UM ATO DE AMOR His Pregnant Mistress Carol Marinelli Após uma pausa, a voz de Ethan soou como o estalar de um chicote. — Mia, estamos no século vinte e um. Você não pode simplesmente alegar que meu irmão é o pai da criança só porque é conveniente para sua conta bancária. — Não estou alegando que o bebê é do seu irmão. — Finalmente ela conseguiu olhar para ele. — Este bebê é meu, Ethan. Na verdade, nunca quis que ninguém de sua família ficasse sabendo, principalmente agora que Richard... — Mas Richard realmente morreu — disse Ethan. E se você realmente está dizendo a verdade, se o bebê é realmente dele, então temos muito o que conversar. Digitalização: Ana Cris Revisão: Crysty Cara leitora, Quando se tem um patrimônio valioso sempre há desconfiança em relação às pessoas que se aproximam... Esse é o caso de Ethan, um milionário que não sabe se deve acreditar em Mia, que diz estar grávida de um filho do seu irmão, já morto. Será que ela não passa de uma oportunista interesseira? E isso que você vai descobrir ao se envolver nessa trama cheia de encontros, desencontros e surpresas! Quem sabe a verdade e o verdadeiro amor não aparecem? CAPITULO UM Não olhe para cima. Não olhe para cima. Mia repetiu estas quatro palavrinhas para si mesma várias ve­zes, sabendo, sem sombra de dúvida, que era a única maneira de superar aquele momento terrível em sua vida. Tentou concentrar-se no panfleto que segurava. As mãos tre­miam tanto que quase não conseguia lê-lo, mas foram as lágrimas que brotaram de seus olhos, assim que viu a foto de seu querido amigo Richard sorrindo, como se fosse para ela, que tornaram de fato impossível sua leitura. O fim agonizante de uma vida tão bela não fazia o menor sentido. Nada fazia sentido naquele dia. Nada nos arredores da igreja, ou nas pessoas de aparência aus­tera que lotavam seus bancos, combinava com a essência de Ri­chard. Podia contar nos dedos de uma das mãos seus amigos ver­dadeiros, os chamados sonhadores e idealistas, que ficaram rele­gados, como ela própria, aos últimos bancos da igreja enquanto os Carvelle e sua comitiva sentaram-se na frente com seus ternos pretos, sufocados pelo calor tropical ao qual não estavam mais acostumados. O abafado calor de final de tarde em Cairns era ape­nas uma lembrança distante para eles, já que mudaram para o sul, um a um, abandonando suas raízes em prol de uma segurança con­creta para suas imensas riquezas e seus egos grandes demais, mes­mo para a beleza exuberante do Norte, mais precisamente de Queensland do Norte, onde começaram suas fortunas construindo e administrando hotéis de luxo. Somente Richard. Enquanto ela olhava fixamente para o papel em sua mão, sua boca se retesou e só então percebeu que o que sentia naquele mo­mento era raiva. Raiva pela insensibilidade que reinava entre os Carvelle. Até a foto que escolheram era incorreta, mostrando um Richard empertigado e formal vestindo terno e gravata, absolutamente dis­tante da imagem descontraída que espelhava como realmente é. Era. A correção mental do tempo do verbo causou uma dor assusta­dora que a fez colocar as mãos sobre o ventre, massageando-o. Tentou acalmar-se pelo bem do bebê. O filho de Richard. O pânico que tomou conta dela exacerbou-se pelo ruído que as pessoas fizeram para ficar de pé, e apesar da tentativa de levantar-se também, suas pernas tremiam tanto que tudo que desejou foi conseguir passar por todas as formalidades sem chamar a atenção. Assim, ela ficou de olhos baixos enquanto o cortejo passava. O cheiro horrível de incenso trouxe dolorosas recordações do fune­ral de seu próprio pai, dois anos atrás. Mas apesar de sua promessa de não olhar para cima, para manter-se controlada* quando a mú­sica silenciou e a congregação aquietou-se a estratégia de Mia foi por água abaixo. Atraída pela figura de terno escuro ao lado do caixão, levantou o olhar e não conseguiu desviá-lo do rosto da­quele homem, que assombrou seus sonhos nos últimos sete anos, o rosto do homem que a amou, o olhar do homem que tanto a ado­rou e que a descartou tão cruelmente. Ethan. Somente seu perfil altivo era visível acompanhando a sombria procissão, tomando seu lugar no primeiro banco, olhando fixa­mente para a frente enquanto a voz do ministro saudava a congre­gação com palavras bem articuladas, e embora estivesse lá por Richard, foi Ethan quem deteve a atenção de Mia, que não parou de observá-lo, percebendo, indubitavelmente, como ele era diferente de seu irmão mais novo a quem velavam. Richard, de pele clara e cabelo ruivo, tão vulnerável e frágil, era a absoluta antítese deste homem alto, imponente e confiante, de cabelos negros e pele mo­rena que estava de pé na frente da igreja. O único sinal de emoção em seu rosto impassível foi seu maxilar contraído num silêncio de pedra, enquanto o restante da congregação cantava e uma das mãos que levou às costas contraídas sob seu terno. Tudo o que Mia desejou naquele momento solitário de sua vida foi que a visão daquele homem tão distante no primeiro banco da igreja não à ti­vesse abalado tanto. Ela acreditou do fundo de seu coração que após sete anos Ethan Carvelle parecer-lhe-ia menos impressionante, menos autoritá­rio... e menos bonito. Dizer adeus a Richard foi demasiadamente doloroso para Mia. O câncer tomou conta de seu corpo e destruiu-o pouco a pouco, como uma bela estátua que se desmantela vagarosamente. Sua memória recente desapareceu e foi seguida pela perda do controle de suas funções motoras. Ela enfrentou todo o processo, inclusive a agonia de ver seu humor refinado desaparecer com o aumento da dificuldade para completar um raciocínio, uma piada, mas nada se comparou à tragédia do dia em que percebeu, através de seu olhar vago e da ausência de seu usual sorriso quando ela chegava, que ele não a reconhecia mais. Quando o médico avisou-a gentilmente que Richard jamais retornaria, Mia despediu-se do querido amigo e do maravilhoso homem. A igreja, o cortejo, o enterro eram meras formalidades. O fim de fato havia se dado há algumas semanas. Ela pensou que, assim como aconteceu com Richard, o tempo tivesse abrandado sua dor pela cruel rejeição sofrida por Ethan. Entretanto, quando viu Ethan sair do seu banco e caminhar para a parte da frente da igreja, sentiu a respiração presa na garganta, um choque percorreu todo o seu corpo, como quando viu seu belo ros­to pela primeira vez. Ele parecia ainda mais alto, os ombros mais largos, e o passar dos anos havia feito bem a ele. O cabelo, ainda negro, estava mais curto. A juventude de seus 23 anos das semanas memoráveis de sete anos atrás foi substituída por uma maturidade que literalmen­te a fez perder a respiração. E não apenas ela, mas todos se vira­ram para sua figura altiva. Ele tinha toda a igreja na palma de sua mão — não só por ser irmão de Richard, não só por seu sobrenome ser Carvelle, mas porque sua mera presença exigia respeito. Ele podia entrar num bar no outro lado do mundo e pedir um drinque em seu tom articulado, que todas as cabeças se virariam para ele, todas as mulheres se ajeitariam em suas cadeiras e todos os ho­mens tentariam parecer mais altivos. Ele fez uma pausa antes de começar a leitura e olhou para baixo por uma fração de segundo. Mia observou seu pomo-de-adão su­bir e descer esperando, num silêncio tenso, que aquele homem acostumado a falar em público fizesse o discurso mais difícil de sua vida. Ver suas mãos, que um dia a abraçaram tão ternamente, segurando o púlpito de forma controlada e ouvi-lo discursar com sua voz profunda, sobre sentimentos e emoções opostos aos que demonstrou sentir anos atrás, foi como ter flechas atingindo seu coração que já sangrava. Era mais do que podia suportar. Desviou os olhos para suas próprias mãos sobre o ventre e mordeu os lá­bios. Seus joelhos tremeram quando ele pronunciou palavras que eram a antítese da crueldade com que a tratou. Lágrimas irrompe­ram de seus olhos, quando ao final de seu discurso ela o ouviu fa­lar sobre fé e esperança — a fé que ele abalou e a esperança que destruiu. — E assim, estes três sentimentos prosseguirão: fé, espe... — Ethan fez uma pausa um pouco mais longa, hesitou, pigarreou, e a congregação mostrou desconforto enquanto Ethan esforçava-se para continuar. — Fé. — Ele pronunciou a palavra isoladamente, deu uma pau­sa um pouco mais longa novamente, e Mia falou para si mesma a palavra seguinte, relembrando com amargura a esperança que existiu no passado, a esperança que há na concepção de uma crian­ça, um futuro para Richard que eles esperaram assegurar. Mas, como a pausa continuou, sua mente voltou-se para o caminho do­loroso e familiar que a levava a Ethan. Voltando os olhos para cima, ela lembrou-se da esperança que os cercou anos atrás, nas semanas em que o tempo pareceu parar, em que eles vislumbra­ram um futuro e apesar da agonia que lhe causou e também ao seu pai, naquele momento ela condoeu-se dele, por aquele homem forte e orgulhoso que estava de pé, sozinho, em frente à congrega­ção, uma vez na vida hesitante e balbuciante. Não sentiu nenhuma alegria em vê-lo sofrer, nenhum prazer em presenciar sua dor. Os olhos dele moveram-se rapidamente e olharam para ela, e, pela primeira vez em sete anos, seus olhos se encontraram. Como se houvesse somente os dois na igreja, como se todos aqueles anos tivessem ficado para trás e ela estivesse em seus braços de novo, a proximidade que tiveram, de alguma forma, esteve presente na­quele olhar. Instintivamente demonstrando apoio, ela fez um sinal positivo com a cabeça, como se para assegurá-lo de que estava indo bem. Como uma mãe assistindo a uma peça de seu filho na escola, incentivando-o a continuar; e funcionou, Ethan continuou olhando para seus olhos até terminar o discurso. — Fé, esperança e amor... E o maior destes é o amor. Propositalmente ele desviou o olhar e voltou para seu lugar. O restante da cerimônia passou rápido, e as lágrimas de Mia secaram enquanto a multidão saía. Ela respirou o ar fresco piscando os olhos devido à claridade do sol. As pessoas formaram fila para cumprimentar os Carvelle antes que eles se dirigissem ao crema-tório; a cremação foi privativa aos membros da família e deixou os amigos de fora. Provavelmente nunca passou pela cabeça deles que ela esteve mais tempo com Richard do que todos eles juntos. Podia argumentar, caso quisesse. Ressaltar que, gostando ou não, ela também fazia parte da família, que o volume do seu ven­tre sob o vestido preto dava todos os motivos para que ela se jun­tasse a eles. Mas não o fez. Ao contrário, ela murmurou suas condolências, apertou as mãos de intermináveis rostos e beijou o rosto da mãe de Richard, como se estivesse tocando uma cobra. Mia olhou para os frios olhos azuis de uma mulher que, embora tivesse dado à luz dois filhos, não tinha o menor instinto maternal. — Srta. Stewart. — Seus lábios se contorceram para dizer estas duas palavras, como se fosse o máximo que conseguisse dizer. — Sinto muito pela perda — Mia respondeu-lhe, desejando que a fila andasse e que tudo terminasse, mas Hugh Carvelle estava falan­do atentamente com outro cavalheiro de terno escuro, e Mia perce­beu que seria obrigada a encarar a mãe de Richard um pouco mais. — Foi uma bênção — Rosalind lhe disse com uma voz estuda­da. — Richard estava sofrendo muito. Talvez o mais educado tivesse sido concordar, mas Mia sim­plesmente não conseguiu. O que esta mulher sabia sobre a dor de Richard? Como se atrevia a fazer este simples comentário quando, apesar dos telefonemas de Mia pedindo para ela visitá-lo, ficou apenas uma hora com o filho nas últimas semanas, dando uma passada rápida no sanatório, desaparecendo em seguida? E onde estava sua bênção? Onde está a bênção quando um homem de vinte e oito anos jaz morto? Respirando profundamente, Mia tentou acalmar sua fúria, disse a si mesma que Rosalind Carvelle era uma mãe que estava sofren­do e que não deveria julgá-la e respirou aliviada quando a fila fi­nalmente andou. Mia ouviu quando Hugh, que claramente não a reconheceu ou lembrou-se de que demitiu seu pai tão impiedosa-mente sete anos atrás, convidou-a para um drinque num hotel cin­co estrelas após a cremação privada. Mia desejou que a fila andas­se mais rapidamente e sentiu sua respiração tornar-se forte quase impedindo de controlar-se, quando finalmente a mão de Ethan en­volveu a dela. Ela não precisou olhar para seu rosto para saber que era ele, sentiu a força de sua presença a poucos centímetros dela, o toque da pele dele em sua mão. — Mia — disse ele em tom baixo. Ela sentiu seus olhos quei­marem o topo de sua cabeça enquanto ela olhava fixamente para o chão. — Obrigado por estar aqui hoje. Sei que isto significaria muito para o Richard. — Como? — Seus olhos brilhantes olharam rapidamente para os dele. — Como pode saber o que significaria muito para o Ri­chard se mal falava com ele? Ela não desejara aquilo. Em momento algum desejou um con­fronto, então por que estava provocando um desastre? Por que olhou desafiadoramente para um homem que não só partiu seu co­ração, mas também envolveu seu pai, um homem acima de qual­quer suspeita, em coisas tão terríveis? Por que ela não se afastou com o resto de dignidade que ainda tinha, em vez de expor sua dor? Por que encarou aquele rosto e questionou seu amor pelo ir­mão? Ele não conseguiu olhar. Não conseguiu olhar para aquelas duas jóias brilhantes que o prenderam, para as duas piscinas azuis que capturaram seu cora­ção, lembrando-se de quando se conheceram e como ela o seduziu com um simples sorriso. Até mesmo antes de a garçonete o levar à mesa na varanda, quando passou pela pesada porta de vidro, seus olhos foram atraí­dos para ela. Sua pele bronzeada se destacava no sol de fim de tar­de e seus olhos estavam protegidos por óculos enquanto olhava na direção do oceano. Um leve vestido verde-claro mostrava um pe­daço de suas coxas, simples sandálias prateadas nos pés. Todos estes detalhes foram processados por Ethan num segundo, exceto seu cabelo louro, com cachos pendendo de um, rabo-de-cavalo preso no alto de sua cabeça que tomou mais alguns segundos do tempo dele. Brincos compridos prateados dançavam sedutores, sombreando seu pescoço longo e fino embora sua cabeça estivesse perfeitamente ereta. Mesmo que a garçonete o tivesse levado para outra mesa, ele teria se dirigido até ela, para apresentar-se àquele inacreditável exemplo de feminilidade. Mas numa deliciosa arma­dilha do destino, a garçonete o levou à mesa dela. — Mia Stewart. — Ele sorriu ao sentar-se, forçando-se a lem­brar-se de que era apenas uma noite de negócios. Negócios, Ethan lembrou a si mesmo. Richard não estava pre­sente e esta senhora certamente sabia o porquê. Todos os caminhos levavam a ela. Mia Stewart a amiga hippie e artista de Richard. Mia Stewart, filha do gerente do Hotel Cairns. O gerente que estava sendo secretamente investigado. Algumas de suas transa­ções chamaram a atenção dos olhos de águia de Ethan no escritó­rio de Sydney, e ele alertou, seu pai. A qualquer momento, Conner Stewart poderia ser demitido, não apenas sem sequer um aperto de mão, mas, caso as suspeitas de Ethan se confirmassem, com aros de metal em torno de seu pulsos. — Meu nome é Ethan. — Esticando a mão para ela, de alguma forma conseguiu manter a voz indiferente dando-lhe seu sorriso habitual, enquanto ela com uma das mãos apertava a sua e com a outra mão tirava os óculos de sol. — Obrigado por ter concordado em encontrar-se comigo. — Como não concordar? — Ela deu de ombros levemente. — Tudo parece muito misterioso. Richard desapareceu e você presu­me que eu sei do seu paradeiro. Deixou-me intrigada. — Sou eu que estou intrigado. — Ethan retrucou. — Você é supostamente a namorada dele, e mesmo assim não sabe onde ele está? — Você entendeu tudo errado. — Creio que não... — Ethan começou, mas foi interrompido, já que Mia continuou falando: — Richard e eu somos apenas amigos. Em outra ocasião, ele teria feito mais pressão, questionado mais, mas ela tirou os óculos revelando olhos cor de água-marinha, emoldurados por espessos cílios negros, olhos tão profundos e divinos quanto o oceano que estava atrás dela, e Ethan sentiu-se ruborizar pela primeira vez na última década. Mia Stewart, que, naquele exato momento, capturou seu coração. — Sei que você e Richard eram muito chegados. — A mão dele ainda segurava a dela, seus olhos negros ainda olhavam para a ca­beça dela, a voz firme, nenhum traço da hesitação na igreja. — Sei que os últimos dias foram terríveis, e hoje deve estar sendo difícil também. — Ela sentiu o sangue correr em suas pálidas faces, o coração disparando, a respiração descendo quente em seus pul­mões, quando ele olhou para a protuberância de sua barriga sob o vestido preto. Ele desviou o olhar para sua mão e ela percebeu que ele notou que não usava aliança. — Você e seu acompanhante não querem se juntar a nós para um drinque após a cremação? — Estou sozinha. — Talvez possamos conversar... — Não creio que haja nenhum motivo para conversarmos, não acha? — Quero dizer sobre Richard. — Pela primeira vez ele pareceu desconfortável, mas rapidamente se recuperou. — As vigílias são importantes para velarmos, para relembrarmos... — Lembrarei de Richard à minha maneira — Mia interrompeu. — E certamente não preciso da permissão dos Carvelle. Ela decidiu parar. Não podia continuar a desafiar Ethan Carvel­le e manchar a memória de Richard desta maneira, embora não pudesse confortar nem ser confortada por sua família fria e egoísta. Era mais seguro ir embora. E ela se segurou respeitosamente enquanto o caixão era levado. Ethan, carregando o irmão sobre os ombros largos para sua jorna­da final, um sinal de lágrimas em seus olhos negros, aquela boca deliciosa contorcida de dor. Quando viu o carro contendo o corpo de Richard desaparecer de suas vistas, a parte de trás da cabeça de Ethan no carro da famí­lia seguindo-o vagarosamente, a verdadeira profundidade de sua perda finalmente a tocou. Com as mãos sobre o ventre, pensou no bebê cujo pai ele nunca conheceria, a lembrança do ato de amor que pareceu tão certo um dia, tão direto e sem complicações, a aterrorizou, levando-a a um pânico que talvez nunca terminasse. O peso da responsabilidade caiu sobre seus ombros de uma forma quase insuportável. Pontinhos prateados dançavam perante os olhos de Mia en­quanto o chão pareceu se aproximar dela. Ela ouviu os gritos da multidão, quando desmaiou sobre a grama. Dor, agonia, passado e presente tomaram conta dela, sufocando-a. Mas não era somente o fato de que o pai do bebê estava mor­to, foi o fato de que ela estava totalmente sozinha. Muito pior do que a perda e o sentimento de solidão, entretanto, foi o que ela percebeu. Por mais que o odiasse por tudo que havia feito a ela e ao pai dela, ver e ouvi-lo, sentir sua mão na dela, fez Mia entender que seria para sempre. Percebeu que, depois de to­dos aqueles anos, seu sentimento ainda era forte, a dor que ele lhe causou nunca diminuiria. Depois que fecharam as portas e deixaram o cemitério em dire­ção ao hospital, do interior da ambulância gelada, Mia ouviu a si­rene e sentiu colocarem uma máscara em sua face. Mas nada disto importava, não quando toda uma vida de agonia passava em frente aos seus olhos. Ela ainda amava Ethan Carvelle. CAPITULO DOIS — Realmente preferimos que fique aqui. — Um médico aparen­tando impaciência verificava as anotações sobre ela. — Pelo me­nos por mais um ou dois dias, até sua pressão baixar. — É praticamente impossível que ela baixe aqui — replicou Mia, desejando que todos a deixassem em paz, que pudesse entrar em seu carro e dirigir de volta para casa para refletir sobre os acontecimentos do dia em seu próprio ambiente. — Quando esti­ver em casa, ficarei bem. — E se não ficar? — O médico olhou para ela friamente por sobre os óculos. — Você não mora perto, srta. Stewart, mora a duas horas de distância do Cairns, nas montanhas. Tudo bem que arrisque sua própria saúde, mas tenha em mente que está grávida de sete meses. Contestar uma internação de uns dois dias... — Quem está contestando? Graças a Deus já tinham tirado o aparelho de seu braço, porque se a pressão já estava alta