Escola disciplinar para surdos ÍNDICE EDITORIAL - 4 PRODUÇÃO ESCRITA INTERDISCIPLINAR EM UMA ESCOLA DE SURDOS: O DITO E O FEITO EM SALA DE AULA - 5 Ana Dorziat, Eliene Possiano Barreiro, Geormária Dos Santos Anselmo Gilvânia Bento Da Silva, Eleny Gianini Niédja, Maria Ferreira Lima OS RECURSOS DA INFORMÁTICA NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DA PESSOA SURDA, SUA AUTO PERCEPÇÃO E A PERCEPÇÃO DO OUTRO 15 Professora Stella Regina Savelli DAS INTERVENÇÕES FONOAUDIOLÓGICAS NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA-22 Ana Paula Schipmann Rebelo Aline Pedroni do Amaral Femanda Delazeri Nadia Luiza Rauen REFLEXÓES DE UMA PROFESSORA DE HISTÓRIA SOBRE O DESENVOLVIMENTO LlNGÜÍSTICO EM ALUNOS SURDOS E OUVINTES-29Mônica Ugrinowitsch A IMPORTÂNCIA DE ENSINAR FíSICA PARA PESSOAS DE ENSINO FUNDAMENTAL PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS AUDITIVAS-38 Daniele M. de Carvalho Maria da Conceição de A. Barbosa Lima A INCLUSÃO SÓ SE FAZ BEM COM O CORAÇÃO-48Professora Vera Lúcia Lopes Dias ENTREVISTA-52 ACONTECEU-57 3 EDITORIAL Recebendo a partir deste número as sessões “Aconteceu” e “Entrevista” que migraram para esta publicação, buscamos oportunizar textos de profissionais surdos que periodicamente eram só entrevistados. Neste número disponibilizamos práticas desenvolvidas dentro da área da surdez por diversos profissionais atuantes interdisciplinarmente, visando o crescimento qualitativo de um todo atuante na área. A Comissão de Publicação 4 PRODUÇÃO ESCRITA INTERDISCIPLINAR EM UMA ESCOLA DE SURDOS: o dito e o feito em sala de aula Ana Dorziat * Eliene Possiano Barreiro** Geormária dos Santos Anselmo** Gilvânia Bento da Silva** Eleny Gianini*** Niédja Maria Ferreira Lima*** INTRODUÇÃO O projeto intitulado “PRODUÇÃO ESCRITA INTERDISCIPLINAR EM UMA ESCOLA DE SURDOS: o dito e o feito em sala de aula” foi desenvolvido no âmbito da então Universidade Federal da Paraíba, atualmente Universidade Federal de Campina Grande (UFCG/PB), através de um programa de incentivo à docência (Prolicen) implementado por essa Universidade. Procurou, com isso, possibilitar ao aluno do Curso de Pedagogia participar da prática educacional de uma escola de surdos, tendo em vista a existência da Habilitação em Educação de Surdos no Curso de Pedagogia da citada Universidade. Além de três alunas bolsistas, este projeto contou também com a participação das professoras da Habilitação em Educação de Surdos, sendo uma coordenadora do projeto. Considerando que uma das problemáticas que envolvem as questões teórico-metodológicas do ensino de surdos, baseado numa perspectiva educacional bilíngüe, está centrada no ensino-aprendizagem da língua portuguesa, esse projeto teve como meta: traçar o perfil de professores e alunos de três turmas; realizar estudos sobre o ensino de surdos, numa perspectiva bilíngüe; participar nos planejamentos de atividades com a coordenadora pedagógica, professoras de sala e assessoras pedagógicas da UFPB; e participar efetivamente em turmas de 1a, 2a e * Professora da Habilitação em Educação de Surdos e coordenadora do projeto. ** Alunas bolsistas do Curso de Pedagogia/UFPB. *** Professoras da Habilitação em Educação de Surdos e colaboradoras do projeto. 5 3a séries em todas as disciplinas da grade curricular. Dessa forma, pudemos obter uma melhor visão do processo pedagógico e relacionar de forma mais apropriada o discurso proferido nos planejamentos e nas bases teóricas (o dito) e o desenvolvimento das atividades em sala (o feito), levando em conta as características de cada sujeito envolvido. Além disso, o projeto contribuiu para enriquecer nossos conhecimentos teóricos, por um lado, e, por outro, para desenvolver reflexões mais profundas sobre o ensino-aprendizagem de línguas na educação de surdos. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA É difícil pensar em opinião contrária sobre a afirmação de que todo cidadão tem direito a participar da vida social, política e econômica da nação, e de que é responsabilidade da escola possibilitar-lhe o instrumental para que ele exerça essa cidadania de forma plena. Sabe-se, contudo, que a escola não vem cumprindo com essa premissa, devido a um cem número de razões. Fala-se em analfabetos funcionais, em limítrofes em tarefas simples de sistematização do conhecimento etc. Essa realidade também é encontrada no ensino de surdos, com agravante de que a língua tem se tornado o grande obstáculo para o desenvolvimento cognitivo dessas pessoas. Se no ensino de alunos ouvintes a situação encontra-se catastrófica, imagine no de surdos, que teve que conviver, por mais de um século, com um ensino que privilegiava apenas um tipo de língua, a qual ele não tinha acesso pleno: a língua portuguesa na sua forma oral e escrita. A partir do entendimento de que a língua é um elemento indispensável para a formação das estruturas mentais do ser humano (Vygotski, 1991), que se corporifica e adquire sentido na fala ou no discurso, constituindo-se um dos principais instrumentos de mediação entre os indivíduos e o conhecimento acumulado, não sendo apenas um fator social, normativo, como afirma Saussure (1991), pode-se perceber a dimensão das perdas humanas ao possuir esse elemento faltante ou limitante na sua vida. 6 Concordamos com Freire (1999), quando diz que esta questão não representa um fenômeno isolado, próprio apenas da educação do aprendiz surdo, ela pertence também a outros grupos lingüísticos minoritários. Segundo Sanchez (1999), entre as coisas que mais preocupam na educação dos surdos é o ensino da língua escrita, já que se supõe todo um entendimento sobre a não ênfase mais na língua oral. Os surdos, assim como grande parte dos ouvintes, não sabem ler bem, não estão aptos a usar a língua escrita para o que ela realmente serve. Para Sanchez (1999), não se tem dado oportunidade também aos ouvintes, embora a visibilidade seja menor com estes, de desenvolverem essa habilidade. A falta de oportunidade está concretizada na forma como a escola tem se colocado, em termos teórico-metodológicos, frente ao ensino de línguas. Ao que parece tem se tomado a língua como produto acabado ou sistema fechado de normas pré-existentes ao locutor. Não se poderá fazê-lo diferente se não tiver a produção de significações como ancoradouro numa língua materna, ou seja, a língua de sinais deve permear e dar sentidos aos conceitos existentes no mundo, mesmo que a intenção seja o trabalho com produção textual, tendo como modelo a língua portuguesa. Ou seja, a questão bilíngüe-bicultural não é apenas retórica na área de surdez, ela é pré-requisito para a apropriação de elementos de diferentes contextos culturais. Acontece, desse modo, uma relação lingüística circular: a língua de sinais, como uma primeira língua, é essencial para que o surdo, vendo-se a si mesmo, possa enxergar o outro, o ouvinte, e, enxergando o outro, possa adentrar no mundo da linguagem escrita desse, de forma mais apropriada. Assim também acontece na direção dos ouvintes aos surdos. Na ausência da linguagem oral, que funcionaria num primeiro momento, como substrato da linguagem escrita, que só mais tarde ganha autonomia como um sistema simbólico de primeira ordem, a língua de sinais exerce a função de organizadora das idéias dos surdos. Segundo Fernandes (1999), isso termina se refletindo nas estruturas morfossintáticas das atividades escritas dos surdos, tendo como produto estruturas morfossintáticas bem distantes daquelas que são tidas como padrão de normalidade. Essas estruturas são influenciadas, também, pelas estruturas lingüísticas desenvolvidas metodologicamente nas escolas. 7 O entendimento de que a linguagem seja oral, sinalizada ou escrita, não se dá em um vácuo social, mas através de interações num determinado momento, num determinado espaço, entre determinadas pessoas, é fundamental para o ensino de línguas. Para desenvolver trabalhos adequados de língua escrita nas escolas de surdos é preciso ir além da língua. Urge buscar entender os surdos na sua totalidade sócio-histórico-cultural, e promover uma ambiente bilíngüe-bicultural nas escolas de surdos. CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES A professora da 1ª série cursava Pedagogia, com previsão para término no ano de 2002. A professora da 2a série possuía uma grande vivência nesta área, visto que foi uma das primeiras alunas do Curso de Pedagogia da UFPB. A professora da 3a série era, além de graduada em Pedagogia com Habilitação em Educação de Surdos, Especialista em Educação, com monografia defendida na área da Surdez. Todas possuíam um bom domínio da LIBRAS. A turma de 1ª série era composta por 11 (onze) alunos, sendo 5 (cinco) meninas e 6 (seis) meninos com faixa etária entre 8 e 14 anos. A turma apresentava uma heterogeneidade tanto em termos de comportamento como no processo de aprendizagem. Nela, destacavam-se 3 (três) alunos em relação à aquisição do conhecimento (leitura/escrita/raciocínio lógico). Eles captavam as informações com mais facilidade e recorriam a diferentes estratégias na resolução das atividades e compreensão dos conteúdos, bem como na leitura do material escrito. Os demais, em decorrência do pouco interesse, apresentavam lentidão na assimilação de informações e comportamento agressivo. Esse perfil era, no nosso modo de ver, decorrente de um aspecto básico, qual seja, os alunos não apresentarem o mínimo conhecimento de LIBRAS e da Língua Portuguesa. Embora a professora desta série demonstrasse interesse em desenvolver atividades variadas de leitura que despertassem o interesse dos alunos, elas pareciam inócuas, se tomadas em curto prazo, diante da história de 8 desenvolvimento de linguagem desses alunos. A formação de hábitos de comportamento, de relacionamento e de atenção aos aspectos visuais da língua de sinais precisava ser perseguida para que outros aspectos inerentes à língua escrita pudessem ser mais bem explorados. A turma da 2a série era composta por 13 (treze) alunos, com faixa etária entre 9 e 17 anos; 2 (dois) desses alunos moravam em cidades circunvizinhas. A maioria deles residiam em bairros considerados de periferia. Quanto à questão de comportamento, a turma era bastante interessada, com exceção de 3 (três) alunos que apresentavam comportamentos agressivos. Um deles, quando não tinha seus desejos atendidos, chutava e empurrava as carteiras. O outro não conseguia controlar seus impulsos sexuais, perturbando tanto meninas como meninos. O último, não gostava de participar dos acontecimentos vivenciados em sala, e sempre vinha desprovido de material escolar. A turma da 3ª série era composta por 16 (dezesseis) alunos, numa faixa etária de 12 a 21 anos (7 meninos e 9 meninas), e era proveniente de famílias de classe média-baixa. Todos apresentavam bom comportamento para a sua faixa etária, considerando que todo adolescente conversava em sala de aula sobre assuntos como: namoro, futebol, passeios, festas. Uma minoria dos alunos vivia conflitos de relacionamento, existindo entre os mesmos um certo distanciamento entre os que não se preocupavam com sua própria aprendizagem e os que queriam aprender para conquistar melhores espaços na sociedade. Diante destes desentendimentos, a professora da turma tentava mostrar o quanto era importante dedicar-se aos estudos para que, no futuro, se pudesse ter melhores condições de vida. A professora da 3ª série, como Especialista na área de Educação de Surdos, possuía um amplo conhecimento nesta área, e buscava estender seus estudos para o aprofundamento e aperfeiçoamento de sua prática pedagógica em sala. A mesma procurava estar atualizada quanto às questões correntes no ensino de surdos. 