ALUNOS COM MULTIDEFICIÊNCIA NAS ESCOLAS DE ENSINO REGULAR Colecção APOIOS EDUCATIVOS N.º. 1 Transição para a Vida Adulta Jovens com Necessidades Educativas Especiais N.º. 2 Organização e Gestão dos Apoios Educativos N.º. 3 O Aluno Surdo em Contexto Escolar A Especificidade da Criança Surda Estratégia de Intervenção em Contexto Escolar N.º. 4 Alunos com Multideficiência nas Escolas de Ensino Regular Título A Educação de Alunos com Multideficiência nas Escolas de Ensino Regular Editor Ministério da Educação Departamento da Educação Básica Av. 24 de Julho, 140 - 1300 Lisboa Director Paulo Abrantes Coordenação Núcleo de Orientação Educativa e de Educação Especial Filomena Pereira Autores Fernanda Ladeira Isabel Amaral Concepção gráfica Cecília Guimarães Composição e Impressão Editorial do Ministério da Educação Tiragem 1000 exemplares Depósito Legal n.° 135 490/99 ISBN: 972-742-120-2 (obra completa) 972-742-122-9 Novembro 1999 Agradecimentos O agradecimento a todos os que contribuíram para a realização deste trabalho é o reconhecimento de que sem a sua colaboração nada teria sido possível. O nosso agradecimento ao Centro de Paralisia Cerebral Calouste Gulbenkian, à Direcção Regional de Educação de Lisboa pela disponibilidade sempre manifestada, bem como aos professores da Escola Básica do 1.º Cicio do Infantado em Loures e da Escola Básica do 1.° Ciclo de Vialonga, Forte da Casa em Alverca pela participação na elaboração da presente brochura. O nosso agradecimento especial à Dr. Isabel Amaral, professora adjunta da Escola Superior de Educação de Lisboa, pela coordenação e supervisão científica do projecto. O nosso agradecimento muito especial aos alunos pela participação activa e pelos ensinamentos que nos proporcionaram. Índice INTRODUÇÃO 4 1. PRINCÍPIOS ORIENTADORES 7 Definição de Inclusão 7 Papel da Família 8 Igualdade de Oportunidades 8 Estratégias de Ensino 8 Trabalho de Equipa 9 Planificação Centrada no Futuro 9 Serviços Intervenientes 10 2. SALA DE RECURSOS 11 'Uma Estrutura de Apoio a Inclusão 11 Estratégias de Inclusão 13 Reorganização da Sala de Aula 14 Continuidade 14 Preparação de Actividades 15 Aprendizagem entre Pares 16 3. SUGESTÕES DE INTERVENÇÃO 16 Socialização 17 Algumas Sugestões Práticas 18 Comunicação 19 Autonomia 21 Algumas Sugestões Práticas 22 Adaptação de Actividades 22 Na Sala de Aula 22 No Exterior 23 4 -A EXPERIÊNCIA DE UMA ESCOLA 25 Escola do Forte da Casa, Vialonga 25 Perspectiva dos Professores do Ensino Regular 27 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 28 BIBLIOGRAFIA 30 INTRODUÇÃO À semelhança de outros países da Europa e América, também em Portugal o atendimento educativo a alunos com necessidades educativas especiais tem vindo a evoluir ao longo dos tempos, reflectindo os diferentes contextos culturais e sociais de cada época. Nas últimas décadas têm-se verificado mudanças significativas que se traduzem em práticas educativas mais humanistas e inclusivas, por oposição ao modelos segregadores de cariz assistencial e proteccionista praticados desde há séculos. A estas novas concepções estão associados factores relacionados com a forma de encarar a deficiência, com o reconhecimento progressivo da pessoa com deficiência como cidadão de pleno direito e com uma nova forma de ver a criança em interacção com o seu meio. Assim a intervenção educativa passa a ser encarada como um conjunto de necessidades específicas de educação, cujo início deve processar-se o mais precocemente possível, e a avaliação deixa de dar prioridade a aspectos clínicos para passar a ser feita com base nas competências e potencialidades da criança. Por outro lado, os progressos no domínio de várias áreas de conhecimento, nomeadamente a Psicologia, as Ciências da Linguagem e as Ciências da Educação, valorizando progressivamente o papel desempenhado pelo meio no desenvolvimento da criança, foram determinantes para a alteração das atitudes e práticas relativas à educação de crianças com deficiência, reflectindo-se igualmente na Educação dos seus pares. Estes progressos influenciaram não apenas os critérios de avaliação, mas sobretudo as recomendações educacionais que, entre outros aspectos, relevam que a educação da criança com necessidades educativas especiais deve acontecer em ambientes o menos restritivos possível. - (Declaração de Salamanca) É neste contexto que a presente brochura se insere, procurando clarificar alguns aspectos da educação de crianças com multideficiência 1 e a importância da sua participação nas actividades normais da escola onde estão inseridas. O seu desenvolvimento decorre do "Projecto de Inclusão de Crianças Multideficientes nas Escolas de Ensino Regular", da responsabilidade do Ministério da Educação e que decorreu entre 1996 e 1998 nas escolas do Infantado em Loures, do Forte da Casa em Alverca e do Pinhal Novo. As reflexões que ao longo do projecto foram sendo feitas, em reuniões de discussão de caracter formativo, constituem a base do que aqui fica expresso. A brochura esta dividida em cinco capítulos. No primeiro capítulo são equacionados alguns princípios orientadores da inclusão de alunos com multideficiência nas salas de ensino regular. Estes princípios tem como objectivo definir o enquadramento subjacente ao processo de inclusão. No segundo capítulo apresenta-se um modelo de estrutura de apoio a inclusão de alunos multideficientes nas escolas de ensino regular, no qual a sala de recursos é encarada como o recurso necessário para a individualização do atendimento a estas crianças. No terceiro capítulo são apresentadas algumas estratégias de inclusão de alunos multideficientes, procurando dar resposta a questões frequentemente levantadas por professores do ensino regular quando confrontados com a necessidade de organizar o trabalho de sala de aula face a inclusão destes alunos. Tendo em consideração a especificidade do atendimento a esta população apresentamos no quarto capítulo algumas sugestões de intervenção dirigidas a três áreas de intervenção: socialização, comunicação e autonomia. São ainda apresentadas algumas sugestões de adaptação de actividades da sala de aula que possibilitam a participação de crianças multideficientes. O ultimo capítulo descreve a experiência de uma escola na qual foram incluías três crianças multideficientes. 