antes, tinha certeza de que chegou ao teto quando ouviu a voz de Ethan. O cheiro de sua colônia se mis­turou ao cheiro anti-séptico do local, sua presença dominou o am­biente e até o médico foi mais cortês ao dirigir-se a ele. — Estava explicando à sua mulher, senhor. — Ela não é minha mulher. — Ethan corrigiu, totalmente à vontade, enquanto os olhos do médico vasculhavam as anotações. — Bem, sua companheira, então. Estava tentando explicar a ela que é imperativo que ela fique no hospital por uns dois dias pela saúde do bebê... — Também não é minha companheira. É uma amiga. — Certamente não. — replicou Mia. — Uma conhecida é uma descrição mais exata. — Qual é o problema exatamente, doutor? A expressão horrorizada de Mia pela rude intromissão de Ethan devia ter sido suficiente para impedir o médico de continuar, mas como os dois se puseram praticamente de costas, discutindo sobre ela como se não estivesse ali, só lhe restou continuar deitada, in­dignada. — A pressão está alta, está ligeiramente desidratada e um pou­co abaixo do peso. Apenas queremos mantê-la aqui por uns dois dias para garantir uma evolução normal da gravidez. Mia estava prestes a responder, quando, com a voz calma e es­tudada, Ethan apoiou o que ela dizia. — E se ela concordar em voltar amanhã para uma consulta? Certamente sua casa é o lugar mais apropriado para que ela des­canse. — Em circunstâncias normais, sim, mas considerando que ela mora a duas horas da cidade, está fora de questão. Ela precisa de descanso, não de dirigir pelas estradas nas montanhas. E se tiver algum problema, não conseguirá ser socorrida com rapidez. — Parece sensato — concordou Ethan. — Não se preocupe, doutor, vou conversar com ela. — Não vai não. Finalmente lembrando-se de que Mia era a paciente, o médico dirigiu-se a ela: — Estou esperando seu médico me ligar com seu histórico pré-natal, mas, neste meio tempo, fique deitada e relaxe. Talvez seu "conhecido" consiga transmitir-lhe um pouco de bom senso. — Farei o possível. A sós com Ethan, a raiva pareceu desaparecer e ela ficou olhan­do para baixo, sem coragem de quebrar o silêncio opressivo, mas finalmente acabou cedendo. — O que está fazendo aqui? — Estou começando a me perguntar a mesma coisa. Devia es­tar ao lado de uma garrafa de uísque conversando sobre Richard e nossa suposta infância feliz... — Se ela tivesse olhado para ele, teria visto sua fisionomia se suavizar. — Quando cheguei ao hotel fiquei sabendo que uma mulher havia desmaiado no funeral. Os adjetivos "loura" e "grávida" me fizeram supor que era você. — Não precisava ter vindo. — Eu sei, mas estava preocupado com você. — Está um pouco tarde para se preocupar comigo, Ethan! — Ela pôde sentir a amargura em sua própria voz. — Sete anos, na verdade. Você perdeu todos os direitos de se preocupar comigo quando fugiu de mim sem olhar para trás e quando conseguiu fa­zer meu pai ser expulso dois dias depois... — Ele não foi expulso. Lembro-me perfeitamente de ter assi­nado o cheque... — Foi expulso! — Mia interrompeu-o, lembrando-se da dor de seu pai ao ser demitido depois de vinte anos de trabalho devotado, acusado de roubo. — E pior, esperaram sua gratidão porque não chamaram a polícia. — Ele estava adulterando os livros, Mia... — A voz de Ethan era puro gelo, mas quando olhou para ela deitada, a barriga salien­te por baixo do lençol branco, vendo a devastação e a exaustão em seu rosto, ele decidiu se abrandar. — Só queria ter certeza de que você estava passando bem. — Estou bem. — Não foi o que disse o médico — contradisse Ethan, porém com uma voz mais gentil. — Ele acha que você não está nada bem. — Não é problema seu. — Eu sei. — Na verdade, você não tem absolutamente nada a ver com isto. — Graças a Deus — dando um sorriso malicioso, só para mos­trar que ainda estava no controle da situação. — Então, posso de­duzir que você quer que eu vá embora? Mia concordou com a cabeça, porque não confiou em sua pró­pria voz. Era a última coisa que queria, mas era a mais segura. — Vou pedir para o restante das visitas entrarem quando eu sair. — Restante das visitas? — Ela olhou para ele e depois perce­beu que tinha caído em sua armadilha. — Não há exatamente uma fila de visitas preocupadas esperan­do, para levá-la para casa. Onde está o pai da criança? Ela sentiu o suor em sua testa, seu rosto pálido enrubesceu en­quanto Ethan a observava. — Ele não existe mais. Ele perdeu a respiração, uma longa pausa seguida de palavras muito afiadas. — Outro "conhecido", eu suponho. — Muito mais do que isto. — Ela olhou fixamente para ele, os olhos brilharam de dor, quase disse-lhe a verdade, mas se controlou. — Então me diga, Mia, você pretende dirigir sozinha para casa? — É claro. Estou bem! — Não, você está abaixo do peso, desidratada e com pressão alta. — É claro que está alta. — A voz de Mia se elevou. — Passei os últimos meses dirigindo todos os dias para visitar Richard, além de tentar manter minha galeria funcionando... — Galeria? — Meu antigo estúdio. O que meu pai... — Onde nós... — Ele parou de falar, como se de repente perce­besse o risco daquela pergunta. O fato de terem feito amor lá não tinha mais nenhuma importância. As lágrimas brotaram incontroláveis, indesejáveis, já que ela não queria que ele presenciasse aquilo, mas vê-lo lá foi emoção demais, e a tensão que ela tentou segurar o dia todo brotou junto com seus soluços, sacudindo seu corpo esgotado. Ethan aproxi­mou-se e em um segundo a puxou para seus braços, abraçando-a com firmeza. Era o único lugar do mundo onde ela desejava estar, o único lugar que sentia realmente pertencer-lhe. E embora estivesse errado, embora isto só pudesse complicar as coisas, naquele momento precisava dele. Quis aqueles braços fortes em torno de si porque precisava somente de um pouco da força de Ethan Carvelle. Embora fosse transitório, e por todas as razões erradas, ela se deu ao direito de se deixar abraçar por ele e se abandonar por um breve momento. — Não tenho a pretensão de saber nada sobre arte — a voz dele era reconfortante — e sei que não significo nada para você com­parado a Richard... — Ela sentia seu cheiro abandonada em sua força e moveu sua cabeça levemente, discordando. Nada poderia jamais substituir Richard, mas Ethan era tudo para ela, sempre foi e sempre seria, mas a sensibilidade prevaleceu, impedindo-a de falar o que jamais deveria ser dito. — Mas se seu carro precisa de um motorista, eu sou o cara. O lampejo de humor foi tão inesperado que ela parou de lutai contra seus sentimentos, provavelmente pela primeira vez em sete anos. — Deixa para lá, Mia. — O rosto dele estava apoiado no cabelo dela, a face dela em seu peito, e ela sentiu cada respiração dele enquanto seu coração batia de encontro a ela. Seu cheiro, que ela havia buscou durante sete anos, inundou suas narinas e era tudo de que ela precisava, e talvez ela devesse dizer isto a ele. — Srta. Stewart? — O médico estava de volta, e Mia se retesou, mas Ethan permaneceu segurando-a. — Acabei de falar com seu médico ao telefone. Ele me contou um pouco de sua história. Desculpe-me, não sabia que era o pai da criança que havia enter­rado hoje. Mia sentiu Ethan ficar tenso em seus braços. Ele perdeu a res­piração por um longo tempo, depois se recobrou e a apoiou nos travesseiros, não deixando transparecer nenhuma emoção diante dos olhos angustiados dela. — Talvez, considerando as circunstâncias — continuou o mé­dico, alheio à tensão causada pela bomba que havia acabado de detonar no quarto —, sua casa seja o melhor lugar para você. En­tretanto, gostaria que deixássemos o soro acabar, para que tenha­mos certeza de que você está adequadamente hidratada e quero que volte aqui amanhã, ou ao seu médico, para checar sua pressão. — Obrigada — Mia murmurou, procurando ver alguma reação de Ethan à notícia que tinha acabado de ouvir, mas ele não de­monstrou nada. — Naturalmente, alguém deve levá-la para casa. — Eu a levarei. — A voz de Ethan estava extremamente calma. — Quanto tempo levará até o soro terminar? — Mais ou menos uma hora — respondeu o médico. — Dê-me suas chaves. — Ele pegou a bolsa dela e entregou-lhe. — Vou pegar seu carro para você. — Lançou-lhe um olhar sombrio. — Uma coisa a menos para você se preocupar. — Estarei de volta em uma hora, doutor. E, para seu governo, a srta. Stewart está abalada pelo luto, claramente não está em condições de decidir sobre sua situação, por isso sugiro que o senhor se certifique de que ela estará aqui quando eu retornar. O médico retirou-se do quarto e subitamente Mia desejou que Ethan estivesse fora disto tudo. — Doce Mia — disse-lhe ele finalmente, com a voz cortante — Você pode enganar os médicos, seus amigos, até mesmo alguns jornalistas com sua história, mas estamos no século vinte e um Mia. Você não pode simplesmente afirmar que Richard é o pai somente pelo bem de sua conta bancária. — Não estou afirmando nada. — Finalmente, ela conseguiu olhar para ele. — Este bebê é meu, Ethan. Na verdade, nunca quis que você ou que sua família descobrissem isto. Foi você que veio aqui, lembra? — Baboseiras. — A voz dele saiu ameaçadoramente calma, ele balançou a cabeça calmamente, não acreditando no que tinha ouvido. — Se este bebê é de Richard, como não sabemos de nada Por que ele não nos contou? Se é filho de meu irmão, por que não incluiu em seu testamento? — Porque não houve tempo, mas não vou fingir que não é filho dele só para que você se sinta melhor. Porém, para sua infor­mação, sempre pretendi criar este bebê sozinha. Foi como plane­jamos. — O quê? — Seus olhos incrédulos olhavam para ela. — Eu sempre quis criar este filho sozinha, não importando o que acontecesse com o Richard. Sempre quis uma produção inde­pendente. — Quem precisa de um homem em sua vida? — disse-lhe, em tom sarcástico. Qual a finalidade de criar um filho com uma pre­sença masculina por perto? Seria este mais um de seus esquemas meio hippies no qual envolveu Richard, Mia? — Ele sacudiu a ca­beça. — Você nunca me enganou, Mia Stewart. Planejou cada detalhe, não foi? Foi sua última cartada para pôr as mãos na fortuna dos Carvelle. — Você não me assusta, Ethan, e sua fortuna também não me intimida. Por incrível que possa parecer-lhe, não quero um centa­vo dos Carvelle. — Ela deu uma gargalhada baixa e melancólica. — Aliás, não quero nenhum de vocês por perto, mas não vou es­conder da criança quem é o pai dela. Não vou mentir só para faci­litar minha vida. E filho de Richard e nunca me envergonharei disto. Algo no tom de voz dela o atingiu, talvez seu orgulho, ou o bri­lho em seus olhos. Ele olhou fixamente para a barriga dela, depois passou uma das mãos no rosto e cobriu a boca por um segundo. Fechou os olhos parecendo que ia desmaiar, mas recuperou-se ra­pidamente e repetiu a pergunta que ela ainda não havia respondi­do, mas algo em sua fisionomia e sua voz demonstrava que ele es­tava começando a acreditar que o bebê era de Richard. — Por que não soubemos de nada? — A voz dele estava rouca e ele pigarreou, olhando para ela com um olhar sombrio, porém não estava mais tão seguro de si. — Por que Richard nunca disse nada? Ele nunca sequer deu a entender que vocês eram mais do que simplesmente amigos... — Durante uma de suas ligações semanais? — Mia retrucou com sarcasmo, já não se importando em amenizar nada, depois que foi acusada de querer o dinheiro dos Carvelle. — Talvez ele devesse ter incluído este detalhe num dos e-mails que vocês troca­vam eventualmente. — Quando notou a dor nos olhos dele, perce­beu que tinha ido longe demais. O dia do funeral não era muito adequado para abordar o abismo entre os irmãos e a tragédia de um relacionamento que se reduziu à troca de cartões de aniversá­rio e Natal. Ethan não era culpado por ela ainda amá-lo. — Mas este bebê sempre foi muito desejado. Talvez Mia tivesse tirado suas luvas de boxe, mas Ethan ainda manteve as dele, cada palavra dita por ele era um golpe em sua alma, já tão fragilizada. — Por favor — disse com sarcasmo. — É tão desejado que nin­guém da família sabe de nada, tão desejado que nem soubemos; que vocês eram namorados. — Ele não ia morrer! — A agonia demonstrada em cada palavra forçou Ethan a ficar quieto até que ela terminasse. — Ele não devia morrer. — Ethan permanecia imóvel. — Ele tinha câncer, Mia. Os médicos deram a ele 18 meses de vida, dois anos no máximo. Que raios ele tinha na cabeça fazendo filhos por aí? Por que trazer uma criança ao mundo sabendo que nunca a veria crescer? Não faz sentido. — Nem todos nós vivemos sob suas regras, Ethan; não anda­mos por aí com uma calculadora mental contabilizando os prós e contras, verificando a longevidade e projeções distantes. Richard sabia que talvez nunca viesse a ver seu filho crescer, e eu sabia também, mas foi um risco que nos preparamos para assumir... — Vocês realmente conversaram sobre isto? — Sua voz e seus olhos demonstraram uma incredulidade que somente os distanciou ainda mais. — Conversamos sobre isto durante semanas, Ethan, durante semanas. — Então, não foi um acidente, uma noite apenas... — Este bebê foi planejado, Ethan. — Aposto que sim. Foi o que planejou durante anos, não foi? — Ethan, por favor, você não entende. ; — Será que não? — Ethan aproximou o rosto ameaçadoramente. — Poupe suas lágrimas, Mia. Você já conseguiu o que queria, ou pelo menos, uma boa parte. — O que você quer dizer com isto? — Você não conseguiu o sobrenome que sempre quis, mas usou um homem moribundo e confuso para garantir sua ligação com os Carvelle definitivamente. Sinto muito, mas você escolheu a família errada, Mia. Eles encontrarão alguma maneira legal de mantê-la distante até que consiga ver algum centavo. — Ele colo­cou uma das mãos na barriga dela por um momento e fechou os olhos, como se fisicamente sentisse dor ao tocá-la, ao sentir a vida dentro dela. — É isto que esta pequena criatura significa. A que ponto você chegou para conseguir o que queria. — Nunca teve nada a ver com dinheiro. — Ótimo, porque você vai morrer esperando que meus pais apareçam. Nenhum bebê sorridente e balbuciante conseguirá amolecer seus corações de pedra. — Não preciso do dinheiro dos Carvelle — murmurou Mia. — Tenho minha vida, minha casa, minha carreira, da qual me orgu­lho, consigo viver muito bem por minha conta. Ela pensou que fosse o fim da discussão, chegou a pensar que não o veria mais, que Ethan sairia do quarto, mas ele ficou, aper­tando os olhos na direção dela. — E agora? — Você continua vivendo a sua vida e eu a minha — Mia retru­cou-lhe, e sentiu o vazio de suas palavras. Quando contou a Ethan que ela carregava o filho de Richard no ventre, soube que ele não iria simplesmente embora. — Não espero que você entenda, Ethan — disse mais suavemente. — Não espero que entenda o que Ri­chard e eu vivemos, tudo o que peço é que acredite que não tem nada a ver com dinheiro e tudo a ver com amor. Ele não devia morrer... — As lágrimas brilhavam naquelas piscinas azuis, e a cor era tão vivida que trouxe reminiscências da bela terra onde ela morava. Por um breve momento, ele sentiu como se tivesse volta­do para casa, não apenas para o paraíso tropical de Cairns, mas também para Mia, um sentimento tão estranho que brotou dentre dele, uma dor tão concreta que tomou conta dele, que levou um segundo para que Ethan registrasse aquilo como desejo. Desejo de voltar àquele paraíso seguro que ele havia encontrado anos atrás, quando ficaram um nos braços do outro e o mundo pareceu em paz. E ele sofreu por querer secar-lhe as lágrimas, tomá-la nos braços e fazê-la sentir-se segura. Mas não pôde. Não podia cair em sua armadilha de novo, sucumbir ao seu charme, precisava manter sua cabeça em ordem e esquecer seu co­ração. — Mas ele morreu — disse ele finalmente. — Richard morreu; Mia, e se você estiver dizendo a verdade, se esta criança for dele, então temos muito sobre o que conversar. Sentiu os pêlos de seu pescoço se arrepiarem ao perceber que aquele dia não seria um ponto final, ao contrário, tudo estava apenas começando. Aquele dia seria o primeiro parágrafo. — Espere aqui — ordenou ele. — Vou pegar seu carro, mas nem pense em sair daqui e pegar um táxi, Mia. Acredite, eu encon­tro você. CAPÍTULO TRÊS Ela precisava partir. Cada minuto lhe dava mais certeza de que precisava pegar suas coisas, se atirar num táxi e sumir dali. Ethan Carvelle não manda nada aqui. Não pode obrigá-la a fi­car no hospital, não tem nada a ver com isso. Era a vida dela, e tinha o direito de decidir se ficaria ou não no hospital. As ameaças dele não tinham o menor peso no mundo real. Ethan Carvelle não significava nada. Porém, passado mais um tempo, ela se deitou sobre os traves­seiros sabendo que era somente a si mesma que estava enganando. Ethan Carvelle significava tudo. Tinha significado desde o primeiro dia, havia sete longos anos, quando entrou naquele restaurante. Cada parte de sua pele clamou por ele desde então, desde aquele doce momento, quando ela não apenas perdeu a virgindade com ele, como também teve toda sua perspectiva de vida alterada, mudou sua visão de mundo, doce momento que a exauriu e a engoliu. Podia até sair, podia se levantar e ir embora, mas a ação seria puramente física. Sua mente, sua alma e seu coração estariam sempre com ele, e ela ansiava por uma solução, precisava desta chance de aproximação tanto quanto Ethan. Precisava dizer o quanto ele a magoou, precisava deste tempo junto com ele antes de encerrar este capítulo doloroso e seguir em frente. Sentiu sua presença antes mesmo de vê-lo. Sentiu a tensão no quarto quando o médico removeu seu soro e a enfermeira a ajudou a vestir seu corpo trêmulo. — Posso me vestir sozinha, obrigada. Mas o orgulho não tem lugar num quarto de hospital. Suas mãos tremeram, e o olhar dele tornou esta simples tarefa impossí­vel. Tentou colocar seus pés descalços nos sapatos um tanto altos demais e relutantemente aceitou a mão dele para ajudá-la a descer da maça. — Pegou tudo que é seu? — Exceto meu orgulho. — Olhou para ele com olhos furiosos. — Como se atreve a ordenar que eu fique no hospital até você re­tornar? Como se atreve a exercer sua autoridade sobre a equipe de hospital e falar sobre mim como se eu fosse uma espécie de inca­paz? Quase fui embora. — Mas não foi — disse ele, nem um pouco abalado pela reação dela. — Vire-se, seu vestido não está totalmente fechado. Se ela não estivesse grávida, teria conseguido levar a mão às costas e fechar seu vestido sozinha, mas a gravidez não lhe permitiu este luxo. Ela recusou-se a virar e Ethan passou para trás dela juntou seus cachos louros sem cerimônia e pegou a mão dela para que os segurasse enquanto ele fechava o zíper. — Está preso. — Ela sentiu a respiração dele em sua nuca, seus dedos mornos enquanto ele tentava puxar o fecho, que esco­lheu a pior hora possível para prender. Tudo bem que o vestido que escolheu não era para grávida, mas ela nunca imaginou que naquele dia, Ethan a ajudaria a se vestir. Despir, talvez. Admitir isto, ainda que fosse somente para si mesma, a fez ru­borizar. As mãos dele em contato com suas costas fizeram seu corpo todo se arrepiar, sua mão tocando sua pele exposta sob a alça do sutiã preto fez com que seus braços enfraquecessem segurando o cabelo e seus olhos se fecharam quando a mão dele moveu o pe­queno fecho. Sentir seu olhar e seu toque em sua nuca era mais do que podia suportar e mal conseguiu respirar. — Está bem. — Afastou-se rapidamente demais e o rosto im­passível dele somente fez sua tensão exacerbar-se. — Posso ir agora? — É claro. — Pegou meu carro? — Ethan concordou com a cabeça. — Como soube qual era? — Andei observando você. — Observando a mim? — Surpresa com a resposta, ela se apro­ximou, mas Ethan não se afastou. A proximidade que se tornou tão desconfortável para Mia pareceu não ter nenhum efeito sobre Ethan. — O que quer dizer com isto? Por quanto tempo tem me obser­vado? — Por algumas semanas. — Ethan sacudiu os ombros. — Ape­sar de seu discurso sobre ser a única pessoa próxima ao Richard, visitei meu irmão com regularidade. No final visitei-o todos os dias. — Mas você mora em Sydney, toda sua família está em Sydney. — Exato. E apesar de toda