9 O DITO E O FEITO Os educadores de surdos, de modo geral, parecem buscar aperfeiçoar suas práticas, criando diversas maneiras de ensinar. Há os que se baseiam apenas no ensino da língua oral, defendendo que os surdos devem aprender a “falar” a língua de seu país. Existem também os que lutam para que a Língua de Sinais seja o elo de ligação do surdo com o mundo ouvinte, como grande fonte de aprendizagem. Há, ainda, os que utilizam as duas formas de ensinar, ou seja, utilizam-se da LIBRAS e da língua oral na condução do ensino. Na escola em foco, havia uma clara opção pelo trabalho bilíngüe, em que a língua de sinais era tida como 1a língua, e a língua portuguesa era considerada 2a língua. Os conteúdos curriculares da escola seguiam a mesma programação da rede regular pública de ensino e a metodologia adotada pareceu variar muito de professora para professora, embora as orientações pedagógicas se dessem por meio de um mesmo fio condutor, qual seja: contextualização, criticidade e articulação entre as disciplinas. Nos planejamentos, as professoras mostraram-se ansiosas em desenvolver atividades que atingissem os alunos de forma mais apropriada, e a participação das bolsistas parece ter sido contribuído com isso, uma vez que tinha favorecido um atendimento mais individualizado ao aluno, e, em conseqüência, uma visão mais compartilhada de suas dificuldades no dia-a-dia educacional. Por outro lado, a vivência das bolsistas junto com a professora em todas as etapas de aplicação de conteúdos e, principalmente, na efetivação das atividades em sala possibilitou-lhes entender melhor a professora em suas angústias, dúvidas e incertezas, e intensificou a necessidade de buscar respostas teóricas para questões colocadas na prática, e vice-versa. Em diversos momentos dos planejamentos, o enfoque principal foi comportamento dos alunos em sala, como foi o caso da turma da 1ª série. Nos encontros entre a coordenadora pedagógica da escola, o professor, a bolsista e as assessoras pedagógicas procurava-se direcionar o planejamento para buscar 10 soluções de melhoria de trabalho desta turma, de forma a possibilitar ao professor as condições necessárias de um bom andamento da turma. Nesta experiência, foi possível planejar atividades que os alunos gostavam como, por exemplo: encenação de uma peça teatral “O medo do escuro” (apresentada na Semana Pedagógica da escola). Esta tarefa não foi fácil, porém a dedicação dos alunos na realização da mesma, mostrou um dos bons caminhos que se pode seguir para melhoria de uma prática pedagógica na escola. Quanto às atividades relacionadas a Língua Portuguesa, existia nos planejamentos uma forte determinação em desenvolver dois aspectos: uma contextualização dos assuntos tratados, através de explicações e diálogos realizados em língua de sinais e de desenvolvimento de atividades escritas que remetessem à função social da escrita (listas, receitas, documentos etc.); e uma prática de leitura mais significativa que levasse em conta o conteúdo abordado em blocos significativos e não a tradução literal, palavra por palavra. Embora muitas dessas orientações fossem cumpridas em sala de aula, algumas vezes as professoras esbarravam em algumas dificuldades, com destaque para as seguintes: ? O uso do Português Sinalizado. Constatamos que algumas professoras utilizavam o português sinalizado, em vez de manter a especificidade das línguas. Assim como Ferreira Brito (apud Quadros, 1997), acreditamos que o uso do português sinalizado dificulta um bom desenvolvimento de linguagem, pela “impossibilidade de preservar as duas línguas ao mesmo tempo” (Ferreira Brito, apud Quadros, 1997:25). Neste caso, presenciamos a ocorrência de uma prática que não condizia com as experiências e necessidades lingüísticas da comunidade surda. Como estão muito reduzidos os ambientes de interlocução dos surdos em língua de sinais, é importante que a escola se torne efetivamente um local de aceitação da surdez, não negando o ser surdo, que pensa e age em Língua de Sinais. Esta prática, além de ser de fundamental importância para a aprendizagem da Língua Portuguesa, pode estar relacionada também a ausência de hábitos bilíngües numa escola de surdos, 11 acarretando falta de concentração, comportamentos que dificultam o desenvolvimento das atividades e o que se costuma chamar de “dificuldades de aprendizagem”. Portanto, faz-se necessário que a língua de sinais flua em sala de aula, para que o aluno aproprie-se de hábitos lingüísticos adequados e desenvolva suas potencialidades, inclusive de aprender uma segunda língua, como é o caso da Língua Portuguesa para eles. ? As práticas tradicionais de ensino de Língua Portuguesa escrita. Sanchez (1999) afirma que o principal obstáculo no ensino-aprendizagem da escrita (em nosso caso da Língua Portuguesa) está em que os professores de surdos conhecem pouco sobre língua escrita e tentam fazer com que os surdos aprendam através de procedimentos que não são válidos nem para os ouvintes. Isso é conseqüência da falta de oportunidade que têm de estudar a língua escrita como objeto de conhecimento, como expressão de uma prática social, como instrumento privilegiado de linguagem para o desenvolvimento cognitivo, concebendo-a apenas como conteúdo escolar. Embora os professores venham tentando trabalhar o português escrito no ensino de surdos de forma mais consistente, percebemos, ainda, algumas atitudes estanques no trabalho desenvolvido, denunciando as dificuldades de os professores se livrarem de anos de um trabalho normativo de língua portuguesa. Essas dificuldades estão muito presentes, porque existem concepções de linguagem que não estão bem esclarecidas e porque o ensino de uma 2a língua, como é o caso da língua portuguesa, constitui-se um grande desafio, sobretudo quando é de natureza tão diferente da 1a língua dos surdos. ? O ingresso tardio de alunos, sem nenhum ou pouco conhecimento da língua de sinais. Esse aspecto é conseqüência de anos de experiência clínica, que nos delegou surdos adolescentes e adultos com pouco desenvolvimento de linguagem e, em decorrência, com algumas dificuldades cognitivas e emocionais. A cada ano, a escola tem recebido mais e mais surdos nessas condições, dificultando uma 12 continuação nos seus procedimentos teórico-metodológicos, que envolvem de forma decisiva o uso das línguas de sinais e portuguesa. CONSIDERAÇÕES FINAIS A participação neste projeto foi muito enriquecedora, pois possibilitou um envolvimento efetivo no cotidiano de uma escola, seus êxitos e suas dificuldades. As questões surgidas no processo ensino-aprendizagem serviram de base para reflexões teórico-metodológicas mais apropriadas e para uma maior inserção nas formas de ser e de estar no mundo dos surdos, invertendo conceitos fossilizados de normalidade/deficiência. Essa mesma lógica se aplica ao falar e ao fazer do professor. É preciso, cada vez mais, buscar problematizar as práticas pedagógicas de modo a desmistificar visões segmentadas de educação, de linguagem e de surdez. Concepções diferentes convivem com práticas semelhantes e vice-versa, criando uma pseudo-ilusão de homogeneidade e harmonia. É importante trazer à tona, a partir de questões reais, vivas, a rede de fatores que envolvem o processo ensino-aprendizagem presente também no ensino de surdos. Embora possua especificidades que envolvem o estudo da língua em si mesma, há questões que se apresentam no ensino das línguas para surdos que transcendem essa área, levando a uma interdisciplinaridade não só no conteúdo escolar (Português, Matemática, Ciências...), mas em diversos setores das Ciências Humanas. Portanto, questões relacionadas a línguas, conteúdo, procedimento, atividades, comportamento, textos, etc., precisam ser tomadas no interior de suas práticas. Urge buscar espaços institucionais, visando tensionar essas práticas, problematizá-las, estudá-las, para que enfim se possa retornar a elas como a síntese de um pensamento de diferentes demandas e diferentes posturas político-pedagógicas. 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • FERNANDES, S. É possível ser surdo em português? Língua de sinais e escrita: em busca de uma aproximação. In SKLIAR, C. (org.) Atualidade da educação bilíngüe para surdos: interface entre pedagogia e lingüística. V. 2, Porto Alegre: Editora Mediação, 1999. • FREIRE, A. M. F. Aquisição do português como segunda língua: uma proposta de currículo para o Instituto Nacional de Educação de Surdos. In: SKLIAR, C. (org.) Atualidade da educação bilíngüe para surdos: interface entre pedagogia e lingüística. V. 2, Porto Alegre: Editora Mediação, 1999. • QUADROS, R. M. Educação de surdos: aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas , 1997. • SANCHEZ, C. La língua escrita: ese esquivo objeto de la pedagogia. In: SKLIAR, C. (org.) Atualidade da educação bilíngüe para surdos: interface entre pedagogia e lingüística. V. 2, Porto Alegre: Editora Mediação, 1999. • SAUSSURE, F. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1991. • VYGOTSKY, L.S. Obras escogidas II. Madrid: Centro de Publicações Del MEC y Visor Distribuiciones, 1991. 14 OS RECURSOS DA INFORMÁTICA NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DA PESSOA SURDA SUA AUTO PERCEPÇÃO E A PERCEPÇÃO DO OUTRO Professora Stella Regina Savelli1 stella@eco.ufrj.brstella@ines.org.br Resumo Relato minha experiência nos atendimentos no Serviço de Informática Educativa SINFE do Colégio Aplicação do Instituto Nacional de Educação de Surdos-CAP/INES, utilizando os recursos da informática/tecnologia que dispomos, acreditando que se apropriando desses, podemos obter ganhos no processo de construção do desenvolvimento da pessoa surda. O estímulo visual e a interação com esses recursos fazem com que o surdo se torne mais autônomo e assimile conceitos que muitas vezes se mostram distantes do seu entendimento. Seu auto conhecimento, a percepção do outro e as suas relações com o mundo, são facilitados na medida que interagem com o ambiente que a informática/tecnolgia/telemática nos proporcionam.• 1 Professora do Serviço de Informática do INES especializada em surdez Programadora Visual da Central de Prodrução Multmídia de Escola de Comunicação da UFRJ •Este relato foi apresentado no I Congresso Internacional de Telemática na Educação, realizado em Fortaleza de 22 a 26 de outubro de 2001. 15 INTRODUÇÃO Fala-se muito em tecnologia, telemática, informática, etc. termos que parecem as vezes tão distante da escola, não propriamente do espaço físico escola, mas sim da prática pedagógica, e cabe a nós, professores, a atualização e o acompanhamento dessa evolução tecnológica dinâmica que a sociedade nos impõe. Com o intuito de reduzir este distanciamento e me apropriando de alguns recursos que facilitam esse processo, venho introduzindo o indivíduo surdo nesse espaço tecnológico, objetivando estimular o desenvolvimento da expressão escrita e da criatividade, através de exercícios relativos a sua identidade. DESENVOLVIMENTO A turma sobre a qual relato minha experiência em sala de aula é uma 3ª série do ensino fundamental do turno da manhã com faixa etária entre 12 a 14 anos de idade. Composta de 8(oito) alunos, não oralizados e com muitas dificuldades de se expressarem em língua portuguesa escrita. O Serviço de Informática Educativa(SINFE) possui 2(dois) laboratórios com 9(nove) equipamentos cada e o atendimento ocorre 2(duas) vezes por semana com duração de 45(quarenta e cinco)minutos por aula. A professora regente sempre acompanha o atendimento no SINFE (até a quarta série do ensino fundamental)e a sua participação é de fundamental importância, já que se busca criar uma relação entre a sala de aula e a informática em que esta seja uma extensão da primeira. O trabalho parte do princípio em que a coerência e a interdisciplinaridade devem fazer parte de nossa prática diária. Ë necessário um estímulo muito grande para desenvolver, na pessoa surda, a expressão através da língua portuguesa na sua modalidade escrita. Todos os recursos são válidos para se estabelecer a comunicação desde língua de sinais, dramatizações e principalmente os recursos visuais, pois nestes concentra-se o sentido mais utilizado por eles. A estrutura do pensamento de qualquer indivíduo se faz num processo dinâmico desde o nascimento, onde começa a se desenvolver a linguagem. Para o 16 surdo, não oralizado, o pensamento se organiza com base na língua de sinais, sua primeira língua, e consequentemente o aprendizado da língua portuguesa passa a ser entendido como