1. PRINCÍPIOS ORIENTADORES Tendo em consideração as recomendações educacionais constantes da Declararão de Salamanca, apresentamos de seguida alguns princípios de orientação na inclusão de crianças/jovens com multideficiência na escola do ensino regular2. Nestes princípios incluiremos: a) definição de inclusão, b) papel da família, c) igualdade de oportunidades, d) estratégias de ensino, e) trabalho de equipa, f) planificação centrada no futuro e, g) serviços intervenientes. Definição de Inclusão A inclusão e um processo que se desenrola ao longo da vida de um indivíduo, e que tem como objectivo a melhoria da sua qualidade de vida. Este processo tem, entre outros, o objectivo de melhorar as condições de participação e envolvimento da população com multideficiência na vida da comunidade, através de um envolvimento na escola, no trabalho, em actividades de recreio e na família. Papel da Família Os pais devem ter a possibilidade de legalmente escolher uma escola para os seus filhos. E importante que nesta escolha sejam aconselhados de forma isenta, não competindo aos técnicos influenciar a sua decisão mas sim informá-los sobre os recursos disponíveis. O papel dos pais neste processo é fundamental enquanto interlocutores e elementos de decisão no futuro da criança, devendo ser encorajada a sua participação na vida da escola e no desenvolvimento do trabalho de apoio educativo. Compete aos professores e outros técnicos apoiá-los, auxiliando-os no desempenho do seu papel de pais e não lhes atribuindo um papel de especialistas a quem seja solicitada a realização de tarefas que são essencialmente da competência da escola. Igualdade de Oportunidades O direito de estar na escola aplica-se a qualquer criança, incluindo as que têm multideficiência. Como tal, estes alunos devem ter oportunidade de frequentar a escola regular, de agir como elementos chave no desenvolvimento de métodos de ensino e de poder participar sempre que possível nas decisões relacionadas com os assuntos e conteúdos a ensinar. Estratégias de Ensino No que diz respeito às estratégias de ensino, o trabalho dentro da sala de aula necessita de ser organizado de acordo com a diferenciação de estratégias a utilizar. Nas actividades de sala de aula são incluídas actividades realizadas em novos espaços e relacionadas com o mundo real, sendo fundamental neste processo a existência de rotinas de cariz funcional e organização de planos de transição3. Trabalho de Equipa O trabalho em equipa é fundamental para o desenvolvimento e facilitarão das interacções entre os vários intervenientes no processo, i. e., pais, professores, terapeutas, psicólogos, etc. contribuindo para um desenvolvimento de parcerias efectivas. Tal trabalho deverá ter uma base transdisciplinar4 e facilitar a delegação de competências. Esta delegação de competências, conjuntamente com o desenvolvimento de actividades da classe, constituem a base de trabalho da intervenção. Note-se que a intervenção de especialistas (tais como terapeutas ou professores de apoio) se deve generalizar às actividades normais das crianças , em trabalho directo na classe, e em actividades de apoio à professora. Os professores de apoio passam, neste contexto, a assumir o papel de mediadores de ensino, funcionando como conselheiros no processo individual de aprendizagem. A autoridade tradicional e a tomada de decisão centrada só no professor será assim substituída por decisões de equipa no processo de orientação dos alunos. Os professores de apoio educativo terão um papel fundamental ao diminuírem gradualmente o apoio que prestam directamente à criança, de modo a aumentar simultaneamente as competências dos professores do ensino regular, dando origem a que estes se sintam mais confiantes no seu papel de intervenientes no ensino desta população. A sua capacidade para aceitar este desafio é fundamental. A mudança na atitude dos professores sobre a educação dos alunos com necessidades educativas especiais é um passo para aumentar as oportunidades de inclusão. Planificação Centrada no Futuro O trabalho que a escola desenvolve com estes alunos tem como objectivo o seu sucesso na sua vida futura. Nesse sentido, torna-se necessário estabelecer planos de intervenção cujos objectivos se organizem em função das possíveis actividades dos alunos no futuro, tanto no que respeita ao trabalho como à vida independente, às relações pessoais e sociais e à ocupação de tempos livres As actividades académicas tradicionais são, no contexto do trabalho com a população multideficiente, enquadradas numa perspectiva funcional em uma multiplicidade de experiências na vida real constitui a base do trabalho a realizar e dá origem ao material a ser trabalhado na escola. No desenvolvimento de planos de intervenção será privilegiada a organização de currículos funcionais, nos quais as motivações dos alunos e da família, bem como os recursos do meio e as perspectivas de futuro são os factores essenciais na decisão sobre o que vai ser ensinado ao aluno. Serviços Intervenientes Para que a inclusão destas crianças seja efectiva e se possam constituir redes de trabalho tem que existir entidades que estejam na base de desenvolvimento de interacções com outros serviços, nomeadamente centros de recursos, centros de emprego e organizações vocacionais, educativas e sociais/desportivas. Também as redes de apoio envolvendo as famílias, vizinhos, amigos, entre outros protagonistas do processo educativo e de transição, devem ser desenvolvidas de modo a providenciar-se um suporte individual para o aluno com multideficiência. Estas redes, incluindo elementos a trabalhar na mesma área e organizadas com base cooperativa, são fundamentais para aumentar e potencializar parcerias (com outras escolas do seu país, outros pares, etc.) que possibilitem o alargamento de oportunidades para o aluno e o alargamento de conhecimentos para o(s) professor(es). 