sua teoria sobre nossa frieza, o fato é que, após o estado de Richard ter sido diagnosticado como ter­minal, vim a Cairns todas as semanas para visitá-lo. Quando sou­be que o tempo dele estava se esgotando, mudei-me para uma de minhas propriedades locais, para passar mais tempo com ele. Era demais para ela saber que Ethan havia estado por perto du­rante semanas, segurando a mão de Richard. Abriu e fechou a boca várias vezes mas não conseguiu esboçar nenhuma pergunta. — Estava evitando você, Mia. — Suas palavras foram curtas e diretas, o olhar mais ameaçador do que ela jamais pôde imaginar ver naquele jovem com quem fez amor anos atrás. Muito diferente da ternura que demonstrou antes. — A verdade é que não imagine pior situação do que ficar no mesmo quarto que você. Um confronto perante um homem moribundo não é meu estilo. Apesar de tudo que você deve ter lido sobre mim, tenho meus escrúpulos. — Não, Ethan, não tem. — Agora era a voz de Mia que estava controlada e os olhos desafiadores. — Li tudo sobre seus negócios multimilionários, cercando como um carniceiro os hotéis à beira da falência e comprando-os por uma ninharia. — São apenas negócios. — Ethan deu de ombros. — Talvez, mas e as mulheres que atrai para sua,cama somente para descartá-las no dia seguinte? — Não sou homem de ter casos com mulheres por uma noite apenas. Se lesse os jornais mais atentamente saberia que meus relacionamentos duram um pouco mais do que isso. — Não muito mais, uma semana, um mês, no máximo. — E daí? Eu não engano ninguém, nunca digo que será pari sempre, e se perguntar a qualquer uma das mulheres com quem já me relacionei, garanto que nenhuma se arrependeu, não importai do a duração ou a qualidade do relacionamento. — Você garante, não é? — Com a respiração ofegante e os lábios rígidos, como se a fúria guardada durante todos aqueles anos estivesse fora de controle. — Bem, aqui está uma mulher arrependida, Ethan. Você está olhando para uma mulher que gostaria que o tempo voltasse para poder apagar cada momento que passamos juntos. — Mentirosa. — Ele deslizou um dedo pela face dela passando junto à orelha até pousar a mão em seu pescoço. Perturbada com emoção e a luxúria, ela olhou para o homem que parecia ler seus pensamentos, o homem que ela fisicamente afastou em cada momento em que esteve acordada, mas que puxou para si em cada um de seus sonhos. Desejou poder mentir melhor. — Você vive para recordar, Mia. Eu estive lá, lembra-se? Senti você se contorcendo em meus braços, chamando meu nome. Não tente fingir que eu não sou o melhor amante que já teve... — Está tudo bem? — O médico voltou, olhando com preocu­pação para os dois, e Mia tentou parecer calma certa de que, se medissem sua pressão naquela hora, não a deixariam sair. — Está tudo bem — disse Ethan friamente pegando a mão ge­lada de Mia. — Estou pronto para levar a srta. Stewart para casa. * * * Aquele ar fresco da noite em sua face era uma bênção, uma bri­sa gentil em suas pernas, e embora ela estivesse confusa e o dia tivesse fugido completamente de controle, havia uma sensação de conforto por estar com Ethan. Finalmente, depois de todos estes anos, sua agonia chegaria ao fim. Todas as perguntas que ficaram no ar seriam respondidas e ela poderia seguir em frente. Emocionalmente ferida, possivel­mente. Ainda apaixonada por ele, provavelmente. Mas a verdade, por mais amarga que fosse, seria melhor do que continuar no es­curo em que viveu todos aqueles anos. Ela deixaria que a levasse para casa. Já havia decidido isto. Duas horas de viagem seriam suficientes para esclarecer todas as perguntas e depois ela chamaria um táxi para ele voltar. — Onde está meu carro? — disse ela, olhando para o carro de luxo quando ele abriu as portas. — Você disse que pegou meu carro. — Peguei. — E onde ele está? — Perto da minha casa. Você não achou que deixaria você di­rigir até sua casa depois do que o médico disse, não é? — Claro que não. Achei que você me levaria. — E levarei. — Quero dizer, achei que me levaria para minha casa. — Como? Você achou mesmo que iria para sua adorável cabana nas montanhas? Desculpe, querida, simplesmente não estou a fim de dirigir por duas horas. Além do mais, preciso de um drin­que e de uma banheira de mármore com água quente, que eu tenho certeza de que você não tem condições de me dar. — Ela entendeu que não adiantaria argumentar. — Vamos esclarecer uma coisa, Mia. Você pode arriscar sua própria saúde depois que esta criança nascer, pode se jogar de um avião sem pára-quedas se quiser, mas esta criança precisa de um lugar melhor para nascer, e isto eu vou assegurar a ela. Agora, en­tre no carro. Apesar da fúria diante da arrogância e presunção de Ethan, ao afivelar o cinto de segurança ela não pôde deixar de sentir um cer­to alívio, o que ela jamais admitiria nem que se passasse um mi­lhão de anos, pois uma viagem de duas horas, ainda que fosse num carro de luxo, certamente não estava no topo de sua lista de prio­ridades naquele instante. A exaustão tomou conta dela e tornou-se mais importante até mesmo do que a lista de perguntas que tinha a fazer a Ethan. Porém, quando eles chegaram à casa de Ethan, ela viu o quanto tinha sido ingênua em pensar que se dirigiam a um pequeno apartamento de luxo num edifício qualquer. Uma man­são branca ergueu-se diante deles, e era tão perto do mar que teve a sensação de poder tocá-lo. — Vou lhe mostrar tudo... — Ethan começou a falar, mas Mia sacudiu a cabeça. — Não preciso de uma visita turística. Só quero que me mostre o lugar onde vou dormir e amanhã, depois de passar no hospital para checar minha pressão, irei embora daqui. Sei que precisamos conversar, mas temo que precisemos esperar até amanhã. — E se eu não conseguir esperar? — Acho que você vai precisar ter paciência — respondeu Mia, com firmeza. — Minha única prioridade no momento é o bebê, e considerando que eu passei a tarde num funeral e num hospital, ligada ao soro e a aparelhos, certamente posso afirmar que já foi muita emoção por um só dia. — A fadiga tomou conta de seu cor­po, cada palavra dita com muito sacrifício, os olhos estavam tão pesados que mal podia esperar para fechá-los. — Simplesmente não posso, Ethan. — Está certo. Mas antes de dormir acho que você deveria co­mer alguma coisa. — Só quero dormir... — O que você comeu hoje? — perguntou-lhe, e observou a tes­ta dela franzir. Embora Mia odiasse admitir, ele tinha razão. — Eles me deram alguns sanduíches no hospital. — Que por sinal continuavam envoltos no celofane quando saí­mos — disse Ethan. — Se sua prioridade realmente é o bebê, o mínimo que pode fazer é sentar-se por meia hora para comer e be­ber alguma coisa. Ela consentiu com a cabeça e, depois de um momento de hesi­tação, o seguiu. A vista maravilhosa diante de seus olhos cansados lembrou-lhe a vista de seu primeiro encontro. Uma enorme pisci­na brilhou diante deles e junto com a bela arquitetura pareceu bei­jar o oceano e mesclar-se a ele. Ele a conduziu até uma mesa, puxou uma pesada cadeira de ferro e esperou ela sentar-se. — Relaxe. Não vou me demorar. Ele devia estar brincando. Como ela relaxaria em meio àquela paisagem maravilhosa, sabendo que Ethan estava na cozinha, que o homem que ela amava e odiava ao mesmo tempo estava a pou­cos metros dela? A escuridão da varanda deu a ela a chance de vê-lo sem que ele a visse. Observou enquanto ele rapidamente tirou o paletó e a gra­vata, enrolou a manga da camisa branca que deixou à mostra seu antebraço musculoso e começou a trabalhar na cozinha dos so­nhos de qualquer chef. Ele colocou um prato de ovos mexidos e um enorme copo de suco de laranja em frente a ela, e sentou-se do outro lado da mesa. Em silêncio, ficou olhando para a piscina até que, finalmente, virou-se para ela e recomeçou o interrogatório. — Você está muito magra. — Como se a opinião dele tivesse importância, como se ele tivesse algum direito de fazer uma ob­servação tão pessoal. — Suponho que tenha se tornado vegetaria­na. — Você é incrível, Ethan. Você realmente acha que me conhe­ce, não é? Para seu governo, só porque sou artista e decidi ser mãe solteira, não significa que eu sou vegetariana, que eu participe de passeatas pela paz, nem que use drogas... — Não quero saber seu currículo. — Retrucou Ethan rispidamente, claramente irritado. — Só estou comentando que você está muito magra. — Eu sei. Mas, diferentemente de hoje, normalmente me ali­mento muito bem. É só que... — Só que o quê? — pressionou Ethan, quando Mia titubeou. — Andei com os nervos à flor da pele nas últimas semanas. Tentando levar meus negócios adiante e visitando Richard todos os dias. — Como estão os negócios? — Ele apertou os olhos enquanto a observava atentamente. — Bem. — Mia olhou para ele rapidamente, grata pela conver­sa aparentemente superficial. — Recebi comissões para fazer uma série de peças para um cliente japonês e, além disto, a galeria real­mente vai indo bem. — Você não trabalha mais... lá? — Ela percebeu a entonação da voz dele, a ligeira hesitação antes da palavra. — No estúdio, quero dizer. — Ficou muito pequeno. — Ela espetou pedaços de ovo e co­meu antes de continuar a falar. — Por isso, mudei-me para Cairns. Não podia pagar por um estúdio grande naquela vizinhança, então comprei uma casa com estábulos praticamente destruída e trans­formei em minha área de trabalho. Agora tenho muito espaço. — Ela não quis acrescentar que o estúdio trazia-lhe muitas recorda­ções. — Mas não me desvencilhei do estúdio anterior. — Por que não? — Razões sentimentais. — Quais seriam? — No escuro ela não pôde ter certeza, mas o rosto de Ethan pareceu enrubescer e foi um triunfo fazer Ethan sentir-se desconfortável. — Era muito difícil me desvencilhar dele, já que foi meu pai que me deu. — Não era mentira, e foi a razão que ela alegou para implorar ao banco para ficar com as duas propriedades, mas era apenas uma meia-verdade. O tempo que os dois passaram lá, sua primeira noite juntos, as noites e dias que se seguiram foram um fator determinante para ela ter mantido o lugar. As lembranças eram devastadoras, mas muito preciosas para se desvencilhar delas, porém, ela não inflou o ego de Ethan com estas informações. — Você não trabalha lá, não é? Passei por lá um dia desses e fui recebido por um jovem usando uma barba mais adequada aos tem­pos bíblicos, assim como suas sandálias. Ele disse-me que traba­lhava lá e que a artista aparecia de vez em quando. Mia concordou com a cabeça, recusando-se veementemente a ceder às suas provocações veladas. — Eu emprego alguns estu­dantes de arte da universidade, e eles fazem uma escala de traba­lho entre si. — Mão-de-obra barata. — Não é todo mundo que só pensa em dinheiro, Ethan. A razão pela qual dou emprego a estudantes de arte é porque eu prefiro ter alguém vendendo meu trabalho, que realmente entenda todo o processo que há por trás de tudo, ou que pelo menos possa descre­ver detalhadamente para os clientes os materiais e métodos utili­zados. — Desculpe. — Ele deu um sorrisinho debochado, o que a en­fureceu ainda mais. — E para sua informação, eu pago salários completos a todos. Além do mais, eles têm uma área para expor seu próprio trabalho e não apenas aprendem a parte comercial da coisa, como também fazem algum dinheiro expondo seu talento. — Fantástico. Talento e consciência social. — Pode-se ter os dois — Mia continuou, sabendo que era perda de tempo e que ele a estava fazendo de boba fingindo interesse no assunto. — Vou para a cama. — Empurrou o prato, pousou o guardanapo na mesa e levantou-se. — Mas você não terminou seu jantar. — Jantar! Você chama isto de jantar? — Ela sabia que estava sendo infantil, mas não estava ligando muito. — Você, Ethan Carvelle, não é capaz nem de cozinhar um ovo. — Eram ovos mexidos. — Ovos mexidos, que seja! — Tenho outros talentos. E se você olhar na frigideira verá res­tos de molho holandês. Talvez você possa fazer um trabalho melhor com os ovos e levá-los para seus pobres estudantes famintos de manhã. Dê a eles um gostinho das coisas finas da vida para mo­tivá-los um pouco mais. — Você é insuportável. Impossível e insuportável. Vou para a cama. — Segundo quarto à esquerda. — Ethan respondeu, imóvel, mas quando ela começou a se mover, ele segurou seu pulso e a virou para si — Conversaremos amanhã. — Tudo bem. — Ela puxou o braço, mas ele apertou seu pulso. — Este bebê é do meu irmão? Ela assentiu com a cabeça friamente e como ele levantou a ou­tra mão, com um olhar que pedia permissão, ela consentiu que ele sentisse a criança que estava dentro dela. Fechou os olhos e sentiu a mão quente em seu ventre. O bebê mexeu com aquele toque e um sentimento de solidão tomou conta dela. Sentiu falta, naquele momento, de tudo o que ela não tinha; um companheiro para apoiá-la, para orientá-la em um momento tão sensível. E sentiu tristeza pelo bebê também, por tudo que ele nunca teria. A luz da lua e estrelas, entre as quais ela incluía Richard então, refletiu sobre sua tristeza pela falta que sentia dele, de sua amiza­de e amor, como também pelo destino do bebê que não conheceria seu pai. — Cuide dele, Mia. — Cuidarei. — Quero dizer, cuide-se. Ela concordou com a cabeça e ele tirou a mão relutantemente. Mia sentiu a falta de seu toque e de seu calor no mesmo minuto, sentiu falta até mesmo da mão dele apertando seu pulso. — Boa noite. Ele não respondeu, nem ela esperou que ele o fizesse. Ela co­meçou a sair da varanda, empurrando a porta, relutante, mas de­sesperada para afastar-se daquela torrente de emoções. — Mia? — Algo na sua voz demonstrou uma insegurança que ela nunca viu nele. — Você acha que ele sabia? Acha que ele en­tendia? — Sobre o bebê? — Ethan balançou a cabeça, negando. — Você acha que ele sabia que era amado? — Os olhos de Ethan procuraram os dela. — Quero dizer, bem lá no fundo. Depois que saí de Cairns quase perdemos o contato... — Ele titubeou por um momento antes de continuar: — Tudo mudou entre nós, e eu nun­ca entendi o porquê. Fui visitá-lo várias vezes no sanatório e não me lembro de ter dito a ele que realmente o amava. Provavelmente não disse. Nem eu mesmo sei se acredito nisto. — Ele era amado — sussurrou Mia — E tenho certeza de que Richard sabia disto. Ele está em paz agora, Ethan. Você tem que se agarrar a isto. Embora ele fosse muito jovem para morrer, sabe­mos que, pelo menos agora, ele está livre de toda a dor e provavel­mente num lugar seguro. Quando ela chegou no quarto, deitou nos lençóis frescos e olhou para as ondas, para o reflexo da lua, para o mundo que se­guia em frente como antes. Mia achou que já estava tudo termina­do, que seu luto por Richard tinha terminado, mas enganou-se. As lágrimas começaram a rolar silenciosas não pelo bebê, nem por Ethan, que sofria sozinho na varanda, nem mesmo por ela ou pelo amor ou amizade que foram tirados dela tão cedo. As lágrimas rolaram por Richard. Por um homem que era gentil e doce, um homem que não me­recia perder os preciosos anos de vida que ainda tinha pela frente. — Você tem certeza disto? — A voz incrédula de Richard res­soou em seus ouvidos. — Você tem certeza que pode levar adiante o compromisso que está assumindo, Mia? — É claro que tenho. Como foi pateticamente tola quando pensou que as promessas que eles fizeram de frente para a fogueira naquela noite não teriam nenhum impacto em sua vida. — Ninguém jamais poderá saber da verdadeira razão, Mia! — A voz geralmente gentil de Richard foi firme. -— Ambos temos de prometer que, não importa o que aconteça, não importa a que cus­to, jamais revelaremos o motivo desta gravidez. Não seria justo para o bebê. Se a verdade vier à tona, parecerá muito calculista... — Ninguém jamais saberá, juro a você, Richard, que nunca re­velarei que este bebê foi concebido por outro motivo que não amor. Um tipo de amor diferente, que a maioria das pessoas jamais entenderia. Richard estava certo de fazê-la prometer. Seria muito fácil para ela contar a verdade para Ethan, mas a que custo para a criança? Com as lágrimas escorrendo por sua face, Mia olhou para a es­curidão, sentindo o bebê mexer dentro de si, a parte inocente disto tudo, a única coisa que realmente importava. Richard se foi. Agora caberia a ela guardar o segredo. CAPÍTULO QUATRO — O médico está aqui. — Jogando uma de suas camisas na cama, Ethan olhou para Mia. — Você pode vestir isto. Por um segundo, Mia achou que estava sonhado um sonho ma­ravilhoso onde Ethan Carvelle ainda fazia parte de sua vida. Ele tinha nadado, pois pairava um cheiro de cloro no ar, seus olhos estavam um pouco vermelhos e os cílios molhados. Por uma vez na vida seus cabelos estavam em desalinho, sem dúvida após ele ter usado a toalha que estava em seu pescoço, a única coisa que usava além da toalha na cintura, o que atiçou sua imaginação. — Que médico? — Tentou orientar-se e parecer controlada. Mia sentou-se, olhou para o despertador e espantou-se por ver que já eram quase onze horas. — Tenho de estar no hospital em cinco minutos. — Esqueça o hospital — respondeu Ethan. — Garth Wilson é um dos melhores obstetras de Cairns, bem, segundo a esposa de meu gerente. Chequei as referências, que são realmente muito boas, e por isso pedi a ele que cuidasse de você. — Como?