FILHOS REAIS OU VIRTUAIS? Claudia Werneck Presidente da República. Astronauta. Atleta olímpico. Maior jurista do Brasil. Desde crianças imaginamos o futuro brilhante de nossos filhos. Gestação, parto, primeiros dias em casa tudo quase perfeito. Alguns recém-nascidos são bem diferentes daqueles acalentados em sonhos. Em vez de um bebê moreno e cabeludo, nasce outro, de pele clara, careca. No lugar do roliço, chega um pelancudo, magro demais. O olho azul do avô não veio, mas. e daí? "Importa é que tenha saúde". Santa frase. Diante dela, agradecemos a um Deus a graça recebida e a frustração desaparece. E o que acontece quando o bebê real é muito, muito diferente do bebê desejado? Nem pior nem melhor, apenas muito diferente. E se o recém-nascido não tiver nada de lindo ou de saudável (na concepção mais comum, mesmo que dúbia, deste vocábulo)? Que mancha enorme e avermelhada é aquela bem na face do bebezinho? E se ele chegar sem um dedinho, for prematuro, precisar se operar com urgência, ter uma disfunção qualquer? Uma alteração genética? Nestes casos, perderá sua humanidade? Desânimo, susto, medo, choque. Incentivados por toda a vida para receber filhos virtuais, é natural que os pais sintam dificuldade em lidar com este filho real. Culturalmente, somos ensinados a planejar o futuro de um filho-sonho. Mas ao receber nos braços um bebê com algum tipo de comprometimento seremos capazes de imaginá-lo sentado na cadeira do presidente da República? Ou ganhando o prêmio nobel de física? Ou simplesmente - e o mais importante - sendo um cidadão (ou cidadã) e pai (ou mãe) de família produtivo (a) e feliz? Pediatras, enfermeiros, obstetras com freqüência também costumam ser inábeis diante do recém-nascido que não corresponde à expectativa dos familiares e da equipe médica. Em vez de fortalecerem os vínculos afetivos entre mãe/pai e filho, que se inicia naquele instante, muitos profissionais da área de saúde (os primeiros a ter contato com a família), por falta de informação (não de conhecimento técnico) e de consciência sobre a importância de seu papel, agem com constrangimento, dando àquele bebê o lugar do "doente", do "diferente", do "deslize da natureza", como se a humanidade fosse absolutamente homogênea, previsível, imutável. O ranço da homogeneização permeia humanos de qualquer idade. Até mesmo os adolescentes que hoje se rebelam por seus pais exigirem deles comportamentos estereotipados já se exercitam nos sonhos de um filho idealizado. Voltando ao recém-nascido, se a limitação é séria, ou pelo menos visível, até as visitas, tão gentis e bem intencionadas, também se enrolam. Perdem a naturalidade e evitam fazer perguntas costumeiras, que toda mãe adora responder: "Ele está mamando bem?", "Chora muito?", "Tem cólicas?", "Parto normal ou cesariana?". Poucos amigos se arriscam a fazer o clássico jogo que dá ao recém-nascido o direito de ser percebido, genética e afetivamente, como prole que é: "Olha a boca, é do pai"; "Tem uma implantação de cabelo igualzinha a da avó materna"; "Lembra demais o irmão quando nasceu", "Guloso que nem a prima". Tantos equívocos de abordagem refletem a cerimônia que temos com aquela que deveria ser a mais estimulada de todas as reflexões, desde a infância: a ética do indivíduo com sua espécie, a antropo-ética, reflexão que deveria anteceder às próprias questões sociais. Ao contrário, o tema diversidade humana, que até já entra nas discussões comunitárias, nas salas de aula e no currículo das faculdades, entra por força de lei, como algo menor ou algo a mais, quase sempre um requinte, um detalhe, uma especialização, uma matéria optativa, um extra. Discutir diversidade humana não tem o status de discutir desigualdade social, diferença racial, opção sexual etc. Mas que absurdo! Como assim? Pois se a diversidade é a característica mais intrínseca do gênero Homo, da sapiens espécie. Reconhecer que a humanidade sempre buscou e buscará diversas formas de se manifestar é assumir um novo eixo ético em todas as relações sociais que nos permitirá ser pais, arquitetos, jornalistas, professores, médicos e psicólogos muito melhores, mais lúcidos, mais eficientes. O bebê nos surpreende com suas diferenças porque é humano. Repito: nem pior nem melhor, apenas surpreendente. Também os filhos adotados, os sobrinhos que ajudamos a criar, os alunos que nos recebem na sala de aula exigirão de nós sabedoria diária para suportar suas diferenças, porque é nelas que se legitimam e é através delas que nos renovam. O chamado momento da notícia, aquele no qual reconhecemos o filho que nos cabe, é um exercício que, até a nossa morte, será diário. Lamentavelmente, famílias inteiras baixam imediatamente suas expectativas em relação a seus recém-nascidos reais por não conseguirem adequá-los a seus recém-nascidos virtuais. Inabilidade que tende a se replicar no relacionamento familiar, iniciado naqueles instantes. Que pena. O futuro de qualquer pessoa é inimaginável. Sem exceções, todo filho quando chega é um enigma, que nos encanta e amedronta desvendar. Claudia Werneck é jornalista e escritora especializada em sociedade inclusiva, autora do livro "Mas ele não é mesmo a sua cara?" (WVA Editora). --- Texto publicado em 21/02/2001 no Jornal O Globo, coluna Opinião QUESTÃO DE POSTURA OU DE TAXONOMIA? UMA PROPOSTA Francisco José de Lima RESUMO O presente artigo discute algumas posturas correntes, porém muitas vezes despercebidas, no trato de pessoas portadoras de limitação visual. Dá exemplo de pessoas que superaram limites e desempenharam seu mister com eficiência e extraordinariedade. Faz um alerta para o perigo da superproteção às crianças cegas, e da idéia de que os cegos têm poderes sobrenaturais. Por fim, propõe mudanças de postura para com as pessoas portadoras de limitação visual, e destas perante si mesmas e o mundo que as cerca, tendo como base a diferença entre limitação e deficiência e a crença na potencialidade e na diversidade das pessoas. ABSTRACT This article discusses some usual propositions, though frequently unnoticed, concerning the relationship with visually impaired people. It gives examples of persons who have overcome their barriers and today fulfill their duty in an efficient and extraordinary way. It calls our attention to the danger of overprotecting blind children, as well as to distorted perception that blind people posses supernatural powers. Finally, it proposes attitudinal changes toward visually handicapped persons, as well as a change of mind of such individuals before themselves and the world around, by taking into account basic difference between "handicap" and "disability", and the belief in potentiality and diversity in people. INTRODUÇÃO Desde antigos registros escritos conhecidos pelo homem e ao longo de toda a história e literatura são-nos apresentados exemplos de personagens cegas, as quais são muitas vezes semelhantes entre si num estereótipo mais ou menos aceito pelo comum das pessoas. Não obstante todo nosso avanço no conhecimento científico, sociológico e filosófico, o que sabemos sobre essas pessoas é restrito e, ainda hoje, cheio de vieses culturais. Com efeito, Wilson (apud Heller et al., 1991) relata que, na Inglaterra, a maioria das pessoas interpreta as técnicas dos cegos em termos de algum tipo de sexto sentido misterioso. No Brasil, não sendo diferente, Melo (1988) sabiamente alerta-nos: (...) Não pense que os cegos têm um sexto sentido ou que a natureza os compensou pela falta da visão. O que há de tão "surpreendente" nos cegos é o simples desenvolvimento de recursos latentes em todos nós. Você, com o mesmo treinamento, será tão "extraordinário" quanto eles! (p. 7) Heller et al. (1991) comentam que mesmo a sociedade tendo expectativas distorcidas quanto aos cegos, creditando-lhes poderes sobrenaturais, trata-os, individualmente, como os mais indefesos e dignos de dó dos mortais. É aqui, pois, que reside um dos maiores problemas que se deparam as pessoas portadoras de limitação visual. Devido à grande proteção ou mesmo superproteção dos pais ou responsáveis pela educação e cuidado das crianças cegas, estas nem sempre recebem estimulação apropriada para seu desenvolvimento, chegando a ter, até mesmo, três anos de atraso ao iniciarem a educação formal, comparadas aos alunos portadores de visão normal (Hatwell, 1985 & Heller, 1991). Tais atitudes, se louváveis pela natureza de sua preocupação com o semelhante, são reprováveis e desastrosas àquelas crianças que, não tendo uma estimulação apropriada a seu desenvolvimento, podem sofrer danos irreparáveis ou encontrar-se em situações difíceis e embaraçosas, desnecessárias e plenamente evitáveis, fossem propiciadas maiores informações às pessoas que com elas convivem. De um lado, os responsáveis pelo cuidar e/ou educar esses sujeitos, buscando protegê- los, impedem seu desenvolvimento ótimo, uma vez que não lhes permitem ter contato com o mundo real e cheio de situações ou estímulos, inclusive aversivos. Essa falta de contato com esses estímulos ou situações adversas dificulta ou impede o portador de limitação visual de desenvolver mecanismos de defesa ou elaborar tais situações. De outro, os que acreditam no poder extra-sensorial dos cegos, nas suas habilidades extraordinárias e na sua capacidade de tudo poder fazer por si sós, sem a ajuda de outrem, colaboram para a execração daqueles indivíduos, já que não propiciam ou limitam situações de sociabilização entre eles e as pessoas portadoras de visão normal. Ambas as posturas trazem problemas significativos ao relacionamento entre essas pessoas e as que são portadoras de visão normal. De um lado, com a postura de que os cegos têm habilidades sobrenaturais, os defensores dessa idéia podem pensar que aqueles são auto-suficientes e, por assim dizer, não precisam da colaboração das pessoas portadoras de visão normal. Para essas pessoas, isso pode ser conveniente se tiverem dificuldades em entrar em contato com a diversidade ou com situações novas, as quais não dominam ou desconhecem. De outro lado, aqueles que tomam o indivíduo portador de limitação visual total ou parcial por deficiente podem, com a melhor das boas intenções, suprimir-lhe do caminho toda e qualquer situação que, em sua opinião, seja perigosa ou prejudicial ao portador de limitação visual, incapacitando-o para uma vida social normal e produtiva. A questão é que há grande resistência em aceitar a pessoa com limitação física, mental, cerebral ou sensorial1. Tal resistência é ainda mais exacerbada quando se entende o indivíduo como "deficiente". Nesse caso, a resistência se faz presente e manifesta, inclusive nas atitudes dos próprios profissionais que trabalham com esses sujeitos. Todavia, quando confrontados com essa realidade, esses profissionais tendem a negar tal fato, eximindo-se de tal atitude, assumindo uma postura de defesa e relacionando o fato a situações conjunturais ou particulares. Entretanto, eles mesmos nem sempre têm informação ou formação adequada ao trato dos sujeitos de quem cuidam, a quem instruem e sobre quem escrevem manuais, artigos, dissertações e teses. Para que compreendamos melhor esse ponto de vista, façamos aqui uma diferenciação entre deficiência e o que houvemos por bem definir como limitação visual, embora pensemos que tal definição possa ser ampliada para outras áreas de limitação sensória, física, cerebral ou mental. Como postura de vida, de trato com as pessoas cegas e como postura de pesquisador, utilizamos o termo "limitação visual" em oposição ao termo "deficiência visual" para indicar que, embora o sujeito não tenha plena visão ou seja cego, apenas esse sentido lhe está ausente, ou não funciona de modo pleno. Suas atividades mentais, intelectuais, motoras etc. são "iguais" às das pessoas portadoras de visão normal. Mas o que é deficiência? Consoante Lobo (apud Rodrigues, Leitão & Barros, orgs, 1992, p.113), "Deficiência não é senão uma característica valorada negativamente em função de uma norma de eficiência que lhe serve de padrão". Assim, os cegos, sob essa égide valorativa de eficiência, são considerados "deficientes", isto é, aqueles cuja eficiência é falha, insuficiente, e não tem como ser vencida, superada. Entendendo que o cego não sofre de falta de eficiência, postulamos que esse indivíduo não é deficiente, porém está temporariamente limitado para fazer algo. Cremos que na limitação, momentaneamente, não se pode fazer algo, mas que se podem buscar meios para superar, vencer, quebrar limites, expandir, ampliar horizontes, levando a barreira limite para mais distante do ponto anterior. Trata-se, aqui, da diferença entre o ser e o estado da pessoa humana. Não estamos falando de mera criação de novo termo ou de nova taxonomia de pessoas com esta ou aquela diferença sensória, física, cerebral ou mental. Na prática, é uma questão de postura mais que de nomenclatura. Quando tratamos de limites, esses, de um modo ou de outro, podem ser superados. E se não o forem, no momento, não devem constituir motivo de desânimo e, muito menos, de desistência, pois o homem é naturalmente limitado em suas relações e, nem por isso, deixa de tentar superar seus limites. Vide o exemplo do pianista João Carlos Martins, que, após uma história de acidentes, envolvendo-lhe a capacidade motora das mãos e braços (lesão no braço direito, em 1965; síndrome de movimentos repetitivos, em 1979; hematoma cerebral e paralisia parcial, decorrentes de um assalto que sofreu em 1995, a ponto de seu desempenho ao piano ter sido considerado errático, o que o afastou do instrumento por dois longos períodos de oito anos) não desanimou e, com o incentivo do pai nonagenário, com o auxílio de fisioterapia e de uma reprogramação das funções cerebrais da fala e da digitação, superou sua limitação física, voltando a tocar piano e tornando-se o único pianista a ter gravado a integral de Bach para o teclado2. Tal façanha só foi possível após o pianista ter sido submetido a um tratamento em um dos maiores centros neurológicos do mundo — o Jackson Memorial, nos EUA. Contudo, João Carlos Martins não preservou o completo controle motor do antebraço direito para as atividades mais simples, às quais teve de readaptar-se (aprender, por exemplo, a escrever com a mão esquerda) e ficou com uma seqüela permanente que o esgota. Obrigou-se, pois, a uma verdadeira "dieta do silêncio": todas as vezes em que toca ao piano, João Carlos Martins tem de ficar pelo menos três horas sem falar, antes da apresentação. Como vemos, pois, as limitações de hoje poderão, no futuro, ser suplantadas, fisiológica ou tecnologicamente. Por exemplo: uma garotinha de 7 anos de idade pode trazer nas mãos um quilo de trigo, da padaria até sua casa, com a mesma eficiência com que seu pai traria cinco quilos de açúcar. Porém, nem o pai conseguiria trazer nas mãos cinqüenta quilos, nem a filha dez. Dentro de suas limitações (força física, por exemplo), tanto a garotinha quanto o pai podem desempenhar eficientemente sua tarefa. Mais ainda, dando-lhes condições extras (um carrinho de mão por exemplo), ambos poderiam superar seus limites, uma vez que não são deficientes, mas estão limitados quanto à força física. Destarte, da mesma forma que hoje a garotinha não pode carregar cinco quilos de trigo, mas poderá fazê-lo no futuro, quando adulta, seu pai (hoje no vigor da força física) pode carregar cinco quilos de açúcar, porém talvez não possa fazê-lo no futuro, quando se tornar um ancião. O homem, com o avião, criou asas; com o guindaste, tornou-se Hércules; com a imprensa, rádio, televisão e redes internacionais de informática, tornou-se onisciente; e quiçá, no futuro, com a clonagem, tornar-se-á um demiurgo. Disso decorre o fato de a sociedade estar muito mais acostumada e propensa a lidar, elaborar e aceitar as limitações do que as deficiências. Daí que, enquanto postura, defendemos a inexistência da deficiência ou da pessoa deficiente. Assim, o que seria para muitos uma deficiência, segundo a postura por nós preconizada, nada mais é do que uma mera limitação. Por exemplo: poderia uma pessoa privada do movimento das pernas e dos dedos da mão pintar uma tela com um pincel? Não! Responderiam afoitamente os defensores da deficiência. Sim! Afirmamos nós: vide Renoir, que, tendo a limitação física descrita acima, a superou, bastando, para tanto, que alguém lhe afivelasse o pincel à mão para que ele pintasse nas telas os mais alegres quadros de sua vida, mesmo com a intensa dor de que padecia. Logo, há uma diferença teórica – quanto à semântica – e uma diferença prática – quanto à postura de pesquisadores, educadores, responsáveis ou mesmo das próprias pessoas portadoras de limitação, no presente artigo, visual – em relação ao uso dos termos deficiência e limitação. No âmbito deste último, por exemplo, os indivíduos portadores de limitação visual buscarão, como os portadores de visão normal, superar suas limitações, não-restritas à limitação visual, a qual é mais uma, e não a única, dentre as limitações inerentes à condição humana. Todavia, para que haja uma mudança de postura é preciso informação, educação formal, e muito conhecimento e convencimento da sociedade, em geral, e dos próprios sujeitos portadores de limitação visual, em particular. É fato que, mesmo aqueles que se prestam ao atendimento de pessoas portadoras de limitação sensória, física, mental ou cerebral atuam sem respaldo teórico, técnico ou mesmo financeiro necessários à questão do trato das diferenças. Em cursos Universitários, por exemplo, tanto os da rede pública quanto os da rede particular, como os de Letras, Pedagogia, História, Matemática etc, não são oferecidos sequer noções sobre o Sistema Braille, sistema de leitura e escrita para cegos, ou sobre Libras, língua brasileira de sinais para surdos. Professores Universitários de cursos que pretendem trabalhar com a diversidade, a diferença e as minorias, como cursos de Psicologia, Serviço Social etc., muitas vezes sequer têm noção de como lidar com um portador de limitação sensória ou física, quando se deparam com ele em sua sala, quanto mais oferecer subsídios para que seus alunos venham a fazê-lo. Também alunos de cursos preparatórios para prestação de serviços a uma grande quantidade de pessoas (como Arquitetura, Biblioteconomia etc) muitas vezes recebem instruções inadequadas e cheias de vieses socioculturais, e mesmo científicos, que refletem o despreparo de seus mestres. Mesmo porque a própria literatura que esteia esses cursos é responsável por divulgar esses mesmos vieses. Kussrow & Roshaven (1996), ao criticar o atendimento "igualitário" (i.e. a não- observância do tratamento diferenciado a pessoas diferentes), oferecido a pesquisadores e estudantes universitários, afirmam: "Bibliotecários de universidades se orgulham de tratar usuários de graduação e pós- graduação igualmente, mas ao fazê-lo, podem de fato estarem prestando, aos estudantes, um desserviço. A suposição básica, que esteia o tratamento "igual" para os alunos e pesquisadores, é que a maioria dos estudantes aprende basicamente da mesma forma. Essa crença, manifesta em livros didáticos, salas de aula e no planejamento das bibliotecas, afeta o treinamento dos funcionários de uma biblioteca, incluindo os bibliotecários, e os meios pelos quais os pesquisadores possam acessar as informações precisas que desejarem." Por sua vez, diz Hart (apud Kussrow & Roshaven, p.132, 1996): "Diante da quantidade de pesquisa disponível acerca de matérias sobre os estilos de aprendizado, as modalidades de aprendizado e as inteligências múltiplas, não há nenhuma justificação para desprezar as preferências psicológicas de aprendizado dos estudantes adultos. E esse reconhecimento requer um tratamento mais diversificado, para o planejamento de bibliotecas. Logo, tem de haver uma mudança de mentalidade, pois, com muita freqüência, os funcionários de bibliotecas acreditam que devam tentar atender a todas as pessoas da mesma forma. Tentar tratar