2. SALA DE RECURSOS 'Uma Estrutura de Apoio a Inclusão Embora na prática o cumprimento das disposições legais que regulamentam o atendimento educativo a crianças com necessidades educativas especiais não tenha sido pacífico, verificamos que gradualmente o sistema de ensino vai organizando de forma a incluir no seu seio uma grande parte destes alunos, nomeadamente no caso de deficiências ligeiras ou moderadas e algumas deficiências motoras e sensoriais. Contudo, quando se trata de deficiências profundas ou multideficiências, verificamos que a maioria das escolas ainda não está preparada para incluir com sucesso estes alunos. Embora, como quaisquer outros, os alunos com multideficiência tenham um potencial que lhes permite fazer aprendizagens, o seu processo educativo exige alterações quer ao nível do currículo quer ao nível das estratégias e dos recursos que nem sempre são fáceis de concretizar numa sala tradicional. Incluir crianças com necessidades tão específicas como estas implica a definição de respostas educativas que permitam o seu progresso na escola. Assim, pensamos que uma sala de recursos5, podem constituir uma alternativa e qualidade, sobretudo se tivermos em conta determinadas características desta população e a especificidade do seu atendimento educacional como sejam: * necessidade de um apoio individualizado, dado que o ensino de determinadas tarefas, por mais simples que sejam, requer técnicas de trabalho individual com estratégias específicas, que incluem maior número de modelações e repetições em contextos diversificados, por vezes difíceis de concretizar na sala de aula; * necessidade de um currículo com objectivos funcionais, relacionado com actividades básicas de autonomia tais como a higiene, a alimentação ou a mobilidade que não são necessárias no currículo das outras crianças; * ambientes estruturados e securizantes que melhorem as condições de intervenção e facilitem a participação do aluno, o que nem sempre é fácil de conseguir numa sala de ensino regular; * equipamentos e materiais específicos que possam de alguma forma facilitar o processo de desenvolvimento e aprendizagem destes alunos; * problemas de saúde graves que muitas vezes dificultam uma participação mais activa dos alunos na vida da escola e exigem materiais adequados (ex: aspiradores de secreções, colchões, etc.); * necessidade de gestão de tempos específicos em função das necessidades individuais da criança e das disponibilidades existentes. Se a observância destas condições pode, por um lado, facilitar a aquisição de determinadas competências, elas podem comprometer a inserção social dos alunos no seu meio escolar e na comunidade. Para minimizar estes efeitos e facilitar as interacções há que ter em atenção determinadas condições: * preferencialmente o aluno estará inserido na sala de aula participando com os outros alunos em actividades comuns adaptadas e deslocando-se à sala de recursos quando houver actividades específicas que aí tenham que ser realizadas: * as salas de recursos deverão ser colocadas em locais estratégicos dentro da escola, com acesso fácil aos espaços comuns e à rua para mais facilmente serem também aproveitadas como recurso educativo e espaço de aprendizagem para todos os alunos. Procurar-se-á incentivar a participação das crianças em actividades juntamente com a restante população escolar, em contexto de sala de aula ou em outros espaços/actividade como: recreios, actividades de expressões, festas, passeios, refeições, etc. Neste sentido deverão ser desenvolvidas estratégias que permitam a realização regular de actividades conjuntas entre os vários grupos, quer na sala de recursos quer na sala do ensino regular. O objectivo geral da observância destas condições será a participação cada vez mais activa de todas as crianças na vida da escola e da comunidade. Estratégias de Inclusão A inclusão de crianças com multideficiência nas salas de ensino regular, implica uma reflexão relativamente ao papel que a escola tem em relação a estas crianças, bem como à noção de sucesso. A escola é bem mais do que um local onde se aprende a ler e escrever. É, possivelmente, um local onde se aprende a viver, a participar com outros em actividades, a conhecer melhor a comunidade em que se está inserido, a conviver com pessoas diferentes. Por seu lado, o sucesso não pode ser definido de forma linear, tendo em consideração produtos iguais para todos. À diversidade de competências dos alunos terá que corresponder urna diversidade de produtos a considerar em termos de sucesso. Na perspectiva do que anteriormente se referiu e tendo em consideração os princípios orientadores deste processo, serão apresentadas de seguida algumas pistas de actuação cujo objectivo é facilitar a acção dos professores na inclusão destas crianças na escola do ensino regular. Reorganização da Sala de Aula A presença de crianças com multideficiência na escola exige uma reorganização das salsa de aula de acordo com as estratégias de diferenciação e as necessidades individuais dos alunos, considerados relevantes para o trabalho de inclusão. Consideram-se relevantes para o trabalho de inclusão, as estratégias como o trabalho de grupo que permitem a elaboração de projectos e a individualização de actividades. As actividades a desenvolver com os alunos devem incluir vivências em outros espaços para alem da sala de aula, de modo a aumentar o contacto e o conhecimento do mundo real. Os programas individuais devem ser desenhados com objectivos específicos a curto, médio e longo prazo, de acordo com os objectivos da classe, incluindo a adaptação dos conteúdos previstos para a turma. Neste processo de reorganização do trabalho, a parceria entre professor do ensino regular e professor especializado e fundamental na definição de estratégias e instrumentos que possam facilitar a participação da criança nas actividades da sala de aula. Continuidade A continuidade é um factor chave na educação de crianças com multideficiência. Esta continuidade pode ser considerada sob três vertentes: a) Continuidade de tarefas É fundamental que o aluno tenha ao seu dispor meios que lhe permitam aperceber-se da forma como as tarefas se sucedem ao longo do dia e da forma como as próprias tarefas se desenrolam (noção de