—Mia quis levantar-se rapidamente, mas consideran­do que usava apenas uma calcinha, pôs-se de pé com cuidado, segu­rando o lençol com firmeza em torno de si. — Se eu quisesse uma segunda opinião, providenciaria eu mesma. Certamente não preciso que você faça isto por mim. Agora, se me dá licença, gostaria de li­gar para o hospital para tentar remarcar minha consulta. — Esqueça o hospital. — Ethan sacudiu a cabeça. — Esqueça os rostos anônimos tomando conta de você. Necessita de cuidado contínuo... — Desde quando você se tornou um especialista em cuidados com a saúde da mulher? Não quero ouvir mais uma palavra sobre isto, não há necessidade de obstetras particulares. — Eu acredito que há necessidade sim. — Mudou o tom amea­çador e sentou-se na beira da cama. — Mia, você está abaixo do peso, sua pressão foi à lua e você desmaiou ontem devido à desi­dratação. — Já expliquei tudo isto a você — Mia argumentou. — Você se esqueceu de comer, Mia. Ontem foi o funeral de Richard e sua cabeça estava em outro lugar, mas você não pode culpar o dia de ontem por tudo. Não tenho muita experiência com mulheres grávidas, mas sei que elas precisam aumentar de peso. — Como sabe que eu não aumentei? Sempre fui magra. — Não, nem sempre. — Ele colocou a mão sob o lençol e tocou seu ventre. — Já vi você, Mia, lembra? Ele se lembrava de cada dia, de cada noite, e sentindo o calor do corpo dela, foi fácil deixar-se levar pelas lembranças. O fotógrafo registrou o momento para sempre naquela mesa de restaurante. O peso do mundo desapareceu enquanto jantaram, ri­ram, sentiram. E mais tarde pararam frente a uma feia porta de correr. — Este é meu estúdio. — Mia digitou a combinação. Ethan es­perou a porta se abrir e, embora tivesse pensado em ir a algum lu­gar mais luxuoso, quando entrou percebeu que aquele era o único lugar onde queria estar. Cada parede, cada detalhe se pareciam com aquela mulher es­pecial, cada espaço tão inspirador e cativante quanto ela. — Tudo isto é seu trabalho? — Ela concordou timidamente. — Eu faço esculturas e também pinturas. — São bonitas. — Mas não perfeitas. Vou para a universidade este ano, para estudar arte... — Você precisa mesmo? — Preciso aprender as técnicas. Atualmente, só estou traba­lhando com os sentimentos. — Acenda a luz. — Não há luz elétrica, somente a luz da baía. Normalmente não fico aqui à noite e não durmo aqui, a não ser que me distraia com algum trabalho, e aí ligo para meu pai e aviso que vou ficar por aqui. Desculpe, está um pouco desarrumado. Ele sentiu um tom envergonhado em sua voz, a euforia dando lugar à inibição. — Você deve pensar que sou uma espécie de... — Ela pigarreou. — Como disse a você, nunca trouxe ninguém aqui. — Ninguém? Ela balançou a cabeça, os cachos louros com um reflexo pra­teado da luz da lua e os olhos brilhantes na direção dele. — Ninguém. — Ela engoliu em seco — Antes, no restaurante, se fui muito direta... — Não foi — disse Ethan, vagarosamente. — Na verdade, nunca esperei sentir... — A voz dela falhou de novo, mas as palavras ficaram pairando no ar entre eles. Ela o fez sentir. Aquela mulher estonteante, misteriosa e bela o fez sentir. Ethan estava acostumado a mulheres bonitas, já tinha feito amor e rejeitado algumas das maiores belezas australianas, mas nenhuma o tinha feito baixar a guarda como Mia. Razão e sensibilidade que fossem para o inferno. Ele tinha vinte e três anos, pelo amor de Deus, e ela era maior de idade. Não havia nada de errado. — Você é bonita. — Ele nunca havia dito aquilo para uma mu­lher, sempre era ele quem recebia os elogios, mas ela fez a since­ridade parecer muito natural. — O que quer, Mia? Os olhos dela piscaram, a luz da lua refletia em seu pescoço longo, quando ela engoliu em seco novamente. — Quero que faça amor comigo. — Ele viu os olhos dela se arregalarem e ela deu um risinho nervoso, como se não pudesse acreditar no que havia acabado de dizer. — Continue — disse ele com a voz rouca, a respiração tão ofegante que teve que lembrar a si mesmo de ir com calma. — Quero que me ensine. — Nunca fez amor antes? Ela meneou a cabeça. Ele percebeu que ela estava ruborizada e embora a única coisa que ele quisesse fosse deitar-se com ela na cama grande e branca e fazer sua vontade sem mais perguntas, uma parte dele o deteve. — E Richard? — Somos amigos, Ethan, só isto. E ele acreditou nela. — Richard e eu somos apenas bons amigos, nada mais. — Ela sacudiu os ombros e o movimento fez seus seios se elevarem, des­tacando seus mamilos sob o vestido. Ele lutava contra o desejo de atravessar o quarto e beijar aquela boca carnuda, mas já que havia feito a pergunta, esperou para ouvir a resposta. — Não espero nada de você, Ethan. Em alguns meses irei para a universidade. Depois que encontrar Richard sei que voltará para Sydney. Sei que nossos mundos são muito distantes... Ela nunca conseguiu terminar a frase, num instante ele a tomou e pôs seus lábios sobre os dela deixando a razão de lado, sua lín­gua experiente percorreu o pescoço dela e puxou seu corpo cheio de desejo de encontro ao dele. Os lábios dela eram mais doces e saborosos do que qualquer outra coisa que tinha provado, e a beijou com uma paixão que jamais pensou ser capaz. Tirou as presilhas do cabelo dela, soltando a cascata de cachos louros. Abriu o zíper do vestido que deslizou por seus ombros, seu membro tão ereto que chegava a doer. Ela ficou diante dele sem sutiã, com seios pequenos e rijos como duas pérolas e uma pequena calcinha que ele tirou. Quando viu os seus pêlos louros, pensou que fosse explodir. Saber que o seu desejo era recíproco tornou quase impossível encontrar a sua última reserva de autocontrole. Afastou-se ligeira­mente, acariciou seus seios macios com uma das mãos e deslizou a outra para baixo procurando o calor entre suas coxas. Levou-a para a cama e curvou-se sobre ela, saboreando-a vagarosamente; com sua língua. Deteve-se em seus mamilos enquanto seus dedos experientes procuraram sua jóia escondida. Assim que a tocou, Mia, em ato reflexo, abriu um pouco mais suas pernas, deixando-o à vontade para explorar seu clitóris, que ele lapidou devagar, com ritmo preciso, sentindo o calor cada vez mais úmido. Se fosse ou­tra mulher, ele teria dado vazão à fúria de seu desejo naquele mo­mento, mas quis mais para ela e por isso concentrou-se no desejo dela. Ela arrepiou-se e seus sussurros deram lugar a gemidos de prazer, quando ele penetrou-a delicadamente com seus dedos. Desceu por seu corpo e trocou seus dedos por sua boca e língua alternando beijo, sucção e penetração e sentir suas coxas treme­rem pressionando sua face levemente foi um afrodisíaco mais po­tente que tudo que podia imaginar. Sentindo-a gozar, Ethan dei­tou-se sobre seu corpo ainda trêmulo pela descarga de energia e, tentando controlar-se para não machucar sua carne virginal, rom­peu-a com seu pênis. Dentro de Mia, pôde sentir os espasmos e a contração de sua musculatura apertando-o. Em poucos movimen­tos, entrando e saindo dela, ele também sentiu percorrer-lhe o corpo a descarga, quase elétrica, provocada por seu próprio orgasmo. Quis que aquele êxtase durasse para sempre, desejou jamais es­quecer do sentimento de ter Mia em seus braços — e jamais es­queceu. Geralmente, Ethan detestava conversar após ter o desejo da carne satisfeito. Normalmente rolava para o lado, olhava para cima e só desejava que o rosto a seu lado no travesseiro ficasse quieto, que pudesse dar o fora. Mas não naquela noite. Naquela noite deitou-se de lado e ficou olhando para a mulher que estava com ele sem nenhum traço de vergonha ou de arrepen­dimento pelo que havia feito. — Obrigada, Ethan. — Pelo quê? — Por ter feito amor comigo, por... — Ainda não terminei. — Ele podia sentir tudo começar de novo, senti-la, ouvi-la; sentir seu cheiro era suficiente, mais do que suficiente, para fazê-lo excitar-se novamente, e naquela hora tinha certeza de que ela não estava envolvida no que seu pai pu­desse ter feito nem com o desaparecimento de Richard. — Na ver­dade, nós mal começamos. E suas palavras tinham um significado literal. Naquele instante podia prometer tudo a ela, quis poder dar-lhe o mundo. Se pelo menos Richard não tivesse voltado... — Ethan. — O sussurro fraco de Mia o trouxe de volta à reali­dade. — Não pode comparar meu corpo de agora ao que era naquela época... Mia quis que nada daquela época pudesse trazer alguma dúvida às decisões que tinha de tomar e não era justo ele tocar neste assunto quando havia um médico lá fora esperando. — Dezoito anos, Ethan. Sentindo o calor de sua mão, soube que ele também estava lem­brando do que havia se passado naquela época. O primitivo instin­to animal estava no ar, mas quando ela disse estas palavras, ele retirou a mão, evitando o contato como se tivesse tocado carvão em brasa, os olhos bem abertos olhando fixamente para ela corno se estivesse advertindo-a. — Não estava comparando. Estava me referindo ao seu corpo quando a vi entrar e sair várias vezes do sanatório nas últimas se­manas, nada mais, nada mais — disse mais alto da segunda vez, e a negação furiosa de Ethan deixou Mia impressionada, ao saber que até uma simples lembrança do passado provocava tal reação nele. — Você deve isto ao bebê — disse, com uma voz mais racional. — Você precisa de cuidados adequados e, seja lá o que tem feito, está claro que não é o suficiente. — Tudo bem, vou me consultar com ele, mas vou avisando, Ethan, esta gravidez é minha e o bebê também. Não vou deixar que você interfira. — Vamos ouvir o que o médico tem a dizer. — Eu vou ouvir o que o médico tem a dizer e eu vou decidir o que fazer. — Pelo menos ouça com a mente aberta, Mia. Ouça o que ele tem a dizer antes de formar sua própria opinião. — Este comentário fica engraçado vindo de você, Ethan. — Ele fechou a porta atrás de si. Apesar de sua intenção secreta de não se deixar impressionar com o obstetra caríssimo que Ethan escolheu para ela, Mia perce­beu rapidamente por que Garth Wilson fazia tanto sucesso com as "senhoras". Não lembrou em nada o atendimento impessoal que tinha no hospital local. Garth deixou-a à vontade e levou um tem­po ouvindo-a antes de finalmente examiná-la, e seu cuidado não terminou aí. Sentou-se na beira da cama e ouviu com atenção seu questionamento quanto ao tipo de parto, satisfeito com sua opção pelo parto mais natural possível. — Gostaria de ter meu bebê em casa, se fosse possível, mas, é claro... — Devido à sua alta de pressão, não sei se será possível, mas caso não seja, a maternidade é uma excelente opção... — Franziu os olhos, preocupado. — Algum problema, Mia? Alguma coisa que gostaria de me dizer? — Sim, mas, não queria, não gostaria que Ethan... — Este assunto não sairá daqui, Mia. O que a está preocupan­do? — Nada. Na verdade, tudo — ela admitiu, tentando controlar as lágrimas. Embora ter o bebê em casa seja uma idéia atraente, planejei ter o bebê num hospital porque íamos usar o sangue do cordão umbilical... — Usar o sangue do cordão? Em vez de doá-lo? — Sim, o pai do bebê tinha câncer. — Ethan não é o pai? — Mia viu a sobrancelha dele se arquear. — Desculpe, mas é que ele parecia tão preocupado. — O bebê é filho do irmão dele, por isso Ethan está tão preocu­pado. Richard morreu semana passada e o cremamos ontem. — Desculpe, Mia. — Garth parecia realmente abalado com a revelação. — Você ainda deve estar chocada. — Já era esperado. — Mesmo assim, perder seu companheiro num momento tão precioso... — Por favor! — Tudo o que ela queria naquele momento eram os conselhos médicos, nada mais, porque ninguém jamais seria capaz de entender seu relacionamento com Richard — Eu ainda quero que o sangue seja utilizado. Gostaria que seu sangue fosse doado ao banco de cordões umbilicais. Richard e eu combinamos isto, decidimos... Você poderia providenciar isto, Garth? — Claro — disse-lhe Garth, ainda confuso com sua aparente frieza. — Posso tomar conta de tudo para você. Haverá um monte de documentos a serem providenciados e alguns exames de san­gue a serem feitos perto do final de sua gravidez e outros mais de­pois de alguns meses também... — E Ethan não saberá de nada? — Não, se você não quiser. — Sua sobrancelha continuava arqueada. — Há mais alguma coisa que queira me dizer, Mia? Qual­quer coisa? — Nada. — Seus olhos estavam cheios d'água e seus ombros cansados com o peso do segredo, mas ela engoliu, porque o segre­do não era dela, por isso não podia revelá-lo. — Nada mesmo. Depois de uma hora, Garth saiu do quarto lembrando-se de que cabia a Ethan pagar a conta, mas que ele não tinha direito à infor­mação confidencial. — E então? — Quando ela saiu da cama usando a camisa enor­me de Ethan, ele imediatamente olhou para as partes que a camisa não cobria. Mia dirigiu-se imediatamente para o banheiro e pegou um roupão, retornando dois segundos depois, ruborizada, mas, fe­lizmente, quase decente. Pela impaciência de Ethan, percebeu que ele achava ter direito a algumas respostas. Ele usava um terno, o cabelo perfeitamente penteado, uma gra­vata em torno de seu pescoço aguardando que ele desse o nó, sa­patos ainda desamarrados, e estava tão sexy quanto o homem qua­se nu que havia visto uma hora atrás. — O que ele disse? — Quem? Ela viu os olhos dele se espremerem e pôde ouvi-lo tomar fôlego. — Mia, tenho uma reunião em meia hora e quero saber o que está acontecendo antes de sair. Falaremos com mais calma quando eu voltar, mas por favor, conte-me rapidamente o que o médico disse. — Pensei que o sigilo entre médico e paciente fosse mais im­portante do que a assinatura de um cheque. Ele tentou ficar calmo sabendo que, se mostrasse irritação, ja­mais saberia de nada. — Mia — disse, com a voz bem suave, mas ela pôde sentir a tensão em cada palavra. — Você poderia me dizer o que o médico disse? — Que a minha pressão ainda está alta. — E? — Que tenho que reduzir o ritmo. — E? — Fora isto, está tudo bem. — Mia, ele ficou aqui por quase uma hora, com certeza disse mais do que isto. — Ethan. — Exasperada, ela tentou arrumar o cabelo totalmen­te em desalinho, tentando desesperadamente impor uma distância entre eles, para que ele pudesse ir para a sua bendita reunião e a deixasse sozinha com seus pensamentos. Queria pôr alguma or­dem na situação em que estava metida. Qualquer vacilo e as men­tiras que ela e Richard elaboraram tão cuidadosamente iriam por terra. — Passaram-se sete anos desde que o vi pela última vez. Não pode esperar que eu conte tudo a você. — Por que não? — Ele realmente parecia não entender, e Mia ficou impressionada com sua arrogância. — Depois da maneira como me tratou, espera que eu lhe conte tudo em detalhes e "rápido, por favor", porque você tem uma reu­nião de trabalho? _ Depois da maneira como tratei você? É incrível a sua capa­cidade de torcer os fatos. Diga-me, Mia, quando exatamente tratei você mal? — O tom de voz dele subiu, ela previu o confronto pelo qual ansiou e temeu prestes a explodir e desejou estar pelo menos vestida antes que a verdade fosse exposta. — Você dormiu comigo, Ethan. Aquelas semanas significaram tudo para mim. Você disse que me amava, que me adorava, que queria ficar comigo, e na verdade me usou. O tempo todo planeja­va demitir meu pai e me usou para descobrir o paradeiro de Richard. E eu caí na armadilha. — Fui eu que caí na armadilha — Ethan bradou. — Eu fui o idiota que acreditou em cada mentira que você disse. — Nunca menti — disse Mia, mas Ethan sacudia a cabeça. Os olhos dela brilhavam com os sete anos de fúria guardada. — Você foi o mentiroso. Richard voltou e você se foi. Não contente com isto, demitiu meu pai dois dias depois. Você tirou seu membro de dentro de mim e me deixou sem nada. — Sem nada? — Preciso de um banho, por favor, Ethan. — A voz dela estava extremamente calma. E se não deixar que eu tome banho, vou me vestir e pegar um táxi para ir para casa agora mesmo. — Não, você não vai! — gritou Ethan. — Se você acha que pode dizer uma pérola como esta e simplesmente sair, está muito enganada. Eu a deixei com muito mais do que você me deixou. Se não fosse por mim estaria nas ruas agora, não numa galeria da moda, declarando-se artista. A indenização que os Carvelle deram a seu pai foi muito maior do que a que ele tinha direito. Mia virou-se com um olhar ameaçador. — Deixe meu pai fora disto, Ethan, ou eu juro que... — O quê? Ah, por favor, Mia, o que você pode fazer para mu­dar as coisas? Eu e você sabemos que tratei você muito melhor do que merecia. Poderia ter jogado você e sua família aos leões, mas em vez disso persuadi meu pai a não chamar a polícia, praticamen­te implorei a ele que pagasse a indenização ao seu pai, em vez de demiti-lo por justa causa. — Demiti-lo por justa causa? Baseado em quê? Porque sua fi­lha estava dormindo com o chefe dele? — Suas palavras parece­ram chocantes até para ela mesma. Reduzir tudo que viveu com Ethan a meros contatos sexuais. — Dormindo com a família Carvelle, você quer dizer. Com os dois irmãos... — O quê? — Estava dormindo comigo e com ele. — Ela sacudiu a cabeça e abriu a boca para negar, mas Ethan falou primeiro: — Não se faça de inocente, Mia. Sim, voltei para a casa de meus pais quando soube que Richard retornara, mas não para deixá-la e sim para contar a eles que... Ele a tinha amado. — Ia contar o que a eles? Ele olhou para ela sem acreditar como pôde ter sido tão ingê­nuo. — Não conseguiu levar Richard de volta para a cama, por isso resolveu atacar seu irmão mais velho, não é isto? — Não tenho a menor idéia do que está dizendo. — Ouvi de sua própria boca, Miai Ouvi Richard dizer a nossos pais que estava tendo um relacionamento com você e que por isso havia fugido, como se estivesse sendo perseguido pelo demônio. Ele estava apavorado com a possibilidade de que estivesse grávi­da, com medo de que tivesse caído numa armadilha montada por você. — Você me dá nojo. — Não, você me dá nojo. Você me usou, dormiu comigo com a única intenção de engravidar, porque sabia que seu pai estava prestes a ir para a prisão. Você e seu pai estavam tentando ficar com nosso dinheiro. Você sabe muito bem que seu pai gastava o dinheiro da empresa mais rápido do que conseguia devolver, e confiávamos nele, Mia, a ponto de não ficarmos tomando conta de tudo o que fazia. Ele custou aos Carvelle centenas de milhares de dólares. — Ele poupou os preciosos Carvelle! Ele os poupou da verdade que não estavam preparados para ouvir. — Continue, Mia. — A voz dele estava calma, seu rosto quase impassível, somente a mandíbula contraída traía sua aparente cal­ma. — Não comece nada que não possa terminar. — Eu posso terminar, Ethan. Posso terminar aqui e agora caso tenha certeza de que está realmente preparado para ouvir. — Ele concordou com a cabeça e ela continuou: — Meu pai não estava gastando o dinheiro da empresa como sua família se apressou em acusá-lo. — Temos os relatórios financeiros. Seu pai era bom nisso, en­cobriu muito bem os vestígios até que um dia acabou se traindo. — Você entendeu tudo errado — ela insistiu. — Posso mostrar os relatórios a você, seu pai. — Não preciso ver os relatórios. Meu pai não estava roubando a empresa. — Pelo amor de Deus, Mia, isto não está nos levando a lugar algum. Você sabe a verdade, eu sei a verdade, por que manter a farsa? Por que não admitir simplesmente que me usou? Por que não admitir que seu pai... — Foi Richard. — Richard? — O rosto dele se contorceu de raiva e ela olhou para ele perplexa cora o que acabara de dizer, mas aliviada ao mesmo tempo. — Você foi longe demais, Mia. Acusar um homem morto... — Richard não é o único homem morto. Meu pai foi enterrado sabendo que todos vocês achavam que ele os havia roubado. Meu pai carregou este segredo por cinco anos até que finalmente isto o matou. Não se atreva a acusá-lo. Ele sabia que se o grande Hugh Carvelle descobrisse que seu filho estava em dificuldades finan­ceiras, transformaria a vida de Richard num inferno. O único cri­me que meu pai cometeu foi encobrir os desfalques de Richard. — O que já é considerado um crime. Richard tinha problemas financeiros? — perguntou Ethan, já sem tanta certeza sobre o pas­sado. — Richard estava em grandes dificuldades financeiras naquela época, Ethan. Enormes — enfatizou, mordendo o lábio ao lem­brar-se do rosto angustiado de seu amigo quando confessou aquilo a ela, a mesma angústia que via nos olhos de Ethan naquela hora, porém não pôde revelar a Ethan que seu irmão estava sendo chantageado por supostos amigos, que afirmavam possuir sórdidos ví­deos, que talvez nunca tenham existido, mas cuja mera possibili­dade foi suficiente para forçar Richard a contrair sérias dívidas. Não pôde contar-lhe não somente para poupar Ethan, mas para evitar que ele chegasse perto de descobrir sua própria verdade. — A vida de Richard estava totalmente desordenada quando ele voltou. Somente depois que meu pai foi demitido descobri o que estava se passando. — Por quê, então? — perguntou Ethan, visivelmente perplexo. — Por que seu pai não disse a verdade quando confrontado por nós? Por que não nos contou o que estava acontecendo, em vez de assumir a culpa por Richard? — Porque, como você mesmo ressaltou tão delicadamente, en­cobrir as faltas de Richard já era um crime. E ele esperava, é cla­ro, que quando a verdade viesse à tona, Hugh fosse entender suas razões. — Só que a verdade nunca veio à tona. — Sim, ao contrário do pelotão de fuzilamento que ele espera­va, meu pai recebeu uma boa indenização, acompanhada natural­mente de um amontoado de expressões jurídicas que ele não en­tendeu. Mas eu entendi, Ethan. Especialmente a cláusula que mencionava relacionamentos ou envolvimentos. Aquilo dizia res­peito a mim, certo, Ethan? — Foi um acordo muito bom. Você pode não acreditar, Mia, mas por mais que eu deplore o que você fez, ainda briguei por você. Podíamos tê-la deixado sem nada, com problemas com a polícia... — Às vezes penso que teria sido melhor — disse Mia suavemen­te. — Por mais que amasse Richard, levei muito tempo para perdoá-lo por ter envolvido meu pai naquilo tudo. — Ela deu uma gargalha­da. — O que aconteceu com o homem que disse que acreditava em mim e que ficaria a meu lado em qualquer circunstância? — Ele cresceu. — E então me deixou. O que fiz que me tornou tão deplorável? — Não me importei com o que o pai da mulher que amei tão intensamente fez, ainda assim estava disposto a fazer tudo para fi­car ao lado dela, mas voltei para casa e descobri que a mulher que me seduziu também jogara seu charme para meu irmão. Algumas coisas são impossíveis de serem perdoadas, Mia. Estava pronto para dizer aos meus pais que a amava, mesmo sabendo o que eles diriam sobre as atitudes de seu pai, quando então ouvi Richard contar-lhes que achava que você estava grávida dele. — Grávida de Richard? Como? A incredulidade na voz dela o deixou ainda mais furioso. — Quer que eu lhe explique os motivos biológicos, Mia? Sei que você tinha somente dezoito anos, mas pelo que me lembro, você sabia distinguir a diferença entre um homem e uma mulher. — Eu nunca dormi com Richard! — As palavras saíram de sua garganta sem que se desse conta, mas Richard