os estudantes da mesma maneira implica desprezar-lhes as modalidades biológicas, intelectuais e de aprendizado. Isso pode resultar na violação e na supressão da capacidade de pesquisa do estudante, de seu desenvolvimento intelectual, sua auto- estima e seu desempenho acadêmico." De acordo com Morsley, Spencer & Baybutt (1991), melhorar a qualidade de vida de crianças cegas pode, muitas vezes, ser alcançado por mudanças relativamente diretas, uma vez que, na visão dos autores, não há necessidade de depender de alta tecnologia, nem de grande investimento de tempo por parte de professores ou pais. Acorde com os autores, cremos, contudo, que, para que essa melhoria ocorra mais prontamente e de maneira definitiva, é mister que se comece havendo uma mudança de mentalidade e de atitude frente aos portadores de limitação e à diversidade em geral, por parte de professores (mormente os de dentro de Universidades) e pesquisadores que orientam pais e educadores desses sujeitos. Isso porque são esses mesmos professores e especialistas os responsáveis por mudanças educacionais importantes e que vão influenciar diretamente a vida dos sujeitos com limitação sensória, física, mental ou cerebral, bem como de seus pais, professores e colegas, enfim de toda uma sociedade. Exemplo da influência desses professores e especialistas pode ser aquilatado pelo movimento internacional pela inclusão pregada e defendida substancialmente por muitos, recebida com reserva por alguns e questionada por outros. Inclusão esta a que, a propósito, somos favoráveis, desde que não sirva como mais um meio de se deixar de lado os portadores de limitação, furtando-se a dar atenção a suas necessidades específicas. "Os cegos no Brasil até freqüentam escolas comuns", estão gritando em altos brados alguns, omitindo que esses indivíduos, que já tinham pouco apoio educacional, agora poderão ter ainda menos, caso as escolas e os cursos de Educação Especial venham a ser extintos por conta de uma égide inclusiva, novamente restando ao professor do ensino básico e médio todo o ônus de se virar com o que se depara em sala de aula, aos poucos e mal pagos profissionais da educação especial o árduo papel de suprir lacunas educacionais advindos desse processo, e aos próprios portadores de limitação de se virarem cada um a seu modo, já que nem sempre eles mesmos sabem que estratégias usar para esta ou aquela situação (Lima, 1998). Posto, então, que o "diagnóstico" nos apresenta claro à vista, e à mente, parece-nos óbvio propor e crermos que uma mudança na postura das pessoas portadoras de limitação visual, e dos videntes para com elas (entendendo-as como pessoas portadoras de limitação, com potencial e não-deficientes), propiciará buscar, em conjunto, meios pelos quais sejam superados seus limites e seja alcançada sua cidadania, de maneira plena e sem paternalismos, porém com observância de suas necessidades e idiossincrasias, oferecendo àqueles indivíduos tratamento diferenciado, a fim de os igualar em direitos e deveres, promovendo não só a justiça legal, mas também social e humana. Pois como afirmou Dunn (apud Kussrow & Roshaven, 1996), "Nada pode ser mais desigual do que tratar os indivíduos como se eles fossem iguais em todos os aspectos". Notas de rodapé 1. Entenda que uma pessoa com limitação visual total ou parcial não é "deficiente físico", mas sim portadora de limitação sensorial. 2. Cultuado nos EUA, o nome de Martins passou a figurar na Gallery of Artists, uma lista de compositores e intérpretes selecionados pela Classical Insites, associação americana, para o Hall of Fame e Perfomance Center Spotlight (ver Regina Porto, O B-a- Bach do gênio maldito, Revista Bravo, fevereiro de 1998). BIBLIOGRAFIA 1. HATWELL, Y. Piagetian reasoning and the blind. New York, American Foundation for the Blind, 1985. 2. HELLER, M. A. Haptic perception in blind people. In: The psychology of touch (pp. 239-261). M. A. Heller and W. Schiff (Eds.), Hillsdale, NJ, Lawrence Erlbaum Associates, 1991. 3. KUSSROW P. G. & ROSHAVEN, P. A Case for Treating Library Researchers Differently. In: Research and Reflection. December, 1996. Volume 2. Number 2. 4. LIMA, F. J. Representação Mental de Estímulos Táteis. 166p. Dissertação (Mestrado). Ribeirão Preto: Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 1984. 5. LOBO, L. F. Deficiência: Prevenção, diagnóstico e estigma. In: RODRIGUES, A.B., LEITÃO, M. B. & BARROS, R. B. (orgs.). Grupos e instituições em análise. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992. 6. MELO, H. F. R. A cegueira trocada em miúdos. Campinas: UNICAMP, 1988. 7. MORSLEY, K., SPENCER, C. & BAYBUTT, K. Two techniques for encouraging movement and exploration in the visually impaired child. British Journal of Visual Impairment, 9, 75-78, 1991. 8. PACH W., THAMES & HUDSON. Renoir, 1984, p.13. 9. PORTO, R. O B-a-Bach do gênio maldito. In: Revista Bravo, fevereiro de 1998. Francisco José de Lima é doutorando em Psicologia (área de Psicofísica Sensorial) pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto – FFCLRP/USP. FALAR SIMPLES DO COMPLEXO José Pacheco Escola nº1 da Ponte, Vila das Aves "A evolução dos conceitos relacionados com a educação especial, que se tem processado na generalidade dos países (...) levam a considerar os diplomas vigentes ultrapassados e de alcance limitado" (Do preâmbulo ao Decreto-Lei 319/91) O Sandro chegou à escola com a notícia: "na rádio, disseram que numa escola havia meninos como o André e a professora dessa escola pôs-lhe adesivo na boca, para eles não fazerem barulho!" Procurei minimizar o impacto da triste novidade. Procurei mudar de assunto, mas o Sandro não desarmou. O facto é lamentável. Mas para o Sandro, que estuda numa escola onde tal não aconteceria e na qual todos os alunos são alunos especiais, é ainda mais chocante. Imagino o que terá levado a professora a pôr adesivo na boca de um aluno especial. Admito que o tenha feito em desespero. Nada justifica o acto, mas ele é prova de que muitas escolas ainda não estão preparadas para acolher crianças diferentes. Não estão e pelo caminho que o ensino especial leva, dificilmente hão de estar. O Decreto-Lei 319/91 prevê a aplicação da medida de ensino especial apenas às situações mais complexas. Isto é as crianças com graves perturbações de desenvolvimento físico e mental. Que ficam quase sempre em casa. Que não vão à escola. São poucas as crianças hoje atendidas nessas condições. São-no quase sempre em instituições de educação especial. Na freguesia onde moro e trabalho, há um exemplo de falsa integração dessas crianças. Em condições deploráveis, apenas a dedicação e o sofrimento da sua professora conferem alguma dimensão integradora e educativa à experiência. Para os casos menos complexos o mesmo decreto estabelece medidas que qualquer escola pode pôr em prática. Pode e deve, sem ter de recorrer a professores do ensino especial que resolvam os casos ditos difíceis. A maior parte dos professores do ensino especial são tão especiais como os outros. E, na esmagadora maioria dos casos, bastaria às escolas modificar alguns hábitos de trabalho para dar resposta a todos os alunos. Porém, enquanto houver estruturas paralelas que inventem e atendam "deficientes", serão poucas as escolas a sentir a necessidade de mudar as suas atitudes perante alunos com necessidades educativas especiais. As marcas de uma escola uniformizadora (igual para todos) não têm sido apagadas com o contributo das equipas de ensino especial. Bem pelo contrário. Há nessas equipas bons profissionais que seriam mais úteis nas escolas e a tempo inteiro. Em escolas onde o trabalho de equipa substituísse o trabalho de professores isolados nas suas salas. Onde os vícios adquiridos sem lugar à flexibilização na gestão de tempos e espaços de aprendizagem, de modo a dar mais tempo a quem de mais tempo precisa. Em escolas onde se interpelasse o regime de classe/ano de escolaridade (e até mesmo de ciclo), de modo a evitar as dificuldades de aprendizagem. Onde se gerisse um mesmo currículo de diferentes modos, para cada um e a avaliação fosse conforme à diversificação de processos e percursos. As dificuldades de aprendizagem devem ser entendidas como dificuldades de ensino. Este reconhecimento é o primeiro passo. A UNESCO coloca como prioridade ajudar os professores a responder à diversidade dos alunos. Em muitos países, a legislação já suprimiu as categorias formais de educação especial. A tendência é a do afastamento de soluções centradas em especialistas, para centrar as soluções nos professores do ensino regular. Iremos nós ficar, mais uma vez, "orgulhosamente sós"? Alguns lugares comuns que continuam a ser descurados. Educar é mais que integrar e integrar é mais que escolarizar. A heterogeneidade é factor de desenvolvimento porque todos aprendemos com todos. Cada aluno é um ser único, e maravilhosamente irreptível. Todas as crianças são diferentes entre si e, por isso, todos os alunos são alunos especiais. É indispensável que todos os especiais sejam pessoas e que sejam pessoas felizes. Há escolas que já compreenderam a dimensão do problema e procuram alternativas. Compreenderam que todas as escolas são diferentes, pelo que não há escolas-modelos. Que todas as crianças são diferentes, pelo que não há crianças-modelos. Reconhecer ou não, a existência de alunos deficientes poderá depender de uma mera definição de conceitos. Mas, por muito que custe admitir, dever-se-à falar menos de alunos deficientes e mais de equipas e escolas com práticas inadequadas, ou deficientes. OS SENTIDOS DA INTEGRAÇÃO E DA INCLUSÃO, NO CONTEXTO DA INSERÇÃO ESCOLAR DE DEFICIENTES Maria Teresa Eglér Mantoan Deptº de metodologia de Ensino Faculdade de Educação - Unicamp Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Reabilitação de Pessoas com Deficiência - LEPED/Unicamp A noção de integração tem sido compreendida de diversas maneiras, quando aplicada à escola. Os diversos significados que lhe são atribuídos devem-se ao uso do termo para expressar fins diferentes, sejam eles pedagógicos, sociais, filosóficos e outros. Por tratar-se de um constructo histórico recente, que data dos anos 60, a integração sofreu a influência dos movimentos que caracterizaram e reconsideraram outras idéias, como as de escola, sociedade, educação. Os movimentos em favor da integração de crianças com deficiência surgiram nos países nórdicos, na década de 60, quando se questionaram as práticas sociais e escolares de segregação, assim como as atitudes sociais em relação às pessoas com deficiência intelectual. A normalização visa tornar accessível às pessoas socialmente desvalorizadas condições e modelos de vida análogos aos que são disponíveis de um modo geral ao conjunto de pessoas de um dado meio ou sociedade; implica a adoção de um novo paradigma de entendimento das relações entre as pessoas fazendo-se acompanhar de medidas que objetivam a eliminação de toda e qualquer forma de rotulação. Uma das opções de integração escolar denomina-se mainstreaming, ou seja, "corrente principal" e seu sentido é análogo a um canal educativo geral, que em seu fluxo vai carregando todo tipo de aluno com ou sem capacidade ou necessidade específica. O aluno com deficiência mental ou com dificuldades de aprendizagem, pelo conceito referido, deve ter acesso à educação, sua formação sendo adaptada às suas necessidades específicas. Este processo de integração se traduz por uma estrutura intitulada sistema de cascata, que deve favorecer o "ambiente o menos restritivo possível", oportunizando ao aluno, em todas as etapas da integração, transitar no "sistema", da classse regular ao ensino especial. Trata- se de uma concepção de integração parcial, porque a cascata prevê serviços segregados que não ensejam o alcance dos objetivos da normalização. A crítica mais forte ao sistema de cascata e às políticas de integração do tipo mainstreaming afirma que a escola oculta seu fracasso, isolando os alunos e só integrando os que não constituem um desafio à sua competência. O sistema de cascata se baseia na individualização dos programas instrucionais, os quais devem se adaptar às necessidades de cada um dos alunos, com deficiência ou não. A outra opção de inserção é a inclusão, que questiona não somente as políticas e a organização da educação especial e regular, mas também o conceito de integração - mainstreaming. A inclusão se refere à vida social e educativa e todos os alunos devem ser incluídos nas escolas regulares e não somente colocados na "corrente principal". O vocábulo integração é abandonado, uma vez que o objetivo é incluir um aluno ou um grupo de alunos que já foram anteriormente excluídos; a meta primordial da inclusão é a de não deixar ninguém no exterior do ensino regular, desde o começo. As escolas inclusivas propõem um modo de se constituir o sistema educacional que considera as necessidades de todos os alunos e que é estruturado em função dessas necessidades. A inclusão causa uma mudança de perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar somente os alunos que apresentam dificuldades na escola, mas apóia a todos: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral. O impacto desta concepção é considerável, porque ela supõe a abolição completa dos serviços segregados. A metáfora da inclusão é a do caleidoscópio. Esta imagem foi muito bem descrita por dois entusiastas do movimento inclusivo do Canadá, Forest e Lusthaus, em 1987 como segue: "O caleidoscópio precisa de todos os pedaços que o compõem. Quando se retira pedaços dele, o desenho se torna menos complexo, menos rico. As crianças se desenvolvem, aprendem e evoluem melhor em um ambiente rico e variado". Existem várias modalidades de inclusão. A inclusão total se aplica a todas as crianças, sem excluir as severamente incapacitadas (Ferguson, Meyer et alii., 1992). Há, contudo, outras variantes, que optam pela inclusão apenas dos que apresentam quadros menos graves de incapacidades. A abordagem inclusiva pode ser igualmente considerada como uma "educação integrada à comunidade". Esta é uma variante em que o aluno insere- se totalmente.à comunidade; em certos momentos, ele está na escola e em outros, fora dela, mas sempre buscando aprender os mesmos conteúdos de aprendizagem que os seus colegas normais. Os que praticam a inclusão como educação integrada à comunidade sugerem que seja introduzida uma dimensão funcional nos objetivos de aprendizagem, levando em conta as características dos alunos com deficiência mental. Assim sendo, quando os objetivos educacionais definidos para os alunos regulares, têm um grau de complexidade e de abstração a que os alunos com deficiência mental não são capazes de atingir propõem-se que existam objetivos funcionais, acessíveis a estes últimos, e que poderão ser alcançados no meio não escolar (os museus, lojas, parques e outros locais), daí não localizarem a inserção apenas na classe regular. INCLUSÃO: A Educação da Pessoa com necessidades educativas especiais Velhos e Novos Paradigmas Hildemar Veríssimo RESUMO O autor procura refletir sobre o tema Inclusão na perspectiva da educação, aliando às construções teóricas, depoimentos de experiências vivenciadas por professores de diferentes regiões do Brasil. ABSTRACT The author seeks to reflect about the theme of inclusion in the perspective of education, by associating theoretical constructions and some testimonies of situations experienced by teachers from different regions in Brazil. Introdução Para essa reflexão recorri a algumas consultas (Sassaki, 1997; Glat, 1995; Carvalho, 1998; Skliar, 1997; Pereira, 1980; MEC, 1994; CORDE, 1994; Anais lII Congresso lbero-Americano de Educação Especial, 1998), para discutir um tema atualmente presente na Educação que envolve conceitos/categorias como diversidade, deficiência, integração e inclusão. Segundo Sassaki (1997), "os conceitos são fundamentais para o entendimento das práticas sociais", a inclusão, enquanto novo paradigma, alavanca a escola, que com novas implicações educativas, deverá acolher todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas e culturais. Segundo Blanco (1998), o desenvolvimento das escolas inclusivas implica modificações substanciais na prática educativa, desenvolvendo uma pedagogia centrada na criança e capaz de dar respostas às necessidades de todas as crianças, incluindo aquelas que apresentam uma incapacidade grave. Este é o princípio vetor da Declaração e Linha de Ação da Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais. (Salamanca, 1994) Deste ponto de vista, o professor, na sua prática educacional tem relevância singular, uma vez que pela sua atividade docente, busca desenvolver no aluno o espírito crítico – reflexivo, maximizar habilidades/competências (novos paradigmas) e, "dominar a pesquisa, elaborar projetos, questionar", como pontua Pedro Demo, em recente entrevista (JB, 2000). Avançando na discussão do papel da escola, da educação, e, sobretudo, da presença do professor, enquanto elo no processo ensino – aprendizagem, na direção de uma consciência de cidadania, a inclusão só terá êxito com seu total engajamento; pois "se o professor não é um incluído, como pode ajudar a promover a inclusão"? (Demo, 2000) Bases teóricas Para analisar melhor programas, propostas curriculares, serviços, políticas sociais e outros indicadores educacionais, é importante dominar conceitos da linha inclusivista, até porque tal conceito ético procura evoluir na direção de uma sociedade inclusiva. Por que são chamados inclusivistas? Por que abrangem valores que contemplam a inclusão. Em Inclusão/Construindo uma sociedade para todos, Sassaki (1997) ao trabalhar os principais conceitos pré-inclusivistas enuncia um modelo médico da deficiência, em que os diferentes são declarados doentes, são considerados dependentes do cuidado de outras pessoas, incapazes de trabalhar, isentos de deveres morais, levando vidas inúteis, como está evidenciado na palavra inválido. Segundo Westmacoft (1996), o modelo médico da deficiência "tenta melhorar as pessoas com deficiência para adequá-las aos padrões da sociedade". Integração é um processo espontâneo e subjetivo, que envolve direta e pessoalmente o relacionamento entre seres humanos (GIat, 1991). Se não levarmos em conta o aspecto psicossocial, corre-se o risco de sermos reducionistas. A Integração Social surgiu como oposição à prática da exclusão social, em seu sentido total, eram consideradas inválidas, inúteis e incapazes para trabalhar. Nas últimas décadas tem sido o tema mais discutido no Brasil. A Integração Escolar é um processo gradual e dinâmico que pode tomar distintas formas de acordo com as necessidades e habilidades dos alunos. A integração educativo-escolar refere-se ao processo de educar – ensinar, no mesmo grupo, a crianças com e sem necessidades educativas especiais, durante uma parte ou na totalidade do tempo de permanência na escola. (MEC, 1994) O próprio conceito de integração escolar já está sendo por muitos considerado ultrapassado, e, a proposta mais "moderna" nos países ditos de Primeiro Mundo é a da escola inclusiva, dentro do movimento pela inclusão total. (Inclusion International, 1996) A Normalização, segundo o MEC (1994), é um "princípio que representa a base filosófico-ideológica da integração. Não se trata de normalizar as pessoas, mas sim o contexto em que se desenvolvem, ou seja, oferecer, aos portadores de necessidades especiais, modos e condições de vida diária o mais semelhante possível às formas e condições de vida do resto da sociedade". Segundo Mantoan (1997b, p.120) "a normalização visa tornar acessíveis às pessoas socialmente desvalorizadas condições e modelos de vida análogos aos que são disponíveis de um modo geral ao conjunto de pessoas de um dado meio ou sociedade". Essa proposta de integração foi introduzida na Educação Especial por um grupo de profissionais da Escandinávia, na forma do chamado Principio da