princípio meio e fim de tarefa). Esta perspectiva da continuidade requer a elaboração de registos onde sejam identificáveis as várias etapas de cada processo (calendários diários, calendários semanais, planos de desenvolvimento de actividades, registos gráficos, etc.) organizados em função de cada aluno e tendo em consideração as suas necessidades de comunicação. b) Continuidade nos processos de transição Sempre que há necessidade de mudança de um contexto educativo para outro há que programar cuidadosamente os processos de transição de modo a que estes se façam com o mínimo de prejuízo garantido a passagem de informação relevante para o contexto onde o aluno vai ficar inserido. c) Continuidade fora dos tempos lectivos As aprendizagens realizadas na escola necessitam de ser continuadas em ambientes fora da mesma de modo a proporcionar oportunidades de generalização de conhecimentos e o aumento de condições de utilização de "skills" aprendidos. Preparação de Actividades Preparar actividades em que todas as crianças possam participar exige parte do professor do ensino regular e do professor de apoio educativo um planeamento em conjunto e antecipado, partindo do pressuposto que as crianças multideficientes podem participar em actividades do currículo escolar, ainda que a um nível diferente dos restantes alunos. Assim, a equipa que trabalha com o aluno, deve delinear em conjunto, as estratégias gerais de actuação. Nestas estratégias serão tidos em consideração os seguintes aspectos: a ) Definição de contextos Antes de iniciar a actividade é importante que o(s) espaço(s) onde esta se vai desenrolar bem como todos os intervenientes nele(s) contidos sejam analisados e que seja definida a sua potencial intervenção em função do planeamento geral da actividade. Poderão evitar-se assim potenciais dificuldades decorrentes de factores não considerados, tais como o numero de pessoas disponíveis, as características do local, etc., que podem ter particular importância no desenvolvimento da actividade com uma criança multideficiente. b) Planificação da actividade A actividade devera ser considerada em função do aluno específico, definindo o tipo de participação que este vai ter na actividade (total, parcial, parcial com apoio, total com apoio, etc.), quem vai estar como ele, o tempo que se prevê que possa estar envolvido na actividade e os resultados que se esperam. c) Avaliação continua A avaliação do papel dos intervenientes e da participação da criança, bem como dos resultados obtidos em comparação com os resultados esperados, irá proporcionar a reformulação da planificação, quando necessário, com a introdução de novos conceitos e actividades sempre que se justifique. Neste processo é fundamental que o trabalho de parceria entre o professor da turma e o professor de apoio educativo conduza a uma definição clara do que são as respostas a considerar em termos de sucesso quando se trata de avaliar o desempenho do aluno com multideficiência. Aprendizagem entre Pares A gestão das actividades da sala de aula, com ou sem alunos multideficientes incluídos, beneficia com a utilização de técnicas de trabalho de parceria entre alunos. Na definição destas parcerias como forma efectiva de aprendizagem, a inclusão de alunos com multideficiência poderá representar um valor acrescentado, possibilitando a diversificação de actividades face a um mesmo objectivo, a cooperação entre alunos com capacidades diferentes e a redefinição de padrões de sucesso. Fica assim relativizado o papel do professor face ao aluno com multideficiência, na medida em que a responsabilidade do apoio é dividida entre os vários intervenientes nas actividades, disponibilizando-se o professor para a tarefas de orientação e supervisão do trabalho a desenvolver. 3. SUGESTÕES DE INTERVENÇÃO A educação de crianças com multideficiência requer dos educadores uma mudança de paradigma relativamente ao papel da escola. Embora para a maioria destas crianças a prioridade básica não seja o acesso à leitura e escrita na sua forma mais tradicional, isto não quer dizer que a escola não deva representar um local de aprendizagem efectiva. Mais do que definir "o que" se vai ensinar é importante que se defina "como" se vai organizar o processo de aprendizagem. Neste sentido é importante a definição de um modelo funcional6 de abordagem do ensino de alunos com multideficiência, por oposição a um modelo de desenvolvimento7. O objectivo será, assim, responder a necessidades individuais de cada aluno, numa perspectiva de sucesso, e não considerá-lo à partida como um aluno potencialmente fracassado face ao conceito de sucesso que se estabelece para a média dos alunos da sala. Tendo em consideração estas abordagens salientam-se, assim, áreas funcionais a desenvolver e não áreas de desenvolvimento a estimular. Este aspecto tem tanto mais importância quanto mais velhos são os alunos com quem a escola está envolvida. Apresentaremos de seguida sugestões relativas a três áreas funcionais: Socialização, Comunicação e Autonomia. Embora estas não representem a totalidade das áreas funcionais possíveis de desenvolver, pensamos serem áreas básicas no estabelecimento de programas educativos para estes alunos, que englobam outras áreas mais específicas, como a área laboral recreativa. Socialização A socialização é um processo de progressiva adaptação das crianças ao mundo que as rodeia. As crianças com multideficiência estão, neste aspecto, desfavorecidas por factores que decorrem de: a) menor capacidade de exploração do ambiente circundante resultante de deficiências sensoriais ou motoras; b) menor oportunidade de interacção resultante da diminuição frequente de exposição a parceiros diferenciados e, c) menor exposição a ambientes diversificados. Estes aspectos tornam prementes as necessidades de intervenção a este nível sendo a escola um local privilegiado para dar resposta a estas necessidades, dada a diversidade e frequência de contactos que pode proporcionar. Algumas Sugestões Práticas ? Facilitar o contacto com outros alunos proporcionando a convivência entre pares: no recreio, no bar, na sala de aula, na sala de recursos, no