segunda língua. É muito difícil para o surdo se expressar em língua portuguesa na sua modalidade escrita, tendo em vista que a língua de sinais não tem referências nesse sentido, pois não tem essa modalidade. Com os recursos da informática/tecnologia, que privilegiam os estímulos visuais, investimos num tema que aponta para as questões sobre identidade, auto percepção e percepção do outro, acreditando que na interação com o outro e com o ambiente se estabelce de fato a construção do conhecimento. Para Wallon a escola é a instituição que tem melhores condições de oferecer à criança os meios adequados à realização de suas atividades e o professor deve guiar2 a criança para tirar o máximo proveito dos meios que lhe são oferecidos e dos seus próprios recursos para que ela construa seu desenvolvimento. Com uma máquina fotográfica digital fotografei cada um da turma e utilizando um disquete coloquei as fotos tiradas, incluindo a da professora, em um folder num determinado espaço disponível no computador, pois trabalhamos em rede e cada um tem sua senha e pode acessar esse espaço. A partir desse momento, começamos a trabalhar com o software PowerPoint (que já havia sido utilizado anteriormente com temas abordados em sala de aula, aplicando somente os cliparts existentes neles). Inserindo, no programa, primeiramente a sua própria foto e depois a dos demais colegas, estimulamos os alunos a pensarem sobre si mesmos e mais ainda, a utilizarem a linguagem escrita para descrevê-los. A professora regente aproveita esse momento para introduzir, em sala de aula, conteúdos curriculares de Estudos Sociais, onde o aluno familiariza-se com documentos como carteira de identidade, CPF, carteira de trabalho, etc. Isto faz com que o indivíduo surdo assimile e se conscientize de que é um cidadão diante da sociedade em que vive. Como característica básica, o surdo utiliza, de imediato, a sua primeira língua, a língua de sinais, e como uma tradução para a língua portuguesa escrita, ele escreve de maneira muitas vezes incompreensíveis ficando evidenciada que as dificuldades são muitas. 17 Nesse primeiro momento deixamos cada um se manifestar em sua própria língua (LIBRAS) e escrever como ele se vê sem nenhuma interferência direta. Depois, individualmente, respeitando seus limites e preservando ao máximo a integridade de seu pensamento, sento-me ao lado de cada um e tento traduzir o que ele “escreveu em língua de sinais” para língua portuguesa, explicando que, como se fosse uma língua estrangeira, fica inintelegível para os ouvintes daquela maneira. Nos exemplos a seguir podemos observar tal dificuldade e o desejo visível de se expressar em língua portuguesa escrita estimulados por esses recursos da informática. FLAMENGO DE FALTOU... HUUU! VERDE BRASIL BOM! TURMA 303 C. EU TENHO 14 ANOS E ESTUDO NO INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS. NA TURMA 303 EU TENHO CABELO CASTANHO CLARO, OLHOS CASTANHOS, MAGRO 2 Optamos, atualmente, na utilização da palavra “mediar” em vez de “guiar”. 18 MEU NOME K. G.O. EU TENHO 13 ANOS, ESTUDO DE 3a SERIE, NO INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS. A TURMA DE 303 E A PROFESSORA G., DE SALA 20. QUEM AMA PARA MIM? EU SOU GORDA MÉDIA, TENHO OLHOS CASTANHOS. EU AMO VOCÊ, EU ME AMO PARA VINÍCIOS.FIM! Depois dessa etapa em que cada aluno fala de si próprio, passamos para a seguinte, onde ele vai descrever as fotos dos colegas, expressando seus sentimentos a respeito deles. Terminando este ciclo eu faço uma apresentação conjunta das fotos no próprio software (Power Point) e exibo no canhão onde eles se manifestam com orgulho e satisfação o trabalho realizado. Seguindo o mesmo princípio de estimular a construção do conhecimento em relação a identidade do indivíduo surdo através dos recursos da informática introduzimos um novo recurso nesse contexto, que é a INTERNET. Explicando o funcionamento básico da mesma, explorando ao máximo o seu manuseio e sua especificidades como, por exemplo, sua nomenclatura própria (voltar, para frente, parar), sites, endereços etc. Inicio utilizando o site do INES e mostrando sua funcionalidade. Depois sugiro um site onde eles vão, ludicamente, dar continuidade a proposta anteriormente trabalhada de uma forma criativa. O site se baseia em uma construção de um retrato falado onde existe um banco de imagens de cada parte do rosto de um indivíduo, como diversos tipos de cabeça, nariz, olhos, boca, cabelo etc A partir dessa exploração proponho que eles façam um retrato falado de alguma pessoa que eles queiram e depois, de pronto, “salvo” o retrato no já trabalhado PowerPoint, onde eles vão, novamente, utilizar a língua escrita para 19 expressar quem eles retrataram. E finalizo esta etapa, com uma apresentação de todos os “retratos” através do canhão. Podemos ver os resultados nos trabalhos a seguir. EDSON É AMIGO MUITO LEGAL BACANA BONITO NORMAL A. T. 503 CARLOS E NÃO MUITO NORMAL. MAS ELE É BONITO F. T.503 20 PROCURA-SE omo sabiamente observava ESTE PARECE DE A. DA TURMA 503. ELE FAZ DESENHAR É BONITÃOO educador francês Freneit, tudo que esteja ligado ao desejo desperta interesse. Não devemos ignorar a afinidade com que o educando se aproxima dessas tecnologias, e sim trazê-las cada vez mais para junto dos nossos objetivos pedagógicos, utilizando-as como grande elo para alcançarmos nossos compromissos enquanto mediadores dessa relação escola/sociedade. Obs. O site utilizado para fazer o retrato falado foi: http://www.biolook.com/portugues REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Yves de La Taille, Marta Kohl de Oliveira, Heloysa Dantas (1992)" Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias Psicogenéticas em Discussão" , São Paulo: Summus Vygotsky, L. (1987). "Pensamento e Linguagem",SãoPAulo, Martins Fontes 21 DAS INTERVENÇÕES FONOAUDIOLÓGICAS NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA. REBELO, Ana Paula Schipmann¹ AMARAL, Aline Pedroni do² DELAZERI, Fernanda² RAUEN, Nadia Luiza² INTRODUÇÃO No segundo semestre do ano de 2002, a matriz curricular número V do Curso de Fonoaudiologia da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, implantou o Estágio Supervisionado em Fonoaudiologia na Educação Especial, o qual faz parte do Setor de Fonoaudiologia Preventiva (SEPREV), sendo desenvolvido com os usuários do Setor de Atendimento à Pessoa Surda (SAPS) e utilizando as dependências do Setor de Fonoaudiologia Clínica da UNIVALI (CLIFO). O referido estágio é desenvolvido por cinco estagiários do 8º período do Curso de Fonoaudiologia sob a supervisão de uma Professora Fonoaudióloga. Neste estágio utiliza-se como estratégias de ensino atividades teóricas e práticas, sendo que as atividades práticas são desenvolvidas em quatro programas, que são: Programa de Atendimento Terapêutico aos Usuários Surdos do SAPS, Programa de Intervenção Fonoaudiológica nas Atividades Pedagógicas do SAPS, Programa de Atendimento a Pais e Familiares dos usuários do SAPS e Programa de Intervenção Fonoaudiológica a Professores do SAPS. Acrescenta-se que neste artigo, o enfoque principal estará voltado para o Programa de Atendimento Terapêutico e Programa de Intervenção Fonoaudiológica a Professores do SAPS. 22 PROGRAMA DE ATENDIMENTO TERAPÊUTICO AOS USUÁRIOS SURDOS DO SAPS Este programa visa a aquisição e desenvolvimento da linguagem oral e escrita dos usuários surdos do Setor, em que cada estagiário presta atendimento clínico individual ou em grupo aos sujeitos surdos. O atendimento clínico individual inicialmente foi realizado por uma estagiária, no período de duas vezes por semana, sendo que a paciente tratava-se de um bebê de 9 meses, com perda auditiva de grau severo a profundo. Com relação ao atendimento individual, Bevilacqua e Formigoni (1998:71) ressaltam que “é o tipo de atendimento ideal durante os primeiros anos de vida, de zero a dois ou três anos, para crianças com perdas severas ou profundas. Nessa fase do desenvolvimento infantil o atendimento individual deve existir por uma série de razões”. As terapias fonoaudiológicas individuais tinham como objetivo, num primeiro momento, a apresentação do meio sonoro para a criança, como forma de detecção e apresentação do som, considerando que a paciente passou a utilizar o aparelho de amplificação sonora individual no mesmo período em que o atendimento clínico era realizado. Concomitantemente ao trabalho de detecção sonora priorizou-se o desenvolvimento da linguagem oral. Conforme sinaliza Bevilacqua e Formigoni (1998:50) “ a detecção auditiva é a primeira habilidade a ser desenvolvida. É básica, fundamental para que a criança possa adquirir as demais”. Salienta-se que o aparelho auditivo utilizado pela paciente tratava-se de um empréstimo realizado pelo Setor de Audiologia Clínica (SEDAU), pois a mesma estava realizando o processo de seleção, adaptação e indicação do AASI neste local. Campos, et al (1996, p. 38)afirmam que “as crianças devem ser adaptadas com uma prótese auditiva, o mais precocemente possível, tão logo o diagnóstico de deficiência auditiva tenha sido efetuado, evitando os efeitos da privação sensorial sobre o desenvolvimento global e de linguagem”. 23 Para o trabalho realizado com a paciente, os principais materiais utilizados nas sessões fonoaudiológicas foram o aparelho de som, juntamente com um CD infantil, um volante sonoro, flautas, cornetas e bonecas, enfatizando que a terapia ocorria sempre através do lúdico. De acordo com Fernandes (1995) o jogo é o principal mediador dessa interação, especialmente porque a atividade lúdica permite que haja significados compartilhados e que podem ser expressos de diferentes formas. O terapeuta, assim, utiliza todas as possibilidades de expressão e contato (gestos, fala, expressões faciais, representações...) na tentativa de envolver a criança na atividade e de apresentar a ela as possibilidades de interação. Souza (2000) salienta que o brinquedo é a oportunidade de desenvolvimento. Brincando, a criança experimenta, descobre, inventa, aprende e confere habilidades. Além de estimular a curiosidade, a autoconfiança e autonomia, proporciona o desenvolvimento da linguagem, do pensamento, da concentração e da atenção. Brincar é indispensável à saúde física, emocional e intelectual da criança. Irá contribuir, no futuro, para a eficiência e o equilíbrio do adulto. Nessa perspectiva, conforme Pisaneschi (1997) na clínica fonoaudiológica esta situação se reproduz com as nuanças próprias da situação terapêutica que é de intervenção. Não se recusa a idéia de que com crianças a terapia tem como condição necessária o brincar. Quanto ao atendimento em grupo, este foi realizado por quatro estagiárias, sendo que duas atendiam dois pacientes, que neste artigo serão referenciados como Grupo A e Grupo B, e as outras duas atendiam três pacientes, referenciados como Grupo C e Grupo D, numa mesma sessão, duas vezes por semana. Conforme Santos (apud HUGENNEYER et al, 2000, p.20) com o desenvolvimento do processo terapêutico contextualizado em grupo, temos a possibilidade de que, nas relações com os outros, cada participante se perceba como produtor de linguagem verbal, à medida que vai conhecendo suas possibilidades de comunicação e as dos outros participantes. Assim, no processo terapêutico, a criança acompanhada por outros pares tem a possibilidade de 24 compreender como as relações que vão estabelecendo implicam em sua forma de comunicar. A terapeuta tem o papel de facilitar, através de suas intervenções, a compreensão deste processo de constituição de linguagem, que implica na percepção de si e do outro como sujeito. Segundo Lores (2000: 48) para que qualquer trabalho em grupo seja possível, é necessário que se configurem um enquadre grupal, ou seja, um tipo característico de funcionamento, que permita que os componentes tenham um movimento no grupo, de modo, que suas dificuldades, necessidades e expectativas possam emergir. As situações lúdicas são criadas de maneira criativa, visto que os pacientes demonstram interesse pelas atividades mais livres, de forma que eles possam estar se expressando por meio da linguagem, manifestações tão complexa que mescla expressão oral, corporal, olhares, gestos, entre outros. Segundo Bevilacqua e Formigoni (1998) para a montagem de um grupo, necessita-se de alguns critérios que devem ser observados, tais como: idade, habilidade auditiva, habilidade de comunicação, nível de interesse e desenvolvimento da criança, número de crianças. O ideal, ao se montar um grupo, é levar em consideração interesse, habilidade auditiva e habilidade de comunicação dos integrantes, nivelando-se sempre o grupo por cima. Assim, a criança que está com o desenvolvimento mais avançado irá facilitar o desenvolvimento daquela que apresenta um ritmo de desenvolvimento mais lento. Portanto, não pode haver muita defasagem, como a de uma criança do grupo ter fluência verbal e as demais não falarem” (BEVILACQUA & FORMIGONI, 1998: 75). As crianças atendidas, nos respectivos grupos, enquadravam-se nos critérios para a montagem dos mesmos citados acima. O Grupo A era composto por duas crianças do sexo feminino, com idade de quatro anos, e perda auditiva do tipo neurossensorial de grau profundo, ambas utilizando AASI bilateralmente. 