Normalização. (Wolfensberger, 1972) Mainstreaming O princípio de mainstreaming, termo que na maioria das vezes tem sido utilizado sem tradução, significa levar os alunos o mais possível para os serviços educacionais disponíveis na corrente principal da comunidade. Mainstreaming se refere à integração temporal, instrucional e social do excepcional elegível com crianças normais, de forma progressiva, baseada em estudos e avaliações individuais, requer aceitação e responsabilidade administrativa entre o sistema regular de ensino e educação especial (Pereira, 1980). Tanto o princípio da normalização como o processo de mainstreaming foram importantes elementos na aquisição de conhecimentos e experiências de integração para o surgimento do paradigma da inclusão. (Sassaki, 1997) Atualmente a prática da integração social dá-se de três formas, segundo Sassaki (1997): 1) Pela inserção das pessoas com deficiência que conseguem utilizar os espaços físicos e sociais, os programas e serviços, sem nenhuma modificação da sociedade (escola comum, empresa, clube etc.); 2) Pela inserção das pessoas portadoras de deficiência que necessitam de alguma adaptação específica no espaço físico comum, no procedimento da atividade comum, a fim de só então, estudar, trabalhar, ter lazer, conviver com pessoas não-deficientes; e, 3) Pela inserção de pessoas com deficiência em ambientes separados dentro dos sistemas gerais. Exemplo: escola especial junto à comunidade. Em suma: no modelo integrativo, a sociedade aceita receber os portadores de deficiência desde que sejam capazes de: ? Moldar-se aos requisitos dos serviços especiais separados (classe especial, escola especial). ? Acompanhar os procedimentos tradicionais (trabalho, escolarização, convivência social etc.). ? Contornar obstáculos existentes no meio físico (espaço urbano, edifício). ? Lidar com atitudes discriminatórias da sociedade resultantes de estereótipos, preconceitos e estigmas: rotulagem verbal, discriminação, incapacidade e segregação (Amiralian, 1986). ? Desempenhar papéis sociais individuais com autonomia mas não necessariamente com independência. Conceitos inclusivistas Autonomia É a condição de domínio do ambiente físico e social, preservando ao máximo a privacidade e a dignidade de quem a exerce. Daqui sai os conceitos de autonomia física e autonomia social. Exemplos: rampas nas calçadas, cadeira de rodas. O grau de autonomia resulta da relação entre o nível de prontidão físico-social do portador de deficiência e a realidade de um ambiente físico-social. (Sassaki, 1997) Independência Capacidade "de decidir sem depender de outras pessoas, tais como: membros da família ou profissionais especializados". A pessoa deficiente pode ser mais independente ou menos independente, e isso vai depender da sua auto determinação e/ou prontidão para tomar decisões numa situação. Ambas podem ser aprendidas e/ou desenvolvidas. Empowerment "Processo pelo qual uma pessoa, ou um grupo de pessoas, usa o seu poder pessoal inerente a sua condição" – por exemplo: deficiência, gênero, idade, cor – para fazer escolhas e tomar decisões. O poder pessoal está em cada ser humano. A sociedade não tem consciência de que o portador de deficiência também possui esse poder pessoal, e aí a sociedade faz escolhas e toma as decisões por ele. Equiparação de oportunidades A Disabled Peoples lnternational, uma organização criada por pessoas portadoras de deficiência, não-governamental e sem fins lucrativos aprovou a sua Declaração de Princípios, em 1951. "Processo através do qual os sistemas gerais da sociedade – tais como o ambiente físico e cultural, a habitação e os transportes, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades educacionais e de trabalho, a vida cultural e social, incluindo as instalações esportivas e recreativas – são feitos acessíveis para todos." (United Nations, 1983, 12) Inclusão Social Processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. Trata-se de um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos. Para incluir todas as pessoas, a sociedade deve ser modificada a partir da compreensão de que é ela que precisa ser capaz de atender às necessidades de seus membros. A prática da inclusão social repousa nos seguintes princípios: ? aceitação das diferenças individuais; ? valorização de cada pessoa; ? a convivência dentro da diversidade humana; ? a aprendizagem através da cooperação. Da integração à inclusão Neste final de século, estamos vivendo um estágio de transição entre a integração e a inclusão. Os dois termos são falados e escritos com diversos sentidos. Os conceitos de integração e inclusão na moderna terminologia de inclusão social. Integração – inserção da pessoa deficiente preparada para conviver na sociedade. Inclusão – modificação da sociedade como pré-requisito para a pessoa com necessidades especiais desenvolver-se e exercer a cidadania. Modelo social da deficiência Aqui a sociedade é que cria os problemas para as pessoas portadoras de necessidades especiais. Desse modo, à sociedade cabe eliminar todas as barreiras físicas, programáticas e de atitudes para que as pessoas deficientes possam ter acesso aos lugares, serviços e a bens necessários ao seu desenvolvimento pessoal, social, educacional e profissional. Este modelo social da deficiência focaliza os ambientes e barreiras incapacitantes da sociedade e não as pessoas deficientes. Uma comunicação de uma experiência internacional – Rosa Blanco – UNESCO/Santiago (1998) Condições que facilitam a prática educativa em escolas inclusivas: ? Atitudes positivas e favoráveis e acordo consensuado de toda a comunidade educativa. A condição mais importante para que a inclusão educativa e social seja possível é que a sociedade em geral e a comunidade educativa aceite a diversidade como um elemento enriquecedor do desenvolvimento pessoal e da prática educativa. ? Legislação clara e precisa e planos de ação de educação para que todos promovam o desenvolvimento de escolas inclusivas. ? Projetos educativos institucionais que contemplam a diversidade como um eixo central em torno das decisões. A resposta à diversidade, como todo processo de inovação, afeta a globalidade do centro e implica questionar a prática educativa tradicional e introduzir mudanças substanciais na mesma. Trata-se de um projeto da escola e não de professores isolados. ? Trabalho de colaboração entre todos os envolvidos no processo educativo. As escolas em que existe um bom nível de colaboração e de ajuda mútua, contribuem de maneira mais eficaz para o desenvolvimento dos alunos e são as que mais crescem como instituição. ? Currículo flexível, amplo e equilibrado e meios de acesso ao mesmo. O currículo comum com as adaptações necessárias há de ser a referência para a educação de todos os alunos. ? Estilo de ensino flexível. Os estilos de ensino que partem das necessidades, conhecimentos e interesses dos alunos, que utiliza a diversidade de estratégias metodológicas e procedimentos de avaliação facilitam a resposta à diversidade. Os professores têm que conhecer bem a todos os seus alunos e organizar experiências de aprendizagem nas quais todos possam participar e progredir na medida de suas possibilidades. ? Recursos de apoio humano e materiais. É indispensável contar com uma série de apoios e reforços de caráter especializado que possam conjuntamente com o professor de educação regular atender às necessidades das escolas. ? Formação adequada de todos os envolvidos no processo educativo. Todos os professores deveriam ter conhecimentos básicos sobre a forma de organizar o currículo e o ensino para responder às necessidades de todos os alunos. Uma estratégia que se tem mostrado eficaz é a formação centrada na escola como globalidade em função do seu projeto, problemática e necessidades concretas. ? Para fins de reflexão a respeito do tema inclusão, que envolve a sociedade e as pessoas com necessidades especiais, que inclui, os deficientes visuais, e as necessárias mudanças na formulação de projetos pedagógicos, convém considerar: ? Uma modificação estrutural do sistema educacional brasileiro (Glat, 1998), que envolve uma análise séria e profunda do caráter político-ideológico deste sistema e sua influência na formulação dos quadros dos profissionais da educação e da saúde (grifo do autor). ? Desenvolver estudos e pesquisa, comunicar experiências sobre "inclusão" para se ter clareza de sua implementação no diversificado contexto da realidade sócio-histórica-cultural brasileira. Comunicações nacionais A seguir, depoimentos de professores e profissionais de educação que realizaram curso de especialização para professores na área da deficiência da visão (1999) no Instituto Benjamin Constant com respeito às suas experiências e vivências com a Inclusão em suas respectivas comunidades. ... "Em Porto Alegre, a cidade em que mora existe o Instituto Santa Luzia que recebe alunos não deficientes em seu ensino regular. A experiência está sendo muito bem sucedida com integração dois alunos e da comunidade. Com relação às escolas e professores creio ser possível a inclusão, desde que haja nas escolas um plano político-pedagógico de inclusão, oferecendo os recursos necessários – materiais e humanos – para que a inclusão seja de forma efetiva e integral". (Rosalina dos Passos, Porto Alegre) ..."Conforme determina a Lei no. 9394/96, a educação do indígena já é uma realidade na 39ª DE de Carazinho (como também em outras Delegacias de Educação) que abrange dezenove municípios, com habilitação de professores e criação de escolas de língua caigangue. Qualificação profissional – são realizados cursos profissionalizantes em parceria com Universidades tendo como prioridade nos critérios de seleção ser deficiente, desempregado, negro, indígena, mulher, objetivando habilitar justamente os excluídos. Vejo a inclusão como uma conquista das sociedades, quando estas buscam o crescimento humano. (Marina Subtil, Carazinho/RS) BIBLIOGRAFIA 1.AMARILIAN, Maria L. Toledo Morais. Psicologia do excepcional. São Paulo: EPU, 1986. 2.BLANCO, R. Aprendiendo en la Diversidad: implicaciones educativas, In: Anais do III Congresso Ibero-Americano de Educação Especial. Vol.1 Foz do Iguaçu: Paraná, 1998. 3.CARVALHO, R. E. A nova LDB e a educação Especial, Rio de Janeiro: WVA, 1997. 4.Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE, 1994. 5.DEMO, P. Ironias da educação: mudança e contos sobre mudança. DP & Editora, 2000. 6.GLAT, R. A lnteqração social dos portadores de deficiências: uma reflexão. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995. 7.MONTOAN, Maria Teresa Eglér. A Inclusão escolar de deficientes mentais: contribuições para o debate. In: Montoan, Maria Teresa Eglér. Ser ou estar, eis a questão: Explicando o déficit intelectual. Rio de janeiro: WVA, 1997. p.137-15A. 8.MEC. Encaminhamento de alunos do ensino regular para atendimento especializado. Brasília: MEC/SEESP, 1994. 9.MEC. Política Nacional de Educação Especial, Brasília: SEESP, 1994. 10.PEREIRA, O. et al. Educação especial: atuais desafios, Rio de Janeiro: Interamericana, 1980. 11.SASSAKI, K. R. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997. 12.SKLIAR, C. (org.) Educação exclusão. Abordagens sócio- antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997. 13.UNITED NATIONS. Disabled Persons Bulletin. Nova lorque, vi, p.2, 1995. 14.WESTMACOTT, K. Trabalhando por mudanças. Tradução por: Maria Amélia Vampré Xavier. CBR News, Londres, n.22, p.4, abril/1996. Tradução de: Working for change. Hildemar Veríssimo é psicólogo voluntário do Instituto Benjamin Constant, professor titular de Psicologia do Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação e Mestre em Educação pela UERJ. O QUE É EDUCAÇÃO INCLUSIVA ? Profª. Dra. Leny Magalhães Mrech Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo 1. Introdução A chamada Educação Inclusiva teve início nos Estados Unidos através da Lei Pública 94.142, de 1975 e, atualmente, já se encontra na sua segunda década de implementação. Há em todo Estados Unidos o estabelecimento de programas e projetos dedicados à Educação Inclusiva: 1) O departamento de Educação do Estado da Califórnia iniciou uma política de suporte às escolas inclusivas já implantadas; 2) O Vice- Presidente Al Gore criou uma Supervia de Informática direcionada à uma política de telecomunicações baseada na ampliação da rede de informações para todas as escolas, bibliotecas, hospitais e clínicas. 3) Há um cruzamento entre o movimento da Educação Inclusiva e a busca de uma escola de qualidade para todos; 4) Há propostas de modificações curriculares visando a implantação de programas mais adaptados às necessidades específicas das crianças portadoras de deficiência. Tendo sido dada uma ênfase especial no estabelecimento dos componentes de auto-determinação da criança portadora de deficiência. As equipes técnicas das escolas também sido trabalhadas para fornecer um atendimento mais adequado ao professor de classe comum. 5) Há o acompanhamento, através de estudos e pesquisas, a respeito dos sujeitos que passaram por um processo de educação inclusiva. Eles tem sido observados através da análise de sua rede de relações sociais, atividades de laser, formas de participação na comunidade, satisfação pessoal,etc. Um dos maiores estudos de follow-up é o da Universidade de Minnesota que apresenta um Estudo Nacional de Transição Longitudinal. 6) Também tem sido acompanhados os Serviços dos Programas de Educação que trabalham com a Educação Inclusiva. 7) Boa parte dos estados norteamericanos estão aplicando a Educação InclusivaI : Estado de New York, Estado de Massachussets, Estado de Minnesota, Estado de Daytona, Estado de Siracusa, Estado de West Virgínia, etc. Fora dos Estados Unidos a situação também não é diferente. O mais conhecido centro de estudos a respeito de Educação Inclusiva é o CSIE( Centre for Studies on Inclusive Education ) da Comunidade Britânica, sediado em Bristol. É dele que tem partido os principais documentos a respeito da área da Educação Especial: 1. O CSIE - International Perspectives on Inclusion; 2. O Unesco Salamanca Statement(1994); o UN Convention on the Rights of the Child(1989); o UN Standard Rules on the Equalisation of Opportunities for Persons with Disabilities(1993). Um dos documentos mais importantes atualmente é o Provision for Children with Special Educational Needs in the Asia Region que inclui os seguintes países: Bangladesh, Brunei, China, Hong Kong, India, Indonesia, Japão, Corea, Malaysia, Nepal, Paquistão, Filipinas, Singapura, Sri Lanka e Tailandia. Mas, há programas em todos os principais países do mundo: França, Inglaterra, Alemanha, México, Canadá, Itália, etc. 2. A Escola Inclusiva Por educação inclusiva se entende o processo de inclusão dos portadores de necessidades especiais ou de distúrbios de aprendizagem na rede comum de ensino em todos os seus graus. Da pé-escola ao quarto grau. Através dela se privilegiam os projetos de escola, que apresenta as seguintes características: 1. Um direcionamento para a Comunidade - Na escola inclusiva o processo educativo é entendido como um processo social, onde todas as crianças portadoras de necessidades especiais e de distúrbios de aprendizagerm têm o direito à escolarização o mais próximo possível do normal. O alvo a ser alcançado é a integração da criança portadora de deficiência na comunidade. 2. Vanguarda - Uma escola inclusiva é uma escola líder em relação às demais. Ela se apresenta como a vanguarda do processo educacional. O seu objetivo maior é fazer com que a escola atue através de todos os seus escalões para possibilitar a integração das crianças que dela fazem parte. 3. Altos Padrões - há em relação às escolas inclusivas altas expectativas de desempenho por parte de todas as crianças envolvidas. O objetivo é fazer com que as crianças atinjam o seu potencial máximo. O processo deverá ser dosado às necessidades de cada criança. 4. Colaboração e cooperação - há um privilegiamento das relações sociais entre todos os participantes da escola, tendo em vista a criação de uma rede de auto-ajuda. 5. Mudando papéis e responsabilidades - A escola inclusiva muda os papéis tradicionais dos professores e da equipe técnica da escola. Os professores tornam-se mais próximos dos alunos, na captação das suas maiores dificuldades. O suporte aos professores da classe comum é essencial, para o bom andamento do processo de ensino-aprendizagem. 6. Estabelecimento de uma infraestrutura de serviços - gradativamente a escola inclusiva irá criando uma rede de suporte para superação das suas maiores dificuldades. A escola inclusiva é uma escola integrada à sua comunidade. 7. Parceria com os pais - os pais são os parceiros essenciais no processo de inclusão da criança na escola. 8. Ambientes educacionais flexíveis - os ambientes educacionais tem que visar o processo de ensino-aprendizagem do aluno. 9. Estratégias baseadas em pesquisas - as modificações na escola deverão ser introduzidas a partir das discussões com a equipe técnica, os alunos , pais e professores. 10. Estabelecimento de novas formas de avaliação - os critérios de avaliação antigos deverão ser mudados para atender às necessidades dos alunos portadores de deficiência. 11. Acesso - o acesso físico à escola deverá ser facilitado aos indivíduos portadores de deficiência. 12. Continuidade no desenvolvimento profissional da equipe técnica - os participantes da escola inclusiva deverão procurar dar continuidade aos seus estudos, aprofundando-os. 3. O estabelecimento dos suportes técnicos Deverão ser privilegiados os seguintes aspectos na montagem de uma política educacional de implantação da chamada escola inclusiva: 1. Desenvolvimento de políticas distritais de suporte às escolas inclusivas; 2. Assegurar que a equipe técnica que se dedica ao projeto tenha condições adequadas de trabalho. 3. Monitorar constantemente o projeto dando suporte técnico aos participantes, pessoal da escola e público em geral. 4. Assistir as escolas para a obtenção dos recursos necessários à implementação do projeto. 5. Aconselhar aos membros da equipe a desenvolver novos papéis para si mesmos e os demais profissionais no sentido de ampliar o escopo da educação inclusiva. 6. Auxiliar a criar novas formas de estruturar o processo de ensino-aprendizagem mais direcionado às necessidades dos alunos 7. Oferecer oportunidades de desenvolvimento aos membros participantes do projeto através de grupos de estudos, cursos, etc. 8. Fornecer aos professores de classe comum informações apropriadas a respeito das dificuldades da criança, dos seus processos de aprendizagem, do seu desenvolvimento social e individual. 9. Fazer com que os professores entendam a necessidade de ir além dos limites que as crianças se colocam, no sentido de levá-las a alcançar o máximo da sua potencialidade. 10. Em escolas onde os profissionais tem atuado de forma irresponsável, propiciar formas mais adequadas de trabalho. Algumas delas podem levar à punição dos procedimentos injustos. 11. Propiciar aos professores novas alternativas no sentido de implementar formas mais adequadas de trabalho. 4. O conceito de Inclusão A inclusão é : - atender aos estudantes portadores de necessidades especiais na vizinhanças da sua residência. - propiciar a ampliação do acesso destes alunos às classes comuns. - propiciar aos professores da classe comum um suporte técnico. - perceber que as crianças podem aprender juntas, embora tendo objetivos e processos diferentes - levar os professores a estabelecer formas criativas de atuação com as crianças portadoras de deficiência - propiciar um atendimento integrado ao professor de classe comum 5. O conceito de inclusão não é - levar crianças às classes comuns sem o acompanhamento do professor especializado - ignorar as necessidades específicas da criança - fazer as crianças seguirem um processo único de desenvolvimento, ao mesmo tempo e para todas as idades - extinguir o atendimento de educação especial antes do tempo - esperar que os professores de classe regular ensinem as crianças portadoras de necessidades especiais sem um suporte técnico. 