a ser tomado. O que mais devia dizer? — Humm. Mas Araminta não concordou? — Não. Ela deve ser louca. Sabe o que ela disse? Que não perguntei a ela. Não entendo. — E você perguntou? — Já lhe disse — reiterou impaciente. — Deixei bem claro que deveríamos nos casar imediatamente. — Victor, estava me referindo ao verbo perguntar. Você perguntou? Ou apenas comunicou a ela? — O que isso importa? É tudo a mesma coisa. — Victor rejeitou a questão com um gesto autocrático. — Eu não acho. — Por que não? O resultado é o mesmo, não é? — Na verdade, não. Pelo que estou entendendo, Araminta acha que você só quer casar com ela para fazer seu papel de pai: dar um nome à criança e coisas assim. — E isso não é razão suficiente? — Não é mais. As mulheres querem ser amadas. Ter um filho fora do casamento não é mais um problema nos dias de hoje. Araminta precisa saber que você a ama. Victor ficou paralisado em frente à mesa de Pearce e franziu a testa. — Mas isso deveria ter ficado evidente — disse ele, levan­tando as mãos num gesto de incompreensão. — Aparentemente, não — murmurou Pearce. — Talvez você devesse começar a trabalhar em demonstrações práticas. Agora, se me dá licença, tenho muito trabalho a fazer antes do almoço. Quatro dias se passaram e nenhuma palavra de Victor. Talvez tivesse se arrependido de sua precipitada oferta de casamento, pensado sobre as próprias palavras e decidido que ela estava certa. A última coisa que queria era um casamento infeliz que acabaria em dor para os três. Araminta suspirou, sufocando a dor que pairava permanen­temente sob a superfície, sabendo que teria de se acostumar a ela. Hoje almoçaria com Pearce para marcar as entrevistas da próxima semana. Quando estava quase pronta para sair, a campainha tocou. Dirigiu-se à porta com uma ponta de esperança de que fosse Victor. Mas era o serviço de entrega. — Obrigada. — Sorriu para o rapaz da entrega e olhou a carta. Provavelmente, algo em relação ao contrato de seu novo livro. Abrindo a embalagem, Araminta retirou um envelope escri­to à mão. Seu coração disparou. Era a letra de Victor. As mãos tremendo, ela o abriu e desdobrou a carta. Querida Araminta, Depois de pensar muito, concordo que esse assunto deve ser discutido cuidadosamente antes de qualquer decisão final ser to­mada. Assim sendo, estou lhe convidando para me encontrar nesse fim de semana na esperança de que possamos discutir de maneira adulta e sensata. Meu avião está à sua disposição. Se estiver de acordo, por favor, entre em contato com o capitão Ferguson no número abaixo. Ele espera instruções de acordo com sua conveniência. Victor Araminta leu a carta duas vezes, o coração pesado. Então, ele pensara melhor e percebera que se casar não era sensato. Teriam de manter um relacionamento civilizado pelo bem da criança. Hoje era quinta-feira e ela não tinha nada para fazer no fim de semana. Mas ele não mencionava onde queria encontrá-la. Típico. Bem, logo descobriria. Pegando o telefone, Araminta ligou para o capitão e disse-lhe que poderia partir às quatro horas do dia seguinte. Somente quando desligou percebeu que se esquecera de perguntar para onde iriam. Estava sendo levada para a Normandia. Por que ele queria que ela viesse ao lugar onde, de acordo com seus cálculos, tinha certeza que o bebê havia sido conce­bido? Era cruel demais, pois obviamente ele mudara de idéia e queria apenas um relacionamento civilizado. Houve momentos, nos últimos dias, em que se perguntou se não deveria ter sido menos radicalmente contrária à sua pro­posta de casamento. Mas, então, lembrara-se da reação dele, a necessidade que tinha de ser obedecido sem questionamento. Havia falado apenas por orgulho e obrigação, nada mais. Minutos depois, o avião começou a descer, e logo estavam aterrissando em Deauville. Desembarcando, viu que o mesmo chofer que os conduzira em Londres esperava por ela. Apenas depois de meia hora de viagem Araminta percebeu que, em vez de entrarem na cidade histórica de Falaise, esta­vam entrando nos portões do adorável castelo onde Victor a levara para ver os cavalos. O carro parou e o chofer abriu a porta e pegou sua mala. Em seguida, as portas se abriram e a governanta a guiou