ginásio, ateliers, etc. ? Organizar as actividades de forma a que estes contactos sejam facilitados. ? Participar com os outros alunos nas saídas ao exterior: visitas de carácter cultural ou de divertimento, cinema, teatro, ao parque, etc. ? Ter um adulto de apoio a exercer funções na sala de aula (ex.: prof. que acompanha os alunos na sala de recursos, auxiliar, membro da família, etc.), de modo a que este facilite a participação da criança/jovem nas actividades em pequeno grupo. ? Criar interacções com pessoas e ambientes para alargamento de experiências (ex.: ir às compras, visitar locais na comunidade-café, igreja, mercearia, etc.). ? Participar em actividades na comunidade (ex.: levar uma carta ao correio, ir à biblioteca, participar em actividades de grupo). ? Envolver as famílias nestes processos (ex.: procurar famílias que tenham serviços que possam ser visitados pelos alunos, ter um membro da família que se proponha vir dinamizar actividades, pedir auxílio a um membro da família para as deslocações, etc.). Tenta-se assim dar à família a noção de importância destas actividades. ? Criar rotinas de apoio de modo a que os colegas possam participar/auxiliar na adaptação do aluno às actividades da sala de aula. ? Reduzir o tempo de duração de algumas actividades, aumentando assim o nível de participação dos alunos. ? Convidar pessoas (adultos e crianças) para virem participar em actividades juntamente com o grupo. ? Visitar outras escolas. ? Etc etc etc Comunicação A comunicação é um processo complexo de transferência de informação utilizando pelos indivíduos para influenciar o comportamento de alguém8. Sendo a aprendizagem um processo de apropriação e gestão da informação, é fundamental para tal que o aluno tenha meios para transmitir informação e para que esta lhe seja transmitida. Na base da comunicação está, assim, um necessidade de troca de informação. Em crianças com deficiências graves esta necessidade está muitas vezes diminuída pela falta de experiências significativas que lhe dêem origem. A criança não tem, frequentemente "com quem comunicar", nem tem "assunto sobre o qual comunicar", decorrendo daí uma "falta de razão para comunicar". A intervenção a nível da comunicação tem assim que ter em consideração estes aspectos, definindo objectivos que permitam o alargamento de oportunidades comunicativas em que o aluno seja mais do que um executor de comportamentos potencialmente comunicativos e funcione como um verdadeiro interlocutor. Há assim que considerar não apenas o estabelecimento de formas de comunicação9 mas trabalhar com o aluno de modo a proporcionar o aumento de funções comunicativas10 e o alargamento de contextos11 de comunicação (poder comunicar em todos os ambientes onde está normalmente inserido, com o máximo de interlocutores). Algumas Sugestões Práticas ? Criar actividades diversificadas que proporcionem informação e originam a necessidade de comunicar coisas sobre elas. ? Identificar o(s) parceiro(s) com quem comunica através do nome, de um gesto, de um objecto de referência, etc. ? Estruturar as acções no tempo de forma sistemática a fim de possibilitar a antecipação de acontecimentos (ex.: lavar as mãos antes de comer, vestir o casaco antes de ir para casa, etc.). ? Organizar o tempo através de Calendários Diários onde estejam indicadas as acções a desenvolver ao longo do dia e a sequência pela qual vão ser desenvolvidas. Utilizar para tal uma forma de comunicação adaptada ao aluno (ex.: objectos, desenhos, escrita...) ? Ter formas de comunicação variadas, de acordo com as capacidades do aluno, para serem entendidas por diferentes pessoas. Uma mesma actividade pode ser representada por mais do que uma forma de comunicação em função do ambiente e dos parceiros envolvidos. ? Dar tempo para que o aluno tome iniciativas e para que responda a iniciativas nossas. ? Responder de acordo com o significado que o aluno parece estar a querer transmitir, em função do contexto onde está inserido. Ex.: apontar para a rua pode querer dizer várias coisas em função da hora do dia: "quero ir para a rua", "quando vem o pai", etc. ? Aumentar o número de parceiros de comunicação em função de contextos significativos. ? Criar necessidades de comunicação não fornecendo todo o material necessário para uma actividade, de modo a que o aluno tenha necessidade de o pedir (atenção: é necessário ter a certeza que o aluno conhece de facto o material necessário à actividade). ? Criar rotinas que facilitem a estruturação do aluno e lhe permitam antecipar actividades. ? Responder positivamente a qualquer comportamento que possa ser interpretado como comunicativo. ? Utilizar sempre a fala em conjugação com outras formas de comunicação. ? Antecipar as actividades a desenvolver através de formas que a representem (ex.: objectos, imagens, gestos, etc.), permitindo assim que a criança tenha conhecimento do que vai acontecer antes que tenha acontecido. ? Ter cuidado com a quantidade e a forma de apresentação da informação. Muita informação pode ser elemento de confusão para a criança. Informação transmitida de uma forma a que a criança não tenha acesso pode contribuir para que ela desista de se interessar pelo que lhe é apresentado. Autonomia O conceito de autonomia refere-se à "capacidade de realização de todas as actividades necessárias à vida normal que terão de ser feitas par alguém quando o aluno não é capaz de as realizar de forma independente"12. Muitas crianças com multideficiência tem a sua autonomia básica prejudicada devido às limitações sensoriais, motoras e cognitivas que apresentam. Ficam assim frequentemente dependentes de adultos para a realização de actividades básicas da vida diária e para tomadas de decisão relativas a assuntos que Ihes dizem respeito. A noção de participação parcial13 é aqui importante, dado não ser realista em alguns casos a independência total. Torna-se assim necessário definir o nível de participação possível em cada actividade, com e sem ajuda, no sentido de diminuir a dependência relativamente ao adulto. Esta dependência faz com que a maioria destes alunos, quando jovens ou adultos, se veja incapacitada de ter algum