6. Diferenças entre o princípio da normalização e da inclusão O princípio da normalização diz respeito a uma colocação seletiva do indivíduo portador de necessidade especial na classe comum. Neste caso, o professor de classe comum não recebe um suporte do professor da área de educação especial. Os estudantes do processo de normalização precisam demonstrar que são capazes de permanecer na classe comum. O processo de inclusão se refere a um processo educacional que visa estender ao máximo a capacidade da criança portadora de deficiência na escola e na classe regular. Envolve fornecer o suporte de serviços da área de Educação Especial através dos seus profissionais. A inclusão é um processo constante que precisa ser continuamente revisto. ENTREVISTA COM ROMEU KAZUMI SASSAKI Entrevista realizada pela Secretaria de Educação Especial, do Ministério da Educação e do Desporto, e Publicada na Revista Integração (nº 20, ano 8, pp. 8-10, 1998) P: O Senhor expõe, em Inclusão, construindo uma sociedade para todos (Rio de Janeiro: WVA, 1997, 174 pp.), de sua autoria, que está surgindo uma sociedade inclusiva. Como se constrói uma sociedade inclusiva? O que muda na vida educacional daqui para a frente? R: A sociedade inclusiva já começou a ser construída a partir de algumas experiências de inserção social de pessoas com deficiência, ainda na década de oitenta. Em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, modificações pequenas e grandes vêm sendo feitas em setores como escolas, empresas, áreas de fazer, edifícios e espaços urbanos, para possibilitar a participação plena de pessoas deficientes, com igualdade de oportunidades junto à população geral. Em termos formais, coube à ONU - Organização das Nações Unidas estabelecer, por meio da Resolução 45191 da Assembléia Geral de 1990, a meta de concluir até o ano 2010 o processo de construção de 'uma sociedade para todos". E, para apoiar ações de implementação dessa meta, existe o Fundo Voluntário das Nações Unidas sobre Deficiência, aprovado pela Assembléia Geral por meio da Resolução 40131. Na vida educacional, o que vai mudar daqui para a frente é o paradigma pelo qual deverá ser vista a inserção escolar de pessoas com deficiência nos níveis pré-escolar, infantil, fundamental, médio e superior. Esse paradigma é o da inclusão social - as escolas (tanto as comuns como as especiais) precisam ser reestruturadas para acolherem todo o espectro da diversidade humana representada pelo alunado em potencial, ou seja, pessoas com deficiências físicas, mentais, sensoriais ou múltiplas e com qualquer grau de severidade dessas deficiências, pessoas sem deficiência e pessoas com outras características atípicas etc. É o sistema educacional adaptando-se às necessidades de seus alunos (escolas inclusivas), mais do que os alunos adaptando-se ao sistema educacional (escolas integradas). P: Fala-se multo também na integração do portador de deficiência. Existe diferença ente inclusão e integração? R: Sim, existe, embora ambas constituam formas de inserção. A prática da integração, principalmente nos anos sessenta e- setenta, baseou-se no modelo médico da deficiência, segundo o qual tínhamos que modificar (habilitar, reabilitar, educar) a pessoa com deficiência para torná-la apta a satisfazer os padrões aceitos no meio social (familiar, escolar, profissional, recreativo, ambienta). Já a prática da inclusão, incipiente na década de oitenta porém consolidada nos anos noventa, vem seguindo o modelo social da deficiência, segundo o qual a nossa tarefa é a de modificar a sociedade (escolas, empresas, programas, serviços, ambientes físicos etc.) para torná-la capaz de acolher todas as pessoas que, uma vez incluídas nessa sociedade em modificação, poderão ter atendidas as suas necessidades, comuns e especiais. A propósito, é incorreto o termo "necessidades educativas especiais". As necessidades especiais podem ser educacionais, ou seja, concernentes à educação, pertinentes ao campo da educação. O adjetivo "educativo" (e suas flexões) significa: "que educa; instrutivo; que serve para educar, como em 'métodos educativos", "campanha educativa', 'filme educativo'. Portanto, 'necessidades educativas especiais' é um termo que não traduz o que os educadores realmente querem dizer necessidades educacionais especiais. P: Que tipo de ação o Senhor sugere no sentido de tomar eficaz a inclusão do aluno com deficiência na escola regular R: As ações são de vários tipos e devem ser, em sua maioria, implementadas simultaneamente. Será necessária uma ampla e contínua campanha de esclarecimento do público em geral, das autoridades educacionais e dos alunos das escolas comuns e especiais e de seus familiares. Serão imprescindíveis os treinamentos dos atuais e futuros professores comuns e especiais. Esses treinamentos deverão enfocar os conceitos inclusivistas (autonomia, independência, empowerment, equiparação de oportunidades, inclusão social, modelo social da deficiência, rejeição zero e vida independente), a Declaração de Salamanca, os preceitos constitucionais brasileiros pertinentes ao direito à educação no ensino regular, os princípios da inclusão escolar, os procedimentos em sala de aula e as atividades extracurriculares que constituem as melhores práticas de ensino-aprendizagem já comprovadas por escolas inclusivas bem sucedidas. Durante e após os treinamentos, deverá ser garantido aos professores o seu acesso à literatura (livros, manuais, apostilas, relatórios e outros materiais impressos e ou audiovisuais) sobre educação inclusiva. Deverá também ocorrer uma série de modificações nos ambientes escolares e nos materiais de ensino-aprendizagem, além de mudanças nos critérios de avaliação do rendimento escolar e de promoção nas séries. P: Onde se encontram as principais resistências no sentido de se conseguir uma efetiva inclusão? R: Tanto no âmbito escolar como em outros setores, as principais resistências têm como origem o desconhecimento e ou as informações equivocadas a respeito do paradigma da inclusão. Quanto à inclusão escolar, as resistências estão presentes entre as autoridades educacionais de todos os níveis, entre os professores comuns e especiais e entre famílias e alunos com e sem deficiências. No que se refere à inclusão profissional, as resistências existem dos dois lados das relações de trabalho, as agências de educação profissional, os empregadores em geral, as pessoas deficientes e suas famílias e entre os dirigentes e profissionais especializados na área da deficiência. P: Uma das grandes barreiras a serem derrubadas está nos preconceitos em relação ao tema. Como o Senhor vê o problema? R: Os preconceitos em relação à inclusão poderão ser eliminados ou, pelo menos, reduzidos por meio das ações de sensibilização da sociedade e, em seguida, mediante a convivência na diversidade humana dentro das escolas inclusivas, das empresas inclusivas, dos programas de lazer inclusivo. Resultados já existem que comprovam a eficácia da educação inclusiva em melhorar os seguintes aspectos: comportamentos na escola, no lar e na comunidade; resultados educacionais; senso de cidadania; respeito mútuo; valorização das diferenças individuais e aceitação das contribuições pequenas e grandes de todas as pessoas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem, dentro e fora das escolas inclusivas. P: Como os países desenvolvidos atuam na área? R: Tenho conhecimento direto de como está a construção de uma sociedade inclusiva nos Estados Unidos onde estudei e trabalhei com essa questão e conhecimento indireto sobre as práticas inclusivistas no Canadá, Reino Unido, Espanha, Portugal e Itália. Se não em todas as escolas, pelo menos na maioria delas, a educação inclusiva já é realidade há dez anos naqueles países. Nessa década de experiências, o que eles obtiveram não foi um modelo único, pronto para ser implantado, e sim um imenso e variado repertório de materiais de todos os formatos (impressos, vídeos, áudios) relatando problemas confrontados e soluções encontradas, treinamentos de professores, diretores e pais, depoimentos convincentes, aumento progressivo da prática da inclusão em mais e mais escolas tudo apontando a inclusão como uma tendência irreversível em todo o mundo no campo educacional. P: Como está ocorrendo hoje, no Brasil, a inclusão do portador de deficiência no mercado de trabalho? R: No Brasil, a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho ainda se dá, na maioria das vezes, por meio da integração. Fruto do modelo médico da deficiência, a integração profissional está ocorrendo sob três formas: (l) Pessoas deficientes são admitidas e contratadas em órgãos públicos e empresas particulares, desde que tenham qualificação profissional e consigam utilizar os espaços físicos e os equipamentos de trabalho sem nenhuma modificação. (2) Pessoas deficientes são admitidas por empregadores que concordam em fazer pequenas adaptações específicas para elas e por motivos práticos e não pela causa da igualdade de oportunidades. (3) Pessoas deficientes são aceitas para trabalhar em empresas que as deixam trabalhando em grupo longe dos demais funcionários e do público, geralmente sem carteira assinada e ou, se contratadas, sem promoções ao longo dos anos. Entre nós, a inclusão profissional está apenas começando, por iniciativa de algumas poucas empresas, geralmente multinacionais, ou seja, influenciadas pela prática inclusivista já adotada por essas mesmas empresas em seus países de origem - os Estados Unidos, por exemplo. ENTREVISTA COM ROMEU KAZUMI SASSAKI EDUCAÇÃO INCLUSIVA Perguntas formuladas por pais residentes em Barra Bonita - SP Romeu Kazumi Sassaki, 1999. 1. Qual a vantagem para um aluno sem deficiência estudar ao lado de uma criança com deficiência? R: O desenvolvimento da consciência de cidadania não pode restringir-se à questão de direitos e deveres das pessoas em gera), devendo abranger também as questões referentes aos grupos excluídos ou rejeitados pela sociedade. A escola, enquanto agente que educa crianças, jovens, adultos e idosos, precisa oferecer oportunidades para este tipo mais abrangente de formação de cidadãos. Mais do que isso, a escola precisa oferecer oportunidades de desenvolvimento de comportamentos e atitudes baseados na diversidade humana e nas diferenças individuais dos seus alunos. Quando alunos com os mais diferentes estilos de aprendizagem e tipos de inteligência estudam juntos na mesma classe, todos eles se beneficiam com os estímulos atitudinais e modelos comportamentais uns dos outros. O ser humano necessita passar por este tipo de experiência para se desenvolver integralmente. 2. Por que a ONU estimula isso? R: Por várias razões, a ONU - Organização das Nações Unidas vem incentivando em todo o mundo a implantação de programas e serviços que enriqueçam a vida humana. A abordagem inclusiva, que exige a não-exclusão de ninguém sob nenhum pretexto. é a base para muitos programas e serviços capazes de oferecer experiências positivas para o desenvolvimento da cidadania. 3. O conhecido "quociente intelectual" não é mais suficiente? Por que hoje se fala tanto na "inteligência emocional'? Qual a importância disto para nossa vida? R: O conceito de "QI - quociente de inteligência" partia do pressuposto de que o ser humano teria apenas um único tipo de inteligência. a inteligência lógica. Mas ele começou a ser questionado duramente à medida que foram descobertos outros tipos de inteligência. A inteligência emocional é um deles. O psicólogo Howard Gardner desdobrou a inteligência emocional em duas: a inteligência interpessoal e a inteligência intrapessoal. E acrescentou cinco outros tipos: inteligência lógico-matemática inteligência espacial, inteligência corporal-cinestésica, inteligência verbal-lingüística e inteligência musical. A inteligência emocional refere-se a habilidades humanas essenciais como o autocontrole, a empane. a sociabilidade e a cooperação. A importância da inteligência emocional para a nossa vida está no fato de que as emoções, se negativas. podem interferir em nossas ações e, se positivas. podem estimular os outros tipos de inteligência. 4. Como a convivência entre pessoas diferentes pode contribuir para as inteligências que cada um nós possui? R: A convivência na diversidade humana pode enriquecer nossa existência desenvolvendo, em variados graus, os diversos tipos de inteligência que cada um de nós possui. O fato de cada pessoa interagir com tantas outras pessoas, todas diferentes entre si em termos de atributos pessoais, necessidades, potencialidades, habilidades etc. é a base do desenvolvimento de todos para uma vida mais saudável, rica e feliz. 5. As pessoas com deficiência têm alguma capacidade? O preconceito lhes traz algum prejuízo? R: Que as pessoas com deficiência têm capacidade profissional, social etc. não há mais dúvida nenhuma. O preconceito, porém, lhes prejudica quando elas são avaliadas para alguma tarefa considerada normal. O preconceito a respeito de pessoas com deficiência, abrangendo aspectos da vida, tais como a educação, o trabalho, a sexualidade, o casamento, o lazer e os esportes, está sempre ligado à idéia de incapacidade, infelicidade, tristeza etc. 6. O que é educação inclusiva? Sabe a diferença entre inclusão e integração? R: Educação inclusiva é o processo que ocorre em escolas de qualquer nível preparadas para propiciar um ensino de qualidade a todos os alunos independentemente de seus atributos pessoais, inteligências, estilos de aprendizagem e necessidades comuns ou especiais. A integração escolar é uma forma de inserção que recebe alunos com deficiência desde que sejam capazes de acompanhar a escola comum existente nos moldes tradicionais. A inclusão escolar é uma forma de inserção em que a escola comum tradicional é modificada para ser capaz de acolher qualquer aluno incondicionalmente e de propiciar-lhe uma educação de qualidade. Na inclusão, as pessoas com deficiência estudam na escola que freqüentariam se não fossem deficientes. 7. Por que as escolas do Estado, a partir deste ano, estão acabando com as salas especiais e colocando as crianças com deficiência nas salas comuns? R: Não somente as escolas do Estado como outras escolas estão, neste momento de transição da educação no mundo inteiro, procurando implementar o paradigrna da inclusão, segundo o qual as escolas devem tomar-se capazes de atender às necessidades comuns e especiais de todos os seus alunos. Pois ao longo das últimas décadas, ficou demonstrado que as escolas especiais, as salas especiais e outras formas segregadas de educação não ajudam seus alunos a tomarem-se membros plenos da comunidade. 8. Quem deve se preocupar com a questão de estarem nossos filhos sendo devidamente preparados para estes novos tempos? O Papa? R: Muitas pessoas devem se preocupar com esta questão. O Papa também. mas certamente os principais responsáveis são os pais, os próprios alunos, todo o pessoal docente e administrativo da escola, as autoridades educacionais e a comunidade em geral. A questão da educação inclusiva é da responsabilidade de toda a sociedade e não apenas do campo educacional. 9. Como é feita a educação nos países mais adiantados do mundo? E no Brasil, como estamos? R: Tenho conhecimento direto de como está a educação inclusiva no, Estados Unidos onde estudei esta questão e conhecimento indireto sobre as práticas inclusivistas no Canadá, Reino Unido, Espanha, Portugal e Itália. Se não em todas as escolas, pelo menos na maioria delas, a educação inclusiva já é uma realidade há dez anos naqueles países. No Brasil, estamos caminhando muito bem. Em várias partes deste imenso país, sei que estão sendo implantadas as práticas inclusivistas em escolas tanto públicas como privadas, com muitas dificuldades decorrentes da resistência de pessoas que não apoiam a inclusão e da falta de recursos técnicos e materiais. Mas com resultados positivos surpreendentes. 10. O que a lei brasileira determina em relação à inclusão? R: A legislação brasileira ainda não incorporou a terminologia da inclusão. Nem mesmo a palavra "inclusão" é utilizada. Por enquanto, não há leis que defendam o conceito de educação inclusiva. O avanço máximo a que chegamos ainda contempla a velha idéia da "integração" e está registrado na Lei 9.394 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), de 20-1-96. A LDB defende o "atendimento educacional gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino" (art. 4', inciso III). Diz mais: "Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais" (art. 58). E acrescenta: "O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular" (art. 58, § 2'). 11. Como é este negócio de avaliar o aluno apenas no final do ciclo? Não vai mais haver provas? R: A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional diz que "É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em cicios" (art. 32, § I'), e acrescenta que "Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistenla de ensino" (art. 32. § 20). 12. Qual a razão do dilema entre promover um aluno que não conseguiu assimilar todos os conceitos ou simplesmente reprová-lo? R: Dito de outra maneira, o dilema seria: "ser aprovado mesmo sem 'condições' de acompanhar a classe subseqüente ou repetir o ano para assimilar melhor o conteúdo do curso". De qualquer forma. este dilema reflete a situação educacional vigente eni nosso país. Mantidas as condições tradicionalmente existentes nas escolas comuns no que se refere à idéia de só aceitarem alunos com deficiência que sejam capazes de acompanhar as aulas como estas tem sido dadas, o dilema acima referido faz sentido. De fato, o problema poderia resumir-se simplesmente nas seguintes perguntas: "aprovamos ou reprovamos uma criança deficiente que não correspondeu às expectativas da escola?", "Por questões sentimentais e porque ela se esforçou, vamos aprová-la mesmo que ela não tenha assimilado satisfatoriamente os conteúdos cognitivos?". "Até quando faremos isso. em todas as séries futuras". "Ou então. vamos reprová-la e mantê-la na mesma série até quando?". "E por que razão?'