25 O Grupo B foi formado por duas crianças do sexo masculino, com idade de seis e nove anos, e perda auditiva do tipo neurossensorial de grau severo e profundo respectivamente, sendo que apenas uma delas utilizava o AASI em ambas as orelhas. Contudo, no decorrer dos atendimentos, foi observado que este grupo não estava sendo efetivo, visto que a diferença de idade dos pacientes era significativa, bem como a subjetividade, o que levou a separação do grupo, sendo que as crianças passaram a ser atendidas individualmente uma vez por semana. Segundo Salles (2001), a clínica fonoaudiológica requer do terapeuta um constante redimensionamento de seu papel, obviamente em função da particularidade de cada caso. A situação terapêutica, permeada por aspectos bastante peculiares, merece maior atenção no que diz respeito à descoberta do “funcionamento” de cada criança nas atividades e nas relações estabelecidas com o terapeuta. É neste sentido que se configura a relação terapeuta e paciente, uma vez que conforme o dizer de Millan (1992) a clínica, remete ao fonoaudiólogo defrontar-se com o desconhecido, implicando assim, numa total disponibilidade para enfrentar o inédito. O Grupo C, por sua vez, tinha três crianças do sexo feminino, com idade de sete, oito e nove anos, e perda auditiva do tipo neurossensorial de grau moderado e profundo respectivamente, sendo que todas utilizavam o AASI em ambas as orelhas. Por fim, o Grupo D, era composto de três crianças do sexo masculino, com idade de quatro e seis anos, e perda auditiva do tipo neurossensorial de grau moderado e profundo respectivamente, sendo que apenas um dos pacientes utilizava o AASI nas duas orelhas. Com relação às atividades fonoaudiológicas desenvolvidas, priorizou-se o trabalho do desenvolvimento da linguagem oral, sendo que para isso fazia-se uso da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e as pistas táteis, visuais e sinestésicas (elaboradas pela equipe técnica pedagógica e coordenação do SAPS) para auxiliar na oralização. Ao longo das atividades, enfocava-se a leitura orofacial, visto que esta é um dos recursos que possibilita a compreensão da fala pelas crianças surdas. Boéchat (1992) refere que a leitura orofacial incorpora todos os processos faciais necessários 26 para a compreensão da mensagem falada, considerando-se assim, uma estratégia facilitadora da comunicação. As atividades aconteciam por meio de situações lúdicas, e dentre as estratégias utilizadas para o desenvolvimento do trabalho destaca-se livros de história infantil, jogos, dramatizações, desenhos e pinturas, sendo que sempre estava sendo envolvida de alguma forma a questão da escrita dos pacientes. Hugenneyer et al (2000) referem que a terapia em grupo pode ser conduzida de diferentes maneiras, dependendo da concepção de sujeito, de linguagem e de clínica que o terapeuta que estará conduzindo tal processo possui. De acordo com Carnio et al (2000) a relação entre linguagem e leitura/escrita se dá à medida que quanto maior a base lingüística do indivíduo, maior será sua facilidade para desenvolver a língua escrita. Sendo assim, vê-se a importância de colocar a criança surda em contato com a comunidade lingüística, facilitando assim o desenvolvimento da linguagem escrita. Para Carmo (2001), a leitura e a escrita são as maiores dificuldades encontradas por essas crianças (com deficiência auditiva), tanto na escola comum como na escola especializada em distúrbios de desenvolvimento, muito embora sejam observadas dificuldades nas demais áreas do ensino elementar. Para que seja utilizado de maneira funcional no cotidiano social, o conteúdo do ensino elementar precisa ser trabalhado dentro de um contexto pragmático, realizando sínteses de significados. Com relação ao uso dos livros de histórias infantis, estes foram utilizados acreditando-se na importância de colocar os pacientes em contato com a literatura, material este que desperta a curiosidade e acima de tudo abre-se um espaço para que a linguagem escrita possa estar sendo “visualizada” e compreendida enquanto função social. Como ressalta Machado (1999), a escrita compreende uma construção de significados, cujo papel do fonoaudiólogo deve estar voltado para os seus usos sociais. Para finalizar, apesar de terem sido enfrentadas algumas dificuldades, ocorreu um bom estabelecimento do vínculo entre as terapeutas e os pacientes, visto que, relação terapêutica com os mesmos foi acontecendo de forma positiva e 27 acreditando-se que o vínculo estabelecido com estes proporcionou a efetividade dos atendimentos. Nesse sentido, Pellicciotti e Micheletti (1999) referem a relevância para o desenvolvimento do trabalho do fonoaudiólogo o forte estabelecimento do vinculo e a indiscutível inter-relação do indivíduo com seu contexto. 28 REFLEXÕES DE UMA PROFESSORA DE HISTÓRIA SOBRE O DESENVOLVIMENTO LIGUÍSTICO EM ALUNOS SURDOS E OUVINTES Mônica Ugrinowitsch3 O presente artigo é escrito a partir da visão de uma professora de História que trabalha em dois estabelecimentos de ensino particulares, sendo que um desses estabelecimentos é uma escola regular e o outro é uma escola de educação especial para alunos surdos. Mas o professor que não conhecia a história da educação especial para surdos e que hoje trabalha na área, encontra uma realidade difícil de ser compreendida. O professor não especialista que ingressa na escola especial depara-se com um ambiente extremamente complexo: uma discussão interminável sobre as formas que a Libras (língua brasileira de sinais) assumiu dentro do ambiente escolar (português sinalizado, comunicação total, bilingüismo, etc.), 4 sobre a necessidade de estudar a língua de sinais, sobre a importância desta para o desenvolvimento intelectual, social, profissional e pessoal do surdo e, ao mesmo tempo, as expressões que caracterizam a visão que a educação especial traz do sujeito surdo: “não adianta, o surdo não consegue...”, “... você pensa que o surdo entendeu tudo e quando você vai ver ele não entendeu nada...”, “a maior dificuldade é ensinar o surdo a escrever: não adianta, o problema está no português..” Ao mesmo tempo, as leituras mais recentes sobre a educação especial de surdos trazem rotineiramente a discussão da língua como pré requisito para se pensar nessa “modalidade” da educação: críticas ao oralismo e suas conseqüências para os surdos; o imenso fracasso da educação especial; a necessidade de se pensar o surdo como sujeito diferente e não como aquele que deve ser normalizado, e que portanto não deve ser submetido ao aprendizado e treino motor da fala; a língua de sinais (em suas diversas variantes) como o meio de comunicação visual e inerente ao surdo. Justifica-se a defesa pela língua de sinais no interior da escola de surdos: um professor que se utiliza das Libras é mais facilmente compreendido por um surdo do que aquele que se utiliza do português em sua modalidade oral. Entretanto, a Libras tem uma dimensão política que ultrapassa os muros da escola, já que o reconhecimento legal da mesma, dá ao surdo o status que anteriormente ele não possuía e a possibilidade de 3 Profesora de História da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Calvário: Instituto Santa Terezinha eda Organização Educacional Margarida Maria 4 Para saber mais ver: Góes, M.C.R. de, 1996. 29 comunicação que antes lhe era negado, não apenas no interior dos ambientes educacionais, mas também no mundo. É sabido que as grandes civilizações da antigüidade, ao dominarem outros povos impunham sua língua como oficial. É também de conhecimento público que os países que fizeram suas unificações políticas, unificaram também a língua e renegaram todos os dialetos falados em cada porção do país, sendo exemplo típico a Itália. Portanto, proibir ou renegar uma língua é também a imposição do poder político de um grupo sobre o outro, a transformação do grupo dominado em minoria política, mas é também criar as bases para a resistência e a luta dos dominados contra os dominadores. Pensando sob este ponto de vista, fica evidente a importância da luta dos surdos em prol da legalização (já concretizada) e da valorização da língua de sinais. Essa luta significa uma vitória parcial contra o poder estabelecido pelos ouvintes e contra a visão de que o surdo é um ser que deve estar submetido ao poder dos “normais”. É a conquista da igualdade jurídica e política, que dá ao surdo a possibilidade de continuar lutando por outras conquistas de grande importância para eles. Assim, reconhecendo a importância política dessa conquista, torna-se possível pensar que a educação do surdos deva ser feita em língua de sinais. Nada mais óbvio: a educação também tem um caráter político que reproduz as desigualdades sociais, mantendo em seus devidos lugares os grupos (não numericamente) minoritários: pobres, negros, surdos, etc. Consequentemente, supõe-se que a luta pela legalização da língua de sinais incluísse o ambiente escolar, de modo que a educação do surdo pudesse ser realizada da forma apropriada ao mesmo, na sua língua e assim deixasse de reproduzir o surdo como anormal ou incapaz de realizar o que o ouvinte realiza. Entretanto, apesar das mudanças inseridas na escola especial para surdos, o desempenho acadêmico dos mesmos não apresentou melhoras significativas e a procura das respostas para tal fato faz com que se retorne a questionar a forma como as Libras são utilizadas dentro do ambiente escolar (dentro das variantes assinaladas acima) e cria-se um círculo vicioso, jamais rompido ou ultrapassado... E o que é pior, confirma-se a hipótese de que o aluno surdo não consegue superar suas dificuldades, e assim é a deficiência auditiva a culpada pelo seu fracasso escolar. Como este fator não pode ser modificado não encontra-se a solução. Mas a luta pelo reconhecimento da língua de sinais não foi uma luta para reconhecer a diferença, para retirar do surdo o estigma de anormal? Por que ele persiste? Será que não estamos teimando em valorizar a deficiência em detrimento das possibilidades que podem ser trabalhadas? 