controlo sobre a sua própria vida. Tudo é decidido por eles, tudo é feito em vez deles, e as suas iniciativas, quando existem, acabam por se limitar, em alguns casos, a comportamentos disruptivos que são apenas formas primárias de iniciativa na ausência de formas mais desenvolvidas de comunicação que Ihes permitam exprimir opinião. Ser capaz de comunicar de forma adequada vai ser, neste processo, fundamental, permitindo-lhes fazer escolhas, dizer que sim ou que não, pedir o que necessitam, etc., etc. Algumas Sugestões Práticas (As actividades que se sugerem a seguir são de cariz funcional, pelo que é de salientar a importância de estas actividades se realizarem no seu ambiente natural, solicitando para tal o envolvimento dos pais sempre que necessário. ) ? Comer sozinho (ou com ajuda mínima) em vários ambientes. ? Realizar as actividades normais de higiene (lavar as mãos, tomar banho, lavar os dentes, fazer a barba, etc.). ? Ser o mais independente possível no uso da casa de banho. ? Ser capaz de pedir ajuda quando não consegue ser independente: (sinal de comer, sinal de fome ou de evacuar, sinal de dor). ? Conhecer os espaços onde se move e pessoas neles envolvidas (casa, escola, comunidade próxima). ? Deslocar-se com ajuda mínima em espaços conhecidos. ? Ter meios de comunicação para chamar a atenção, recusar ou pedir mais. Adaptação de Actividades Com base em situações concretas com exemplos de uma escola onde estão incluídos alguns alunos multideficientes serão analisados de seguida exemplos de formas de desenvolvimento e adaptação de uma actividade normal de sala de aula com vista à participação de uma criança com multideficiência. Na Sala de Aula M., é um rapaz de 8 anos, integrado numa Escola Básica. Utiliza uma cadeira de rodas para se deslocar. Agarra e estende os braços propositadamente para tocar nos objectos que Ihe interessam. Gosta de se deslocar para explorar o que está à sua volta. Segue visualmente pessoas que se movam à sua volta e vira a cabeça na direcção de uma fonte sonora. Mostra que se lembra de brincadeiras antigas na presença de objectos que façam parte dessas mesmas brincadeiras. A professora e a educadora pensaram dar a M. a tarefa de distribuição de leite escolar antes da realização das actividades de matemática. Para incluir M. na actividade decidiram que ficasse a cargo dele e de outro colega a distribuição dos pacotes. Em conjunto contam o número de pacotes a distribuir, por correspondência um a um, e relativamente a cada mesa. Seguidamente, M. agarra num pacote de leite que o colega lhe dá na mão e entrega-o aos colegas. Posteriormente e também com um colega, enquanto a turma faz actividades no livro, M. e o mesmo colega arrumam blocos lógicos. M. indica, com um movimento dos olhos o local onde cada bloco deverá ser colocado. Estas actividades, permitem criar parcerias e introduzir algumas noções matemáticas tais como cheio, vazio, pesado, leve, correspondência um a um, muito, pouco,... (noções estas que podem ser vividas com materiais tais como a água e areia, entre outros). Com o rótulo do leite pode fazer-se um cartão que signifique a actividade realizada e que pode servir para antecipar a acção quando esta voltar a realizar-se. Em conjunto com a apresentação do rótulo do leite, a educadora informa verbalmente sobre a actividade a realizar, aumentando assim a informação transmitida e a possibilidade de compreensão de M. Do mesmo modo, uma peça dos blocos lógicos poderá ser utilizada para informar M. de que irá arrumar os blocos. Num outro dia, M. participa numa actividade de música em que o grupo todo canta a canção das mãos. A educadora ou um colega assistem M. na execução dos movimentos associados à canção. No final, um colega desenha com ele as suas mãos numa folha que servirá para afixar na sala como registo da actividade. Esta mesma folha pode servir também para antecipar a actividade de música em outros momentos. No Exterior A actividade escolhida foi uma visita a uma feira para crianças que se realiza anualmente na zona a que a escola pertence. A professora e a educadora de apoio começaram por realizar uma visita antecipada ao local que os alunos iriam visitar, a fim de se aperceberem quais seriam os pontos de interesse, os obstáculos e os possíveis parceiros a escolher para realizar as actividades. A ida ao carrossel foi uma das situações escolhidas, mas, visto não se poder antecipar a reacção dos alunos multideficientes nesta actividade, optou-se por ter um adulto que os acompanhasse. Contudo, esta situação necessitou de um acordo com o responsável do divertimento a quem foram explicadas as razões da presença do adulto. Na exposição foi escolhido, de entre os pavilhões existentes, o pavilhão dos carimbos. Aqui esclareceu-se a responsável sobre a vinda de alunos multideficientes juntamente com os outros, e sobre a necessidade de escolha prévia do que iriam ver e fazer. Seleccionaram-se os carimbos e escolheu-se um que poderia ser trabalhado previamente na sala de aula, de modo a que os alunos estivessem já familiarizados com a figura apresentada. Tendo em consideração que estes alunos se cansam com mais facilidade que os outros foi escolhida a biblioteca como local onde pudessem descansar enquanto os restantes alunos visitavam os outros pavilhões. No dia da realização da actividade, os alunos foram de autocarro até ao local. M. andou no carrossel com um adulto e com os colegas tendo reagido muito bem. O funcionário daquele divertimento ajudou nas situações em que foi necessário, tais como o entrar, a velocidade de rotação, o sair, estando atento a algum sinal de alerta. De seguida M. dirigiu-se com os colegas à exposição a fim de visitar o pavilhão escolhido. Tal como planeado carimbaram numa folha o carimbo que previamente tinha sido apresentado a M. e com o qual este já estava familiarizado. Enquanto os colegas de M. prosseguiram a visita, este foi levado até à biblioteca, tendo manifestado um sinal aquando da passagem (propositada) pela venda dos gelados. A educadora e a auxiliar que o acompanhavam, deram-lhe a escolher entre dois gelados, esperando que ele mostrasse com um gesto que queria