para o interior do castelo. O lugar era lindo, percebeu o hall em már­more preto e branco. Por que a trouxera para cá? Perguntou-se, subindo as esca­das. E onde estava Victor? Talvez estivesse ocupado demais e planejava passar o mínimo de tempo em sua companhia. A governanta, uma mulher grisalha com um sorriso agradá­vel, abriu uma enorme porta no corredor acarpetado e Aramin­ta entrou em um pequeno salão que legava a uma suíte. Estava charmosamente decorado. Ela amou as cortinas, que davam claridade ao ambiente. O quarto também era adorável, e quando Araminta entrou, foi surpreendida por um enorme pacote em sua cama. Intriga­da, caminhou em direção a ele e franziu a testa. O que isso significava? Pegou um envelope branco com seu nome escrito e abriu-o. Espero você lá embaixo às oito. O jantar é formal. Victor Como ela poderia saber que teria um jantar formal na noite que chegasse? Não era uma ocasião para ter convidados. Muito pelo contrário. Ele poderia ao menos ter avisado. O que ia ves­tir? Quando sua raiva por Victor crescia, Araminta olhou a imensa caixa sobre a cama mais uma vez. Hesitante, abriu-a. Para sua surpresa, encontrou um maravilhoso vestido de noite preto e prata, sapatos negros de cetim e uma bolsa dentro da caixa. Ela não tinha muita escolha. Ou vestia isso ou ia para o jantar vestindo calças e casaco. Olhou para o relógio e percebeu que já eram sete horas. Entrou no enorme banheiro de mármore e espelhos. Abriu as torneiras da enorme banheira, adicionou uma perfumada loção para banho, despiu-se e entrou na banheira. Uma hora depois, Victor a esperava ansiosamente. Às oito horas em ponto, Araminta começou a descer os de­graus da majestosa escada. O vestido servira perfeitamente. Segurava nas mãos a pequena bolsa. Usava pouca maquiagem, um pouco de brilho labial e rimei. O cabelo estava brilhando como seda sob o candelabro de cristal. Victor prendeu a respiração. Ela estava tão elegante e adorá­vel que ele teve de controlar o impulso de sair correndo e pegá-la nos braços. Era a mãe de seu filho, refletiu, a mulher que ele amava. Quando desceu o último degrau, Araminta viu Victor, tlr black-tie, vindo em sua direção para cumprimentá-la. Estava incrivelmente lindo. — Boa noite — disse ele formalmente, beijando sua m&o. — Bem-vinda novamente ao castelo Ambrumenil. — Boa noite — respondeu ela, esperando soar calma e fria. — Entre. Posso lhe oferecer um refrigerante? — perguntou, movendo-se em direção a um balde de gelo de prata. — Seria ótimo, obrigada — respondeu ela, procurando ou­tros convidados. Aparentemente, era a primeira a chegar. Victor serviu dois copos, depois se juntou a ela perto da lareira. — Por favor, sente-se — disse ele, entregando-lhe o refrige­rante e indicando-lhe uma das poltronas. — Obrigada — murmurou Araminta, sentando-se à beira da poltrona. — Vejo que o vestido serviu perfeitamente — disse, os olhos passando sobre ela, deixando-a vermelha, apesar de sua determinação em não se deixar afetar por ele. — É. Foi muito gentil de sua parte pensar nisso. Não tinha idéia de que estava planejando um jantar formal. Quantos con­vidados? — Dois. — O que quer dizer? — perguntou ela, nervosa. — Que você e eu vamos jantar sozinhos, à deux. Sinto que temos muita coisa para conversar — continuou. — Não acho. Já dissemos tudo naquele dia. Na verdade, não sei muito bem por que me chamou para vir aqui — disse, ten­tando ficar calma, embora o coração estivesse a mil por hora. — Não sabe? — Ele a olhou quase como um leopardo, pron­to para atacar. — Diria que nem começamos a falar. — Victor, se está de brincadeira comigo, não acho nem um pouco engraçado. — Uma brincadeira? — Colocando o copo na mesa, ele ca­minhou em direção a ela e sentou-se na cadeira ao seu lado. Como ela desejava que ele mantivesse distância, que o per­fume de sua loção pós-barba não a atingisse tão intensamente. — Araminta, acho que é hora de encararmos a realidade — disse ele, esticando os braços e colocando as mãos sobre as dela. — Não sei o que quer dizer com isso — disse ela, nervosa. — Deixei bem claro aquela noite que... — Vamos esquecer aquela noite. — Por favor, Victor — disse ela. — Não agüento mais isso. Me deixe