. A proposta do paradigma da inclusão escolar sai desse falso problema e apresenta o verdadeiro problema a ser enfrentado e resolvido: "Como e em que aspectos mudar a escola para que todas as crianças (e não apenas aquelas que têm deficiência) possam receber juntos uma educação de qualidade, resultante de novas abordagens e atitudes docentes que ao mesmo tempo atendam às necessidades comuns e especiais de todos os alunos e estimulem o uso dos seus estilos individuais de aprendizagem?" Romeu Kazumi Sassaki Av. Valdemar Ferreira 168 ap. 52 05501-000 São Paulo SP Telefax:(011) 867-0471 E-mail: romeukf@uol.com.br DEIXAR ÀS ESCOLAS A TAREFA DE ENSINAR Doutora em Psicologia Educacional e professora do Departamento de Metodologia de Ensino da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp), Maria Teresa Eglér Mantoan, é referência nacional no que se refere à Educação Inclusiva. Confira essa entrevista exclusiva ao Jornal da AME P: Comentando uma matéria publicada no Jornal da AME, a senhora afirmou que não concorda que a inclusão seja um processo, por que? R: Não concordo que a inclusão seja um processo porque não é a inclusão que tem que ser gradativa, lenta, mas, pelo contrário, rápida e radical para que detone o processo de transformação da escola. E quanto mais rápido esse processo de transformação da escola para uma escola de melhor qualidade ocorrer, mais a inclusão será realidade. Então a inclusão não é processual. Seria processual se você entender da seguinte forma: "hoje as escolas regulares podem atender tais e quais crianças e os casos mais graves ficam nas instituições". Atendimentos clínicos, especializados, podem e devem ser realizados nas instituições, mas escola é um outro assunto. As instituições em geral reagem defendendo que a inclusão é um processo, que as escolas regulares não estão preparadas, que elas não atendem bem, mas para elas melhorarem, elas precisam de um desafio, precisam assumir a responsabilidade de trabalhar com todas as crianças, indistintamente, têm que se reconhecerem competentes e buscarem a competência para que a inclusão ocorra. P: Os professores estariam, hoje, preparados para atender as crianças especiais? R: Ninguém está preparado para qualquer função, muito menos a educacional, sem a experiência prática. Vai-se adquirindo a competência quando trabalha-se com o aluno e vai buscando-se atender a necessidade dele. É preciso que o aluno esteja lá para que se prepare. Uma mulher não está preparada para o casamento se não viver o casamento, com todo o empenho de acertar. E cada dia há uma novidade, um desafio, uma situação nova que vai testar sua competência e vai dar oportunidade de ultrapassar suas limitações, se quiser continuar com essa opção de vida. Da mesma forma, os profissionais devem ir à luta. O ensino só vai mudar se houver uma prática consciente. P: Qual a preocupação hoje da Unicamp no que se refere a formação de professores em relação a educação inclusiva? R: A preocupação da Unicamp com a formação dos professores sempre existiu dentro desta visão de que todos os professores devem estar preparados para atender a todas as crianças. Mais precisamente nestes últimos anos quando o currículo da Faculdade de Educação da Unicamp foi modificado, foram excluídas as habilitações e especializações para educação de pessoas com deficiência e também educação infantil, supervisão e administração escolar, porque a idéia é a formação do educador no sentido amplo, formação de uma pessoa que tem que dar conta de todas as crianças e não especializar alguém em uma ou outra deficiência, ou um ou outro trabalho específico da escola. A Unicamp não está preocupada com a preparação para a inclusão, mas em formar professores para escolas abertas às diferenças e não com a inclusão em si. Quer preparar o profissional da educação que tenha consciência que a escola é para todos e deve buscar a competência pelo desafio que seus alunos representam a cada ano e a cada momento na sala de aula. A profissão de educar não é uma profissão que implica num conhecimento fechado adquirido a partir de cursos universitários ou alternativos, mas implica em consciência moral, social, do nosso papel como educadores na construção de uma sociedade cada vez melhor, cada vez mais preocupada com o desenvolvimento do ser humano. Não temos especialização em nenhuma habilitação. Não consideramos que a habilitação específica seja um avanço, mas um grande retrocesso da educação hoje, porque precisamos de professores que entendam de educação e não de deficiência. Educação para todos. P: Com essa formação mais generalista, o profissional sai da universidade preparado para também atender a pessoa portadora de deficiência? R: Mas claro, porque todas as crianças são crianças. Não consideramos que entender de Braille, por exemplo, é uma especialização, ou conhecer a língua de sinais forma um especialista em educação, ou qualquer outro processo que facilite a comunicação das crianças deficientes nas escolas. Esses são recursos, são linguagens que o professor deve aprender para no caso de se ter na escola uma criança surda possa se trabalhar numa visão bilingüística, mas isso não significa uma formação de especialista. As habilitações e todas as formas de capacitar o professor para educação de deficientes, na verdade não tem nada de especial, são apenas recursos adicionais, mas não formação educacional especificamente. Estamos formando pessoas numa visão ampla, numa visão de segurança, de competência. P: Na Unicamp, há o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade (Leped). Desde quando ele existe e qual sua função? R: Eu sou a coordenadora do Leped desde 96 quando o fundamos junto com um grupo de alunos. Sua finalidade é reunir pessoas, implementar estudos e pesquisas que visam justamente a entender as diferenças nas escolas e promover o ensino aberto a essas diferenças sem discriminar ninguém, sem preconceitos, numa educação que é justa e solidária. As pesquisas são feitas em escolas da rede pública de ensino e visam conhecer como as escolas no momento atuam e em que sentido têm que aprimorar a qualidade de seu ensino, para atender a todas as crianças e tornarem-se inclusivas. P: Quando se fala em transformação da escola, do ensino, isso não implicaria em mudanças na política educacional? R: Claro. Infelizmente as políticas educacionais e mesmo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) deixam lacunas muito grandes que servem para manter o ensino tal qual ele é, principalmente o ensino especial, que é o grande problema que nós temos para se alcançar uma educação verdadeiramente inclusiva. Porque existindo essa modalidade educacional - a educação especial - sempre há uma possibilidade de alguns não freqüentarem o ensino regular e havendo essa possibilidade a inclusão não se efetiva. É muito difícil se falar em ensino inclusivo no Brasil. O que nós temos realmente são sistemas de ensino que, por terem autonomia, excluíram o ensino especial de suas redes. Então não temos verdadeiramente uma condição de ter uma escola para todos. P: Então a senhora não é a favor da educação especial? R: Absolutamente. Eu sou inteiramente contra o ensino especial, as classes especiais e todo tipo de atendimento que a educação especial propõe para atender os deficientes, mesmo os deficientes estando em salas regulares, com apoio de professores itinerantes. Porque, na verdade, eles continuam mantendo essas crianças dentro das escolas, mas discriminando-as, ora porque elas têm que sair para ter um atendimento diferente, ora porque têm um currículo apropriado para elas, ora porque elas têm que ter um reforço senão não dão conta do conteúdo da escola... E com isso a escola regular não tem motivos para mudar, de maneira a acolher a todos. Não são só as crianças deficientes que não tem acesso ao ensino regular. Aliás esse segmento é muito pequeno perto do número de crianças que estão sem escola hoje. Quando falamos em educação inclusiva, para todos, não estamos falando exclusivamente da inserção de crianças deficientes no ensino regular, estamos falando desse grande problema da escola brasileira que é de excluir grande número de crianças das salas de aula e de adotar medidas excludentes para os alunos que conquistam um lugar dentro da sala, deficientes ou não. P: Além do ensino especial, qual outro obstáculo ou resistência poderíamos encontrar para se efetivar a educação inclusiva? R: O preconceito social, familiar. Muitos pais não acreditam nas possibilidades dos filhos ou mesmo têm medo de enfrentar um processo inclusivo do filho, porque já se acomodou no ensino especial e não tem grandes expectativas com relação a essa criança. A formação dos professores. A própria legislação e a política. Tudo isso contribui para impedir que a escola para todos seja uma realidade. P: Em seu livro "Compreendendo a deficiência mental", escrito em 87, a senhora ressaltou o inestimado valor do professor especializado no aluno. Já naquela época falava da inclusão, embora abordando de uma outra maneira. Qual o percurso que a levou a diferenciar integração de inclusão? R: Meu próprio percurso. Porque eu sempre lutei para que as crianças que eram atendidas em instituições, tivessem uma passagem breve por essas instituições e não ficassem ali definitivamente. Mas quando eu percebi a facilidade com que elas conseguiam ultrapassar essa barreira da escola regular, eu comecei a olhar o quanto a escola regular poderia acolhê-los, sem que eles precisassem passar por esse pedaço marginalizado que é o ensino especial. Foi principalmente a convicção de que a melhor maneira de se aprender de se evoluir é a partir do meio que nos desequilibra, que exige reações, ultrapassagem de nossos limites, e não pode ser um meio acomodador, que tenha todas as adaptações pensadas de antemão, mas que o indivíduo possa buscar suas saídas. P: Qual seria sua mensagem para as pessoas que atuam na área da educação para que a educação inclusiva se concretize? R: Que cada vez mais melhorem sua prática profissional, que cada vez mais dêem a todas as crianças o que elas esperam da escola, que é crescerem felizes. Que essas crianças aprendam a não discriminar, a serem justas e que vivam na escola o que elas têm direito: a alegria de conviver com crianças da sua idade e com as diferenças. FALTA CAPACITAÇÃO NA ÁREA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Leny Magalhães Mrech Jornal da AME - São Paulo, 02/07/2002 Nesta entrevista fala sobre como a falta de capacitação profissional dificulta o processo de inclusão escolar. AME - Qual sua avaliação sobre a educação inclusiva hoje? Leny Magalhães Mrech- Existem alguns problemas de como a política de educação inclusiva está sendo conduzida. Nós temos um problema muito sério relacionado às capacitações dos profissionais que atuam na área. O professor que trabalha numa vertente inclusiva precisa ser capacitado. Precisa descobrir formas diferentes de interação com as crianças. Grande parte dos professores da rede pública não tem informação a respeito do que é inclusão, o que é escola inclusiva, isso gera por parte deles uma certa rejeição em relação a criança. O aprendizado da inclusão, dentro do contexto onde se estrutura, é muito mais complicado do que a gente supõe, pois estamos lidando com preconceito, estereótipos, práticas dos professores que não querem ou não sabem como mudá-las. Fora do Brasil, como Estados Unidos, Canadá e França, a inclusão sempre implica em capacitação muito bem estruturada. AME - A que se deve a falta de capacitação no Brasil? Leny- A educação inclusiva traz em seu bojo uma redefinição da forma de trabalho com a deficiência. Quando começou a ser implantada havia, de um lado, o pessoal da educação especial e, de outro, o da educação inclusiva. Quando se coloca uma criança com deficiência no ensino regular, dependendo de como o professor de educação especial foi capacitado ele vai se sentir numa perspectiva de perda, ou do aluno ou do mercado de trabalho, porque no Brasil a inclusão escolar foi feita fundamentalmente de escolas e classes especiais. Nosso professor de educação especial não foi preparado para trabalhar numa escola, dando assessoria ao professor de ensino regular, dentro de um outro contexto bem mais abrangente. Fica muito difícil ao professor hoje perceber a importância da educação inclusiva, de ver o aluno inserido no ensino regular, pois nenhum projeto de educação inclusiva permanece se não for continuamente trabalhado, construído. Na medida em que o projeto pára, se volta para as práticas antigas. AME - O que está sendo feito na formação do professor hoje? Leny - Há algumas tendências. Existem situações em que o professor simplesmente não é capacitado. Nesse caso, a criança é colocada na sala de aula sem nenhum tipo de trabalho, o professor passa a conviver com ela sem preparação. Quem vive na escola pública sabe que há excelentes professores, mas que precisam mudar a concepção de que criança deficiente tem que ficar em sala especial. Isso implica em mudança de concepção e de procedimento. Os professores que começam a buscar conhecimento sobre o assunto, estão percebendo a diferença da forma de encaminhamento de crianças com deficiência mental ou com distúrbios emocionais. Passa a perceber que não existe o "aluno normal", assim como não existe uma classe homogênea, cada aluno é um dentro de sua singularidade. No Brasil, há uma prática que é muito nociva, a de manter classe com mais de 40 alunos, não permitindo ao professor estar atento às particularidades, lidar com o aluno num sentido de uma interação maior. AME - O professor hoje sai da faculdade com essa visão? Leny - Não. Um dos problemas que o MEC vinha trabalhando é que os cursos de educação especial no Brasil seguem uma orientação no sentido do deficiente excluído, separado dos demais alunos. Deveria haver um trabalho coligado do professor do ensino regular, com o de educação especial e com o que trabalha com educação inclusiva, pois lidar com ensino e alfabetização não é uma coisa fácil. Muitas vezes o professor de educação especial se isola, fica como se tivesse um saber privilegiado, uma verdade, e passa a cobrar do outro determinados procedimentos. Quem trabalha com educação inclusiva tem um olhar muito mais aberto, porque é uma troca, tem-se que escutar, não é simplesmente passar conteúdos teóricos e sim como aciona no professor uma vontade por aprender coisas novas. Dentro do contexto da educação como se apresenta hoje, o professor se sente desvalorizado, desqualificado. A gente tem que recuperar a possibilidade desse professor atuar como agente criativo. É óbvio que ele não saberá lidar com a inclusão, se não for preparado, capacitado, se não mudar sua forma de conceber a criança com distúrbio ou deficiência. AME - A principal mudança nesse contexto tem que partir de onde? Leny - Ao invés de olhar a criança com deficiência, tem-se que olhar seu potencial. A mudança teria que partir da estrutura do sistema. Eu tenho críticas a um procedimento que seria uma desresponsabilização em função da educação. Não dá para esperar que o professor sozinho faça a inclusão. Existem dados que mostram que o professor não tem condições financeiras para se capacitar sozinho, fazer cursos. O caminho da inclusão leva a uma transformação do educador. AME - E na sua opinião a inclusão é um processo ou algo que deveria ser implementado de uma vez? Leny - As duas coisas. Um processo e precisa ser implementada. Em muitos países, hoje não se discute mais educação especial ou educação inclusiva. A educação inclusiva entrou e a questão é como a área de educação especial vai trabalhar isso, porque as práticas educacionais já implicam na inserção desse aluno no ensino regular. A grande questão é que o aluno tenha acesso ao ensino de qualidade, assim como os outros e isso necessariamente implica no professor capacitado. Eu diria que a inclusão é uma luta pelos direitos das pessoas e isso implica em ter uma sociedade menos excludente, um ambiente escolar mais harmonioso. Nós vivemos no mundo e criamos um mundo em que as coisas são muito ruins. Vivemos um problema sério de educação. Precisa haver uma política educacional voltada para o bem-estar e para a qualidade de vida. Leny Magalhães Mrech é professora livre docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Trabalha com psicanálise e educação inclusiva junto a instituições escolares e delegacias de ensino. Atualmente trabalha com a inclusão de crianças com distúrbios globais do desenvolvimento, no Instituto de Psicologia da USP. A PREEMINÊNCIA DA VISÃO: CRENÇA, FILOSOFIA, CIÊNCIA E O CEGO Francisco José de LIMA Rosângela A. Ferreira LIMA José Aparecido da SILVA RESUMO O presente trabalho apresenta crenças e embasamentos filosóficos que permeiam pesquisas científicas sobre o reconhecimento háptico de configurações bidimensionais, demonstrando que muitas dessas pesquisas vêm corroborar premissas enviesadas provindas dessas crenças. Mostra ainda que atualmente pesquisadores têm se libertado da visão aristotélica sobre a preeminência do sentido da visão, o que tem permitido o surgimento de nova compreensão do sistema háptico e da capacidade desse sistema no reconhecer figuras planas. Palavras-chave: visão, tato, sistema háptico, desenho, filosofia, cego, sentidos. ABSTRACT The present article deals with some belief and philosophical viewpoints surrounding scientific researches on the haptic recognition of two-dimensional configurations, highlight that many of these researches corroborate bias assumptions based upon those viewpoints. It also claims that many researches have gotten rid of the Aristotelian viewpoint about the superiority of sight upon other senses, which has allowed new findings about the haptic system and about the capability of blind people at recognizing planar configurations. Keywords: vision, touch, haptic system, drawing, philosophy, blind, perception. INTRODUÇÃO Uma imagem pode significar mil palavras. Esta frase de há muito conhecida e repetida com freqüência é cada vez mais verdadeira. Nos dias de hoje, outdoors, painéis, faixas de todos os tipos, estão espalhadas por toda parte, comunicando informações diversas. Ícones, mapas, diagramas fazem igualmente parte do dia-a-dia das pessoas, em quase todas as situações, educacionais, de trabalho ou lazer. No entanto, há uma parcela da população que é relegada a não se beneficiar desse veículo de informação. Cada vez mais, vestibulares para ingresso em Universidades trazem mapas e gráficos que ajudam os alunos na resolução dos problemas propostos. Porém, há um grupo de alunos para quem esses mapas e diagramas, invariavelmente, não colaboram na resolução desses problemas, pelo contrário, muitas vezes dificultam-lhes a resolução, uma vez que tais mapas e gráficos apresentam-se inadequados ao reconhecimento háptico. Referimo-nos aos portadores de limitação visual, mormente os cegos, a quem, em geral, é negada a possibilidade de acesso à comunicação via imagem, uma vez que esta praticamente inexiste na forma tátil. Não bastasse isso, os mapas e gráficos tangíveis destinados ao ensino de alunos cegos são raros, e os existentes nem sempre são usados com a freqüência desejável, por ou para esses alunos, contribuindo para um baixo desempenho dos sujeitos portadores de limitação visual, ao tentarem reconhecer figuras ou desenhos bidimensionais em relevo (Jansson, 2000, Ungar et alii, 1998). Ao não terem acesso a materiais gráficos adequados, sequer para sua educação formal; e não lhes ser propiciado maior contato com desenhos e figuras em relevo, os alunos cegos não se beneficiam do mundo amplo de possibilidades que é o mundo das imagens, sendo isso mais uma via de exclusão da pessoa com limitação visual (Lima 1998, 2000a, 2000b). Assim, há uma lacuna muito grande que precisa ser preenchida imediatamente, qual seja, o ensino de reconhecimento de desenhos, mapas e diagramas pelo ato, às pessoas com limitação visual, desde sua mais tenra idade (Ungar, Blades e Spencer, 1995) (Lima 1997, 2000a, 2000c). Mas por que não se ensina o reconhecimento de desenhos tangíveis às pessoas cegas desde crianças ou mesmo mais tarde? E por que os desenhos e mapas hápticos existentes não são usados com a freqüência necessária e desejável? Resposta a isso pode ser encontrada na crença e no embasamento folosófico das teorias que sustentam a superioridade da visão sobre os demais sentidos, inclusive o tato; na crença da incapacidade de os cegos compreenderem padrões bidimensionais pelo tato, uma vez que não tem experiência visual; e na crença de que só a visão poderia oferecer informações que permitiria ao sujeito reconhecer figuras, mapas e gráficos adequadamente. CRENÇA É crença corrente que os cegos têm um "sexto sentido" extraordinário, bem como uma capacidade auditiva acuradíssima, isto é, que são capazes de ouvir coisas que os videntes teriam dificuldade em ouvir, ou mesmo que seriam inaudíveis para estes. Com efeito, Wilson (apud Heller, 1991) relata que na Inglaterra, a maioria das pessoas interpreta as técnicas dos cegos em termos de algum tipo de sexto sentido misterioso. Helena F. R. Melo (1988), por sua vez. alerta: (...) Não pense que os cegos têm um sexto sentido ou que a natureza os compensou pela falta da visão. O que há de tão "surpreendente" nos cegos, é o simples desenvolvimento de recursos latentes em todos nós. Você, com o mesmo treinamento, será tão "extraordinário" quanto eles! (p. 7) Heller (1991) comenta que mesmo a sociedade tendo expectativas distorcidas quanto aos cegos, creditando-lhes poderes sobrenaturais, trata-os, individualmente, como os mais indefesos e dignos de dó dos mortais. Também a crença do leigo na habilidade auditiva dos portadores de limitação visual, como um grupo, contrasta com o trato dos videntes para com aqueles sujeitos em particular, uma vez que, individualmente, muitos videntes tendem a aumentar o tom de voz ao conversar com uma pessoa cega, ou não lhe dirigir a palavra quando ela está acompanhada. Esse comportamento dos videntes para com os cegos fez com que Helena F.R. Melo (1988) escrevesse: Os cegos não são surdos: se a pessoa cega estiver acompanhada, não se dirija ao seu companheiro quando quiser falar com ela. Dirija-se diretamente a ela, identifique-se e faça um contato físico: toque ligeiramente seu braço ou seu ombro, para que ela saiba que é com ela que estão falando. O fato de ela não retribuir seu olhar, não significa que ela não possa manter uma conversação normal. (p. 7) Embora os cegos tenham sempre ocupado funções diversas, muitas das quais hoje exigem formação universitária e/ou alta especialização, por exemplo professores universitários, bibliotecários, pesquisadores, juizes de direito, fisioterapeutas, publicitários, escritores , programadores, analistas de sistemas etc; alguns dos cegos mais popularmente conhecidos são cantores e/ou músicos. Por exemplo: Francisco Landino, o florentino cego, teria sido um dos primeiros a fazer uso da nova invenção do pedal, no século XIV, ao órgão, o que possibilitou a execução de sons que perduravam por mais tempo; Antônio Cabezón, organista cego do século XV (Kurt Pahlen, 1991, p. 231); o compositor cego Joaquim Rodrigo, espanhol, autor do famoso Concierto de Aranjuez; o atualíssimo tenor Andre Bocelli, egresso da pop para a música erudita; na música pop internacional, Ray Charles e Stevie Wonder; e na brasileira, a cantora Kátia e, mais recentemente o grupo Tribo de Jah . Esses parecem corroborar a crença na capacidade excepcional do cego em ouvir, seja entre as pessoas leigas, seja, até mesmo, entre os profissionais que cuidam, educam, ensinam e/ou trabalham com pessoas cegas, de tal sorte que fez Helena F.R. Melo (1988) registrar a seguinte observação: "Não pense que todos os deficientes visuais têm dons artísticos e um incrível pendor musical. A proporção de músicos cegos é a mesma que a de músicos entre os videntes. Muitos cegos são tão musicais quanto eu ou você: apenas sabem tocar bem uma campainha!"