Livro: A colcha de retalhos Autora: Conceil Corrêa da Silva Editora do Brasil Ano: 2005 Transcrito por: Anair Meirelles (p. 4) Nos finais de semana, Felipe vai para a casa da vovó. É uma delícia! Vovó sabe fazer bolo de chocolate, brigadeiro, bala de coco, pão de queijo... enfim, sabe fazer tudo que Felipe gosta. E ela não tem esse negócio de "hora de comer isso, hora de comer aquilo... hora de brincar, hora de dormir..." (p. 7) Vovó sabe contar histórias como ninguém. -- Conta mais uma, vovó. Só mais uma! Vovó coloca os óculos bem na ponta do nariz, faz uma cara engraçada e fala bem fininho e fraquinho, imitando a voz do chapeuzinho vermelho, e bem grosso e forte, imitando a voz do lobo mau. Ah! Quem é que não gosta de uma vovozinha assim? (p. 9) Um dia, quando Felipe chegou à casa da vovó, encontrou uma porção de pedaços de tecidos espalhados pelo chão, perto da máquina de costura onde ela estava trabalhando. -- O que é isso, vovó? -- São retalhos, Felipe. Fui juntando os pedaços de pano que sobravam das minhas costuras e, agora, já dá para fazer uma colcha de retalhos.Vou começar a emenda-los hoje mesmo. -- Posso ajudar, vovó? -- Está bem. Então vá separando os retalhos para mim. Primeiro só os de bolinhas, depois os de listrinhas... (p. 11) Felipe esparramou tudo pelo chão e foi separando-os um a um. Tinha pano de florzinha, de lua e estrela, de bolinha grande e bolinha pequena, listrado, xadrez... -- Olha esse pano listrado, é daquele pijama que você fez para mim quando a gente passou aqueles dias no sítio, lembra? -- É mesmo, Felipe, estou me lembrando. Que férias gostosas! Andamos a cavalo, chupamos jabuticaba... As jabuticabeiras estavam carregadinhas! (p. 12) -- E olha este pano xadrez, que bonito vovó! -- É daquela camisa que eu fiz para você dar ao seu pai, no dia do aniversário dele. Sua mãe fez um jantar gostoso e convidou todo mundo. -- Ah! Eu me lembro! Veio o tio Paulo, o tio João, a tia Josefina, veio a Cecília e até o Rex, para brincar com o meu cachorro, Apolo. Parece que um deles fez xixi na cozinha e o outro fez cocô no quintal, né? -- Seu pai ficou tão bonito! E assoprou as velinhas, todo vaidoso, de camisa nova. -- É mesmo! Mas ficou muito bravo com os cachorros. (p. 15) -- Olha, Felipe, esse retalho aqui. Não é daquele vestido que eu fiz para a sua mãe ir a uma festa de casamento? Sabe, quando a sua mãe era pequena eu fazia uma porção de vestidos para ela. E gostava também de bordá-los. Uma vez eu fiz um vestido cor-de-rosa, inteirinho bordado com a branca de neve e os sete anões. Quando o vestido ficou pronto, ela falou assim: -- Ué, mamãe, está faltando a bruxa! (p. 16) -- Vovó, esse pano azul-marinho está com cara de vovó Maria. -- Era dela mesmo! -- Vovó Maria mora lá no céu, né? Junto com o vovô Luiz e o meu cachorrinho Apolo... Ué, vovó, você está chorando? O que aconteceu? -- Não, -- disse a vovó fungando e limpando o nariz com o lenço -- não estou chorando, não. -- Ah, vovó! Você não disse que nós somos amigos? Então, me conta o que está acontecendo. Você está triste? -- É a saudade, Felipe. É a saudade... -- Saudade dói, vovó? -- Às vezes dói. Quando é saudade de alguém que já foi embora para nunca mais voltar... -- Ah! -- Mas existe outras saudades: de um passeio gostoso, de uma viagem, de uma festa, de um amigo, de uma amiga, de um parente que mora longe... -- Vovó, acho que eu ainda não entendo nada de saudade. -- Eu sei. A gente só entende bem das coisas que já experimentou. Talvez ainda seja muito cedo para você entender dessas coisas... Felipe, me ajuda aqui. -- Vamos ver como é que está ficando nossa colcha de retalhos! -- Que bonita, vovó! Um dia você faz uma para mim também? (p. 18) Depois de algum tempo, Felipe nem se lembrava mais da colcha de retalhos. Um dia, ao voltar da escola... -- Felipe, A vovó mandou uma surpresa para você! -- Uma surpresa para mim? Onde? -- Está lá em cima da sua cama. Felipe entrou no quarto correndo. A colcha estava esticada sobre a sua cama. Que linda! Mas não era uma colcha como essas que se vende nas lojas. Cada retalho tinha uma história. (p. 21) Ali, deitado sobre a colcha, Felipe passou algum tempo lembrando-se de uma porção de histórias. Observou um retalho de brim azul... -- Foi quando o papai e a mamãe viajaram de férias e eu fiquei lá na casa da vovó. Um dia, fui subir na jabuticabeira e levei o maior tombo. Ralei o joelho, fiquei com o bumbum dolorido e o short rasgado... que vergonha! Vovó veio correndo lá de dentro. Me pegou no colo com carinho e, depois, nesse mesmo dia, resolveu fazer um short novo para mim. E fez um short deste pano aqui, de brim azul. De repente, Felipe começou a sentir uma coisa estranha dentro do peito. E aquilo foi aumentando, aumentando... Felipe foi atrás de sua mãe: -- Me leva na casa da vovó? (p. 22) Não demorou nada e os dois já estavam chegando lá na casa da vovó. Tocaram a campainha e ela veio lá de dentro. -- Parece que eu estava adivinhando que você vinha. Fiz um bolo de chocolate, do jeito que você gosta! -- Vovó, vem aqui pertinho. Agora, me dá um abraço bem gostoso! -- Aconteceu alguma coisa Felipe? -- Sabe, vovó... -- cochichou Felipe, bem baixinho, no seu ouvido -- preciso te contar um segredo: eu acho que já entendi.... agora eu já sei o que é saudade! .