30 Para pensarmos a respeito de tal assunto, torna-se necessário refletir sobre a concepção de educação e de linguagem que carregamos, concepção que pode ser utilizada tanto na educação de ouvintes como de surdos. Pensar a respeito da educação, de surdos ou ouvintes indistintamente, traz a possibilidade de olharmos o discente sob um ponto de vista diverso daquele abordado pela educação tradicional, onde o sujeito deve aprender a utilizar-se corretamente da língua escrita através de exercícios repetitivos de identificação de sujeito, verbo, predicado, uso correto da ortografia, etc. É preciso pensar o discente como sujeito que usa uma língua falada (quer oral, quer através de sinais) diferente daquela utilizada na sua forma escrita e formal, sujeito esse que deverá construir passo a passo formas próprias de utilizar-se da língua escrita, expressando suas idéias, seus conhecimentos adquiridos, de forma correta, num processo dialético, onde tanto a língua exerce influências sobre o sujeito, como este exerce influências sobre a língua. A educação tradicional, assim como a de surdos (que apesar das particularidades tem como premissa a própria educação tradicional), produz e reproduz o fracasso, haja visto as políticas de aprovação automática presentes na atual legislação educacional. Há alunos de 6ª série da escola regular que não conseguem decodificar um texto ou escrever corretamente; isso mostra que, apesar de se conter a repetência e a evasão escolar, as novas leis não atingem o ponto nevrálgico da situação e assim, diplomamos pessoas que não desenvolveram as habilidades básicas necessárias para serem introduzidas no mercado de trabalho. A mesma situação pode ser constatada na educação de surdos. É preciso diferenciar o que é considerado academicamente correto, do saber efetivo adquirido pelo aluno. Em se tratando da escola regular, dentro de uma concepção tradicional de educação, é normal considerarmos “bom” aluno aquele que repete as fórmulas prontas do livro, que responde questões com vocabulário adequado e frases corretas. No entanto, se mudarmos a proposta de trabalho solicitada ao aluno, os resultados do mesmo "bom" aluno serão essencialmente diferentes (com raras exceções). Basta que ao invés de se pedir um resumo de um texto X, peça-se ao aluno: “leia o texto e depois escreva o que você entendeu”. O “bom” aluno, no caso do resumo, faria sua tarefa copiando frases importantes do texto, eliminando outras, pulando palavras. O resumo do “mau” aluno não faria a seleção dos fatos mais importantes e os trechos selecionados para a tarefa seriam escolhidos mais ou menos ao acaso. Entretanto, ao se pedir ao “bom” aluno que escreva aquilo que ele entendeu, um texto seu, aquele de sua própria e verdadeira autoria, não revelaria tamanha eficiência, pois o que se constata é que, mesmo o “bom” aluno, que seleciona os fatos ou dados importantes, ao ter de redigir sozinho se atrapalha, mistura 31 informações no que diz respeito à ordem ou faz relações incorretas, comete erros gramaticais e ortográficos. Há então que se colocar a seguinte questão: qual o aluno que se apropriou verdadeiramente do conhecimento? Foi o que fez o resumo impecável ou o que errou ao tentar elaborar seus recém adquiridos conhecimentos através da linguagem escrita? Mais do que isso, o erro pode ser visto como falta de competência, como falta de possibilidade, de conteúdo; ou pode ser visto como uma possibilidade de modificação de comportamento, de aquisição de conteúdo, de habilidades etc. Quando o aluno faz o seu próprio texto e erra, o professor tem o material ideal para interferir na sua produção, apontando incorreções, dando pistas, demonstrando a repetição de palavras, os erros gramaticais, a falta de relação nos dados apontados pelos alunos, a necessidade de reelaborar tal ou qual raciocínio. E neste processo lento e árduo é que o aluno consegue construir o conhecimento, desenvolver habilidades de leitura, interpretação, escrita, dedução, indução, comparação, descrição, etc. Será que com o aluno surdo o processo é diferente? Há que se considerar, no caso dos surdos, os efeitos que a ausência da audição provocam sobre a língua falada, e consequentemente sobre a produção escrita do aluno surdo, mas também o surdo é capaz de memorizar e escrever, repetir frases corretas, perfeitas nas suas formas gramaticais e ortográficas, mas há que se perguntar: que sentido há para o aluno, surdo ou ouvinte, repetir fórmulas prontas, que vivem num mundo externo ao seu mundo interior, que não lhe dizem respeito? Não há sentido, e não é aprendizagem. Acreditar que ao impor ao aluno que repita frases prontas signifique prepará-lo para fazer sozinho a mesma tarefa é um engano que a educação dos dias de hoje ainda carrega. A partir dessa visão de educação, de língua e linguagem e de aluno é que pode-se desenvolver um trabalho diferenciado. A utilização de estratégias alternativas às aulas expositivas, como utilização de vídeos, fotos, mapas, encenação em sala, podem ser interessantes formas de elucidar e esclarecer os fatos do conteúdo trabalhado, mas essas estratégias por si só não são suficientes para que o aluno elabore seu raciocínio por escrito e se aproprie do conhecimento. Trata-se de propor novos tipos de tarefa. E para elucidar o que está acima exposto, observemos alguns exemplos da produção escrita de alguns alunos no curso de História. A um aluno ouvinte da 5ª série, questionou-se: Explique como se deu o aparecimento do poder político nas tribos pré históricas. Observemos sua resposta: 32 “As tribos começaram a haver pessoas com mais como o chefe, e os casadores estava mais valente. Enquanto a mulher cuidava da plantação os homens estavam caçando e as criança preparando as redes. A muito tempo as nascentes foram atacado pelas tribo em busca de saque. O chefe militar estava protegendo sua cidade onde tinha indio atacando o chefe levava seu grupo. As pessoas pagavam emposto ou em dinheiro ou em comida para os soldos. Quem não pagava tinha um castigo. O rei e os guerreiros se garantam com agressões de outros povos.” Veja-se os “erros” apresentados nesse texto: há falta de concordância verbal e nominal, lacunas onde palavras foram suprimidas e estão subentendidas, erros ortográficos bastante graves, etc. Entretanto, a idéia de que as tribos pré históricas estavam sendo atacadas e que isso gerou o aparecimento de um chefe guerreiro que vai aumentando o seu poder a ponto de cobrar impostos, está presente no texto. Há inclusive uma incorreção sobre qual o povo estaria atacando essas tribos (o autor refere-se aos índios o que é uma incorreção). Mas o conteúdo foi assimilado. O leitor que não participou do processo de aprendizagem, ao ler o texto, pode questionar a compreensão e a aprendizagem do aluno. Mas só o professor é detentor desse contexto. Só o professor consegue ler o texto de seu aluno e identificar o sentido do texto e o grau de aprendizagem, porque é ele quem está inserido no processo. Tal ponto de vista não significa que o professor deva se contentar com esse grau de incorreção, mas que, através desse trabalho, o professor pode começar a apontar para seu aluno as lacunas, a falta de concordância, os erros gramaticais, etc. Material farto tanto para o professor de História como para o professor de Português. Veja-se um outro exemplo de alunos ouvintes. Eles trabalharam em duplas, desta vez da 6ª série. Foi solicitado às duplas: Explique porque o açúcar era a maior fonte de riqueza no Brasil colônia. Repare-se o resultado: “O Brasil se tornará o maior produtor de açucar do mundo. O crescimento da economia açucareira estimulou outras atividades economicas necessaria a produção de açucar dentre outras. Cada fazenda tinha sua propria produção de açucar com engenho. O açucar estabelecia um pacto entre colônia e Metropoli fazendo com que a Metropoli controlase o comércio com a Colônia, estipulando preços de venda como de compra.” 33 Observando esse novo exemplo percebe-se que, apesar de haver uma maior concordância verbal e nominal, há erros ortográficos graves e, muito pior, apesar de demonstrarem compreensão de conteúdo, os alunos em questão não responderam à questão proposta (justificar porque o açúcar era uma riqueza), e os argumentos utilizados (pacto colonial) não foram devidamente explicados. Os “erros” apontados em ambos os casos não diferem dos erros encontrados na produção escrita dos alunos surdos. Embora, os textos dos surdos apresentem o comprometimento decorrente da falta da audição na elaboração do raciocínio por escrito podemos estudá-los para comparar as produções dos mesmos, com as produções acima assinaladas Foi proposto aos alunos da 5ª série da escola especial para surdos, Instituto Santa Teresinha (SP), que respondessem: O que os homens do período pré histórico faziam com o fogo? Aqui temos uma das respostas: “homem procurar pega pedra terra fogo” O aluno em questão consegue responder a qualquer pergunta que lhe seja feita, desde que todo o processo de questionamento e resposta seja feito em Libras. Mas ao apresentar-lhe uma questão escrita, sentiu dificuldade em decodificar as palavras da questão (as quais conhece em Libras) e ao responder, utilizou-se de fragmentos vocabulares justapostos, onde circula um certo sentido: pode-se perceber que o aluno tentou falar a respeito da produção do fogo através da utilização de pedras. Ao encontrar esse tipo de problema e diante da declaração deste aluno de que ele não conseguia escrever, foi solicitado ao aluno que transferisse os sinais para o papel na próxima tentativa. Tempos depois foi-lhe apresentada uma nova questão escrita: Explique como eram feitos os metais e para que as pessoas da Pré História usavam os metais. Observe-se os resultados: “ Pessoa passado historia pedras de metal o que fogueira derrtrdo descobriram o cobre com o estanho de novo procurar descobriram o bronze mais duro e por Ultima o ferro fazer pas, arados e armas do que a pedro a madeira armas melhores.” Para produzir esse texto o aluno dirigiu-se várias vezes à professora, questionando como se escrevia tal ou qual palavra que ele indicava em Libras, num trabalho de linguagem conjunto, entre professor e aluno surdo. Apesar de ser um texto evidentemente com problemas, o conteúdo está descrito em seu texto, e, se compararmos essa produção com a produção do primeiro aluno (ouvinte) apresentado nesse trabalho, veremos que há mais pontos em comum do que diferenças marcantes. Mas o que é mais importante é que a 34 produção escrita desse aluno surdo teve uma melhora significativa na sua qualidade de conteúdo e de significado. Aqui não é preciso grande esforço para perceber que o aluno refere-se à descoberta do bronze, posteriormente do ferro e aos objetos produzidos a partir dos metais. No caso de um aluno também surdo da mesma instituição, dessa vez da 6ª série, vemos outro exemplo. A proposta era: Faça um texto explicando como eram os genos gregos. O resultado pode ser visto a seguir: “la no geno não tinha pobre e rico só normal agora e 2002 anos tem pobre e rico. Lá tem família trabalha e agricultura ajuda para comer agora começa e 2002 anos tem trabalha vende, loja, fabrica.. etc antes não tinha loja so trabalho agricultura.” Percebe-se que o aluno fez uma comparação entre os genos antigos e os dias atuais, mas a resposta está confusa, repetindo as mesmas informações e não atendeu ao que foi requisitado. O trabalho da professora foi o de mostrar para o aluno que seu texto não tinha relação com a pergunta e que seria preciso que ele prestasse mais atenção nesse aspecto para que a resposta dele fosse mais adequada à questão. Alguns meses mais tarde, o aluno deveria responder à seguinte proposta: Escreva um texto explicando como os plebeus poderiam transformar-se em escravos por dívida em Roma. O aluno respondeu da seguinte forma: “O plebeu foi guerra 12 anos agora voltou para Roma. Ele viu a terra ficou ruim, inventou foi la pedir outra pessoas pegar semente para planta. As Pessoas falou para Ele se não consegui faz cresce plante o plebeu pode ficar escravo por dívida. O plebeu foi la na terra ele colocou a semente para planta mas não cresce. O plebeu não consegui cresce planta. O plebeu foi la dar pra outra pessoas semente é dele. A semente já acabou as pessoas mandou para plebeu pode fica escravo por divida. Pessoa não precisa pagar o plebeu e grátis.” A resposta agora, incorreta do ponto de vista ortográfico e gramatical, ganhou consistência. O conteúdo histórico está corretamente presente em sua escrita que descreve o plebeu que volta das guerras e encontra suas terras abandonadas, recorrendo ao empréstimo para voltar a produzir. O plebeu que não consegue pagar suas dívidas e então trabalha gratuitamente para pagar o que está devendo. O trabalho do professor de apontar o erro buscando e indicando os caminhos a seguir é um processo lento e árduo, mas seus resultados são visíveis. Responder ao erro do aluno com o olhar crítico que diz: “você é incapaz”, não traz resultados, apenas frustrações tanto para o educando como para o educador. Desviar o 35 olhar, antes atento na ausência, na falta, na deficiência, e focar a atenção nas possibilidades traz resultados concretos. Conforme é possível observar-se nessas reflexões, através de um trabalho linguístico e conjunto entre professor e aluno pode-se chegar ao desenvolvimento da habilidade de expressar-se através da escrita de forma mais apropriada, ao mesmo tempo em que desenvolve-se também a habilidade da leitura e da interpretação da mesma. Atuar dessa forma é reconhecer que a língua não está pronta e acabada. Ela é tanto sujeito quanto objeto da cognição e, dessa forma, a produção de nossos alunos também não está pronta e acabada. É preciso deixar que a língua exerça sua influência sobre o aluno e que este a utilize e vá aos poucos percebendo o que é preciso fazer para que a sua utilização da língua seja mais eficiente, num processo dialético e construtivo, que além de promover uma melhora lenta, gradual e significativa na utilização da língua escrita e na elaboração dos conteúdos adquiridos por escrito, favorece também um acréscimo da auto estima de que tanto todos nós precisamos, atendendo assim aspectos afetivos, sociais e cognitivos. BIBLIOGRAFIA: 1- Figueira, R.A., 1996, “O erro como dado de eleição nos estudos de aquisição de linguagem”. In: Pereira de Castro, M.F. (org.), O método e o dado no estudo da linguagem, Ed. Unicamp, Campinas. 