(p. 8) Á parte do meio musical, pouquíssimos são os cegos que recebem publicidade quanto a sua profissão, ou caem no conhecimento popular como sendo juizes de direito, jornalistas, professores universitários, atores, artistas-plásticos, etc. Orientações internacionais como a Declaração de Salamanca, promulgada em 1994. bem como leis federais (tais como a 7853/89, 8028/90) e os decretos 914/93 e 3.298/99, entre outros, propõem o acesso à educação, ao esporte e ao lazer das pessoas com limitação visual, garantindo-lhes, assim, a inclusão também nas áreas que fazem uso de desenhos, mapas e diagramas, entendendo a potencialidade dos sujeitos com limitação visual para essas áreas. Entretanto, até mesmo alguns educadores, pesquisadores e os próprios portadores de limitação visual ainda manifestam a crença na incapacidade de os cegos poderem fazer uso ótimo de configurações bidimensionais como mapas, diagramas ou desenhos em relevo como meio de expressão de suas impressões do mundo e como material de apoio a sua educação e orientação e mobilidade. Os sujeitos com limitação visual, muitas vezes apresentam baixa expectativa sobre si e suas capacidades e potencialidades. Isso se daria, em parte, por conta de os próprios educadores, psicólogos e pesquisadores, muitas vezes, deixarem transparecer esse sentimento para com os portadores de limitação visual, refletindo em suas pesquisas e ensinamentos essa baixa expectativa sobre a potencialidade e capacidade das pessoas com limitação visual (Heller, 1991). Os educadores dos cegos, por vezes, deparando-se com o baixo desempenho dos sujeitos a quem instruem, não atentam para o fato de que sua intervenção é crucial para o desenvolvimento social e intelectual daqueles sujeitos, e que com essa intervenção contribuem para o desempenho de seus alunos; desempenho este que às vezes se dá paulatinamente. O caráter "lento" de desenvolvimento de certas habilidades dos cegos às vezes constitui fator de desânimo para os educadores dessas pessoas e pode servir como corroboração para a crença de que esses sujeitos são incapazes ou deficientes no reconhecimento de desenhos, mapas e diagramas táteis. Pesquisas já demonstraram que, embora muitas crianças cegas apresentem desempenho menor (de até 3 anos) em fase escolar, comparativamente ao das crianças videntes, podem superar esse desempenho quando mais velhas (Hatwell, 1985). Não obstante a essas pesquisas, não é incomum a crença de que as pessoas com limitação visual têm associadamente um déficit mental. Isso é manifestado na postura de leigos e profissionais que muitas vezes ao tratar pessoas adultas com limitação visual comportam-se como se estivessem lidando com "criancinhas" indefesas, sem opinião e gosto próprios; muitos deles explicam tudo duas ou mais vezes à pessoa com limitação visual, fazendo uso de diminutivos e com uma seqüência infinita de "entendeu"? FILOSOFIA Entre outras, essas crenças não são novas e nem exclusivas dos leigos, pelo contrário, vêm sendo compartilhadas por filósofos com Aristóteles, para que a visão era o sentido mais perfeito e o tato, o mais necessário; e o empirista inglês John Locke, para quem é mister se ter experiência sensória prévia, e por cientistas como Revesz (1950) e Von Senden (1960). Segundo Aristóteles (apud Thomas Aquinas, 1995), o sentido da visão é superior aos demais sentidos, pois permitiria uma melhor compreensão e conhecimento perfeito do mundo. "(980a) O homem naturalmente deseja o conhecimento. Uma indicação disso é nossa veneração pelos nossos sentidos, pois, à parte de seus usos, nós os veneramos por sua própria existência, e o mais venerado de todos é o sentido da visão. De modo geral, não só quando com vista para a ação, mas mesmo quando não há ação para ser contemplada, preferimos a visão entre todos os outros sentidos. A razão disso é que dentre todos os sentidos a visão melhor nos ajuda a conhecer as coisas e revela muitas diferenças." (Aristóteles, Livro 1 da Metafísica, in Aquinas, 1995, p. 4-5) Consoante a visão aristotélica, os sentidos nos serviriam para o conhecimento das coisas e para a utilidade da vida, por isso nós os amaríamos por si mesmos. Para corroborar sua afirmação Aristóteles cita o exemplo da visão, que, em sua opinião, é o sentido mais cognoscitivo, a que todos amam não só quando precisam dela para fazer alguma coisa, mas também quando não precisam dela para fazer algo. Sob a égide aristotélica, a visão teria duas preeminências sobre os demais sentidos, uma porque conheceria e julgaria mais perfeitamente as coisas sensíveis, outra porque nos mostraria mais coisas, e mais diferenças nas coisas. Essas preeminências se dariam porque conheceríamos os corpos sensíveis precipuamente pela visão e pelo tato, e mais ainda pela visão. Isso se deveria porque, por exemplo, o sentido da audição e do olfato são cognoscitivos do que de certo modo sai das coisas sensíveis, e não do em que estas consistem em si mesma. Assim o som existe a partir de um corpo sensível, de maneira que flui a partir deste e neste não permanece, o mesmo ocorrendo com a evaporação da fumaça com a qual o cheiro se difunde. Logo, a visão e o tato percebem os acidentes que são imanentes nas coisas mesmas, como a cor, o calor e o frio. Donde o juízo do tato e da visão se estende às coisas mesmas, enquanto o juízo da audição e do olfato se estende ao que procede das coisas, e não às coisas mesmas. Ensina Aristóteles, ainda, que a figura, o tamanho etc, com os quais se apresentam as coisas sensíveis, são mais percebidos pela visão e pelo tato, do que pelos outros sentidos, e mais precipuamente pela visão do que pelo tato (in Aquinas, 1995). CIÊNCIAS A superioridade da visão sobre os sentidos tem sido alvo de pesquisa por parte de muitos cientistas, mormente nos últimos 50 anos. Muitas dessas pesquisas têm como premissa a superioridade da visão, outras, contudo, buscam entender os demais sentidos por eles próprios, sem buscar a comprovação de que este ou aquele sentido é superior ao outro. Com efeito, Heller (1991) diz que é provável que se um sentido se mostra melhor para resolver uma tarefa, outro não competirá com ele para fazê-la. Além do mais, há modalidades específicas aos sentidos (eg. só a visão pode reconhecer a cor de um alimento; o tato, sua temperatura; o paladar, seu sabor). Embora um sentido contribua com o outro, na ausência de um ou mais sentidos, uma pessoa, ainda assim, pode desempenhar bem dada tarefa, uma vez lhe dada condição para tanto, ou se essa tarefa não exigir o uso específico do sentido ausente. Isso porque a resolução ou bom desempenho do indivíduo está relacionado às condições de que dispõe e não de uma deficiência sensória que o limita naquele particular (Lima, 1998). Muitas pesquisas também mostram uma melhor adequação do sentido da visão para a resolução de tarefas diversas, e que o sentido da visão pode colaborar para um melhor desempenho em inúmeras outras. Muitos pesquisadores têm conseguido libertar-se da visão aristotélica e lockeana sobre a superioridade e necessidade da visão e uma quantidade de trabalhos têm surgido, mostrando a potencialidade e a capacidade de os cegos congênitos desempenharem tarefas, antes só pensadas aos portadores visão normal ou aos que tiveram experiência visual, os cegos adventícios. Não obstante, ainda perdura a crença na incapacidade de os cegos desempenharem certas tarefas, dentre as quais a de reconhecerem figuras planas em relevo, crença essa que, segundo Lima e Da Silva (2000), tem sido "corroborada" equivocadamente por educadores, psicólogos e até mesmo alguns estudiosos que pesquisam e escrevem sobre os cegos em suas teses e artigos em revistas científicas e não científicas. Assim, sobre a capacidade das pessoas com limitação visual ou cegas em compreender relações geográficas tais como distância, configuração e hierarquia, atualmente as conclusões dos pesquisadores, segundo Kitchin et alii (1997), podem ser divididas em três posições. O primeiro desses grupos sugere que a visão é o sentido espacial por excelência. Para esse grupo os indivíduos cegos congênitos são incapazes de raciocínio espacial porque jamais experienciaram os processos perceptuais (por exemplo, visão) necessários para compreender arranjos espaciais. Sob a égide do segundo grupo, as pessoas com limitação visual podem compreender e manipular mentalmente conceitos espaciais, mas porque a informação é baseada em pistas hápticas e auditivas esse conhecimento e compreensão são inferiores àqueles baseados na visão. Já sob a égide do terceiro grupo, os indivíduos com limitação visual possuem as mesmas habilidades para processar e entender conceitos espaciais e que quaisquer diferenças, sejam em termos quantitativos ou qualitativos, podem ser explicadas por variáveis intervenientes tais como acesso a informação, experiência ou fadiga. De acordo com Revesz (veja Juurmaa, 1973, p. 104), o sistema háptico fornece uma compreensão mais limitada do espaço que o sistema óptico. Para o autor a visão permite a percepção imediata de formas mais complexas, ao passo que o sistema háptico tende a apagar os detalhes. Segundo Von Seden (1960), o tato jamais pode permitir a um indivíduo uma compreensão suficiente do espaço. Um importante componente dessa questão é que a visão e o tato produzem sensações muito diferentes. Nós temos experiência com visão de cores, mas as coisas são sentidas ou percebidas como quentes, frias, afiadas, duras, ou ásperas. As sensações supostamente diferentes produzidas pelos sentidos podem levar uma pessoa acreditar que os dois sentidos dão-nos informações muito diferentes acerca do mundo. Thomas Reid (apud Morgan, 1977) e Gibson (1962, 1966) tentaram esclarecer esse problema, afirmando que enquanto as sensações diferem, percepções podem ser amodais e podem transcender informações sensoriais. Assim, em 1817, Reid (apud Morgan, p. 113, 1977), sugeriu que o cego é capaz de reconhecer perspectivas. geometria e outros aspectos do espaço. Ao seu turno, Lederman e Klatzky (1987) afirmam que o baixo reconhecimento de padrões bidimensionais pelo tato, se deve ao fato de os cegos congênitos jamais terem tido experiência visual. Lima e Da Silva (2000, neste volume), por sua vez, fazem assertiva de que o baixo reconhecimento háptico das figuras bidimensionais, comparativamente com o que poderia ser esperado para um reconhecimento visual, reside no fato de que os desenhos utilizados são transcrições em relevo de desenhos visuais, o que não garante a melhor representação háptica dos padrões a serem reconhecidos, e não porque o sistema háptico seja incapaz de reconhecer desenhos em relevo, nem porque seja necessária uma mediação da visão,, para esse reconhecimento. Mas podem os cegos de fato reconhecer e fazer uso dos mapas e diagramas? Muitos pesquisadores têm mostrado que essa capacidade é indubitável, sugerindo que esses indivíduos podem se beneficiar do treino com esses padrões, aprendendo relações espaciais, adquirindo segurança na mobilidade e tornando-se indivíduos aptos para atividades sociais antes não alcançadas, por conta de uma dificuldade de mobilidade ou de "impossibilidade" de acesso a terrenos "hsotis". Muitos autores ainda sugerem e, de fato, enfatizam, a necessidade de se treinar a criança cega o mais cedo possível com mapas, diagramas e desenhos em relevo para que estas venham a desempenhar e se beneficiar do conhecimento que essas configurações lhes podem trazer (Ungar, Blades e Spencer, 1995; 1996a, 1996b; Ungar, Blades, Spencer e Morsley, 1994; Ungar et alii, 1998; Heller et alii, 1996, Lima, Heller e Da Silva, 1998). CONCLUSÃO A defesa da capacidade da pessoa cega em reconhecer desenhos, mapas e diagramas táteis não é assim tão fácil, mesmo porque há também aqueles educadores de pessoas com limitação visual que, por conta de embasamentos teóricos diversos, equivocadamente defendem que não se deva ensinar desenhos ou as regras do desenho visual aos cegos, por conta de uma égide que simploriamente pensa que, ao fazer isso, estar-se-ia impedindo o desenvolvimento "autônomo" da criança. Segundo essa visão, a criança deve aprender a partir de sua elaboração e não ser levada ao aprendizado pelo adulto que a acompanha. Ora, poderia Gustavi Kuerten ser bicampeão de Roland Garros, se não lhe fossem ensinadas as regras do jogo de tênis e se ele não fosse treinado para jogá-lo bem? A resposta 'não', óbvia para as pessoas leigas, parece ser de difícil assimilação para aqueles que são contrários ao ensino de regras do desenho e do desenhar aos portadores de limitação visual, mormente às crianças. Felizmente, essas pessoas estão na contramão da educação dos cegos, já que pesquisadores e educadores do mundo todo vêm defendendo o uso de mapas e desenhos para o benefício e educação das crianças desde sua mais tenra idade (Ungar, Blades e Spencer, 1993; Edwards, Ungar e Blades, 1998, Arditi et alii, no prelo). O que a crença no potencial das pessoas com limitação visual e na capacidade que têm em fazer uso de mapas e outras configurações planas, que estão aí para os cegos, assim como para os que têm visão plena ou parcial. O não reconhecer hapticamente convenções visuais em relevo não basta para referendar a crença ou o ponto de vista filosófico de que o tato ou os cegos congênitos são incapazes de reconhecer padrões bidimensionais tangíveis (por conta de uma falta de experiência visual), antes de que estes padrões sejam ensinados ao portador de limitação visual e treinados ao sistema háptico. É mister que se desenvolvam técnicas, equipamentos apropriados à feitura de desenhos por e para cegos e que estes recebam treinamento para o lazer e a educação artística com figuras dimensionais antes de que se possa fazer qualquer assertiva quanto à incapacidade dos portadores de limitação visual em reconhecer e produzir seus próprios desenhos, mapas e diagramas )Lima, 2000, Lima e Da Silva, 1998 e 2000, Lima, Heller e Da Silva, 1998). Quando isso se der, descobrir-se-á que essas pessoas são plenamente capazes de desempenhar, otimamente, mais esta tarefa, o que permitirá pôr por terra crenças e posturas arcaicas, enviesadas e sem respaldo na boa ciência. Afinal, não é a cegueira que incapacita o homem, assim como não é a visão que o capacita para a condição de ser humano. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AQUINAS, T. (1995). Aquinas Commentary on Aristoteles Metaphysics. Translation end Introduction by John P. Rowan. Dum On Books, pages 4-5. 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O Desenho em Relevo: uma caneta que faz pontos. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 50, ½ : 144-151. LIMA, F.J., HELLER, M. e DA SILVA, J. (1998). Recodificação da Captura Háptica de Objetos Tangíveis para uma Transcrição Pictórica. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 50, ½: 124-143. MELO, H.F.R. (1988). A cegueira trocada em miúdos. Campinas: UNICAMP. MORGAN, M.J. (1977). Molyneu's question. Vision, touch and the philosophy of perception. Cambridge University Press: New York. PAHLEN, K. (1991). Nova História Universal da Música. São Paulo: Melhoramentos, p. 231. REVESZ, G. (1950). The psychology and art of the blind. London, Longmans Green. SENDEN, M. (1960). Space and sight. (P. Heath, Trans.). Glencoe, II: Free Press originally published 1932. UNGAR, S., BLADES, M. and SPENCER, C. (1993). The role of tactile maps in mobility training. British Journal of Visual Impairment, 11, 59-61. UNGAR, S., BLADES, M. nad SPENCER, C. (1995). 