virou-se para ela como um promotor dirigindo-se para um réu. — Você nunca dormiu com Richard! Desculpe-me por parecer cínico, Mia, mas preciso de explicações. Há sete anos, Richard teve medo que você tivesse preparado uma armadilha para ele. Fu­giu de você como o diabo da cruz, porque pensou que você estava grávida dele. Sete anos depois, você alega que está grávida dele, com o consentimento e amor dele, e agora você me diz que nunca dormiu com ele! Por favor! — Sua mão segurou o braço dela — Esclareça. O que afinal aconteceu entre vocês? Este bebê é ou não do Richard? Ela sabia que a resposta que daria deveria ser mantida pelo res­to de sua vida. — Sim. — Sabe que existem testes para comprovar isto? É apenas uma questão de tempo, depois que o bebê nascer... — Não há necessidade de testes... — Seus olhos furiosos enca­raram os olhos desafiadores dele. — Não preciso de testes para confirmar o que eu sei que está aqui dentro. A única coisa que pos­so afirmar é que não dormi com Richard naquela época e que você foi meu primeiro amante. Você foi meu... — Que idiota! — Ele lançou estas palavras sobre ela como se fosse um míssil. — Sou um imbecil por ficar aqui ouvindo seus argumentos patéticos. Fui um idiota na sua mão, Mia. Acreditei em você naquela noite quando me disse que eu era o seu primeiro homem depois de você ter dormido com meu irmão. Richard era meu irmão, e você pulou da cama dele para a minha... — Não, você precisa acreditar nisto Ethan. Richard e eu éra­mos apenas amigos naquela época. Nunca podia estar grávida dele, porque não tinha dormido com ele. Alguma coisa em seus olhos dizia a ele que ela estava falando a verdade. — Então por que ele...? — Por alguns momentos, ele ficou per­dido em seus pensamentos e palavras. — Não consigo entender, Mia. — Seus pais obviamente sabiam que ele estava em apuros — disse suavemente. — Sabiam que ele tinha problemas, e é claro que devem ter querido uma resposta. Talvez tenha sido a única história que conseguiu inventar, a única desculpa para explicar... — Ele mencionou o nome de seu pai tentando explicar a confusão em que havia se metido... — Mas não conseguiu — Mia completou para ele. — Não po­dia contar para seu pai o que realmente o estava atormentando, por isso disse a primeira coisa que veio à cabeça, talvez alguma coisa que seu pai preferisse ouvir, por exemplo, que ele havia engravi­dado uma garota. Infelizmente para nós, ele escolheu a mim — finalizou Mia, com simplicidade. — Eu o teria ajudado, Mia. Por que não veio a mim se precisa­va de dinheiro? Ela o fitou, a um passo de contar-lhe toda a verdade, mas se conteve. Revelar a verdade de Richard somente exporia sua pró­pria verdade. Suas mãos seguraram o ventre num gesto protetor e desejou que aquela discussão, que aquele interrogatório chegasse ao fim. — Algumas verdades não devem ser ditas, Ethan. Algumas... — Mia, por favor. — Não posso continuar com isto, Ethan. Você quer saber o que o médico disse, pois bem, ele disse que eu preciso de descanso, que devo ficar calma, para manter minha pressão em níveis nor­mais, e remexer o passado não me ajuda em nada. — Talvez sim. — E talvez não! — respondeu Mia. — Ethan, preciso de um tempo. Vá para sua reunião, faça o que tiver de fazer. Neste mo­mento, preciso de um banho. Ele nem se mexeu. Tudo bem, decidiu Mia, se ele não tem a decência de sair, que fique. Ela foi para o chuveiro rezando para que ele saísse, mas Ethan claramente tinha outras idéias. — Não vou sair até obter algumas respostas, Mia. — Sua voz era mais alta do que o barulho da água. Tirando o roupão, ela lan­çou-lhe um olhar desafiador. Recusando-se a ficar envergonhada, abriu a porta de vidro do boxe e entrou no chuveiro satisfeita por saber que seu terno caro e seus sapatos de couro o manteriam lon­ge. Ela percebeu sua raiva, mas recusou-se a se sentir intimidada. Ethan quer se envolver com a gravidez dela, tudo bem, vamos ver como se sente diante da visão de uma mulher grávida de sete meses. Começou a lavar o cabelo, fechando os olhos, recusando-se a se apressar e quando ele elevou a voz, ela começou a cantar e virou-se de costas. Porém, Ethan teve outra idéia. Quando ela se virou, viu um homem indignado e totalmente vestido entrar no chuveiro junto com ela, segurando seus ombros e exigindo que ela o encarasse. — Não pode entrar aqui! — Já entrei. — Uma das mãos segurava o ombro dela e a outra levantava o queixo, obrigando-a a encará-lo. — Olhe para mim e diga-me o que sabe. — Não posso. — Você pode sim — rosnou ele. — Não consigo enxergar, Ethan. — A ira desapareceu de seus olhos por alguns momentos, quando ela deu uma risadinha total­mente fora de hora, considerando-se as circunstâncias. Até mesmo Ethan riu, ao dar a ela seu lenço para que ela tirasse o xampu dos olhos. Finalmente se deram conta do absurdo da situação. Uma mulher nua, grávida, e um homem totalmente vestido embai­xo de um chuveiro que, quando o mundo de Mia finalmente entrou em foco, depois de limpar os olhos, pareceu ainda mais perigoso. — Richard mentiu? — Ele perguntou, e ela balançou a cabeça, concordando, percebendo o arrependimento nos olhos dele. — Eu deixei você partir... — Você não me deixou partir — ela relembrou dolorosamente. — Você me expulsou, Ethan. Você se recusou a retornar minhas ligações ou responder minhas cartas, deixando-me no limbo por séculos, tentando entender o que eu havia feito de errado, o que podia ter dito para merecer aquele tratamento. Podia ter sido tudo diferente, Ethan. Podíamos ter-nos apoiado, os três, ajudando Ri­chard a resolver seus problemas, mas você me deixou sozinha... — Perdoe-me. Ele realmente queria seu perdão. Talvez não fosse suficiente para varrer sete anos de sofrimento, mas pela honestidade que sen­tiu nas palavras dele, percebeu que era de verdade. A água caía sobre eles. Quando Ethan finalmente abriu os olhos e percorreu o corpo dela, o horror do passado ficou de lado. Quem diz que a gravidez não é sexy definitivamente não sabe o que está falando, porque nunca havia visto um corpo mais sensual ou feminino. Os pequenos seios que havia tocado anos atrás ha­viam crescido, e uma cascata de água caía entre eles, guiando seu olhar, quase que reverente, à pele nua e esticada de seu abdômen. Seus dedos tateavam ao mover-se para tocá-la, mas desta vez ele não precisou pedir permissão, ela guiou sua mão observando sua reação, percebendo a emoção em seu rosto, quando sentiu a pe­quena vida que estava dentro dela. — Você tem uma reunião — Mia lembrou docemente. — Tinha uma reunião — Ethan corrigiu. — Não posso ir as­sim... — Tenho certeza que não faltarão outras para você ir. — Os dedos dela brincaram com a lapela de seu paletó e seus olhos fe­charam-se em êxtase quando o rosto dele desceu sobre seu corpo. Foi muito mais intenso do que sonhou. O toque dos lábios dele sobre os dela novamente, a água correndo sobre eles, a mão dele em suas costas puxando-a para si, seus seios inchados pressiona­dos contra seu peito, todo o seu ventre pressionando-o, a extensão da ereção dele entorpecendo-a. Aquele momento foi uma afirmação de que o que aconteceu entre eles no passado era real e divino. Doces memórias surgiram e juntar-se-iam àquelas geradas naquela hora como os sonhos que os mantinham cativos. O maravilhoso sabor dos lábios dele contra os dela e o gosto de sua língua fizeram com que rios de desejo per­corressem seu corpo. Ela lembrou-se da intensidade de seu toque. Um simples toque dele a levava às nuvens. Foi Ethan quem rompeu o contato. Ethan a empurrou, sacudiu a cabeça quase que em repulsa, como se tivesse acordado de um pesadelo, como se não conseguis­se entender o que estava acontecendo. Ela percebeu os sentimen­tos controversos que via em seus olhos, cada respiração saturada pelo desejo, mas a presença da realidade forte demais para ser ignorada. — Você... — A água caía sobre o rosto dele, como se fossem lágrimas de arrependimento, a dor em cada palavra. — Você me deixa maluco. Você faz as coisas erradas parecerem tão fáceis. Fica parecendo muito fácil jogar tudo para o alto. — Jogar o que para o alto? — Tudo. Moral, dever, lealdade. Você, Mia, sempre fazendo com que eu me envergonhe. — Como? — Fazendo-me desejá-la. E ela percebeu quando ele deu um passo atrás que estava tudo terminado. Mas não quis admitir a derrota. — Quero você Ethan. Por sete anos desejei você e sei que você me quer também. Podemos achar uma maneira de contornar tudo. Ele sentiu a presença do bebê entre eles, não só fisicamente. Era filho de seu irmão. Não quis pensar em algumas imagens. Que ele praticamente jo­gou Mia nos braços de Richard com sua cruel rejeição, por não ter ouvido sua versão dos fatos. Uma dura lição que aprendeu tarde demais. O bebê de seu irmão estava crescendo no ventre da mu­lher que ele amava, que seu irmão tomou, com quem fez amor, a quem adorou. E ele havia sido cremado há menos: de vinte e quatro horas. — É tarde demais para nós, Mia. — Talvez não. Ethan... — Tarde mais. Este bebê é de Richard, e jamais conseguirei passar por cima disto. — É o fato de ser o bebê de Richard ou o fato de que Richard e eu... — Sua voz tremeu. Ela sabia que estava entrando num terre­no perigoso e deu um passo atrás. Sua promessa a Richard ressoou em sua cabeça. Lutou violentamente contra a tentação de seguir seu coração, de contar a ele a verdade que precisava ouvir. — Faz diferença? Eu simplesmente não consigo, Mia. Apesar da água quente, ela sentiu seu corpo frio sem ele. Virando-se de costas, ela tentou em vão ignorar a imagem de Ethan tirando suas roupas ensopadas, envolvendo seu corpo divino com uma toalha, lembrando-se de respirar de novo quando ouviu a porta fechar. Tremendo sob a água, pensou que aquilo não estava terminado, que em alguns momentos teria que enfrentá-lo nova­mente. E perguntou-se como faria para olhá-lo nos olhos e não revelar o segredo que somente ela sabia. CAPITULO CINCO Foi um Ethan muito diferente que a recebeu no pátio. Até aquele dia, Mia apenas havia visto Ethan usando um terno ou não usando nada, mas usando jeans, foi a primeira vez. Mia usava calças de ginástica e uma camiseta enorme que ele atenciosamente deixara sobre a cama dela. — Obrigada pela roupa. Acho que minha barriga cresceu desde ontem. Não creio que consiga entrar naquele vestido preto de novo. Um longo silêncio se seguiu enquanto Ethan enchia dois copos longos com suco e empurrava um prato de folheados para ela. — Não, obrigada... — Mia começou a dizer, mas lembrou-se da conversa da noite anterior e, embora relutante, escolheu um croissant de chocolate. — Está bom? — Ethan perguntou. — Muito bom. Você tem que me dizer onde comprou, para que eu possa levar um monte comigo quando for para casa. Engordar pode não ser uma tarefa tão difícil, no fim das contas. Ethan bebeu um longo gole de suco antes de começar a falar. — Podemos conversar, Mia? Quero dizer, podemos tentar con­versar sem discutir? — Duvido. — Ela sorriu e concordou com a cabeça. — Está bem, podemos tentar. — Eu posso imaginar como aconteceu. — Ele suspirou. — Ainda posso ouvir a discussão na minha cabeça. Meu pai estava furioso na noite em que Richard voltou. Ele estava determinado a saber de todos os detalhes a fundo e qualquer um que visse meu pai daquele jeito saberia que Richard não tinha nenhuma chance contra ele, por isso dá para entender por que Richard preferiu mentir. — Sempre foi assim com seus pais? — Ela tentou mudar de assunto. — Richard sempre evitou falar quando eu perguntava so­bre a infância dele. — Com toda razão — disse Ethan, com um tom sombrio e olhando-a fixamente. — Mia, se Richard sobrevivesse, você ainda criaria seu filho sozinha? Ela concordou com a cabeça, timidamente. — Decidimos que Richard teria uma participação importante na vida de nosso filho, mas ainda assim eu faria carreira solo. — Carreira solo? — Um tom ligeiramente condescendente fez com que Mia reagisse imediatamente. — Pensei que fôssemos tentar conversar sem brigar, Ethan. Se isto só for possível caso eu diga o que quer ouvir, acho melhor parar por aqui. — Desculpe. Sei que não tenho o direito de julgá-la, Mia, mas é que sempre tive esta crença, que ter um pai e uma mãe é sempre melhor do que ter apenas um dos dois. — Ela ameaçou levantar-se para acabar com a discussão. Ethan não tinha que concordar com ela, mas ela podia viver sem este tipo de comentário. Ele segurou sua mão, pediu a ela com os olhos que se sentasse e depois de um momento de hesitação, Mia concordou. — Se me deixar terminar, o que eu ia dizer é que você será uma mãe maravilhosa, Mia. Eu trocaria meus pais por qualquer um dos pais de seu bebê. — Suspirou profundamente. — Não me admiro em saber que Richard evitava falar sobre sua infância. Meus pais são duas das pessoas mais frias que conhecemos e, acredite, não estou exagerando. Surpreende-me que tenham feito sexo uma vez, imagine então duas vezes. — Não é preciso fazer sexo para engravidar. — Mia deu um sorriso irônico, mas mudou quando viu a dor nos olhos de Ethan. — Nenhum beijo, nenhum afago. — Sua voz estava branda, sem nenhum traço de autopiedade, mas o coração de Mia sangrava por ele. — Uma babá após a outra desfilaram na nossa frente, mas assim que aprendíamos seus nomes e que elas descobriam como gostávamos de nossos ovos no café-da-manhã, nossos pais con­cluíam que estávamos nos "afeiçoando demais" a elas e as subs­tituíam. Foi um alívio ir para o colégio interno. — Por que tiveram filhos então? — perguntou Mia. — Parece que sequer queriam que estivessem por perto. — Eles não queriam ter filhos. — Ethan olhou em seus olhos e se antes ela vira dor, naquele instante viu desespero em suas pala­vras. — Eles queriam herdeiros. É tudo que sempre fomos, e quando perceberam que Richard não se encaixava no papel que eles consideravam adequado, simplesmente deram as costas a ele. Este é o tipo de pessoas que meus pais são. — E ainda assim trabalha com eles. Você escolheu se encaixar no papel. Ele deu de ombros, o que a deixou furiosa e fez com eu as re­servas e as barreiras se levantassem de novo. — Fale comigo, Ethan. Foi você que insistiu para conversar­mos. Não pode querer que eu me abra, enquanto fica aí sentado me julgando. Por que ficou? Se eles são tão ruins, por que continua trabalhando com eles? Você não me parece fazer o tipo subser­viente. — Não sou. Mas eles tornaram a vida de Richard um inferno. Estavam se preparando para deserdar Richard. — E por isto que ficou? Para que não o deserdassem também? — Não. — Ele balançou a cabeça vagarosamente antes de to­mar mais um gole de suco. — Acredite-me, Mia, adoraria ter ido embora também, mas continuei trabalhando com eles para que deixassem Richard em paz... — Ah, por favor. — Mia deu uma risada de escárnio, mas pa­rou no meio porque percebeu em seu olhar que, pela primeira vez, estava vendo o lado real daquele homem austero, ouvindo a ver­dade dolorosa pela primeira vez na vida, ou pelo menos, o mais próximo dela que Ethan estava preparado para contar. — Mia, se eu saísse de casa poderia superar. Sobreviveria mui­to bem — disse ele com sua arrogância habitual. — Eu teria supe­rado. Mas Richard não. — Ele baixou o tom de voz e continuou falando, mais para ele mesmo do que para ela, na verdade. — Como jogar um belo gato siamês aos leões. Não duraria cinco mi­nutos. Quando eles se mudaram para Sydney estavam prontos para eliminá-lo de suas vidas. — Você interferiu? Ele concordou com a cabeça. — Assegurei-me de que lhe dariam pelo menos uma mesada de­cente até o dia de sua morte. Pelo menos ele teve chance de ir para a escola de arte, que era seu sonho, o que já é muito mais do que a maioria das pessoas consegue, mas, afinal, ele é um Carvelle... — engoliu em seco — era um Carvelle. Se não fosse por mim, ele teria passado seus dias dormindo no chão do seu ninho de amor... Se não fosse pelo tom de dor na voz dele, ela teria respondido, mas ficou quieta, paralisada. Não quis quebrar a magia daquele momento em que aquele homem normalmente tão distante abria seu coração. — Mia, você viu como eles trataram seu pai, mas acredite-me, se não fosse pela minha interferência, teria sido muito pior. — Em que sentido? — Em todos os sentidos. Briguei até o fim para que o seu pai recebesse uma indenização decente. Não pense que eles não chamariam a polícia contra seu próprio filho se tivessem descoberto a verdade. O dinheiro é o deus deles, Mia. Meros mortais, mesmo que sejam seus filhos, não merecem sua consideração. Mantenho a devida distância. E sou bom no que faço, bom o suficiente para ter uma certa influência também. Sou a única pessoa que consegue contê-los quando vão longe demais. — Talento e consciência social? — Ela estava usando as pala­vras dele, tentando aliviar um pouco o clima, mas seus olhos já estavam cheios de lágrimas e praticamente incapazes de captar a natureza fria da família dele, o mundo solitário e insensível que os Carvelle criaram para seus filhos. — Então, este foi o único moti­vo que o fez ficar ao lado deles? — Não, é claro. — Atônita, ela ficou olhando para ele, que es­boçava um sorriso. — Também ganhei muito dinheiro. — Bem, acho que todo trabalho tem seus percalços. — O sorri­so dela foi bem recebido por ele, que precisava de um momento para se recuperar e continuar a conversa. — Agora você pode me dizer o que o médico disse? — Já disse tudo. — Talvez o desabafo dele tenha sido calcula­do friamente, para fazê-la se abrir, mas diante de tamanha exposi­ção ela sentiu que precisava retribuir. — Minha pressão ainda está um pouco alta. — O que quer dizer exatamente? — Ainda não tenho certeza. Ele disse que devo ser monitorada de perto. A pressão alta pode ser devido ao estresse dos últimos acontecimentos, mas também existe uma possibilidade de que... — De que o bebê esteja correndo perigo? — Ethan perguntou, quando ela não terminou a frase. — Ambos podemos estar correndo perigo. O médico teme que eu possa estar num estágio inicial de toxemia. — Ela percebeu a confusão nos olhos dele. — É uma complicação da gravidez. Pode causar convulsões... — Como as que Richard tinha? Ela tomou um gole de seu suco, nervosa, tentando não lembrar das convulsões que tomaram o corpo frágil de Richard nas suas últimas semanas. — É só uma possibilidade — Mia disse o mais displicentemente possível, mas sabia que não enganaria Ethan. — Sabe que não pode ir para casa, Mia — Ethan disse suave­mente, porém com firmeza. — Não pode ficar sozinha. — Mas não posso ficar aqui. — Embora demonstrasse ansieda­de em sua voz, lutou para contê-la. A emoção estava no ar, mas precisava, precisava ser mantida fora desta conversa. Havia muita coisa em jogo para que ela arriscasse dizer algo de que pudesse se arrepender. — Não posso, Ethan. — Por causa do que aconteceu entre nós? Ela concordou. A verdade cortava seu coração. — Ajudaria se eu dissesse que o que aconteceu entre nós jamais se repetirá? Ajudaria se eu dissesse que, por mais que eu goste de você, Mia, depois do que aconteceu esta manhã percebi que muita coisa aconteceu e que há muito passado entre nós para pensarmos num futuro? — É isto que você realmente sente? — É o filho de Richard. — A voz dele estava rouca devido à emoção que sentiu quando olhou para ela na mesa e tentou parecer eloqüente, tentou superar a dor e de alguma forma comunicar que não era o fato de ela carregar o bebê de Richard. Com este fato ele poderia lidar, estava até mesmo feliz por isto, satisfeito em saber que uma parte de Richard continuaria vivo. Não era o bebê em si que o abalava, e sim o fato de que ele era uma prova tangível de que Richard a amara. Saber que nada aconteceu entre Mia e Ri­chard no passado não mudou muita coisa. Se ele não a perdoou e a cortou de sua vida, quando pensou que ela havia dormido com seu irmão, como perdoá-la, sabendo que a suposição errada de sete anos atrás se concretizara? — Não posso simplesmente fin­gir. — Quando olhou aqueles olhos cor de água-marinha e viu o sol bater em seu cabelo louro, cerrou os punhos, controlando-se para não tocá-la. — Tudo bem — ela sussurrou com os lábios pálidos desejando que não tivesse que ser daquele modo, que