em paz. Por que me chamou aqui? — exclamou, segurando-se para não chorar. — Por causa disso — respondeu ele. Num rápido movimento, estava fora da cadeira e levantando-a em seus braços, os olhos cintilantes olhando-a fixamente. — Você achou, em algum momento, que eu permitiria que você desaparecesse da minha vida, minha linda? Que eu deixa­ria a mulher que eu amo? — Você me ama? — perguntou ela, surpresa e cheia de dúvidas. — Minha querida. Você não imagina o quanto a amo. Sei que demorei a entender, mas é claro que a amo. E foi por isso que trouxe você aqui. — Ele a soltou e colocou as mãos na cintura dela, sorrindo, os olhos tomados por uma expressão intensa que ela nunca vira antes. — Por que exatamente você me trouxe aqui? — sussurrou ela, incapaz de tirar os olhos dele, incapaz de acreditar que isso estava realmente acontecendo. — Antes de lhe contar, posso fazer uma pergunta? — disse ele, num tom gentil. — Pode — murmurou ela. — Nesse caso, aqui vai. Não sou muito bom nisso. Nunca fiz isso antes. — Ele sorriu para ela e, frente a seus olhos des­crentes, ajoelhou-se. — Araminta, meu amor, você me daria a honra de se tornar minha esposa? — Victor tirou do bolso um anel de diamantes. — Eu... — Araminta ficou ofegante, os olhos embaçados de lágrimas de alegria. — Só precisa dizer sim — murmurou Victor, pegando a mão esquerda dela e colocando o anel no dedo. — Então? — perguntou. — Não sei por quanto tempo posso continuar nessa posição, querida, sem me sentir um completo idiota. Araminta ria e chorava ao mesmo tempo. — Sim — sussurrou, mordendo o lábio e encarando o ho­mem que amava segurando sua mão. — Ótimo. Combinado, então — disse ele, levantando-se, aliviado. — Posso beijar a futura comtesse. Antes que pudesse responder ou absorver a informação, Victor abraçou-a e beijou-lhe os lábios, fazendo-a sentir a in­tensidade do desejo dele. Era maravilhoso estar de volta em seus braços. Araminta colocou as mãos no pescoço dele e beijou-o, sentindo cada centímetro de seu corpo. Em seguida, Victor pegou-a pelos braços e, em alguns pas­sos, subiram as escadas. — E o jantar? — sussurrou ela. — Dane-se o jantar. Pouco depois, estavam deitados em uma imensa cama, os olhos grudados um no outro. — Meu amor — sussurrou ele, diminuindo o ritmo e permi­tindo que seus dedos deslizassem do pescoço à barriga dela. Depois, com suavidade, beijou-lhe a barriga. — Nosso filho. Araminta, estou tão feliz, tão orgulhoso de nós, de tudo que nos espera. Logo, estavam viajando juntos por um oceano de emoções, alcançando alturas e sensações que nenhum dos dois jamais atingira. Quando o sexo chegou ao fim, quando finalmente ele estava com a cabeça apoiada em seu peito, Araminta soube o que era a verdadeira felicidade. Victor pegou o braço de Araminta e levou-a até a sala de jantar. — Por que — perguntou ela, curiosa — quis me trazer espe­cificamente para cá? — Porque queria que visse sua futura casa, querida. — Minha futura casa? Quer dizer que quer vir morar aqui? — Quero. — Mas eu não entendo, por que comprou a casa do moinho? — É uma longa história. Não queria dividir este lugar com Isabella. Há muitas lembranças da minha infância e da minha família. Só comprei a casa do moinho para fazê-la feliz. — Quer dizer que ela nunca veio aqui? — Não. A única mulher que costumava vir aqui era minha mãe: a comtesse. — Comtesse! — Sim. Minha mãe era uma condessa francesa. Quando her­dei o castelo e estas terras, também herdei o título. Até agora nunca o usei, mas é algo que pretendo mudar. — Por quê? — Porque quero que você se torne minha condessa. — Oh, Victor. — Ela riu, olhando para o anel de noivado que serviu perfeitamente. — Ainda não lhe agradeci adequada­mente por este anel maravilhoso. — Foi o anel de noivado da minha mãe — murmurou, acari­ciando o rosto dela. Araminta sorriu e beijou-lhe os lábios. — Vou me empenhar para fazer jus a ele. — Disso eu não tenho dúvidas — disse ele, com uma risada arrogante. — Mas agora, querida, está ficando tarde e temos de comer. Pegando o braço dele, Araminta caminhou ao seu lado, sa­bendo que era inútil argumentar. Porque, finalmente admitiu, o amava e sempre o amaria. Da maneira como ele era. Fim