2- Geraldi, J.W., 1993, Portos de Passagem, Ed. Martins Fontes, São Paulo 3- Geraldi, J.W., 1985, “Concepções de Linguagem e Ensino de Português”. In: Geraldi, J.W. (org.), O TEXTO NA SALA DE AULA, Leitura & Produção, Assoeste Ed. Educativa, Cascavel. 4- Góes, M.C.R. de, (1996), Linguagem, surdez e educação, Autores Associados,, Campinas (Coleção educação contemporânea) 5- Porter, R., 1993, Introdução. In: Burke, P. e Porter, R. (orgs.), Linguagem, Indivíduo e Sociedade, Ed. Unesp, São Paulo. 36 6- Skliar, C., 1998, “Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças”. In: Skiar, C. (org.), A Surdez: um olhar sobre as diferenças, Ed. Mediação, Porto alegre. 7- Vygotsky, L.S., 1991, A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE, O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores, Ed. Martins Fontes, São Paulo, (4ª edição) 8- Vygostsky, L.S., (1995), PENSAMENTO E LINGUAGEM, Ed. Martins Fontes, São Paulo, (5ª reimpressão) 37 A IMPORTÂNCIA DE ENSINAR FÍSICA PARA PESSOAS DE ENSINO FUNDAMENTAL PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS AUDITIVAS. Carvalho, Daniele M. de Barbosa Lima, Maria da Conceição de A. Resumo Neste trabalho procuramos ressaltar a importância de ensinar Física para alunos que estejam no nível Fundamental de Ensino, independente da idade, portadores de necessidades especiais auditivas, em diferentes níveis, entendendo que eles têm os mesmos direitos daqueles que são ouvintes e, devem alcançar uma compreensão científica para poder exercer a sua cidadania de forma crítica e reflexiva em um mundo cada vez mais ligado e dirigido pela Ciência e pela Tecnologia. Procuramos nos apoiar em produção bibliográfica brasileira sobre o tema, para desenvolver projeto de colaboração no ensino específico de Física. Porém, os trabalhos brasileiros encontrados ofereceram muito pouco subsídio teórico. Discutimos aqui a importância do Ensino prévio de Física e apresentamos uma breve revisão dos artigos encontrados. Abstract In this work we are looking for pointing out the importance of teaching Physics for pupils who are in primary level of education, independent of the age, carriers of auditory special necessities, in different grades, understanding that they have the same rights of the listeners and that they must arrive to a scientific understanding to be able to exert its citizenship in a reflexive and critical way in a world each time more linked and conducted by Science and Technology. 38 We have trying to look for research supporting in national, brazilian, literature on the subject, in order to develop a project of collaboration with specific content of Physics. Nevertheless, the brazilian works found have offered little subsides. We argue here the importance of previous education in Physics and present one briefing review of joined articles. 1 – A importância do ensino de Ciências, em particular, da Física A importância do ensino de ciências nas primeiras séries do Ensino Fundamental visa (ou deve visar) o início do desenvolvimento da análise critica dos problemas da vida do aluno. A confrontação com problemas científicos, que os alunos sintam-se capazes de solucionar (García e García, 1989 e Gil-Perez e Valdés Castro, 1997), faz com que eles utilizem maneiras de pensar mais rigorosas e também que comecem a aplicar no seu dia-a-dia o mesmo rigor e criticidade na resolução de diferentes problemas. Uma das importâncias atribuídas ao ensino de ciências é de ser um agente promotor de compreensão do aluno em relação ao universo em que vive, conscientizando-o que o homem faz parte da natureza, e assim sendo, existe uma relação do homem com o mundo, ao mesmo tempo em que a Ciência é uma dessas obras. Há mais de vinte anos, cientistas vêm estudando diferentes aspectos do ensino das várias Ciências, principalmente da Física. Os resultados dessas pesquisas já foram de certa maneira consideradas nos estudos que levaram em 1998 o MEC a lançar os Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação, um conjunto de livros que tem por finalidade orientar os professores quanto ao conteúdo e objetivos a serem cumpridos em sua respectiva matéria. É apontado no volume relativo ao ensino de Ciências dos PCN, a importância de se ensinar ciências desde os anos iniciais de escolarização, posto que, num mundo onde o saber científico e tecnológico é a cada dia mais valorizado, é impossível a formação de um cidadão crítico e apto a realizar escolhas, tanto a nível pessoal quanto social e político sem os conhecimentos básicos necessários para a realização de julgamentos e conseqüentes opções. Além disso, a Educação 39 Brasileira parte do princípio da igualdade: “do reconhecimento dos direitos humanos e o exercício dos direitos e deveres da cidadania”(PCN, 1998, p.76) O ensino de ciências deve ser encarado como uma produção humana que envolve questões éticas e de interesses, tendo assim uma relação com o mundo do trabalho e com a valorização do conhecimento trazido pelos alunos interagindo assim de forma interdisciplinar. Harlen (1989) nos da uma excelente justificativa para o ensino de ciências nas series iniciais ”As ciências nas escolas primarias podem ser realmente divertidas. As crianças sempre ficam intrigadas com problemas simples, sejam inventados ou reais, do mundo que as rodeia. Se o ensino de ciências puder ser centrado nesses problemas, explorando as formas de captar o interesse das crianças não existe nenhum assunto que não possa ser mais atraente e excitante para elas” (p.29) No caso específico de nosso estudo consideramos com mais apreço o que preconiza as Adaptações Curriculares: Estratégias para a Educação de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que tem como objetivos a destacar: “fazer se perceber integrante, dependente e agente transformador do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente; utilizar as diferentes linguagens – verbal, musical, gráfica, plástica e corporal como meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação; saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos; questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolve-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação.” (PCN, !998, p. s/n) O currículo exprime e busca concretizar a intenção do sistema educacional e o plano cultural defendido nas instituições escolares, portanto, “a concepção de currículo inclui, desde os aspectos básicos que envolvem os fundamentos filosóficos e sociopolíticos da educação até os marcos teóricos e referenciais técnicos e tecnológicos que a concretizam na sala de aula (...) a escola 40 para todos requer uma dinamicidade curricular que permita ajustar o fazer pedagógico às necessidades dos alunos. (PCN, 1998, p.31). Sendo assim, “algumas características curriculares facilitam o atendimento às necessidades especiais dos alunos como por exemplo; que os alunos atinjam o mesmo grau de abstração ou de conhecimento, num tempo determinado; desenvolvidas pelos demais colegas, embora não o façam com a mesma intensidade, em necessariamente de igual modo ou com a mesma ação e grau de abstração (....)(PCN, 1998 p.33- 4). As respostas a essas necessidades devem estar previstas e respaldadas no projeto pedagógico da escola, não por meio de um currículo novo, mas, das adaptação progressiva do regular, buscando garantir que os alunos com necessidades especiais participem de uma programação tão normal quanto possível, mas considere as especificidades que as suas necessidades possam requerer. Para alunos com deficiência auditiva “... os textos escritos devem ser complementados com elementos que favoreçam a sua compreensão: linguagem gestual, língua de sinais e outros sistemas alternativos de comunicação adaptado às possibilidades do aluno: leitura orofacial, linguagem gestual e de sinais; material visual e outros de apoio, para favorecer a apreensão das informações expostas verbalmente.” (PCN, 1998, p. 46-7) 3. A IMPORTÂNCIA DE ENSINAR FÍSICA PARA ALUNOS QUE VÊEM VOZES “Crianças são curiosas. Nada é pior (eu sei disso) que quando acaba a curiosidade. Nada é mais repressivo que a repressão da curiosidade. A curiosidade gera amor. Ela nos casa com o mundo. É parte de nosso obstinado, estouvado amor por esse impossível planeta que habitamos. As pessoas morrem quando acaba a curiosidade. Pessoas têm que descobrir, pessoas têm que saber.” (Swift,1992) Ensinar Física para alunos que ouvem foi e continua sendo largamente discutido e estudado por pesquisadores nacionais e estrangeiros, para os mais diversos níveis de escolarização. Além disso, a curiosidade e a busca incessante de explicações para o Mundo em que vivemos não é privilégio de crianças ouvintes, por isso, decidimos tomar um caminho diferente. Talvez mais sinuoso, mais perigoso, mais arriscado e mesmo mais difícil: nosso objetivo é iniciar um estudo do Ensino de Física para alunos que 41 não ouvem, mas que vêem vozes: os portadores de necessidades especiais auditivas. É certo que, assim como a pesquisa em Física não estaciona, procurando sempre construir melhores modelos e realizar cálculos cada vez mais precisos, a pesquisa que se faz sobre seu ensino tampouco se satisfaz em constatar dificuldades. Dentro das pesquisas já realizadas, e outras tantas em andamento, têm sido buscadas formas de se tornar o seu estudo mais acessível aos alunos. (Barbosa Lima, 2001) Se a iniciação ao ensino de tópicos de Física já apresenta algumas dificuldades quando trabalhamos com alunos ouvintes, estamos certos que com esse novo público os problemas serão, senão maiores, pelo menos bem diferentes daqueles que estamos acostumados a enfrentar. Um deles e, que já estamos procurando uma forma de solucionar, diz respeito a maior dificuldade apresentada pelos alunos surdos relativamente aos ouvintes jovens. Porque como diz Pellet: “O deficiente auditivo se acha privado deste `banho de linguagem’ indispensável à comunicação socializada e tão útil para o enriquecimento do pensamento, ao desenvolvimento das faculdades intelectuais para o infinito de idéias que isso lhe permite assimilar” (1938, p. 34) O autor continua seu discurso sobre a abstração a ser adquirida pelos portadores de necessidades especiais auditivas afirmando, já na última parte de seu livro: “Mas como a criança surda, que possui o sentimento, a atitude mental, o tema geral, as imagens ou esquemas a utilizam para se exprimir e sobre o qual opera o pensamento, adquirirá o sentido da abstração sem o que não podem estabelecer conceitos? Pela aprendizagem de uma noção concreta nenhuma possibilidade de erro. Para o conhecimento de uma qualidade perceptível, como a cor ou a forma, a dificuldade é rapidamente resolvida. (...) Mas não se pode proceder assim para os abstratos e as situações mais subjetivas e imaginativas que perceptíveis, é difícil de proceder por repetição de julgamentos no que concerne à conceitos: é antes de tudo por uma experiência única (com todos os perigos de uma compreensão errada e 42 mesmo de incompreensão de seu comportamento) que se pode tentar fazer conservar esse novo conceito.” (p. 302) É certo que no ensino de Física trabalhamos com vários conceitos abstratos e, decidimos optar pelo caminho que Pellet nos informa ser o mais fácil: aquele que pode ser concretizado, porque além do problema da abstração não devemos esquecer outro, função do primeiro, a linguagem. 