Ethan Carvelle pudesse ser forte o suficiente para amar o filho de outro homem. — Posso me virar sozinha. — Você não tem de ficar sozinha — contestou Ethan. — Só porque não podemos viver juntos, não significa que não possa apoiar você e o bebê. — Daremos um jeito — respondeu Mia, mas até ela mesma percebeu o tremor em sua voz. — Fique — ordenou Ethan, gentilmente. — Pelo menos pelo bem do bebê. Ficarei fora o máximo possível, respeitarei sua pri­vacidade, o que aconteceu esta manhã não se repetirá. Realmente não é um bom momento para você ficar sozinha, Mia, a quilôme­tros de distância de uma assistência médica. — Preciso trabalhar — argumentou Mia. — Ethan, tenho um contrato. Tenho de terminar uma pintura que sequer comecei. Se não terminar antes de o bebê nascer, só Deus sabe quando poderei completá-la. — Você acha realmente que conseguirá trabalhar? Depois de tudo o que aconteceu, acha realmente que pode ir para casa e sim­plesmente se jogar no seu trabalho? — Preciso. — Mia engoliu, enquanto percebia a futilidade de suas próprias palavras. Por mais gentil que o dr. Garth tivesse sido, ele a tinha assustado, não por ela mesma, mas pelo bebê. Ethan estava certo, sozinha nas montanhas era o último lugar onde uma mulher em suas condições deveria ficar. — Deixe-me ajudá-la. — insistiu Ethan. — Sei que Richard não mencionou o bebê em seu testamento, mas tenho certeza de que se houvesse mais tempo, ele o teria feito. Os detalhes ainda não foram finalizados, ele tem uma propriedade que está em pro­cesso de venda, tem o seguro de vida, tenho certeza que pode­mos... — Não preciso do dinheiro de Richard. Ethan, por mais difícil que seja para você entender, dinheiro nunca foi minha motivação. — Acredito em você, Mia, mas seja realista... — Estou sendo, Ethan, meus negócios estão realmente indo bem. Sou mais do que capaz de me sustentar sozinha, estou pagan­do minha casa, a galeria se paga sozinha, estou mais do que con­fortável. — Ainda está pagando sua casa? E a casa de seu pai? Não a vendeu? Com certeza, o valor teria coberto o valor da sua. — Quando ela não respondeu, ele pressionou: — Ou você a manteve como investimento? — Não vendi e não mantive. Meu pai se casou de novo. — Ela conseguiu ficar com a casa quando ele morreu? — Per­guntou com a voz incrédula. — O nome dela é Sally, Ethan, e ela não conseguiu ficar com a casa, ela continua morando no lugar em que viveu com meu pai. — Mas eles não ficaram muito tempo casados. Com certeza, você é a herdeira... — Já herdei o suficiente — interrompeu Mia. — Meu pai me deixou uma herança muito maior do que dinheiro. Sally amou meu pai, e ele a amou. Amor não é uma equação matemática: X horas multiplicadas por X quantidade de amor, Ethan. Sally fez meu pai feliz no fim de sua vida, e sou-lhe eternamente grata por isto. — Mesmo assim... — Quanto tempo se leva para encontrar o amor, Ethan? Dois anos, dois meses. — Ela deu um sorriso melancólico — Dois anos? Será que o amor que meu pai e Sally viveram foi menos real, por­que não atingiu a casa dos dois dígitos? Ele não respondeu, apenas a fitou durante algum tempo. — Fique — disse ele, novamente, só que sem o tom de pedido em sua voz. — Vou levá-la em casa esta tarde para pegar suas coisas. — E meu trabalho? — Pode trabalhar aqui. — Ele apontou a área externa. — É co­berta e tem portas de correr que podem ser fechadas caso chova. — Você tem alguma idéia da destruição que minhas tintas e ar­gila podem fazer na sua cerâmica importada? — Acho que estou prestes a descobrir. Você sabe que isto faz sentido. — Não, nada disto faz sentido, Ethan. Eu devo sentir-me calma para fazer o mundo do meu bebê um lugar tranqüilo e mesmo com a melhor das boas-vontades morar com você... Ela balançou a ca­beça tentando imaginar como poderia ficar calma vendo-o todos os dias, sabendo que o que tinha acontecido no chuveiro ou algo parecido com aquilo poderia jamais se repetir a despeito do que sentia por ele. Mas ela não precisou explicar nada disto, porque Ethan entendeu tudo e acabou com suas últimas esperanças. — Está tudo acabado entre nós, Mia. — Sua voz não demons­trou nenhuma emoção. Olhos que a haviam adorado estavam dis­tantes agora, como se alguém tivesse desligado um interruptor in­terno. — Acabou há sete anos, e com relação ao que aconteceu esta manhã... — Ele não pareceu desconfortável com a situação. Expôs os fatos como se estivesse numa reunião de negócios. Mia chegou até a pensar que a qualquer momento veria uma secretária fazendo a ata da reunião. — O que aconteceu foi lamentável, mas estávamos ambos ner­vosos, ainda sob o impacto dos acontecimentos da véspera. A morte de Richard nos atingiu muito violentamente. — Ele olhou para ela esperando uma expressão de concordância, mas conti­nuou em frente mesmo percebendo a expressão atônita de Mia. — Não posso negar que existe uma atração entre nós, e combinar esta atração com emoção num espaço fechado e ainda por cima, você nua... — Você deveria conseguir um projetor e um daqueles pointers a laser que parecem uma caneta. — Ele olhou para ela como se olhasse para uma paciente com distúrbios mentais. — Qual o pro­blema, Mia? — Por que você não se levanta, pega seu laptop e faz uma apre­sentação em Powerpoint sobre o assunto para mim? — Não sei do que está falando. — Estou falando sobre você e sua cansativa exposição de cir­cunstâncias! — disse rudemente. — Estou me referindo à sua in­sistência em reduzir toda e qualquer coisa a fatos frios e racionais, quando o assunto em questão é... — A questão, Mia — Ethan interrompeu, e sua voz soou como uma campainha que Mia teve que ouvir, a despeito de sua fúria —, é que não se trata de mim, nem de você. Trata-se do que é melhor para o bebê. — Ele aguardou que suas palavras batessem fundo nela e viu sua expressão mudar. — E o melhor para o bebê é que você fique aqui, perto de uma assistência médica e apesar do meu jeito de resumir as coisas, a verdade nua e crua é que o que acon­teceu esta manhã não se repetirá. Não pode existir um "nós". É simples assim. Os olhos dela se encheram de lágrimas lamentando por tudo que havia perdido, mas Ethan tinha razão, a verdade era simples e ruim. O tempo que passaram juntos deveria ficar no passado. Ela sentiu o bebê mexer, suas mãos instintivamente massagearam seu ventre, uma vida frágil que importava mais do que a sua en­tão, uma pessoinha que merecia o melhor que ela pudesse lhe dar. Não importava a que custo. Ver Ethan todas as manhãs era algo com que talvez ela pudesse acostumar-se, mas dizer-lhe boa-noite, saber que dormia em um quarto junto ao seu, que estava tão próximo e que não poderia tocá-lo mesmo amando-o, definitivamente seria algo quase im­possível de se lidar. — Fique, pelo bem do bebê. Mia concordou. — Faça uma lista de tudo que quer que eu traga que eu provi­denciarei esta tarde. — Vou com você. — Preciso alugar um caminhão, Mia. — Ele deu um meio-sorriso. — Duvido que todo o seu equipamento de arte caiba no meu carro. E, de qualquer maneira, o ponto principal de tudo isto é que você deve permanecer próximo de uma assistência médica. Subir as montanhas comigo logo no primeiro dia não faz sentido. — Está certo. Vou fazer a lista, mas será grande. Se vou traba­lhar aqui, não posso deixar nada para trás. — Eu consigo ler. E se não achar alguma coisa, posso ligar. Você tem um telefone lá, presumo. — Não — Mia retribuiu seu sarcasmo. — Mas você pode fazer uma fogueira no jardim e me mandar sinais de fumaça. — De re­pente, tudo o que ela desejou foi ir embora dali, ficar em sua casa e lamentar a perda do que ela nunca realmente teve, mas ainda ha­via uma coisa que queria perguntar. — Pode me responder só mais uma coisa, Ethan? Se Richard não tivesse mentido, se não tivesse dito o que disse naquela época, acha que nós... — Sua voz titubeou. — Não importa. — Ela abriu a porta, entrou e só se virou quando Ethan respondeu à pergunta não formulada confirmando sua perda real. — Teríamos ficado juntos, Mia. Ele encarou-a, não sabendo o que sua própria resposta conti­nha, se arrependimento, tristeza ou cansaço, porém a resposta dela o atingiu em cheio. — Então, você fez papel de bobo, Ethan. CAPÍTULO SEIS Você fez papel de bobo, Ethan. As palavras ressoavam em sua cabeça como um disco quebra­do. O barulho do caminhão era suficiente para afastar qualquer pensamento, mas não este mantra formado pelas palavras ditas com um toque de piedade por Mia. Quase passou direto pela placa escrita a mão que dizia "Lar de Mia". Blasfemou contra ela e contra sua estúpida ingenuidade em acreditar no lado bom das pessoas. Sentiu-se tentado a arrancar a placa e atirá-la longe. Por que não escrever logo mulher solteira que vive sozinha? Ele retirou a placa e a jogou no banco do passa­geiro a seu lado e dirigiu até uma parada no começo do declive. Era uma bela visão. Uma casa antiga, que se destacava alta e orgulhosa no alto da montanha, muito diferente do arruinado barraco que imaginou ser a casa de Mia. E embora ele soubesse que ela estava ciente de sua presença, que ela havia consentido que ele fosse, sentia-se como um intruso invadindo o espaço de Mia, praticamente um voyeur, ao percorrer o lugar com os olhos. Sua casa, seu lar, tão absurdamente femini­no, cada superfície tinha o brilho de Mia, cada almofada, cada ob­jeto uma extensão da mulher que ele conheceu e expulsou de sua vida anos atrás. O cheiro dela impregnava o ar, e ele respirou pro­fundamente o cheiro que lhe era tão familiar, que ele havia perse­guido por tantos anos. Era capaz de senti-lo numa loja de departa­mentos, o mesmo aroma em outra mulher era suficiente para... Ele fechou os olhos, imerso num arrependimento que o ator­mentava. Vergonha e repugnância tomaram conta dele quando lembrou-se dos rostos sem nome nos travesseiros durante todos aqueles anos, e ele sabia o que de fato procurara por todas aquelas longas e solitárias noites: preencher o vazio em sua vida, tentar enterrar a dor, abraçar e ser abraçado da maneira como havia sido antes, mas todas as tentativas foram sempre malsucedidas. Como se estivesse num jantar apenas esperando pela sobremesa, a conversa intermi­nável e irritante, a presença de outra mulher em seus braços, de­cepcionante algumas vezes, devastadora em outras. Então, o que ele estava fazendo? Envolvendo-se e aproximan­do-se ainda mais dela e de sua vida, ao invés de se afastar e de se libertar? Seus olhos fixaram-se numa foto de seu irmão e a imagem o acalmou, os olhos azul-claros olhavam para ele, com um braço ca­sualmente jogado nos ombros de Mia, sorrisos em suas faces, ne­nhum traço de amor à vista. Ele não conseguia entender. Pegou a carteira em seu bolso e ficou olhando para a foto es­maecida que guardava há sete anos, ele voltou ao restaurante onde se encontraram pela primeira vez para comprar esta foto antes de ir embora para Sydney. Foi então que seu mundo ruiu. Ao observar as imagens deles, tão mais jovens, tão mais des­preocupados do que estavam agora, quase pôde sentir a tensão que os cercou aquele noite, percebia-se a luxúria em seus olhos, o de­sejo que rondava os dois. — Mia. — Ele disse o nome dela em voz alta porque a sentiu tão perto que esperou ouvir uma resposta, esperou que ela entrasse no quarto com um leve sorriso nos lábios e um olhar questionador em seus olhos de gata. Sacudiu a cabeça, colocou a carteira de vol­ta no bolso, fechou a passagem para estes pensamentos perigosos e, pegando aquela lista impressionante, começou a trabalhar. Houve momentos de trégua. Conforme os dias se transformaram em semanas, a agonia de estar tão perto de Ethan, tão próximo e ao mesmo tempo tão fora de alcance, felizmente passou a não ser tão constante. Algumas gargalhadas esporádicas quebravam o silêncio e de vez em quando se deitava à beira da piscina sentindo a bênção do sol em sua barriga exposta com sua camiseta amarrada acima dela, com os olhos fechados, meio adormecida, ouvindo Ethan traba­lhando no computador no outro lado da piscina. Estava praticamente em paz com o mundo. — Tome. Ela abriu os olhos e não conseguiu focar as imagens por um momento. Ethan esperou pacientemente que ela alcançasse os óculos escuros tentando fingir que não estava dormindo. Entregou § a ela uma bebida gelada e ficou de pé por um momento enquanto ela tomava um gole. — Achei que deveria beber alguma coisa e colocar um filtro solar. Não é bom adormecer ao sol. — Não estava dormindo. — Quando percebeu que ele não acreditou, insistiu: — Não estava! Na verdade, estava deitada aqui pensando sobre o trabalho que estou fazendo esta tarde. — É mesmo? — É sim. A arte não acontece assim sem mais nem menos, e por mais caótico que meu trabalho possa parecer para você, tem muito planejamento, por isso estou lhe dizendo, não estava dormindo, apenas desenvolvendo uma idéia. — Mia terminou a frase em tom de triunfo, satisfeita com as palavras que havia escolhido. Até Ethan pareceu impressionado. — Então, diga-me, você sempre baba quando desenvolve uma idéia? Ela deveria ter ficado ruborizada, morrido de vergonha, mas em vez disto, morreu de rir. Ethan acabou rindo também. — Você está ficando bronzeada. Estava muito pálida antes. Antes. Antes de Ethan entrar de novo em sua vida. — Não tinha muito tempo para pegar sol. Não era somente vi­sitar Richard que tomava meu tempo. Eu costumava ficar muito envolvida com meu trabalho. Quando realmente mergulho no meu trabalho, sou capaz de passar um dia inteiro trabalhando numa peça sem colocar a cara para fora. — Queria que meu trabalho fosse tão envolvente. Qualquer distração é bem-vinda quando se passa o dia analisando um monte de relatórios e tentando imaginar maneiras de atrair mais alguns turistas. — Não acredito em você. Uma bomba poderia explodir ao seu lado e você nem se mexeria. Já observei você trabalhando. — Ela ficou envergonhada achando que tinha se exposto demais, mas ele nem se deu conta. — Bem, mas se seu trabalho é tão envolvente, por que não está trabalhando agora, Mia? — Ele apontou para a montanha de equi­pamentos que ele trouxe de seu estúdio, e ela sentiu-se culpada. Ele trouxe cada item de sua lista, e tudo estava à sua disposição esperando que ela desse o prazer de sua presença. Ele havia trazi­do até mesmo a placa que ficava no caminho de sua casa e coloca­do ali para que ela se sentisse em casa. — Pensei que tivesse um prazo a cumprir. — E tenho — respondeu Mia, mordendo o lábio inferior, dese­jando que Ethan não a lembrasse de uma verdade que estava ten­tando ignorar, a realidade de um prazo que estava se esgotando e ela não tinha muito a apresentar. — E só que... — Só que o quê? — Você não entenderia. — Tente me explicar. — Apenas não está vindo. — Não está vindo? — Como ela não continuou, ele pressionou: — Como assim, não está vindo? — Não sei. — Você não sabe o que não está vindo? — Viu, eu disse que você não entenderia — Mia retrucou, de­sejando que ele desistisse, o que não aconteceu. — Você não me explicou exatamente qual é o problema. Se quer que eu dê uma opinião objetiva, tem que me expor os fatos. — Lá vamos nós de novo — Mia murmurou baixinho, mas não o suficiente, pelo que viu na expressão dos olhos de Ethan. — Nem tudo se resume aos fatos, Ethan. Não há uma resposta para tudo. Talvez seja inspiração a palavra adequada. Tenho que fazer cinco pequenas pinturas a óleo para este japonês... — Pensei que você somente esculpisse por encomenda. — Pinto também. Era para eu estar pintando neste momento. O problema é que não tenho a menor idéia de por onde começar. — Mas você deve ter falado com seu cliente. Sabe que tipo de trabalho ele deseja? — Tenho uma idéia — Mia murmurou, Esta era a carreira dela, o trabalho dela. Só porque não cabia nos padrões de Ethan, não queria dizer que ela devia se envergonhar. Endireitando-se na ca­deira, ela tirou os óculos escuros e olhou em seus olhos. — O sr. Koshomo deixou por minha conta. Ele apenas quer que eu retrate a beleza da costa e das montanhas de Queensland, quer diferentes ângulos, diferentes visões. — E você já definiu que "visões" seriam estas? — É claro. Na verdade, já fiz quatro quadros. Só tenho mais um a fazer. — Então ela esperou por algum comentário estúpido de Ethan, do tipo “Então faça", mas felizmente ele não lhe disse nada. Apenas olhou para ela, que desviou os olhos e deu um sorriso. Ethan finalmente falou: — Bem, considerando o fato de que você não está efetivamente pintando, que, ao contrário, está deitada aqui dormindo. — Ele sorriu. — Quero dizer, desenvolvendo sua idéia, podemos dizer que você está sofrendo atualmente de... — pela primeira vez ele parou para pensar no que ia dizer — de um bloqueio artístico. — Suponho que sim. E sofrendo é a palavra adequada, acredite em mim. Ethan, obrigada por me ouvir, obrigada por tentar enten­der, mas o simples fato é que não há nada que possa fazer para me ajudar. Apenas tenho que esperar, pacientemente, até que... — Até que venha? — perguntou Ethan, e Mia sorriu diante da impossibilidade de Ethan Carvelle entender algo tão abstrato. — Conte-me quando vier. — Você saberá. — Ela levantou-se, jogando as pernas para o outro lado da espreguiçadeira, colocou os chinelos e caminhou re­soluta para dentro da casa — Vou dar uma volta. — Estava deses­perada para ficar longe dele, aborrecida por lhe ter revelado sobre a insegurança de um artista dando-lhe margem para mais tarde du­vidar de sua capacidade de criar uma criança sozinha. — Com este calor? A temperatura não está adequada para uma caminhada e, depois, já está quase na hora do almoço. — Então, vou para algum lugar mais fresco. Talvez faça um piquenique. Há um bosque agradável nas redondezas. — Ela ficou satisfeita com sua idéia, que lhe daria algumas horas longe de Ethan, algumas horas longe deste caldeirão de emoções. — Parece uma boa idéia. — O que está fazendo? — Providenciando o almoço... — Ele examinou o que havia na geladeira. — Não temos o necessário para um piquenique. Vou ligar para a deli e pedir que preparem uma cesta para nós. Pode­mos pegar no caminho. — Nós? — É claro. Não pretende sair sozinha em suas condições, não é? — Mulheres grávidas caminham, Ethan. Não estou inválida. — Nunca disse isto. Mas mulheres em estágio avançado de gra­videz não saem por aí passeando em bosques sozinhas. Elas sa­bem que não teriam sinal em seus celulares e sabem que embora pareça bonito e seguro, há uma subida para se chegar até lá. E a menos que queira dar uma volta no helicóptero de resgate local, acho melhor você calçar um sapato decente para caminhar. — Pe­gou o fone com um ar triunfante e olhou para Mia parada de boca aberta. — O que acha de frango com manga? — Frango com manga? — Para a salada? Ele nem esperou sua resposta, apenas deu as ordens ao telefo­ne, enquanto ela se dirigiu para o quarto para se arrumar. Retor­nou um minuto depois. — Mia, pensei que já estivesse pronta. Um leve sorriso de triunfo apareceu no canto de sua boca. — Mas estou pronta. Ela percebeu que ele engoliu em seco ao vê-la vestida com um short curto e um top de organza. A viagem de meia hora, com uma parada na deli, mesmo num luxuoso carro com ar-condicionado, não surtiu nenhum efeito para aliviar a tensão que Ethan causava com sua simples presença. Mas alguns metros de caminhada no bosque fizeram com que a tensão desaparecesse. Ela respirava profundamente sentindo o cheiro de mato, ouvindo o barulho de uma queda d'água, e sentiu-se relaxada talvez pela primeira vez desde que o viu na igreja. O forte sol australiano era uma memória distante neste divino oásis. — Adoro este lugar. — Esta árvore tem mais de mil anos de idade. — Ele passou as mãos pelo sólido tronco antes de se virar e sorrir da expressão atô­nita de Mia. — Eu estive aqui com o pessoal da escola. Fizemos um trabalho sobre o ecossistema de uma floresta. Fiz uma maquete dela e lembro de ter tirado notas altas, que não impressionaram meus pais. O que a natureza tem a ver com isto? — Disseram isto? Ela percebeu ter tocado num assunto delicado e mudou o rumo da conversa. — Você já foi um estudante? Pela primeira vez ele sorriu de verdade, e o ecossistema da flo­resta deve ter sofrido alguma