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ASPECTOS GRÁFICOS DA ESCRITA BRAILLE: A INCLUSÃO ATRAVÉS DA PRODUÇÃO DE TEXTOS Francisco J. LIMA (UFPE/CE) – limafj@ce.ufpe.br; limafj@ig.com.br Rosângela A. F. LIMA (UFPE/CAC) - raflim@ig.com.br Therezinha M. J. M. MOURA (Escola Especial Instituto de Cegos) – therezinhamoura@bol.com.br Lívia C. GUEDES (G-UFPE) – liviacguedes@ig.com.br A presente comunicação versa sobre aspectos da escrita Braille que, se não conhecidos, podem dificultar a inclusão do aluno portador de deficiência visual (que usa o sistema Braille de escrita para a produção de textos), na escola regular. Pelos aspectos tratados reconhece-se a capacidade do portador de deficiência visual em aprender a ler e escrever, em escolas comuns, junto de seus colegas "normais". Cada vez mais vê-se ser cumprida a lei que impede a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência, a qual pune com prisão aquele que dificultar ou impedir a matrícula dessas pessoas na escola comum/regular. Como conseqüência, mais pessoas se conscientizam da necessidade moral e ética de se propiciar ensino de qualidade, também aos alunos com baixa visão ou cegos. Todavia, os professores têm resistido a essa inclusão, por não se sentirem capazes de ensinar a esses alunos, já que não aprenderam o Braille, quando de sua graduação. Verifica- se que esse medo é descabido e que em apenas algumas horas, o professor será capaz de ensinar o aluno com limitação visual; que este é tão capaz de produzir seus textos quanto os demais alunos de sua série; que o professor será capaz de os ler e corrigir etc, bastando que se atente para alguns aspectos gráficos específicos da escrita Braille e que se dispe do preconceito contra a pessoa portadora de deficiência. Sócio-culturalmente construídas, a discriminação, a segregação enfim, a exclusão de membros da sociedade humana vêm historicamente se apresentando manifestas, não só nas ações de pessoas que assumem sua intencionalidade, mas também nas falas não ditas de profissionais que se pretendem defensores da diversidade, da "diferença", da multiplicidade e de outros conceitos correlatos que, se de fato fossem assumidos e postos em prática nas ações diárias desses profissionais (entre eles, os professores), viriam-se somar à tentativa de se minimizar a exclusão de certas minorias, reconhecidamente excluídas das relações sociais humanas mais básicas, por conta de sua religião, sua cultura, seu gênero, sua origem racial ou econômica etc. Quando, pois, um professor diz que "não dá para fazer um bom trabalho em uma sala de aula de uma escola de periferia, onde estão estudando crianças pobres, negras, sem dentes, revoltadas com a vida e violentas por natureza", esse professor está facultando que esses predicativos se tornem realidade como em uma profecia de alta realização. Se é fato que as condições de trabalho em muitas escolas, se não na maioria das escolas públicas, são precárias, isso não deve servir como uma névoa que tapa uma realidade mais repugnante, a do preconceito e discriminação para com as minorias, de onde vêm as crianças de que tratamos. Semelhantemente, quando o professor alega não poder ensinar a uma criança cega ou com baixa visão porque, ele professor, não sabe o Braille, esse professor está produzindo no outro (na criança) uma incapacidade para o aprender que não é pertinente à sua deficiência sensorial. Assim, como as demais crianças, a criança cega tem habilidades que podem ser desenvolvidas de outras que já estão manifestas, percebidas no dia-a-dia dessas crianças. Entretanto, quando se trata do desempenho escolar, professores, pais, psicólogos entre outros, tendem a desconsiderar o potencial da criança cega ou com baixa visão para o aprender, principalmente quando se trata das habilidades lógico-matemática e verbal-lingüística. Isso porque aqueles profissionais em geral se prendem apenas ao comportamento expresso por aquelas crianças. Comportamento esse que pode incluir manifestações corporais e lingüísticas, inclusive indesejosas, como por exemplo, o excessivo menear de cabeça, o pressionar com o dedo, os olhos, o balançar do corpo, o riso "sem motivo", o verbalismo e a apresentação de uso léxico fora de ou sem conceito apropriado. Os professores, ao se prenderem a observar esses comportamentos, tornam-se preconceituosos, uma vez que associam esses comportamentos a uma incapacidade cognitiva que tanto a literatura como a prática de educadores vêm demonstrando ser incorreta. De fato, Hatwell (1985), confirma que crianças cegas entram na escola com até três anos de "defasagem", embora com a mesma idade que seus colegas. Entretanto, a autora também afirma que essas crianças "recuperam" esse tempo e superam muitas vezes seus colegas já no primeiro ano escolar. Portanto, não há de se falar na incapacidade do aluno cego ou com baixa visão, em habilidades verbal-lingüística, logo, também não se deve falar, assumir ou acreditar na incapacidade desses alunos em ler ou produzir textos. Resta, pois, dizer que não se deve assumir, defender ou acreditar na incapacidade do professor em ensinar a uma criança cega a produzir seus textos (fazer redações escolares e outras), porque essa criança escreve "numa fonte gráfica" diferente das demais crianças. Sob essa ótica, o Braille é "uma fonte gráfica" em alto relevo capaz de ser capturada (lida) hapticamente, enquanto a escrita comum não o é. Certamente, é claro, o Braille constitui algo mais que uma fonte gráfica, uma vez, que constitui um código de escrita cujo sistema é formado por 63 combinações, a partir dos seis pontos em relevo capazes de serem produzidos por meio de reglete e punção, uma máquina de datilografia ou impressora Braille. Entretanto, e, por conta da especificidade desse código, o professor deverá atentar-se para alguns aspectos da grafia em código Braille quanto à produção de textos por seus alunos. Antes disso, portanto, é necessário que esse professor aprenda o Braille. Mas como fazer? A quem recorrer para aprender esse código de escrita? Quanto tempo isso exigiria do professor? Sabemos que os professores nem de longe são bem pagos em todo o território brasileiro, pouco tempo ou condição financeira têm para sequer prepararem suas aulas. Menos ainda, têm para aprofundar seus estudos, buscar conhecimentos novos, fazer curso de "reciclagem" etc. Da mesma forma, não têm condições suficientes para a aquisição de livros e outros materiais que lhes permitam ampliar ou adquirir conhecimentos. Todavia, nenhum desses argumentos pode racionalmente ser usado para pôr os professores na posição de incapazes de ensinar o aluno cego porque não sabem o Braille. Menos ainda, as condições e argumentos mencionados servem para sustentar a resistência consciente (por vezes, preconceituosa e discriminatória) ou inconsciente desses professores para ensinar alunos com baixa visão ou cegos. O Braille é um código formado de seis pontos dispostos em duas colunas verticais, paralelas e próximas, com três pontos cada uma. Esses pontos, em relevo, são nomeados, de cima para baixo e da esquerda para a direita, quando se está lendo, de pontos 1, 2 e 3 para a primeira coluna e 4, 5 e 6 para a segunda coluna. Esses pontos, em geral, com altura aproximada de dois milímetros (2mm), são eqüidistantes entre si, vertical e horizontalmente, propiciando ao usuário do sistema Braille uma captura háptica adequada. A combinação desses pontos é que produz cada uma das letras e pontuações, as quais corresponderão às letras e pontuações da escrita com tinta. Assim, a combinação 1, 2 e 3 corresponde à letra L, enquanto a combinação 2, 3 e 5 corresponde em Braille à pontuação de exclamação da escrita com tinta. A produção do relevo pelo aluno cego pode ser feita com a máquina de datilografia Braille, ou como é mais comum no Brasil, com uma reglete (uma tábua e grade metálica com células contendo seis pontos cada uma) e um punção ("caneta" utilizada pelo cego para a produção desses pontos na reglete). Aqui, reside o início das preocupações que o professor deve ter a respeito da grafia de seus alunos que fazem uso do Braille. Para a escrita com a reglete e punção, o aluno precisa despender enorme energia para a produção de seu texto. Energia esta psíquica e motora que vai muito além das requeridas da criança que vê e que esteja escrevendo em tinta. Com efeito, Coelho (2002), relata que "para produzir uma página de texto Braille, em papel de formato A4, digitando num teclado do computador, atua-se cerca de 750 vezes. O mesmo texto, produzido com pauta e punção, implica cerca de 2250 movimentos para fazer tantos outros pontos; uma média de três pontos por caráter Braille." Já no que concerne à leitura, Reino (2000) chama atenção para que "a identificação de um B em Braille acarreta um dispêndio de energia equivalente ao necessário para ler um caráter vulgar de diâmetro igual a uma cabeça de alfinete." Se é notório que depois de um longo tempo de escrita manual há um decréscimo da qualidade gráfica, quando se faz uso de caneta ou lápis, isso fica ainda mais patente quando se produz um texto com reglete e punção. Assim, é que, em muitas situações, teremos "erros de grafia" que de fato não constituem erros, porém "pontos a mais ou a menos" em dada letra. Tomemos o seguinte exemplo, ao escrever "Então, mudamos para uma casa nova", o aluno, escrevendo em Braille, redige "Então, mudamos para uma capa nova". Sabemos, pela redação do aluno, que ele estava contando sobre a mudança que fizeram, ele e sua família, para uma nova casa. Portanto, ao escrever "capa nova", fica óbvio que não era essa palavra que desejava enunciar, assim como está claro que não constitui erro de grafia, uma vez que a dificuldade no uso do S está relacionada com a dificuldade do uso de Z. Ocorre que em Braille as letras S e P compõem-se dos pontos 2, 3 e 4 e 1, 2, 3 e 4, respectivamente. Logo, o aluno acrescentou o ponto 1 à letra S quando escrevia a palavra casa, grafando-a "capa", isso pode ter ocorrido por, ao escrever rapidamente, o punção ter tocado com mais força na posição 1. Semelhantemente, um aluno que redigir "A oebra tem listras" quando deveria ter escrito "A zebra tem listras", não cometeu um "erro gráfico" propriamente dito, porém pulou ou omitiu um ponto em sua escrita, uma vez que, em Braille, grafa-se Z com os pontos 1, 3, 5 e 6, sendo que o O é grafado com os pontos 1, 3 e 5. Tais exemplos servem, pois, como alerta aos professores para que não entendam tais erros gráficos como sendo uma dificuldade de entendimento ou de aquisição da grafia padrão por parte do aluno cego ou com baixa visão, que faz uso do Braille. Vale salientar que, semelhantemente aos erros descritos, outros podem ocorrer. No entanto, o professor não terá dificuldade para identificar quando os erros forem realmente de grafia, uma vez que nem pontos a mais nem pontos a menos dificultarão distinguir as letras S do Z, C do Ç ou À do A, os quais serão respectivamente grafados em Braille: S (pontos 2, 3 e 4) - Z (pontos 1, 3, 5 e 6); C (pontos 1 e 4) - Ç (pontos 1, 2, 3, 4 e 6); À (pontos 1, 2, 4 e 6) - A (ponto 1). Para o professor, o aprendizado do código Braille e suas nuanças requer, pois, nada mais do que vontade, ética para a educação e bom senso, já que bastará ter junto de si uma cópia do código Braille para que veja as correspondências entre as letras e outros sinais gráficos do sistema Braille com a escrita à tinta. No mais, o tempo a ser despendido para a formação do professor na aquisição do Braille não vai além de umas poucas horas de prática e, quanto muito, de alguns centavos para a cópia do código que pode ser conseguido de revistas da área educacional ou pela Internet, por exemplo, através do site www.ibcnet.org.br. Não atentar para esses aspectos da educação de crianças cegas ou com baixa visão, recusar- lhes ou dificultar-lhes o acesso à escola, ou ainda, menosprezar-lhes a produção textual por eventuais erros gráficos que cometam e que seus colegas de classe não o fazem, constitui grave afronta legal, moral e ética, além de um exercício desumano de exclusão daquelas pessoas que tanto precisam da educação formal, até mesmo para resgatarem a sua auto-estima enquanto pessoas, enquanto cidadãos e como membros da humanidade. O professor, portanto, é pedra fundamental para essa inclusão, cabendo a ele os ônus e os bônus de suas ações! Bibliografia HATWELL, Y. Piagetian reasoning and the blind. New York, American Foundation for the Blind, 1985. REINO, Vítor. Ensino/Aprendizagem do Braille, in: Colóquio "O Braille que temos, o Braille que queremos". Comissão de Braille. Lisboa 2000. COELHO, Vítor Bordalo. O Braille na produção. in: Colóquio "O Braille que temos, o Braille que queremos". Comissão de Braille. Lisboa 2000. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA NECESSIDADE DE SE PESQUISAR O SISTEMA TÁTIL E DE SE ENSINAR DESENHOS E MAPAS TÁTEIS ÀS CRIANÇAS CEGAS OU COM LIMITAÇÃO PARCIAL DA VISÃO Francisco J. LIMA José Aparecido DA SILVA RESUMO O presente artigo trata da necessidade de se pesquisar sobre o sistema tátil. Cita alguns estudos brasileiros e internacionais relevantes sobre o sistema háptico. Aponta vieses científicos na interpretação de dados em algumas pesquisas sobre a produção e reconhecimento de desenhos por cegos congênitos. Sugere algumas questões importantes e necessárias a serem investigadas, para um melhor conhecimento do tato e da capacidade háptica de sujeitos com limitação visual. Trata, ainda, de algumas questões relativas aos mapas táteis, seu uso na educação e na orientação e mobilidade dos cegos. Por fim sugere que bastariam, tão somente, o empenho e a união de pesquisadores, educadores e das pessoas com limitação visual, e um maior apoio, inclusive financeiro, de órgãos oficiais e, mesmo, não-governamentais, para que essas pesquisas ocorram, e delas se beneficiem essas pessoas. Recente pesquisa na literatura especializada, tanto em revistas e teses, como em sistema eletrônico de divulgação científica, vem confirmar o que tem ocorrido já há muito tempo no Brasil: raras são as publicações de estudos científicos a respeito do tato, sua implicação na educação, na orientação e mobilidade ou na vida social dos portadores de limitação visual, em geral. Entretanto, em relação aos assuntos concernentes às pessoas portadoras de limitação visual, a falta de pesquisa não reside apenas na área do sistema tátil. Também na saúde não há pesquisas nacionais que nos dêem dados estatísticos oficiais precisos de quantos são os cegos congênitos; quais são as doenças que mais causam cegueira ou perda da acuidade visual em crianças; que doenças ou outras causas provocam a perda da visão do adolescente ou adulto, embora seja fato ululante que no Brasil, crianças nascem cegas ou perdem a visão total ou parcialmente, ainda quando muito novas e, em um número maior, jovens e adultos ficam cegos ou perdem parcialmente a visão por motivos diversos (e.g. acidentes de automóvel, com armas de fogo etc). Doenças como o retinopatia da prematuridade (rop), glaucoma, catarata, diabetes, entre outras, também constituem causas freqüentes de cegueira ou de perda parcial da visão de recém-nascidos, jovens, adultos e anciãos. Todavia, no caso da catarata, os oftalmologistas relatam que pessoas poderiam ter sua visão restituída, fossem-lhes dadas condições médicas, hospitalares, financeiras e principalmente de informação sobre a natureza e possível reversibilidade dessa doença. Contudo, alguns trabalhos não governamentais, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo, têm, com esmero, tentado suprir essa lacuna, oferecendo subsídios para que oftalmologistas e educadores possam ter subsídios para seus estudos e programas, visando políticas de saúde e de ensino desses indivíduos. Algumas patologias, e.g. o diabetes, a hanseníase, podem fazer com que pessoas percam o sentido do tato, parcial ou totalmente, infligindo a essas pessoas sofrimento e dificuldade de fazer até mesmo as tarefas mais corriqueiras, como, por exemplo, ao tomar banho, o sujeito diabético pode não conseguir segurar o sabonete, por falta de sensibilidade tátil, o mesmo ocorrendo ao tentar segurar uma faca ou garfo ao se alimentar. Sob essas circunstâncias, começamos a dar valor a esse sentido do qual aprendemos a depender desde pequenos e do qual negligenciamos sua natureza, seu conhecimento e sua pesquisa, tal a naturalidade com que o usamos. Exceção a pouca produção científica sobre o sistema háptico sinestésico e proprioceptivo no Brasil, são os estudos de Lima, Heller e Da Silva (1998 a e 1998b), Lima e Da Silva (1998), Zedu, Yano, Souza e Da Silva (1992), Heller, Calcaterra, Green e Lima (1999). Alhures, inúmeros pesquisadores (e. g. Schiff, W., & Foulke, E., 1982; Loomis & Lederman, 1986; Katz, 1989 e Heller, 1991) têm-se mostrado interessados em decifrar os mistérios que envolvem esse que é um dos mais complexos meios de comunicação entre o mundo interno e externo do homem: O TATO. Heller (1991) sumariou, com excelência, as principais questões que precisam urgentemente de respostas mais completas e satisfatórias quanto à relação entre o sistema tátil e visual: Nós pensamos sobre o mundo em termos de imagens? A modalidade pela qual obtemos esta informação tem importância? Será que as pessoas cegas imaginam os objetos da mesma forma que o fazemos? Será que entendem o espaço da mesma forma que o resto de nós? As pessoas cegas têm imagens? As imagens dos cegos são como as dos videntes? Quais são as implicações da falta de experiência visual para as imagens? As pessoas cegas percebem objetos e relações espaciais indefinidas de modo deficiente, porque podem faltar-lhes imagens mentais? Qual a natureza de seu imaginário? As imagens mentais são necessárias para alguns tipos de compreensão espacial? A essas perguntas acrescentamos: Como fazem ou são as representações mentais de pessoas cegas, produzidas a partir de objetos descritos por pessoas não cegas, uma vez que estas, ao descreverem algo, usam de representações próprias de quem está vendo? Como são as representações mentais de "objetos" amorfos (e. g., chuva), feitas pelos cegos? Que processos são usados para a compensação do limite imposto pela falta parcial ou total da visão? Por outro lado, sabemos que as pessoas portadoras de limitação visual aprenderam a se utilizar do tato, assim como as pessoas portadoras de visão normal o fazem de sua visão. Destarte, não basta buscarmos as respostas apenas na introspecção de um vidente (o mundo do cego não é o mundo de um vidente com os olhos fechados ou em um ambiente sem luz, meramente), é mister buscá-las via pesquisa que nos possa dar dados concretos sobre tal assunto, de tal sorte que possamos entender o sistema de percepção tátil mais profundamente e proporcionar aos usuários mais freqüentes desse sistema sensório (os indivíduos portadores de limitação visual), subsídios para que estes possam utilizar direta ou indiretamente, seja por meio do próprio conhecimento que tais estudos possam trazer, seja pelo virtual uso dele para o desenvolvimento de tecnologia apropriada às necessidades desses indivíduos. Por exemplo: materiais educacionais como sintetizadores de voz para leitura, kits para confecção de mapas e desenhos tangíveis em geral (Lima e Da Silva, 1998), equipamentos que auxiliem a orientação e mobilidade; instrução formal dos profissionais que lidam com as pessoas portadoras de limitação e destes próprios, no desenvolvimento de estratégias de que possam valer-se para a compreensão e adequação ao mundo das pessoas portadoras de visão normal. A questão, pois, reside no fato de que sem um maior conhecimento das questões relativas ao tato, ficamos inermes às condições ou limitações reais ou imaginárias desse sistema sensório complexo e indispensável. Assim, um conhecimento mais profundo de como se processa a representação mental que os cegos têm ou fazem do mundo visual pode-nos possibilitar oferecer a essas pessoas melhores condições de reabilitação, adaptação e inclusão no mundo das pessoas portadoras de visão normal, uma vez que podemos propiciar aos portadores de limitação visual subsídios para que saibam como melhor usar o tato, como este funciona, a fim de conhecerem até que ponto podem chegar, superando sua limitação sensória. O sistema sensório visual nos dá a conhecer o mundo através de uma grande variedade de estímulos, experienciados quase que ao mesmo tempo, propiciando que distingamos uma variedade ainda maior de situações que nos poderiam ser aversivas ou mesmo fatais. Através da exploração do ambiente pelas mãos, auxiliado por outros órgãos do sentido, principalmente audição e olfato, as pessoas portadoras de limitação visual vêm conhecendo e/ou reconhecendo o meio ambiente em que vivem e tirando dele as informações necessárias para sua sobrevivência e seu desenvolvimento físico, mental e intelectual. Uma vez recebidas tais informações, as pessoas portadoras de limitação visual têm de decodificá-las e compreendê-las, a fim de discriminá-las como sendo de perigo, prazer etc., sob pena de, não o fazendo, porém sua vida em risco, mesmo nos atos mais simples do dia-a-dia. O tato, que comparativamente à visão, é altamente hábil no reconhecimento de padrões 3D (Lederman e Klatzky, 1987, Lima e Da Silva, 1997, 1998 e Lima, Heller e Da Silva, 1998 a e b), oferece-nos, ainda, informações que a visão encontraria dificuldade ou mesmo se veria impedida de oferecer. Ao olharmos para um objeto, podemos inferir que ele tem esta ou aquela forma. Associando sua cor com o material observado, podemos, mesmo, arriscar predizer sua temperatura. Todavia, quanto a esse particular, é o tato que nos pode dar as informações mais precisas e fidedignas, da mesma forma que o faz para textura, aspereza, fio etc. Muito embora pesquisas na área do sistema háptico tenham trazido informações ricas à luz de nosso conhecimento, muito desse conhecimento