um deles. Comeram todos um gelado, lavaram as mãos num repuxo do recreio, e seguiram em direcção à biblioteca onde descansaram. Na hora de regressar à escola todos se juntaram novamente no autocarro. M. levava consigo o carimbo e o rótulo do gelado que tinha sorvido. Mais tarde estes materiais serviram de referência para falar sobre o passeio, o que fizeram e com quem tinham ido. 4 -A EXPERIÊNCIA DE UMA ESCOLA Algumas escolas tem vindo a desenvolver esforços no sentido de dar resposta a alunos com multideficiência. Apresentamos seguidamente notas sobre o processo que seguiu uma escola no sentido de se organizar para poder receber estes alunos. Escola do Forte da Casa, Vialonga No final do ano escolar de 1995/96, constatou-se a necessidade de assegurar um atendimento educativo a alunos com uma complexa problemática de desenvolvimento caracterizada por multideficiência. Conscientes, dos direitos, dos pais daquelas crianças dirigiram-se à Escola Básica de Vialonga n.° 11 (Forte da Casa) para efectuar a respectiva matrícula. As crianças caracterizadas com multideficiência, eram três: dois rapaz uma rapariga. M. é um rapaz de 8 anos que frequentou o Centro de Paralisia Cerebral e que após este período ficou em casa com a mãe por falta de resposta na área de residência. Actualmente, vai ao Centro para consultas de orientações periódicas. R. é um rapaz de 9 anos com Síndroma de Down e epilepsia que recebeu apoio domiciliário de uma educadora e frequentou um Jardim de Infância da zona. A. T. é uma rapariga de 7 anos com um diagnóstico ainda não esclarecido com deficiências em várias áreas de desenvolvimento, que tem estado integrada num Jardim de Infância da zona de residência. Perante aquele quadro de necessidades educativas especiais, a equipa docente da escola sentiu que não dispunha de condições para garantir o pretendido atendimento pelo que foram auscultadas as possibilidades existentes na comunidade local, nomeadamente, as instituições de educação especial o resultado foi não existirem vagas disponíveis numa delas, enquanto que a outra era rejeitada por opção parental. A professora de apoio educativo em funções na escola era de opinião que estando as crianças ao abrigo da escolaridade obrigatória, deveria ser o estabelecimento de ensino a assegurar esse direito, sugerindo então ao Director da escola que colocasse a questão ao Conselho Escolar. Ainda assim, e de modo a viabilizar esse direito, aquela professora de apoio entendia que seria necessário obter um conjunto de recursos humanos e materiais, susceptíveis de garantir um atendimento minimamente adequado de modo a responder às necessidades educativas especificas destes alunos. Na sequência destas diligências foi apresentado em Conselho Escolar pelo Director da escola a questão levantada. Analisada a mesma, decidiu aquele Conselho pronunciar-se favoravelmente sob a condição de obtenção dos recursos mencionados, entendendo a escola que o problema que estava em questão era, apenas, a integração física destes alunos, passando de imediato a inclusão dos mesmos a fazer parte do Projecto Educativo da Escola. O passo seguinte foi encetar diligências apresentando o Projecto Educativo da Escola aos serviços oficiais do Ministério da Educação, de modo a conseguir os recursos em causa: ao Departamento de Educação Básica, à Direcção Regional de Educação de Lisboa, e ao Centro de Paralisia Cerebral Gulbenkian de Lisboa. O Departamento de Educação Básica abraçou este Projecto com muito interesse, por se tratar de algo inovador e muito envolvente no que diz respeito à inclusão de alunos com problemática tão complexa. Disponibilizou recursos materiais (equipamento didáctico e mobiliário), assim como em conjunto com o Centro de Paralisia Cerebral e a Escola Superior de Educação de Lisboa, se debruçou na orientação, formação e acompanhamento no terreno dos elementos envolvidos no Projecto. A Direcção Regional de Educação de Lisboa, também foi muito receptiva, desenvolveu esforços de modo a conseguir uma educadora de infância, um auxiliar de acção educativa e as adaptações físicas dos espaços. A nível local, a Junta de Freguesia fez um reforço na segurança exterior à sala de recursos destinada a estes alunos. Paralelamente e por convergência de princípios por parte dos Serviços envolvidos, professora de apoio e equipa docente da escola, o Projecto orientava-se por atitudes e práticas inclusivas, pelo que os alunos em questão foram gradualmente integrados nas dinâmicas pedagógicas/didácticas das turmas a que pertenciam. Com o decorrer do tempo, o Projecto foi-se consolidando, bem como o estímulo e o apoio por parte dos serviços envolvidos, chegando mesmo a objecto de acções formativas no contexto de parcerias europeias, por iniciativa do Departamento de Educação Básica, constituindo uma experiência inovadora quanto rica para a equipa de profissionais da escola. É também de salientar a satisfação e reconhecimento dos pais perante a posta que esta Equipa proporcionou aos seus filhos. Perspectiva dos Professores do Ensino Regular Desde a apresentação da situação em Conselho Escolar que as professoras do ensino regular da escola do Forte da Casa demonstraram uma atitude positiva face à inclusão destas crianças. As interacções que se perspectivaram entre os alunos com e sem deficiência, tinham todas as potencialidades de serem a máquina de arranque para uma verdadeira inclusão. Segundo estes professores, as crianças podem fazer aprendizagens, ainda que com graves dificuldades em diferentes níveis. Por outro lado, o contacto faz desenvolver nas outras crianças sem necessidades educativas especiais, sentimentos de solidariedade, respeito e compreensão pela diferença, apontando assim para um enriquecimento individual com percepção de diferentes realidades e formas de estar. Ao defrontarem-se com a realidade da sala de aula, os professores perceberam que o trabalho daí em diante teria que ser diferente, não só a nível de método e estratégias de ensino como também no planeamento de toda a actividade. Finalmente é de salientar o agrado sentido face à receptividade expressa pela turma quando percebeu que iria ter um colega novo que necessitava de colaboração e esforço conjunto para realizar aprendizagens. 