alteração porque, de repente, a tem­peratura subiu. — Não consigo imaginar você desarrumando a mesa de jantar com mato e plástico, criando seu projeto. — E não fiz isto mesmo. Usei a sala de arte da escola. Mentalmente, Mia chamou sua própria atenção pela sua insen­sibilidade. — Desculpe. Esqueci que você estudou em colégio interno. — Não se desculpe. — Ele deu um leve sorriso. — E, por favor, não perca seu tempo sentindo pena de mim. Acredite, Mia, eu não fui uma daquelas crianças que ficam agarradas à barra da saia da mãe chorando, porque não querem voltar para o colégio. Desculpe-me por estar andando tão rápido. — Ele parou por um momen­to para que ela respirasse um pouco e retomou a conversa do ponto em que parou: — Fui justamente o oposto. Ficava louco para vol­tar, mal podia esperar para recomeçar o ano letivo. Ele contou aquilo num tom absolutamente casual, mas a ima­gem de solidão que ele criou na mente dela fez com que seus olhos se enchessem de lágrimas, que ela rapidamente controlou, porque sabia que sua compaixão não era apreciada nem desejada. — Adorei fazer aquele projeto. E fui eu quem riu por último. — Como assim? — Tudo tem a ver com a natureza, aqui em Queensland. Você não pode nem tossir sem considerar o efeito que terá rio meio am­biente, imagine construir um resort. Aquele projeto se tornou muito útil, afinal. — Nunca imaginei que você fosse chegado aos assuntos da na­tureza. Na verdade, sempre pensei que você era particularmente chegado a nada. — Mas posso ser. — Ele se virou para vê-la e tirou uma mecha de cabelo de seu rosto. — Dependendo das circunstâncias. — Su­bitamente ele pareceu se dar conta da intimidade que havia criado com o seu gesto e tirou a mão, deixando Mia tonta e confusa. — Há quanto tempo não vinha aqui? — Vinte anos. Foi Mia que parou então, enquanto Ethan continuou andando. — Você nunca voltou? — Nunca, o que é uma pena, considerando que sou o dono. — Você é o dono? Como você pode ser dono de uma floresta? — Mostrarei a escritura. É tudo meu, até a parte onde a mata encontra as praias brancas do Mar de Corais. Comprei muito bara­to alguns anos atrás, com a intenção de construir um resort... — Você destruiria tudo. — Provavelmente — admitiu Ethan. Mas é claro que o resort não ficaria exatamente aqui. — Espero que não. Ethan, você não está considerando devastar esta área? — Não — respondeu ele com irritação. — Você não precisa ser um hippie para apreciar a beleza da natureza, sabia? Só porque não ando por aí com uma plaquinha com a inscrição paz e amor, recusando-me a usar desodorante, não quer dizer que não me im­porto com o meio ambiente. — Bobagem — Mia interrompeu. — Você vê tudo como uma maneira fácil de ganhar muito dinheiro. — E eu pensei que fosse o cínico. Pense o que quiser, Mia, mas o fato é que eu já ganho uma fortuna, não preciso construir outro hotel, não neste local. O resort ficaria próximo à praia, teria so­mente um andar. Mas quando digo resort, refiro-me mais a um re­tiro, um lugar isolado do resto do mundo, sem lugar para lanchas ou heliportos. — Parece maravilhoso. Por que não leva adiante? — Porque, não importa o que faça, os custos não se justificam. — Dinheiro? — E tempo. Teria que ser feito com amor para ficar bom. Tal­vez um dia. — Agora que Richard morreu não precisa mais trabalhar com sua família. Você permitiu que Richard seguisse em frente, agora chegou a sua vez de correr atrás dos seus sonhos. Estavam passando pela pequena ponte suspensa, Ethan carre­gava a pesada cesta preparada pela deli ao mesmo tempo que se­gurava o braço de Mia. Embora ela já tivesse passado ali cem, tal­vez mil vezes, concluiu que Ethan fizera bem em acompanhá-la. Realmente, não era um lugar para uma mulher grávida ir sozinha. Sentiu-se um pouco decepcionada por pensar que realmente não era o desejo de estar com ela que o havia trazido ali, e sim uma necessidade de proteger os seus, a criança tinha o sangue dos Carvelle correndo nas veias, e ele faria qualquer coisa para pro­tegê-la. — Que tal este lugar? — Ele considerou seu aceno distraído como um sim, estendeu a toalha e ela, agradecida, sentou-se, le­vando uns minutos para recuperar o fôlego. — Tome. — Deu a ela uma garrafa de água mineral gasosa e ela tomou um longo gole, observando enquanto Ethan colocava as guloseimas num prato e passava para ela. — Por que não pinta isto? — Ele apontou para o magnífico cenário. — O sr. Koshomo certamente ficaria impressionado. — Já pintei. — Mia suspirou. — Estive aqui há alguns meses. Na verdade, foi o primeiro quadro da coleção que pintei. Sentei-me ali. Há um tom dourado na floresta que realmente fica muito bonito... Ele estava ouvindo, de certa forma, mas ficou imaginando ai cena de Mia com uma tela, sentada sozinha em meio à natureza. Em sua mente pôde ver aqueles intensos olhos azuis concentrados e a língua rosada passeando pelos lábios enquanto ela trabalhava na tela, e foi tomado de um desejo tão intenso que não pôde acre­ditar que ela não visse, sentisse, percebesse. — Estou entediando você. — Mia disse em tom de desculpas, ao vê-lo com o olhar perdido. — Bem, .então só falta uma tela. — Será uma paisagem aquática, o recife. Quase consigo visua­lizá-la. Sei que já tinha que ter começado, mas quando começar, provavelmente virá... — Ela balançou a cabeça, impaciente consi­go mesma. — Desculpe continuar falando sobre isto. — Então vamos caminhar. — Ele começou a guardar as coisas e a recolher a toalha, e Mia ficou agradecida por mudarem de as­sunto, grata por ele perceber que não queria falar sobre aquilo. — Vamos descansar — disse ela suavemente, com os olhos semicerrados. — Descansar? — Tirar uma soneca. — Mia sorriu, um pouco sonolenta. — Mas são quatro da tarde. — Você nunca desliga? Somente pelo prazer de relaxar? — Não no meio do dia. — Tente — Mia disse com simplicidade, fechando os olhos e aspirando profundamente os aromas deliciosos da floresta, ouvin­do o barulho da cascata, sentindo-o rígido e deslocado tentando deitar-se. Mas, vagarosamente, conforme o sol foi ficando mais fraco, ela sentiu a respiração dele se suavizar, relaxar a tensão e sorriu ao pensar que ela devia ser a única mulher no mundo que achava sexy o barulho de um homem ressonando. — Estive pensando — disse Ethan, horas depois, enquanto ela fingia ver televisão. Mia fizera pipoca, que, é claro, Ethan recusara e fora tomar banho. Depois, ela sentou-se no sofá sentindo=se inchada e feia, com Ethan sentado perto dela, com um cheiro divi­no, usando apenas um short, com suas pernas longas e musculosas cruzadas sobre o tornozelo, o cabelo ainda molhado que ela tanto queria tocar. — Talvez você precise de um dia de folga. — Esta é a última coisa de que preciso. Dias de folga é o que mais tenho tido ultimamente. — Quero dizer, um dia fora daqui. Talvez precise ser turista por um dia. Que acha de sairmos, fingirmos que somos visitantes? — Qual o objetivo disto, Ethan? Passei minha vida inteira aqui. Conheço o mar, a baía, os cafés. — Foi só uma idéia. Desculpe por me meter. Você é a grande artista. Você pode ficar deitada amanhã o dia todo na espreguiçadeira "desenvolvendo" suas idéias. Deve saber o que está fa­zendo. O filme terminou, deduziu Mia, porque os créditos apareceram. Ela não conseguiu prestar atenção numa só palavra, só conseguiu pensar na presença de Ethan próximo a ela no sofá. Um copo de leite era a última coisa que queria, mas era tudo o que podia ter. Um brandy cairia muito bem, ajudaria a dormir, porque sabia que não havia a menor possibilidade de conseguir dormir e não tinha nada a ver com o fato de ter cochilado o dia todo e sim tudo a ver com Ethan. Quando voltou para a sala, per­deu o fôlego como sempre acontecia, a simples visão da nuca de Ethan era suficiente para fazê-la petrificar-se. Ela não poderia sentar-se nem mais um minuto naquele sofá com Ethan sem tocá-lo. — O que tinha em mente? — Viu a cabeça dele virar-se ligei­ramente quando ouviu o som de sua voz, feliz porque ele não po­dia ver seu rosto. — Quero dizer, quando falou que poderíamos passar o dia fora. — Num barco. Não o meu, mas um destes turísticos, que saem do píer todos os dias às oito da manhã. Vão até a Ilha Lizard. Po­deríamos mergulhar... Já perguntei ao médico se você pode. — Ele ainda não havia se virado totalmente para vê-la, mas deve ter sentido sua expressão. — Não estava invadindo sua preciosa pri­vacidade, apenas achei melhor me aconselhar com ele, antes de dar a idéia. — E o que o dr. Garth disse? — Que não há nenhum problema. Na verdade, ele acha que será muito bom para você. Sua pressão baixou, você está ganhando peso, por isso acha que não há nenhum motivo para não passar o dia fora. O recife fica somente a quarenta e cinco minutos daqui. O silêncio pairava no ar, e Mia sentiu-se à beira de um precipí­cio. Embora seu convite parecesse casual, oferecia muito perigo. A tensão sexual que estivera no ar durante as últimas semanas pa­receu aumentar e ficar fora de controle nas últimas horas. Ela sa­bia que estavam pisando num terreno perigoso. — Parece maravilhoso. Ele levantou-se, atravessou a sala e colocou-se em frente a ela. — Quando? Ela pôde sentir seu cheiro de novo, sua proximidade invadindo seu espaço. Era tão fácil dar um passo à frente e cair nos braços que ela sabia que a segurariam, sabia que a salvariam, os mesmos braços que depois a afastariam e a paixão, a tensão que os rondara durante todo o dia e que se tornou insuportável à noite se disper­saria de novo. Então, ela não deu o passo. — Quando? — ele perguntou novamente. — Quando você quiser. — A voz dela estava curiosamente alta até sentir a mão em seu rosto, o dedo dele tocando a carne macia de seu lábio superior. — Você está com um bigode de leite. Talvez ela realmente estivesse, talvez ele estivesse mentindo, mas o contato foi insuportável. Mesmo depois que ele tirou a mão, uma torrente de emoções tomou conta dela revolvendo as águas do desejo, que estavam sendo mantidas em suspenso. — Fiz uma reserva para amanhã. Ela quis protestar contra sua presunção e arrogância por con­cluir que ela aceitaria. Mas foi mais fácil fugir. Meter-se debaixo do frio lençol branco, pousar seu rosto em chamas no travesseiro, fechar os olhos e afastar aqueles pensamentos, ignorando seus mamilos retesados contra o lençol e a pul­sação entre suas coxas, ignorando o assustador resultado de um simples toque dele, fechar os olhos e rezar pela fresca perspectiva da manhã. CAPÍTULO SETE — E então? Olhando através do vidro no chão do barco, o recife de corais batendo sob ela, peixes pulando sob seus pés como se estivesse sentada numa grande tela plana de TV, Mia sentiu a irritação au­mentar e ficou agradecida por isto. Ficou agradecida pelo amor não ser cego. Por Ethan não ser um homem que ela pudesse amar cegamente, que o molde perfeito de onde ela achou que ele saíra, na verdade, ti­nha algumas bolhas de ar, e impaciência era o que mais sobressaía. — Então o quê, Ethan? — Ele estava sentado ao lado dela e suas coxas se tocavam de vez em quando, graças aos cinqüenta turistas que se espremiam por uma vista privilegiada. — Você acha que é fácil, não é? Bastam quarenta e cinco minutos de pas­seio de barco para que eu subitamente me sinta inspirada. Ele deu de ombros, já visivelmente entediado, e ela resistiu à tentação de olhar o relógio. Sabia que ainda nem eram nove horas da manhã e desejou que o dia passasse rapidamente para voltar à relativa segurança do que aos poucos estava se tornando seu lar. Foi uma idéia idiota, embora Ethan estivesse certo ao pensar que o passeio despeitaria sua inspiração. Ouvir o falatório dos turistas e sentir o vento no cabelo, ver o sol refletido no oceano e o rastro que o barco deixava no mar despertaram o animal criativo dentro dela. As tintas cinzentas que obscureceram sua mente por sema­nas tornaram-se mais brilhantes, o azul-safira do céu, o azul quase verde da água, o gosto salgado nos seus lábios e o ardor em seu rosto devido ao toque do sol, como se estivesse vendo tudo pela primeira vez, sentindo pela primeira vez... Ainda assim foi uma idéia idiota. Não foi somente o animal criativo que o passeio des­pertou. O sentimento da noite passada não diminuíra, e o toque ocasional da perna dele em sua pele ricocheteando como se fosse uma descarga elétrica que a percorria deixou seu corpo toda em alerta, desperto e consciente. — Vamos parar em breve. — Ethan bocejou sem preocupar-se em esconder com a mão, parecendo totalmente inconsciente à massa de hormônios que estava a seu lado. — Talvez depois de nadar um pouco... — Como? — Sua voz furiosa foi um pouco abafada pelo baru­lho do motor, mas ainda assim chamou a atenção de Ethan. — Não existe a menor possibilidade de que eu vá nadar. Ethan, estou com quase oito meses de gravidez, pelo amor de Deus. Também não estou vestida para nadar. — Não se preocupe com isto — disse ele. Sem importar-se nem um pouco com o acesso de raiva, alcançou a bolsa que parecia a mais cara que Mia jamais havia visto e tirou duas peças vagamen­te familiares de lycra vermelha. — Peguei isto para você. — Isto? — Com o rosto pegando fogo, Mia pulou sobre as duas peças como um touro furioso. — Eu usava isto há um ano, quando eu era magra e maravilhosa, tinha uma barriga lisa e certamente isto não estava na lista que eu dei para você. — Faça como quiser. — Enquanto o barulho dos turistas au­mentava, Ethan tirou a camiseta, o tênis e os shorts. — Eu preten­do abrir meu apetite para minha refeição e minha taça de vinho que estão incluídos no passeio. — Estou grávida, Ethan! — Mia gritou quando ele colocou sua máscara de mergulho. — Uma taça de vinho a mais para mim, então! — E como se estivesse treinando para as Olimpíadas, ele subiu na borda do barco, deixando-a suando no calor, e voltou para respirar com um sorriso totalmente fatal. — Não me diga — resmungou ela. — A água está fria? — Na verdade não, parece uma banheira. Seus olhos pareceram ainda mais escuros e devastadores do que ela jamais vira. — Você entende que corro risco de ser atingida com um arpão se entrar na água usando isto. — Claro que não. Respeitamos a natureza selvagem aqui em Queensland — disse ele, sorrindo. — Você vem ou não? Ela não respondeu, mas engoliu o orgulho já que a tentação foi maior e foi até o banheiro para colocar o odioso biquíni. Sua única salvação é que havia se depilado naquela manhã, mas isto não a impediu de ficar ruborizada e de sentir-se a mulher mais gorda e menos sexy que pisou naquele barco. — Você tem uma opção. — Segurando o que costumava ser sua cintura, Ethan olhou para ela. — Podemos voltar para o barco em uma hora ou podemos ir para a ilha. Existe um pequeno resort lá, podemos providenciar alguma coisa para comer. — Vestidos assim? — Com certeza eles podem organizar um piquenique para nós, se você preferir. Foi tão agradável ontem que acho que vale a pena repetir. — As mãos dele ainda estavam em sua cintura, absoluta­mente imóveis, porém deixando-a mais agitada por dentro que suas pernas, que ela batia furiosamente dentro d'água. Mia, divi­dida entre o medo e a luxúria, sentiu-se tentada a voltar à seguran­ça do barco, mas também inclinada a ficar na ilha, passar mais tempo sozinha com aquele homem e beber da bebida proibida que ele lhe oferecia. — O piquenique me parece bom. — Ela umedeceu os lábios carnudos com a língua, ainda sentindo a sólida presença das mãos dele em sua cintura. — Você tem que retornar para avisar o capi­tão que... — Já avisei. Ele mergulhou antes que ela pudesse reagir e depois de um mo­mento de hesitação, ela o seguiu. Respirou profundamente e mer­gulhou com os olhos bem abertos. Ela sempre ficava admirada com todo um mundo à parte, com as mais variadas espécies, sob as águas aparentemente tranqüilas. Devido à sua maior capacidade pulmonar, Ethan conseguiu fi­car embaixo d'água mais um momento perigosamente mais lon­go, observando-a subir para a superfície, mais bonita do que qual­quer outra criatura do oceano, com os cabelos louros afinados pela força da água deixando um rastro dourado atrás de si, os seios pouco cobertos pelos pequenos triângulos vermelhos, a linda bar­riga. Suas pernas bronzeadas pareciam intermináveis, impulsio-nando-a para cima, permitindo uma visão do vão entre suas coxas. Ethan sentiu-se pegando fogo de desejo, pensando naquele lugar secreto e doce onde ele já havia estado e aonde ele ansiava, preci­sava, queria retornar. Ele respirou profundamente quando chegou à superfície. Sua falta de ar não tinha nada a ver com a natação e tudo a ver com o rosto sorridente que o esperava, com aqueles olhos tão azuis quan­to a água, o cabelo espalhado sobre a superfície. Ela parecia uma sereia, uma criatura divina, ele sentia tanto desejo de envolvê-la com as pernas, de tirar a parte de baixo do biquíni e possuí-la, com uma ereção tão intensa, que chegava a literalmente doer para con­trolar. O toque da mão dela em seu ombro fê-lo ferver. A parte de cima de seus seios subia e descia quando ela buscava o ar, a pele branca, geralmente coberta por uma camiseta, já ficando rosada devido ao forte sol australiano, pequenas sardas sobressaindo em seus braços dourados. — Pronto para ir de novo? Ele não estava. Tudo o que Ethan desejou foi ficar, saborear aquele momento um pouco mais, segurar este espaço de tempo e de alguma manei­ra guardá-lo para mais tarde, lembrar-se de sua beleza na superfí­cie e ignorar a verdade irrefutável que havia atrás de seus lindos e inocentes olhos azuis. A curva sensual de sua boca estava tão úmi­da que ele sentiu-se tentado a beber daquela fonte. O sol batia em sua pele, e seu sorriso quase infantil contrastava com as formas voluptuosas daquela mulher que estava abaixo da superfície de cristal da água, seu corpo tão abundantemente feminino, pleno com o filho de outro homem, o filho de seu irmão e... mas ele con­seguia conviver com a idéia de ela estar esperando um filho que não era seu. Já se sentia tão próximo desta criança que desafiava suas próprias convicções, já sentia um amor imenso por aquele al­guém que ainda nem conhecia, por uma criança que ele mal podia esperar para segurar, mas pensar que Richard já estivera ali, que já a tocara, segurara, amara... Poderia conviver com isto também? Sua indecisão o aterrorizou de verdade. Ele passou da total re­jeição inicial a uma gradual aceitação da idéia. As linhas que ele traçou com tanta firmeza esvaíram-se com cada visão de uma vida ao lado dela, as regras que impôs a si mesmo começaram a parecer insignificantes se comparadas a um futuro ao lado dela. Ele não conseguia entender. Não queria entender como podia querer a ambos. E ela o que­ria. Ethan sabia disto. O beijo no chuveiro apenas confirmou o que ele já sabia. O calor, o calor sexual que irradiava entre eles era muito forte. Ele não entendia como ela já estava tão pronta para seguir em frente, o luto pelo pai da criança, pelo seu amante, pare­cia tão inadequado. Ela sentia falta de Richard. Podia ouvi-la chorar à noite, via seus olhos se encherem de água, percebia que se distraía quando o nome de Richard era mencionado ou quando uma música ou um filme a fazia lembrar-se dele. Não duvidava de que ela sentia saudade dele, mas a Mia que ele conheceu e amou estaria arrasada. Tão arrasada quanto ele estaria se seu amor, se Mia fosse arran­cada de sua vida, de seu futuro, de seus sonhos. Ele ficaria arrasa­do diante da injustiça, devastado pela agonia, torturado pelo arre­pendimento pelos anos perdidos. Ele simplesmente não conseguia entender. Então, ela soltou-se dele deixando apenas um rastro na superfí­cie, e ele pôde sentir um pouco do que ela sentiu sete anos atrás, quando ele a cortou de sua vida e todas as perguntas ficaram sem resposta, sem ninguém para apoiá-la. CAPITULO OITO — Quero pintar. Eles mal chegaram em casa e Mia se dirigiu para a parte exter­na, acendeu todas as luzes ao entrar, deixou um rastro de areia. Com a cabeça fervilhando de idéias, cheia de cores, paixão, sen­tiu-se finalmente pronta. — Agora? — Ela percebeu a incredulidade no tom de voz de Ethan. — Mia, são onze da noite, estivemos fora desde as sete da manhã. Você deveria