ainda se restringe aos laboratórios e revistas especializadas. Educadores e pesquisadores às vezes trabalham paralelamente sem que as informações, por eles alcançadas, se cruzem. Os indivíduos que desse conhecimento poderiam estar-se beneficiando mais prontamente são deixados de lado ou só têm contato com tal conhecimento de modo indireto e muito mais tarde. Por outro lado, algumas teorias ou visões enviesadas ainda perduram entre psicólogos e educadores no que tange ao conhecimento háptico e à capacidade, ou potencialidade dos indivíduos cegos (Heller, 1991, Lima, neste volume). Devido a teorias como de Revesz (1950), pontos de vista como de Lederman, Klatzky e Barber (1985), entre outros, muitos pesquisadores e profissionais que lidam com os portadores de limitação visual total acreditam que o sistema háptico não se presta adequadamente ao reconhecimento de padrões bidimensionais, e que desenhos em relevo não podem ser reconhecidos satisfatoriamente pelos sujeitos com limitação visual, mormente pelos cegos congênitos totais. Essas teorias, contudo, não recebem a unanimidade dos pesquisadores (eg. Heller, 1989 e 1991, Millar, 1975; Lima, 1998), principalmente porque aquelas pesquisas trazem procedimentos questionáveis seja na sua aplicação, seja em sua análise. Muitos estudos sobre a produção de desenhos por pessoas cegas incluíram crianças para aumentar a amostra e faziam uso de lápis para os desenhos. Outros, para verificarem a capacidade dos cegos em reconhecer desenhos pelo tato, pediam aos sujeitos que nomeassem os desenhos que apalpavam, quando o cego não apontava o nome para o desenho, a conclusão direta era que o tato não era adequado ao reconhecimento de figuras. Assim, os cegos totais, mormente os cegos congênitos, foram considerados incapazes de reconhecer desenhos com os dedos. Estes estudos se equivocaram em suas conclusões, pois não levaram devidamente em consideração alguns fatores importantes que diferenciam os cegos da pessoa portadora de visão normal, tais como os que mencionam Lima e Da Silva (1998): "(...) os cegos congênitos nem mesmo são acostumados com o uso da caneta ou do lápis, pois sua escrita se faz pelo código Braille, geralmente com o uso de uma reglete e punção, ou máquina Braille para datilografia, o que requer movimentos motores fortes, lineares, principalmente horizontais, e/ou de pressão vertical, de cima para baixo. Portanto, os movimentos motores usados com o punção ou mesmo com a máquina Braille são diferentes do movimento mais fino requerido pela caneta. Além do mais, a escrita Braille, feita na reglete, dá-se da direita para a esquerda, e sua leitura, da esquerda para a direita, exigindo que o sujeito escreva de um lado da folha, e vire-a para lê-la no lado inverso. A uma criança vidente é propiciada, desde muito pequena, a experiência com giz de cera, canetinha etc., para desenhar. Fotos, figuras e desenhos são-lhes apresentados em livros infantis, jornais, revistas, entre outros materiais, que os pais usam para a estimulação dessas crianças, seja lúdica ou educacionalmente. O mesmo não ocorre com as crianças cegas. Primeiro, o desenho ainda é tido como algo inacessível aos cegos. Segundo, os materiais que permitem aos cegos desenhar são raros, caros e, devido a sua natureza física, impróprios às crianças pequenas. Há muitas variações entre os sujeitos cegos congênitos, assim como há nos videntes e cegos adventícios. Portanto, é perigoso generalizar a partir de quaisquer dados, sem levar em consideração que muitos desses indivíduos têm menor educação formal, foram criados e/ou vivem em ambientes físicos e sociais restritos, diversos ao ambiente dos videntes, com os quais são comparados. (pp. 138-139) Quanto à crença de que, uma vez os cegos não alcançando um nome correto para um desenho examinado com o tato, eles são incapazes de reconhecer padrões bidimensionais, constitui também um equívoco de interpretação. Um indivíduo vidente perante um quadro pode reconhecer nele uma paisagem, porém pode desconhecer o jacarandá ali pintado. Isso não significaria que a visão, embora fosse capaz de reconhecer paisagens, não fosse capaz de reconhecer árvores. Pelo contrário, isso significa que, ou o observador não sabe, ou não se recorda do nome da árvore. Portanto, quando os cegos congênitos, ao examinar hapticamente um desenho, não alcançam uma concordância nominal, isso não implica, necessariamente, que o sistema tátil não seja capaz de reconhecer figuras bidimensionais tangíveis, ou que o cego congênito não esteja apto a entender essas figuras, por não ter experiência visual prévia. Isso apenas sugere que os cegos congênitos, por não estarem acostumados a observar padrões bidimensionais, teriam um menor banco de memória pictográfica que os videntes vendados e os cegos adventícios, os quais detêm um maior registro dessas configurações na memória. Há uma diferença crucial entre limitação e deficiência (Lima, neste volume), assim como há uma diferença significativa entre potencial e desempenho (Heller, 1991). Em dada tarefa, o sujeito pode não se ter um bom desempenho, contudo, isso não significa que ele não tenha o potencial para desenvolver e desempenhá-la com excelência. O que ocorre com o cego é que não lhe foi propiciada estimulação suficiente e adequada a sua capacidade de produzir desenhos, nem mesmo lhe foi dada a oportunidade de observar uma quantidade de desenhos que lhe permita criar um banco de memória de imagens. Assim, ao se deparar com uma dada configuração, o sujeito cego pode não saber o que ela significa, isto é, oferecer-lhe um nome. Além do mais, não sabemos com certeza se os desenhos, na forma que são apresentados, refletem a melhor descrição do tridimensional para o sistema tátil, uma vez que este sistema tem demonstrado modalidades específicas. Lima et alii (1998 a) demonstraram que os cegos são capazes de produzir desenhos em relevo, variando sua produção de acordo com habilidades individuais e complexidade dos padrões representados. Nesse estudo a mediação da visão pareceu ter tido influência no desempenho do sujeitos cegos congênitos, uma vez que seus desenhos foram considerados menos representativos que os produzidos por cegos adventícios e videntes vendados. Contudo, uma explicação alternativa é que os sujeitos cegos não detêm as regras que regem o desenho à mão livre, e a falta de prática com o desenhar ou ver (tocar) desenhos com os dedos. A mediação da visão, de fato, é usada para explicar, em grande parte, o baixo desempenho que alguns sujeitos cegos têm no reconhecimento de desenhos (Lederman et alii, 1987). Não obstante, Heller (1989), Lima (1998), entre outros, obtiveram resultados que mostram que os sujeitos cegos são capazes de reconhecer figuras bidimensionais em relevo, comparativamente aos videntes. É fato, pois, que não se sabe com certeza como são as representações mentais feitas por cegos a partir da captura háptica, mas há indícios fortes que nos levam a acreditar que essas representações são diversas das imagens mentais dos videntes, uma vez que estes têm a experiência visual e aqueles jamais enxergaram. Como não temos dados definitivos quanto à capacidade tátil e os estudos nessa área de investigação científica ainda são incipientes, ainda não sabemos como realmente lidar com tais conhecimentos. Assim, a transcodificação do mundo visual para uma linguagem tátil e/ou oral traz consigo a nomenclatura de quem vê, o que dificulta a compreensão do mundo interno ou da representação mental que o cego faz do mundo. A despeito disso, em geral, oferece-se aos cegos, na forma de verbalização, o mesmo tratamento educacional usado para os videntes. Vejamos, como exemplo, a seguinte situação: duas crianças, de mesma idade, entram para a escola. Uma delas é cega, a outra é portadora de visão normal. Sabemos que, por questões idiossincráticas, de natureza social, econômica, enfim de ambiente e relação, ambas as crianças, ainda que tendo uma mesma idade, têm diferenças particulares marcantes. Entretanto, sabemos que em situação normal, tanto professores como as próprias crianças têm mecanismos para lidarem com essas diversidades. Porém, em nosso exemplo, contamos com mais uma diferença, uma das crianças é cega, i.e., portadora de limitação total da visão. Embora a criança possa já ter desenvolvido seus próprios mecanismos para lidar com sua limitação, talvez seu professor, por questões de formação e informação, ainda não tenha tido a oportunidade de fazê-lo. Aqui, temos uma típica situação onde o conhecer das limitações de um sujeito pode proporcionar ao profissional uma melhor elaboração ou resolução de eventuais problemas decorrentes desta relação, com conseqüente superação de tais limites. De volta ao nosso exemplo, ambas as crianças são igualmente capazes e estão perfeitamente prontas para o início da educação escolar. Seu professor as ensinará do mesmo modo, seus exemplos serão os mesmos dados aos alunos portadores de visão normal. Além da verbalização, não haverá, pois, diferenças na explanação do professor, visando a um indivíduo ou indivíduos em particular na sala de aula, porém a toda esta. Assim, mesmo que o professor tenha habilitação para educação especial, ele poderá estar presumindo que a representação que formula para explicação de dada informação ao aluno sem limitação visual seja a mesma que deveria dar ao aluno cego. É possível que seu pressuposto seja de que uma vez verbalizando o exemplo dado à sala, isso bastará à compreensão do aluno cego. Já no primeiro grau, por exemplo, certo professor de Matemática ao ensinar Geometria pode, com esmero, descrever as formas e expor o problema oralmente ao aluno, ou ainda, com a melhor das boas intenções, proporcionar a esse aluno desenhos e gráficos em alto-relevo, crendo que isto baste para sua compreensão. Mas será que basta? Lederman e Klatzky (1987) mencionam o fato de que geralmente os gráficos tangíveis são réplicas em relevo de seus originais em tinta, sendo presumido que o que serve para a visão deva servir para o tato. Tal pressuposto, contudo, alertam as autoras, não deve ser aceito sem reserva, uma vez que "mecanismos" de codificação de modalidade específica foram encontrados. É fato, pois, que as experiências vividas pela criança com limitação visual são muito diversas das crianças portadoras de visão normal, requerendo daquela criança um maior esforço mental para aprender o mesmo conteúdo que seus colegas, já que, primeiro, tem de decodificar o que lhe está sendo explicado. Assim, dessa criança é exigido que formule ou lance mão de estratégias diversas, muitas vezes, extremamente complexas para a resolução de um problema que a pessoa portadora de visão normal não precisa ou nem se dá conta de fazer. Claro, pois, que as crianças portadoras de limitação visual se adaptam invariavelmente muito bem a essas situações, porém isso requer-lhes tempo e grande esforço mental e mesmo físico, uma vez que eles mesmos não conhecem o(s) mecanismo(s) que rege(m) a(s) representação(ões) mental(is) das situações por elas experienciadas. Daí, mais uma razão e urgência de se conhecer profundamente o sistema sensório tátil (por exemplo a partir de práticas, de pesquisas e não somente pela introspecção de quem vê), para tirar ou minimizar a "carga mental" imposta ou exigida às pessoas portadoras de limitação visual ou cegas. Posto isso, caberia ressaltar que a pesquisa de tais estratégias permitiria a criação de uma teoria sobre o funcionamento do tato, não só nas pessoas portadoras de limitação visual como também nos videntes. Com efeito, o descobrimento de tais estratégias desvendaria o funcionamento desse sentido, uma vez que ele é utilizado otimamente pelos cegos, inclusive por aqueles que jamais tiveram a experiência visual (os cegos congênitos totais). Para tanto, propomos, como mais uma via de pesquisa, e principalmente instrumento de ensino, de lazer e terapêutico, o uso de desenhos na formação de crianças cegas. Isso começando o mais cedo possível: inicialmente, com a apresentação de padrões em relevo, aliado a outras configurações, textura e técnicas correlatas; em seguida, na própria produção de desenho pelo cego, de tal forma que ele possa expressar seus sentimentos e visão de mundo através do desenho, o que lhe propiciaria, ao nosso ver, tanto um aumento do conhecimento do mundo tridimensional, como uma maior aquisição do léxico, além de proporcionar o conhecimento de layouts antes mesmo de a criança percorrê-lo fisicamente (eg. a escola que vai estudar, a nova casa para onde mudou etc). Os benefícios são óbvios, então. Quanto ao uso dos desenhos em situação terapêutica, contudo, "é importante notar que, antes de que se venha a fazer qualquer interpretação clínica de um desenho produzido por um indivíduo cego, é mister que: 1) se desenvolva, onde for necessária, uma linguagem própria para a representação pictórica tangível; 2) que essa linguagem seja ensinada às crianças portadoras de limitação visual; 3) que o desenho faça parte do cotidiano da criança cega, como o faz da criança vidente; 4) que se faça pesquisa, visando à padronização da produção desses desenhos para uso clínico. Antes de se tomarem esses cuidados, constituiria falta de bom senso, insensatez e mesmo de ética fazer a menor interpretação que seja da produção pictórica do cego." (Lima et alii, 1998 a, p. 140) *** A utilização do desenho como uma via de compreensão do tato e do mundo de representações mentais dos cegos, não é a única e nem dará todas as respostas, porém contribuirá para ampliarmos nosso conhecimento sobre o sistema háptico, a fim de que possamos propiciar melhores condições de vida e de reabilitação às pessoas portadoras de limitação visual congênita ou adventícia. O uso do desenho e do desenhar como forma de lazer ou expressão artística propiciará, ainda, o vencer limites sociais e quiçá fazer com que cegos e videntes vejam o mundo mais semelhantemente, compartilhando de idéias, imagens e representações de si, do outro e do mundo que os cerca e os mantém em sociedade. Porém, talvez sejam nas áreas de estudos da geometria, geografia e de orientação e mobilidade que mais se poderá aplicar o treino e o uso do desenho bidimensional em relevo por pessoas cegas. Isto porque o reconhecimento háptico de configurações bidimensionais poderá ajudar na solução de alguns dos problemas de orientação e mobilidade encontrados por indivíduos com limitação visual, parcial ou total, por exemplo os mencionados por Marston e Golledge (1997). Segundo esses autores, a falta de visão dificulta prever pistas para perceber e corrigir padrões espaciais; acessar conhecimento espacial para localizar atalhos; bem como dificulta o acesso ao conhecimento espacial para integrar uma via conhecida em uma compreensão espacial ampla, o que restringe muitas pessoas com limitação visual a rotas já conhecidas. De acordo com os autores, ainda, para essas pessoas o tempo domina o espaço sobre uma compreensão espacial, por exemplo como quando andam de ônibus. Muitas pesquisas têm enfatizado a necessidade de se introduzir o ensino de mapas táteis às crianças cegas o mais cedo possível e demonstrado que o uso desses mapas pode ser um meio útil de fornecer às pessoas com limitação visual informações espaciais complexas, as quais não lhes estão prontamente disponíveis através da experiência direta ao percorrer um caminho (Ungar, Blades e Spencer, 1993; 1995; 1996a, 1996b). Isso porque cegos e portadores de limitação parcial da visão teriam dificuldade em construir uma representação precisa e flexível de seu ambiente, tão somente a partir de uma experiência direta de mobilidade por esse ambiente (Rosa e Ochaíta, 1993; Spencer, Blades e Morsley, 1989). Consoante Ungar et alii (1994) o conhecimento do caminho de determinado lugar impõe limitações no nível de mobilidade a que uma pessoa pode alcançar, i. e., passagens alternativas ou atalhos não são deduzidos desse conhecimento. Isso pode ser problemático, quando uma pessoa com limitação visual muda-se para uma nova região ou precisa freqüentar um grande logradouro público desconhecido. Todavia, muito pouco se tem estudado sobre como mapas táteis são utilizados por pessoas com limitação visual. Menos ainda se tem considerado o modo pelo qual os cegos formam representações mentais do espaço, a partir de experiência direta e de mapas táteis, a despeito de os psicólogos, há muito, se interessarem em saber de que maneira as pessoas manipulam e formam representações mentais do ambiente espacial (Ungar et alii, 1996). No Brasil, como temos afirmado reiteradamente, os estudos relativos ao tato e suas implicações são incipientes e ainda muito tímidos. Exceção à quase inexistência desses estudos é o trabalho de Oka (1999), o qual visa defender "o uso de mapas táteis como recurso gráfico enquanto recurso didático e para o uso cotidiano (principalmente na mobilidade)". A autora intitula seu trabalho indagando se mapas táteis são necessários. A resposta (que na opinião da autora deve ser afirmativa) "pode parecer óbvia, no entanto, poucas pessoas utilizam o mapa tátil." Isso se daria por conta de uma "escassez de material, de pesquisas na área (aqui no Brasil), de incentivo para a produção e de pessoal especializado". Segundo a autora, ainda, "muitas pessoas vêem o deficiente visual como incapaz de ler mapas, esquemas e outros materiais gráficos". Com tal visão, essas pessoas acreditam que a utilização desses recursos seria dispensável para os indivíduos cegos, dada a dificuldade que estes teriam em compreender o "emaranhado de linhas, pontos, nomes etc". Visões como esta, citada pela autora, constituem exemplos de vieses socioculturais e científicos enraizados no conhecimento e postura de educadores, pesquisadores e dos próprios portadores de limitação visual, e que precisam ser extirpadas em benefício desses mesmos sujeitos (Lima, neste volume). Como vemos, pois, de um lado são muitos os benefícios que se pode obter através do uso do desenho, de outro se faz urgente dedicarmo-nos séria e profundamente ao estudo do tato nas suas formas háptica, sinestésica e proprioceptiva, buscando desenvolver e aprimorar equipamentos e técnicas que beneficiem as pessoas com limitação visual, tanto na sua educação e lazer, quanto na sua orientação e mobilidade. Desenhos, mapas e diagramas em relevo, produzidos especialmente para uma leitura tátil, podem constituir meios de superação de algumas dificuldades vivenciadas por essas pessoas. A união de pesquisadores, educadores, psicólogos e dos sujeitos com limitação visual pode alcançar esse feito, pois como disse Morsley, Spencer e Baybutt (1991), melhorar a qualidade de vida de crianças cegas pode, muitas vezes, ser alcançado por mudanças relativamente diretas, sem a necessidade de depender de alta tecnologia, nem de grande despendimento de tempo por professores ou pais. Cremos que para que isso ocorra, é necessário, tão somente, que se tenha boa vontade, diligência e apoio, inclusive financeiro, de órgãos oficiais e, mesmo, não-governamentais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HELLER, M. A. ? Picture and pattern perception in the sighted and blind: The advantage of the late blind. Perception, 18: 379-389, 1989. HELLER, M., CALCATERRA J. A., GREEN, S. and LIMA, F. J. ? The Effect of Orientation on Braille Recognition in Persons Who Are Sighted and Blind. In: Journal of Visual Impairment & Blindness, no. 7, volume 93: 416-419, 1999. HELLER, M. A. ? Haptic perception in blind people. In The psychology of touch (pp. 239-261). M. A. Heller and W. Schiff (Eds.), Hillsdale, NJ, Lawrence Erlbaum Associates, 1991. KATZ, D. ? The World of Touch. L. E. Krueger (Trans.), Hillsdale, N. J., Erlbaum, 1989. LEDERMAN, S. J., & KLATZKY, R. L. ? Hand movements: A window into haptic object recognition. Cognitive Psychology, 19: 342-368. 1987. LEDERMAN, S. J., KLATZKY, R. 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