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS As intenções do Ministério da Educação na área da educação de crianças com multideficiência vão para além da colocação dos alunos com esta problemática nas escolas. Deste processo resultam algumas vantagens que são sobretudo conquistas nas áreas do desenvolvimento da cooperação e da comunicação. Contudo não importa apenas que os alunos participem nas actividades da escola e que façam algumas conquistas. É também importante que se aponte para uma sensibilização e um enriquecimento individual das outras crianças e da comunidade em geral sobre a realidade destes alunos. A participação na comunidade releva uma educação apropriada e um aumento do conhecimento e responsabilidade daquela para com todos os seus membros. Esta participação é tanto mais efectiva quanto maior e mais diversificado for o número de domínios em que se inclui a população de pessoas com deficiência. A possibilidade de poder desempenhar um trabalho de acordo com as capacidades reais aumentar amizades e parcerias estabelecendo novas relações através da participação em eventos de lazer ser elemento de colaboração e com poder decisivo no seio da família ou simplesmente poder viver de forma independente, pode ser uma forma de considerar o processo de vida destes indivíduos encaminhado para a inclusão na sociedade. A escola desempenha nestes objectivos um papel fundamental contribuindo para a preparação do aluno através de aprendizagens funcionais que sirvam de base a actividades futuras. Estamos conscientes de que há ainda um longo caminho a percorrer, mas depende de todos nós iniciar o processo de mudança que se impõe no qual a diversidade de seres e saberes constituirá o caminho de efectivação de práticas que permitam a participação de todas os alunos na comunidade escolar, aumentando as suas possibilidades de sucesso e também os sentimentos de competência e dignidade de todos nós. BIBLIOGRAFIA Brown, L., Shiraga, B., e al. (1986). The "why" question in instructional programs for people who are severely intellectually disabled. University of Wisconsin. Donnellan, A., Mirenda, P., Mesaros, R. A., Fassbender, L. (1984) Analyzing the communicative functions of aberrant behavior. Journal of the Association of the Severely Handicapped,Vol. 9, n.º13, pg. 201-212. Musselwhite, C., St. Louis, K. W. (1988). Communication Programming for Persons with Severe Handicaps. Vocal and Augmentative Strategies. College Hill Press. Orelove, F. P., Sobsey, R. N., (1991) Educating Children with Multiple Disabilities: A Trandisciplinary Approach. Paul Brookes. Reichle, J., York, J., Sigafoos, J. (1991). Implementing Augmentative and Alternative Communication. Strategies for Learners with Severe Disabilities. Baltimore: Paul Brookes Publishing Co. Siegel-Causey, E., Guess, D. (1989) Enhancing Nonsymbolic Communication Interactions Among Learners with Severe Disabilities. Baltimore: Paul Brookes Publishing Co. Siegel-Causey, E., Downing, J., (1987). Nonsymbolic communication development: Theoretical concepts and educational strategies. L. Goetz, D. Guess & K. Stremel-Campbell (Eds). Innovative Program Design for Individuals with Dual Sensory Impairments. Baltimore Paul Brookes Publishing Co. Snell, M., Zirpoli, T. (1987). Intervention Strategies. In Martha Snell (Ed). Systematic Instruction of Persons With Severe Handicaps. Columbus.Charles Merrill. Snell, M., (1987). Basic Self Care Instruction for Students Without Motor Impairments. In Martha Snell (Ed). Systematic Instruction of Persons With Severe Handicaps. Columbus. Charles Merrill. Vieira, D., Pereira, M., e al. (1996) "Se houvera quem me ensinara..." A educação de pessoas com deficiência mental. Colecção Textos de Educação. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian. Serviços de Educação. Westling, D., Fox, L. (1995) - Teaching Students With Severe Disabilities. New Jersey. Prentice Hall, Inc. 1 multideficiência - Existência concomitante de duas ou mais deficiências sendo uma delas o atraso mental severo ou profundo 2 Conclusões do Encontro sobre Inclusão de Crianças com Multideficiência realizado em Lisboa, Abril de 1997, no âmbito do Programa Europeu Socrates 3 Planos de transição - Planos destinados a assegurar que a passagem de alunos de um nível de ensino para outro é feita de forma a garantir que as aprendizagens feitas e as necessidades sentidas num determinado ambiente são também tidas em consideração no ambiente onde o aluno irá ser inserido. 4 Transdisciplinaridade - modelo de atendimento caracterizado por "partilha ou transferência de informação e skilis para além dos limites tradicionais`... Modelo em que apenas um número reduzido de técnicos tem intervenção directa, funcionando os restantes como consultores (ORELOVE and SOBSEY, 1991). 5 Sala de recursos - sala onde os alunos com multideficiência se deslocarão para a realização de algumas actividades relativas ao desenvolvimento da autonomia e onde poderão realizar em conjunto com companheiros da sua turma actividades específicas. 6 Modelo Funcional - modelo em que os objectivos são seleccionados de acordo com as necessidades específicas e em função de critérios definidos individualmente. 7 Modelo de desenvolvimento - modelo no qual a progressão a seguir na definição dos objectivos é determinada pelas normas do desenvolvimento padrão. 8 Orelove e Sobsey, 1991 9 Formas de comunicação - objectos, desenhos, fala, gestos, escrita, etc (seleccionados individualmente em função das capacidades do aluno). 10 Funções de comunicação - Pedidos, negações, afirmações, comentários, perguntas, etc. 11 Contexto - conjunto definido pelo local, actividade e pessoas envolvidas 12 Low Brown, 1986 13 Participação parcial-processo através do qual é dada ao aluno a possibilidade de realizar alguns passos da tarefa a realizar, com ou sem ajuda, na ausência de possibilidade de realização da tarefa. --------------- ------------------------------------------------------------ --------------- ------------------------------------------------------------ 31