4- COMENTANDO OS ARTIGOS ENCONTRADOS No primeiro momento de nosso trabalho procuramos nos situar em relação a esse novo mundo em que iríamos entrar. Muitos foram os trabalhos relativos aos problemas e dilemas do letramento dos portadores de necessidades especiais, no entanto, esse não foi nosso objetivo. Desta forma nos ativemos aos trabalhos ligados à Matemática, pela proximidade da Ciência, e os de Ciência e de Física, que seguem relacionados a seguir. Tivemos acesso ao trabalho de Serrano Pau (1995) cuja abordagem é o Ensino de Matemática para as primeiras séries e um outro trabalho de matemática, apresentado no I Congresso Internacional do INES (Fávero e Pimenta, 2002) sobre a aquisição de conceitos. Um relato de experiência sobre Ensino de Ciências (Nurenberg et ali, 2000) realizada em sala de aula no INES e três trabalhos específicos em Ensino de Física: um sobre a criação de um vocabulário específico em Língua de Sinais para ensinar Física ao aluno portador de necessidade especial auditiva do Ensino Médio, realizado na Noruega, (Roald), outro também de origem norueguesa que trata das concepções de alunos surdos e ouvintes sobre a forma da Terra e sobre os Corpos Celestes (Roald e Mikalsen, 2000) e, um outro realizado no INES (Santos, 2000). 4.1 – Os trabalhos noruegueses O trabalho realizado na Noruega, está em um estágio muito mais avançado do que os nossos aqui no Brasil posto que eles já se preocupam em acrescentar à Língua Norueguesa de Sinais, “palavras” específicas para a Física, objeto de estudo de Roald, com o objetivo de exprimir com maior exatidão os conceitos que desejam ensinar. 43 Como uma demonstração da diferença entre o investimento realizado em pesquisas relativamente ao Ensino de Física para portadores de necessidades especiais auditivas e as realizadas na Noruega, passamos a comentar o artigo de Roald e Mikalsen (2000). Nesse estudo foram estudadas as concepções de grupos de alunos surdos, cujas idades variavam de 7 e17 anos ? tendo como grupo de controle alunos ouvintes com 9 anos de idade ? em relação à Terra e aos corpos celestes. Os autores acreditam que essa é a primeira pesquisa no mundo, que tem como objetivo estudar as concepções de alunos surdos que utilizam a Língua de Sinais para seu contato direto com mundo. Os instrumentos utilizados foram: entrevista guiadas, questionários ou ainda uma entrevista com respostas a escolher, realizada em Língua de Sinais Norueguesa para os alunos surdos e em língua Norueguesa falada para os ouvintes. Apoiados em pesquisas realizadas por Martin (1985 e 1991), esses autores também acreditam que as pessoas surdas têm a mesma capacidade cognitiva dos ouvintes, sendo assim, a construção das concepções sobre os corpos celestes e a Terra possam ser trabalhadas. Embora privadas da audição, as crianças ouvintes realizam suas observações, então são capazes de construírem seus próprios conceitos internos. Como dissemos anteriormente, mediante a diversas formas de avaliação, no primeiro momento, ambos os grupos foram solicitados a descreverem, desenharem, escolherem modelos para, por fim exporem suas concepções. A maior dificuldade encontrada foi no momento de entrevistar os alunos surdos e encaminhar-lhes perguntas em Língua de Sinais sem induzi-los à resposta apropriada, principalmente os mais jovens, que como ainda não utilizavam a leitura, e, como existem dois Sinais que designam a palavra Terra ? um o País e outro o Corpo Celeste ? tornou-se difícil utilizá-los sem dar “cola” ao aluno, para que não ocasionasse a interferência na veracidade dos resultados. Para que isso fosse evitado, uma explicação mais detalhada do objetivo da pesquisa foi realizada junto a esses alunos. Em relação à forma da Terra e com novas perguntas os alunos foram estimulados a desenharem a sua concepção de Terra. Em relação aos corpos 44 celestes ? Sol, Lua e Estrelas ? também foram solicitados a realizarem as mesmas tarefas anteriores. Em relação aos resultados obtidos à forma da Terra, os autores encontraram uma predominância, junto aos surdos mais jovens da eleição da forma esférica como concepção. Em relação as concepções sobre os corpos celestes, nós não nos aprofundamos no estudo dos resultados obtidos. Os autores constataram através das soluções dos alunos surdos mais novos, que suas concepções estavam mais próximas das concepções cientificamente aceitas, já com alunos surdos mais velhos o resultado foi o inverso. Os autores comentaram os trabalhos de Nussbaum e Novak (1976), pioneiros no estudo sobre concepção da forma da Terra e que identificaram, através de entrevistas clínicas piagetianas, com crianças ouvintes uma seqüência evolutiva de tais concepções, sendo o “caminho normal” que a criança inicie no modelo um ? de Terra plana e contínua tanto para os lados quanto para baixo ? e, conforme vai amadurecendo chegue ao de número cinco ? Terra esférica com as “direções para baixo” dirigidas ao centro da Terra ? modelo compatível com o conceito científico. Conclusão Considerando a preocupação bastante considerável a dos pesquisadores com os processos de letramento dos portadores de necessidades especiais, nós não podemos deixar de considerar que a Ciência, notadamente a Física, exige das pessoas, independente de suas necessidades uma alfabetização. E a alfabetização científica não se faz de imediato, o que já se comprovou com pesquisas junto a sujeitos ouvintes. Ela é contínua, assim como a evolução científica o é. Para alunos portadores de necessidades especiais, sejam elas quais forem, aqui, em nosso caso, auditivas, essa alfabetização exige mais tempo e empenho. Desta forma é conveniente começarmos o trabalho sem esmorecimento, procurando as nossas formas de melhor auxiliar esses alunos a construírem seus conhecimentos físicos. 45 Bibliografia BARBOSA LIMA, M. C. Explique o que tem nessa história (Tese) FEUSP – São Paulo, 2000/2001, FÁVERO, M. H. E PIMENTA, M. L. A aquisição de conceitos matemáticos pelo surdo: analise e reflexões Anais do 1o Congresso Internacional do INES e 7o Seminário Nacional do INES – Rio de janeiro, p. 135-138, 2002 GARCÍA, J. E. e GARCÍA, F. F. Aprender investigando : una propuesta metodológica basada en la investigación Sevilha: Diada, 1989 GIL PERÉZ, D. e VALDÉS CASTRO, P La resolución de problemas de física: de los ejercicios de aplicación al tratamiento de situaciones problemáticas Revista Enseñanza de la Física, v. 10 (2) pp: 5 – 20, 1997 HARLEN, W. Ensenanza y aprendizaje de las ciencias. MORATA, MADRID, 1989 NURENBERG, A.; CARVALHO, G. S., COUTO, M. M.; MAGALHÃES, R. A. B. e ALMEIDA, R, C. N. Vivendo Ciências – O Arqueiro n.1. p.4-6, 2000, MEC Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações curriculares- 1998 ROALD e MIKALSEN, O. What are the Earth and the Heavenly Bodies like? A study of alternatives conceptions among Norwegian deaf and hearing pupils International Journal of Science Education , v. 22, n. 4, p. 337 – 355, abr. 2000 ROALD, I. Terminology in the making: Physics terminology in Norwegian sign language: disponível em http://www.singwriting.org/foruns/linguistic/ling032.html SANTOS, A. R. Ensinando Física: uma questão de energia O Arqueiro n. 1 p. 22-23, 2000 SERRANO PAU, C. Proceso de resolución de problemas aritmeticos em el alumnados sordos: aspectos diferenciales respecto de ointes (TESE) Departamenti de Psicologia de l’Educació Facultat de Psicologia, UAB, Barcelona, 1995. SWIFT, G. Waterland Penguin 1992 46 A INCLUSÃO SÓ SE FAZ BEM COM O CORAÇÃO Profa. Vera Lúcia Lopes Dias “Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.” O Pequeno Príncipe Antoine de Saint-Exupéry O momento atual se caracteriza pela proliferação de expressões como valorização da diversidade, sociedade inclusiva, inclusão escolar. As políticas públicas, respaldadas na nova LDB, estabeleceram que fossem asseguradas a “igualdade de oportunidade para todos” , que a educação especial devia ser entendida , para os efeitos da Lei , como “modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos que apresentam necessidades especiais”. Recentemente, a Prof Rosana Glat, coordenadora de pesquisas em educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), numa entrevista ao site Aprendiz, referindo-se à Declaração de Salamanca, afirmou : “Esse documento apontou para uma meta a ser alcançada: hoje, não se discute mais se o aluno deve ou não ser incluído em sala regular, mas como será esse processo”. Estaremos nós professores brasileiros realmente preparados ? Qual a situação real da inclusão nas escolas regulares do Rio de Janeiro? Tentando responder a essa pergunta, visitei escolas da rede pública e da rede privada e tirei algumas conclusões importantes que vou relatar nesse artigo. Creio que para que se possa realizar a educação para a diferença, é necessário aprimorar a nossa atitude em relação aos alunos especiais . E de que maneira ? Antes de mais nada, aceitando a diferença, estabelecendo novas formas 47 de relação, de afetividade, de escuta e de compreensão, deixando de lado os nossos preconceitos. Para exemplificar melhor o que estou querendo dizer , vou transcrever aqui um trecho da história do Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, onde o principezinho mantém um diálogo com o personagem da raposa, que nos transmite uma profunda reflexão: “- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita... - Sou uma raposa, disse a raposa. - Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste... - Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. não me cativaram ainda. - Ah! desculpa, disse o principezinho. Após uma reflexão, acrescentou: - Que quer dizer "cativar"?(...) - É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços..." - Criar laços? - Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...” O que tenho observado na maioria das escolas do município do estado do Rio de Janeiro que visitei foi a constatação de que uma preparação exaustiva de base e uma técnica razoável não bastam para incluirmos esses alunos especiais. Os professores precisam participar das desventuras desses alunos, aceitá-los como são, criar laços de ternura, “cativá-los” para que eles consigam realizar o melhor do seu potencial e sintam vontade de pertencer e estabelecer relações afetivas com as pessoas ao seu redor. Se assim não o fizerem, assistirão, no máximo, ao triunfo de teorias pseudo-científicas que humilham esses alunos. “Olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar- de ti. Eeu amarei o barulho do vento no trigo...” 48 Certos alunos parecem nos dizer que não pode haver caminho para sua plena inclusão social, nem mesmo há vontade de tentar, nem desejo de fazer e nem de aprender se tudo ao redor é inflexível e hostil. Assim, se a minha vida, as minhas mãos, os meus olhos aguçados não tem valor, também não tem sentido nem vale a pena que eu me esforce para me curar, para sair das minhas prisões. As crianças portadoras de necessidades especiais sabem bem ocultar a sua solidão, o seu isolamento e as nossas intervenções representam mais uma ameaça à sua maneira de ser do que uma autêntica proposta libertadora. Observei , em minhas visitas às escolas regulares, muitos alunos que portadores de necessidades especiais não respondem às propostas dos professores, parecia até que certos percursos e itinerários pedagógicos e didáticos que lhes foram apresentados, acabaram empurrando-as cada vez mais para um deserto intelectivo. De fato, elas ficam nessas dunas selvagens e se defendem pois...eles sentem que não são acolhidos. Cheguei à conclusão que a grande lição que nós professores precisamos aprender , junto com esses alunos “diferentes”, é a conviver com a angústia e a dor, a sorrir diante de suas formas estranhas de expressar-se e com isso saber melhor compreender a nós mesmos. Na sua escola de agressividade aprenderemos também a dominar a nossa agressividade e transformá-las em vida. Assim, nós nos educaremos para considerar esses alunos especiais como todas as pessoas normais sem detê-las na infância ou na adolescência, mas antes impelindo-as a alcançar novas etapas. Isso significa fazê-las “sair” e, num certo sentido, vê-las realizadas, sem deixar-se tomar pelo medo de fracassos. Talvez o prazo de um ano seja insuficiente para tais transformações, para tais integrações e desenvolvimentos psicológicos, mas com certeza isso constitui uma aventura apaixonante. Portanto, nós não devemos ser os guardas da necessidade especial, 49 mas sim cooperadores atentos e preparados, por um lado, a realizar menos assistência e, por outro, mais participação. Temos a convicção de que todos precisam ser educados para a diferença. Todos, a começar dos pais até as instituições, nós nos educamos se despojamos a nossa mente de todos os estereótipos e lugares comuns para aprendermos pequenas lições de vida de quem é mais vulnerável e mais frágil que nós. Não basta inserir uma criança com necessidades especiais em contextos e lugares normais de vida para poder achar que cumprimos a própria tarefa de educadores. Não é suficiente que um ser “diferente” seja admitido numa classe para sentirmo-nos solidários com a diferença. Somente uma obra inteligente de sustentação e de integração humana poderá realizar isto . Por isso, é desejável uma educação para a diferença mesmo antes de submeter-se a um método, a uma escola, à última técnica ,ao último guru. Educar-se significa não sentir a sensação de nojo e nem de piedade : significa não fazer juízos vazios, sem prestar qualquer escuta verdadeira ao aluno que sofre com o preconceito de sua condição de especial. Educar-se significa não se considerar mais afortunado: pois, ninguém é mais ou menos afortunado ou desafortunado; de fato, a cada pessoa é concedido viver conforme aquilo que lhe foi dado e dentro de uma “própria luz”, com pleno respeito e compreensão pela própria vivência e pela história dos outros. Não há mérito nem desmérito se determinadas situações tornam a vida amarga.Não temos nenhum direito de sentir-nos melhores do que é diferente, do que não achou o trem certo. Cada aluno especial é um “terreno” e os professores devem ter a força de fazer brotar as sementes mais débeis; não devem sufocá-las quando têm desejo de 50 amadurecer, contanto que disponham de alguma potencialidade, mesmo que mínima. Toda semente pede o terreno e o tempo favoráveis para brotar na estação apropriada; cada semente tem dentro de si o desejo de vida. Mesmo assim, a educação custa a realizar-se, porque não faltam ideologias reducionistas que anulam o ser humano. Ainda hoje há clínicas, centros e instituições que são mais lugares de repressão e de exclusão, do que ambientes de reinserção dos “diferentes” na sociedade. Portanto, tem razão a raposa quando disse para o pequeno príncipe sobre como ele poderia cativá-la: “Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.” REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SAINT-EXUPÉRY, ANTOINE – O PEQUENO PRÍNCIPE – Editora Agir, 8ª. Edição, 1999. 51 ENTREVISTA Marcus Vinicius Freitas Pinheiro, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 24 de abril de 1970. Ficou surdo aos 7 anos de idade em conseqüência de meningite. Estudou no Instituto Nossa Senhora de Lourdes – INOSEL, onde concluiu o Ensino Fundamental e conheceu muitos surdos e pôde perceber a sua vocação para educador devido ao seu trabalho na Pastoral dos Surdos. No Ensino Médio, cursou numa escola técnica, habilitando-se como Técnico de Eletrônica, infelizmente não seguiu carreira, ingressando 4 anos após, em 1994 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro onde graduou-se em Pedagogia e nos anos seguintes cursou a pós-graduação em Administração e Planejamento da Educação. Sua atuação como educador dos surdos, teve início em 1997 quando estagiou no Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, atuando ao lado da Profª. Sueli Fonseca e depois foi para o INOSEL onde deu continuidade ao seu trabalho. Atuou também na Casa de Cultura do Silêncio dando aulas de reforço em Língua Portuguesa para os surdos e como instrutor. Depois foi para a APADA de Niterói trabalhar no Programa de Apoio ao Ensino Supletivo dos Surdos – PESS lecionando todas as matérias para turmas de 6ª e 7ª séries do Ensino Fundamental. Atua também no Centro Educacional Pilar Velasquez como professor de Ensino Fundamental, lecionando na 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino fundamental e transmitindo principalmente a primeira Língua para os surdos (L1) 52 que é a Língua de Sinais. Em 2001 ingressou no INES como professor da nova disciplina criada pela instituição que é a LIBRAS com a finalidade de transmitir aos alunos o aprendizado e conhecimento da sua língua. Atualmente atua como Professor Orientador desta disciplina e realizando Assessoria Técnica em diversas instituições espalhadas pelo Brasil transmitindo para os educadores e familiares a importância da aceitação da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e o respeito que eles devem ter para com os indivíduos surdos. Carrega consigo um lema de que pretende ver os surdos num futuro próximo derrubando barreiras e superando obstáculos seja em sua vida profissional ou o contexto social. 1) Conte-nos sobre o trabalho que realiza no INES com a LIBRAS como disciplina na grade curricular. No INES o meu trabalho com a LIBRAS é bastante diversificado, uma vez que não atuo somente em sala de aula. Participo das reuniões da COAPP, pois exerço a função de Professor Orientador da LIBRAS, faço Assessoria Técnica e dou palestras viajando pelo Brasil em nome do INES além de dar aulas para os alunos do Ensino Fundamental. O trabalho com a LIBRAS, não é apenas o de aprimorar o conhecimento da Língua de Sinais por parte do educando, ele objetiva corrigir os erros e aperfeiçoa a forma de comunicação do educando e a sua linguagem, ampliando o seu vocabulário e incutindo nele uma consciência crítica. 2) O que mudou efetivamente para as pessoas surdas depois da sanção da lei 10.436/2002? Após a sanção da Lei 10.436/2002, que é uma Lei Federal, muita coisa mudou para os surdos de uma forma geral. Podemos destacar o reconhecimento da LIBRAS como uma Língua pois desde que as pesquisas na área da surdez iniciadas por 53 William Stokoe (Gallaudet University), na década de 60, diversos países já reconheciam a Língua de Sinais como uma Língua, e o Brasil só conseguiu reconhecer no ano passado. Além disso a própria Lei diz que os órgãos públicos e as entidades que estão ligadas a estes órgãos terão que facilitar a comunicação dos surdos, além de adaptar os trabalhos. No entanto ainda falta regulamentar para que saibamos em que sentido isto deverá ser feito. Também a partir de agora a Lei impõe a criação da Disciplina nos cursos de Magistério em seus dois níveis – médio/superior, de Educação e de Fonoaudiologia. Isso demonstra que estamos encaminhando para a implementação do Bilingüismo na Educação dos Surdos o que já é um avanço. 3) Como está a questão dos intérpretes neste processo? O trabalho deles irá aumentar pois as empresas públicas terão que facilitar a comunicação com os surdos e não estão preparadas para isso, portanto terão que depender dos intérpretes para realização deste processo. Será preciso que se reconheça a função do intérprete de LIBRAS como uma profissão pois, afinal de contas, a LIBRAS é uma Lingua. 4) Sendo você bilingüe – fluente em LIBRAS e em português escrito e oral – qual a importância que isso tem no contexto social. Não sou bilingüe por imposição e sim por natureza é claro que minha família teve um papel primordial que deveria surpreender muitas pessoas: eles me incentivavam a aprender a Língua de Sinais e eu relutava em querer até que conheci o Sílvio Júnior, o Eduardo e o João Henrique. 5) Eles são bilingües? Na verdade todos sabem falar um pouco mas preferem a LIBRAS pois se expressam melhor deixando a linguagem oral de lado e nunca os obriguei ou deixei alguém 54 obrigá-los a falar. Por isso devemos respeitar suas identidades. Quando os conheci eles só se comunicavam com a Língua de Sinais e a partir daí precisei me adaptar a eles. Isso contribuiu para meu aprendizado também pois fiquei surdo aos 7 anos de idade e no contexto social eu pude perceber que a Língua Portuguesa e a Língua de Sinais fazem parte da minha vida, sendo que a primeira para me comunicar com as pessoas ouvintes e a segunda para me comunicar com os surdos e ouvintes que dominam a LIBRAS isso pressupõe que vivo em dois meios e tive uma adaptação boa pois compreendo perfeitamente a realizade da questão social de nosso país. 6) Nas Assessorias Técnicas que realiza pelo Brasil como você encontra e vê os profissionais e pessoas surdas em relação a LIBRAS? Bem, vejo algumas pessoas que dominam a LIBRAS e outras que ainda estão aprendendo e às vezes os próprios intérpretes sentem dificuldades de me interpretar. Quanto aos profissionais da Educação estamos passando por um processo de mudanças e adaptações que deverão render bons frutos no futuro. Os surdos dependendo da sua personalidade, alguns são carismáticos em grande parte e trocam informações comigo. Os radicais são mais fechados e desconfiam de todos. Mas nunca criei problemas. Já me emocionei quando estive em Salvador e vi um coral de mãos de pessoas portadoras de necessidades educativas especiais cantando músicas em LIBRAS e também com o Hino Nacional em LIBRAS de João Pessoa. 7) E em relação ao Português oral/escrito ? Com relação a isto nas consultorias quase não tive a oportunidade de avaliar esta questão. Nas oficinas e palestras me expresso em LIBRAS e uso pouco a fala com os surdos que não conversam oralmente comigo. Um fato curioso ocorreu em João Pessoa e Brasília: surdos bilingües só utilizavam o Português oral com os ouvintes e comigo só conversavam em LIBRAS. No Rio de Janeiro e São Paulo isso já não acontece pois eu me expresso das duas formas como os outros surdos bilingües, dependendo do contexto social do momento. 55 A Língua Portuguesa por outro lado também não a utilizo em demasia nas minhas oficinas. 8) O que acontece nos estados que já esteve. As realidades são muito diferentes ? É claro que não dá para comparar com o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Brasília onde as realidades dos surdos superam certos limites. Quanto aos demais vejo a inclusão de forma meio desorganizada pois encontramos ainda em alguns lugares surdos estudando em classes onde possuem também alunos portadores de outros tipos de necessidades especiais, o que prejudica o desenvolvimento de ambos. As pessoas ainda olham o surdo como um incapacitado, inútil e despreparado. Porém vejo também um grande desejo dos profissionais em estarem acertando para um melhor desenvolvimento de seu trabalho. É preciso saber dar valor a pessoa surda para que ela supere seus limites. Acredito no entanto que no futuro isso possa mudar.. Você quer deixar algum comentário final? Certa vez li num livro de Sidney Sheldon a seguinte mensagem: “A vida de todos os homens nos lembram que podemos tornar nossas vidas sublimes e ao partirmos, deixar para trás pegadas nas areias do tempo. “ Eu como educador de surdos, não me sinto um super-herói mas sim um bandeirante desbravando obstáculos em prol do benefício da educação dos surdos no Brasil. E quanto a vocês surdos sejam guerreiros, lutem por seus ideais mas com respeito e raciocínio, deixando as desavenças e o preconceito de lado. Abraços Marcos Vinicius. 56 57