descansar, dormir. — Não conseguiria dormir. Ethan, sinto-me como se tivesse dormido por semanas. Você estava certo. Eu tinha que sair daqui, ver a animação das pessoas ao ver a beleza do recife pela primeira vez. Este foi o melhor dia... E foi. Desde o deslumbramento do recife, à praia virgem onde fizeram o piquenique, cada momento serviu como um despertar, que estava longe de terminar. — Finalmente, tudo voltou à minha mente, está tudo aqui! — Ela deu tapinhas na cabeça e ele balançou a dele. — E ainda estará tudo aí de manhã, Mia... — começou a falar, mas ela não ouviu, retirou a coberta empoeirada que estava sobre a tela e olhou para o mesmo trabalho que ela vinha olhando por semanas, só que, agora, era diferente. Havia fogo em seus olhos, um propósito em seus movimentos que não havia até agora. — Mia! — Ethan tentou de novo, percebendo a impaciência dela diante da distração que ele estava causando. — Você pode fazer tudo isto amanhã. — Pode não estar aqui amanhã. — Seus olhos suplicaram para ele entender e ficar. — Ethan, não é uma mesa de onde eu possa sair e voltar. Não é uma pilha de números que podem ficar mais claros de manhã. No meu trabalho nada pode ser deixado para amanhã. Tenho de aproveitar enquanto está aqui, tenho de... — Ela parou de falar ao perceber que era inútil tentar fazer um auste­ro homem de negócios australiano entender aquilo. Mas ficou fe­liz e aliviada ao vê-lo dirigir-se à cozinha e pegar algo para os dois beberem, ficando em silêncio, deixando que aproveitasse sua ins­piração. E mesmo que Ethan não entendesse, teve que respeitar, porque ao ver seu trabalho, visualizar a criação desenvolver-se diante de seus olhos e testemunhar seu talento, fê-lo perceber que não devia tentar impedi-la. Cada movimento dela reproduzia o que eles haviam testemu­nhado naquele dia, capturando toda a beleza de uma forma que nenhuma foto jamais poderia fazer. A profundidade de sua imagi­nação, a atenção aos detalhes, a habilidade naqueles dedos pren­deram a atenção dele quase que totalmente. Quase. Também seu bronzeado chamou sua atenção. Ela tirou a cami­seta enquanto o trabalho avançava. Seus olhos percorreram a co­luna dela, já que o pequeno triângulo vermelho não era suficiente para cobrir a curva de suas nádegas, quando ela se inclinava ou mudava de posição. — Vou tomar um banho. Ela nem respondeu. Nem o viu sair. Nem olhou quando, depois de muito tempo, ele retornou. — Você está chorando? — Lágrimas de felicidade. Finalmente terminei. Ela virou-se para seu trabalho e ele ficou de pé ao lado dela, olhando para a tela sem conseguir vê-la, com a cabeça tão cheia que parecia que ia ex­plodir. Numa fração de segundos parecia ter entendido o que é agir por impulso, sabendo que a magia, a proximidade e a beleza que ha­via naquele momento poderiam não existir de manhã; entendeu que, caso se afastasse, poderia nunca mais viver este momento. E ele queria viver este momento com ela. Tinha total clareza do que estava sentindo. É claro que poderia pesar os prós e contras, ouvir sua mente racional que sempre falava mais alto que seu coração, mas nada apagaria o que ele estava sentindo ao lado de Mia naquela hora. E tão certo quanto Mia podia ouvir o oceano numa concha, ele podia ouvir a voz dela ressoando em sua mente. Talvez seja a hora de ir atrás de seus próprios sonhos, Ethan... Ele podia fazer isto. Podia amá-la sem questionamentos, ama­ria se ela permitisse. Puxou um banquinho para perto dela e pôs a mão em seu ombro ao sentar-se a seu lado. Ambos ficaram admirando a vista do fun­do do mar, revivendo sua dança sensual quando mergulharam dei­xando o mundo para trás, a liberdade que sentiram naquela ma­nhã. No ar, a tensão crescia, a luxúria emergia e a pele dela parecia se fundir com a dele. Sua nuca parecia chamar os lábios dele. Ele a tocou com seus lábios, sua língua, sentindo o cheiro do cabelo dela, e fechou os olhos arrependido por ter duvidado dela, por não ter sido capaz de ver a mágica em que somente acreditou quando viu acontecer. Como se estivesse no piloto automático, a mão dele deslizou, sem nenhuma precaução, nenhum arrependimento, decidido, por­que era agora ou nunca. Sentiu o mamilo dela entre seus dedos, as batidas de seu coração se acelerando ao acariciá-los gentilmente. Como ela se arqueou para trás, o vão de seu pescoço tornou-se um refúgio para sua mão livre, e ele se inclinou sobre ela e a tocou com seus lábios. — Não posso, Ethan, não posso me arriscar a acordar de manhã e ver arrependimento... — Não haverá nenhum arrependimento, Mia. Vivi arrependido durante sete anos e não vou perder você pela segunda vez. Não posso continuar vivendo nesta casa sem ter você. Por completo. — Tem certeza? — Sua mão segurou a dele, tentando impedir que continuasse com as carícias enquanto travava uma batalha in­terna desesperada para se render, para deixar que Ethan acabasse com a solidão, a agonia, a tensão. Mas ainda assim, temia que ele a deixasse, não poderia suportar a tortura de uma segunda rejei­ção. — Tem certeza de que pode perdoar o fato de que o bebê é de Richard? — Não tem nada a ver com perdão — disse Ethan, com a voz emocionada. — Agora sei que tem a ver com aceitação. Não sabia se podia aceitar que você e Richard... — Ele deu uma pequena pausa. — Desde o dia em que pedi para que você se mudasse para cá, percebi que a queria por completo, você sabe disto tão bem quanto eu. — E tem que ser você inteiro, Ethan. — A voz dela tremeu, ao lembrar-se da rejeição que sofreu. Você um dia me prometeu con­versar comigo, Ethan, contar-me o que estava pensando, o que es­tava sentindo. — Farei isto. — Você tem de fazer isto! Nem me deu a chance de me defen­der, jogou sete anos fora por não ser capaz sequer de imaginar que podia haver outra versão da história, que Richard podia não estar dizendo a verdade. — Agora sei disto. Era tamanha a sinceridade na voz dele, tão grandes eram o ar­rependimento, a dor, o amor em suas palavras que foram suficien­tes para calar seus medos e finalmente admitir que poderiam ficar juntos. Ela consentiu com a cabeça, demonstrando que havia en­tendido, fechou os olhos, soltou a mão dele e se entregou às carí­cias. — De manhã tudo continuará do mesmo jeito — sussurrou ele, e ela acreditou, ela compreendeu que ele sabia o que estava dizendo. O pescoço dela se arqueou para trás, ele deslizou a mão deixando seus seios expostos para que seus lábios os percorressem. Sua língua saboreou seus mamilos retesados e com suas coxas em torno dela, a mão dele massageou seu ventre. Seu toque não foi cauteloso. Ela pôde sentir o amor, a paixão, a reverência em seus movimentos se­gurando a criança dentro dela como se fosse dele. Era como se ele houvesse captado sua alma, sentia que seu toque tinha mais do que luxúria, mais que somente desejo, tinha também necessidade e acei­tação. O toque de Ethan era tudo de que precisava para render-se. Os lábios dele moveram-se para cima, e ouvir sua respiração quente deixou-a louca de desejo e a mão dele deslizou para dentro da parte de baixo de seu biquíni. Os dedos tatearam a carne suave enquanto a outra mão segurou suas nádegas, tomando-a pelos dois lados, cau­sando sensações às quais ela nem sabia como corresponder, uma vontade de voltar a cabeça para olhá-lo ao mesmo tempo que queria se abandonar às suas mãos hábeis e deixá-las operar a magia, desli­zando para dentro de seu corpo quente. Um gemido ia sair de seus lábios, mas foi substituído por um grito de prazer quando a mão dele penetrou em seu âmago feminino, as costas se arquearam numa de­liciosa submissão. — Ethan — foi tudo o que ela conseguiu falar, mas ele enten­deu o que ela queria dizer, entendeu a linguagem do corpo, soltando-a por um momento. Quando ela se virou, eles se olharam por alguns momentos, ele a puxou para baixo e a fez deslizar sobre sua rigidez, os braços a seguraram quando ela jogou a cabeça para trás. Ele sentia as coxas dela em torno de si, o ventre dilatado dela de encontro ao dele. Tentou se controlar, com medo de machucá-la, mas ela não deixou e o puxou para si, dando permissão para que ele a penetrasse ainda mais profundamente, e ele se abando­nou sentindo toda a intimidade dela se fechar em torno dele, um grito primitivo saindo de seus lábios, enquanto ela sugava cada doce gota de Ethan. Exausta, mas exultante, ela descansou ao lado dele, com a ca­beça sobre seu ombro. Sentiu os braços a segurarem enquanto a respiração, que estava fora de controle, ia se normalizando aos poucos. E, de repente, Mia entendeu que poderia contar a verdade, porque não a estaria usando em defesa própria e sim por um bom motivo... Que Richard entenderia. — Ethan, quanto a Richard... — Não. Agora não, Mia, não agora que acabamos de nos en­contrar de novo. Temos o resto de nossas vidas para conversarmos sobre isto. Como disse antes, de manhã tudo continuará do mesmo jeito. CAPITULO NOVE E continuou. Mia amou Ethan por sete anos, sentia saudade da beleza de acordar ao lado dele. De senti-lo curvado sobre suas costas, os joe­lhos dele encaixados atrás dos seus, sua cabeça repousando sobre o braço dele, enquanto uma das mãos envolvia seu seio e a outra ficava pousada sobre seu ventre, como se, mesmo dormindo, ele não conseguisse suportar a idéia de vê-la partir. Ignorando seu gemido de protesto, ela se virou para olhar para ele, quase sem acreditar que todo aquele tempo ela nunca o vira relaxado, nunca conhecera sua beleza etérea sem sua máscara cos­tumeira. Ela o fitou para captar cada traço, gravando com seus olhos de artista cada detalhe de seu maxilar, que parecia mais sua­ve ao dormir. Ela voltou o olhar para baixo sem inibições, já que ele ainda estava dormindo, e admirou seus mamilos e a trilha de cabelos cor de ébano que guiaram seu olhar mais para baixo. Ela ansiava por tirar o lençol, quando subitamente e com uma profun­da satisfação, lembrou-se de que finalmente podia. Ela estava na cama com o homem que amava. Finalmente, depois de tanto desejo, tanta necessidade, tanta dor, ela podia seguir seus impulsos sem reprimi-los, olhá-lo nos olhos sem medo de revelar a profundidade de sua paixão, porque também era o que ele sentia. A mão dela moveu-se para baixo puxando o lençol e ela admi­rou sua beleza túrgida crescendo lentamente como se somente a vontade dela, seu olhar e sua necessidade fossem suficientes para excitá-lo. Ela teve que sentir sua beleza sedosa e percorreu com o dedo aquela extensão quente, mentalmente satisfeita ao pensar que era dela, que ela podia pegar, que era a seu toque que ele res­pondia. Ele abriu os olhos lentamente e a fez sentir-se tão deseja­da, tão adorada, tão segura. — Bom dia — disse baixinho, cheio de desejo e luxúria, ne­nhum vestígio de arrependimento em seus olhos, nenhuma hesita­ção nas mãos que a puxavam para si, nem ao abrir suas coxas e deslizar para dentro dela. Havia uma doçura em sua forma de fa­zer amor diferente de antes. Profundos e vagarosos movimentos substituíram a paixão quase furiosa, sabendo que o tempo estava a seu favor. E eles se olhavam ao se moverem em harmonia,e seus orgasmos foram muito intensos, tremendo através dela, suas mãos nas costas dele pressionando os dedos contra sua pele, o nome dele escapando de seus lábios. Quando seus olhos se encheram de lágrimas, ela não tentou evitar, apenas deixou caírem, revelando uma emoção tão intensa, tão catártica que parecia um novo des­pertar. Saber que ele ainda estava lá, ainda a tinha nos braços, ain­da a amava, era como ter a certeza de que o sol nasceria todos os dias. — O que você tem para fazer hoje? Ela ficou feliz com esta pergunta, percebendo-a como mais um movimento adiante. — Tenho uma consulta médica às nove. E você? — Tenho uma videoconferência com o gerente do resort de Sydney às nove e meia e uma reunião com o procurador às onze. — Desculpe. — Pelo quê? — Fazê-lo ausentar-se de seu trabalho e deixá-lo em cativeiro... — Estou amando. — Ele sorriu. — Pelo amor de Deus, Mia, tenho trabalhado oito horas por dia todas as semanas desde que me entendo por gente. Mereço este tempo fora do escritório. De qualquer maneira, já tinha me planejado para fazer meu trabalho em casa. Esperava que durasse mais tempo. Nenhum de nós sabia que Richard morreria tão cedo, que seu final chegaria tão rápido... — Sua voz hesitou, a memória de Richard pairava sobre eles e a cer­teza que ela teve na noite passada intensificou-se. Mia sabia que devia contar a verdade a ele, quebrar o juramento que havia feito a Richard. Tinham que ser honestos, se quisessem continuar jun­tos. Ela exigiria isto de Ethan, e ele tinha todo o direito de exigir o mesmo. — Há uma coisa que preciso contar a você, Ethan. — Ela engo­liu em seco. — Uma coisa que você realmente precisa saber. — Sobre o quê? — Seus olhos se apertaram, sua mão pousada sobre o ventre dela, ele sorrindo quando sentia o movimento de um pé ou um ombro. — Sobre o bebê, Richard e eu... — Por favor, Mia — Ele se sentou e tentou arrumar o cabelo em desalinho. — Não posso falar sobre isto ainda. Sei que o bebê é de Richard, entendo isto, até aceito, mas ainda não estou pronto para... Ela olhou para o relógio na mesa-de-cabeceira e viu que já pas­sava muito das oito horas. Percebeu que não era o momento de revelar a verdade, já que ele estava tão atarefado e que aquela re­velação levaria algum tempo. — Esta noite, podemos conversar à noite? — Como ele não respondeu, ela foi mais veemente: — Ethan, há algo que você precisa saber, algo que preciso dividir com você. Não é o momento para guardarmos segredos sobre nada. Ele concordou com a cabeça e ela percebeu um traço de medo em seus olhos. — Conversaremos à noite — ela afirmou, e saiu da cama dire­tamente para o chuveiro. Estava revigorada pela verdade que esta­va a poucas horas de vir à tona e porque, finalmente, depois de todo este tempo, não haveria mais mentiras entre eles. — Gostaria de ficar com você hoje. — Quando ela saiu do chu­veiro, Ethan estava de pé esperando. — Não queria que ficasse so­zinha. — Não estou mais sozinha — disse-lhe, beijando-o suavemente. Com certeza Ethan não teria podido acompanhá-la à consulta daquela manhã. Uma dor nas costas fez com que o dr. Garth ime­diatamente estendesse sua consulta de meia hora até bem depois do meio-dia. Foi examinada e ligada a diversos monitores, e a fal­ta de reação de Garth faria até mesmo a mente controlada de Ethan se perturbar. — Está tudo bem. — O médico concluiu finalmente, olhando para os vários resultados de exames feitos por ela. — Eu lhe disse que era apenas uma dor nas costas. Com certeza é muito cedo para o parto, certo? — Na verdade, não. Só faltam cinco semanas, Mia, e alguns bebês gostam de chegar antes da hora. Mas como eu disse, no pa­pel tudo parece bem. Ainda assim, ficaria mais satisfeito se não se afastasse muito daqui, ok? E talvez seja um bom momento para que você preencha todos estes formulários. Tenho uma coleção deles com relação ao aproveitamento do cordão umbilical. Então, fora todos os formulários, tudo o que temos que fazer é um exame de sangue. Novamente ela agradeceu ao seu anjo da guarda por Ethan não a estar acompanhando. Sentado num consultório médico, embora de luxo, não seria o lugar mais apropriado para que ele descobris­se seu segredo. — Já havia feito isto? Não o exame de sangue, a doação do cor­dão umbilical. — Já sim, embora não tão freqüentemente quanto eu gostaria. In­felizmente, isto não passa pela cabeça da maioria das mulheres, o que é uma pena, porque é um procedimento tão simples, porém com um valor tão grande. O principal é armazená-lo de forma correta até que chegue a um dos principais centros. Sei que não era o que havia planejado, pelo pouco que me contou, esperava que este procedi­mento salvasse a vida de Richard, mas, se tudo der certo, sua doação poderá salvar a vida de outra pessoa, quem sabe uma criança... — Por favor, Garth. — As palavras dele pareciam levá-lo a uma conclusão contrária às crenças de Richard e Mia. E talvez porque pretendesse contar tudo a Ethan esta noite, foi capaz de, finalmente, dar um pouco mais de abertura a seu médico. — Nun­ca foi simplesmente um procedimento para Richard e eu. Este bebê não era apenas uma peça, Garth, não se tratou apenas de ten­tar uma doação apropriada para Richard. Pelo tempo que demora­mos para chegarmos a esta conclusão e pelo tempo que levamos para dar o pontapé inicial, sabíamos que poderia ser muito tarde para Richard, mas não importou. — A mão dela pousou sobre seu ventre. — Queria este bebê, Garth, mesmo que não salvasse a vida de Richard. Estou orgulhosa pelo que fizemos, Richard deixou um precioso legado. Mesmo que ele só tenha tido consciência disto por poucos dias, ficou tão feliz, tão orgulhoso... — E você também deveria ficar — disse Garth, gentilmente. — E Ethan também. — Quando percebeu sua expressão agoniada, ele deu um suspiro. — Você não contou nada a ele, não é? Mia sacudiu a cabeça, negativamente. — Ele a ama, precisa saber. — Ela o fitou com olhos atônitos. — Não sou cego, Mia. Vocês foram feitos um para o outro. Ethan pode parecer frio, mas ele a ama e será um pai amoroso. — Richard e eu fizemos um juramento de nunca revelar a razão pela qual engravidei, nunca revelar que o bebê foi concebido por inseminação artificial. Não queríamos que o bebê pensasse que foi gerado por outro motivo que não por amor. — Ethan tem de saber, Mia. Alguns juramentos são feitos para serem quebrados, e este é um deles. É uma ótima notícia, Mia. Com certeza facilitará as coisas entre vocês dois. Você precisa contar a ele. — Contarei esta noite. — Bem, ponha champanhe na geladeira. — Garth sorriu e Mia abriu a boca para objetar, quando ele a interrompeu: — Só uma taça. Você merece comemorar. CAPITULO DEZ Richard entenderia. Mia sabia disso. Richard entenderia que ela teve de quebrar a promessa feita. E não seria em defesa própria, ou por arrependimento. Em vez disto, se Deus quisesse, seria para tornar Ethan ainda mais próximo do bebê, que em breve faria parte da vida deles. As palavras de Garth serviram para clarear ainda mais o que ela já sabia. Ethan tinha de saber. Um arrepio causado pela expectativa percorreu todo o seu corpo quando chegou no apartamento e pousou as bolsas sobre a mesa. Depois desta noite, eles finalmente poderiam seguir em frente. Juntos. Nada de mentiras, nem meias-verdades, apenas seguros no amor que sentiam um pelo outro e na alegria de uma vida a dois. Colocando uma garrafa de champanhe na geladeira, ela decidiu que se permitiria tomar uma taça hoje, brindando ao delicioso e precioso futuro ao lado de Ethan. Mas ela não podia perder tempo com devaneios. Tinha que cuidar de cada detalhe, desde a comida, até as flores, flores por toda a parte. As horas avançaram e ela teve que tomar um banho rápido. Suas mãos tremiam tanto que ela qua­se não conseguiu colocar o rimei ou fechar o zíper de seu vestido branco. Quase se queimou tentando acender as velas. Tudo pronto. Olhando para sua imagem no espelho, ela tentou controlar os nervos quando ouviu o barulho do carro esporte de Ethan chegando. Tudo pronto para contar a ele a verdade que merecia ouvir. Ela deu um passo à frente quando ouviu o barulho da chave dele na fechadura da porta, uma mão apoiada no ventre, a outra na garganta, a expectativa pulando em cada célula de seu corpo. Foi tomada pela luxúria quando a porta se abriu. A beleza dele nunca deixou de impressioná-la, o terno escuro impecável mesmo com todo aquele calor, a gravata afrouxada. À meia-luz ela não podia ver sua expressão, então ela saiu das sombras com um sorriso ner­voso nos lábios, desejando que ele a tomasse nos braços; seu to­que era tudo de que precisava para continuar. Ele não fez isto. Ela viu a barreira entre os dois se erigir mesmo antes que ele dissesse uma só palavra e sentiu sua animosidade. — Ethan? — O tom de interrogação em sua voz precisava de uma resposta, ela precisava que ele dissesse alguma coisa, que aquele silêncio terrível terminasse, que o homem que a abraçara de manhã voltasse para ela, mas ele continuou distante, olhando o romântico cenário ao mesmo tempo que tirava o paletó e tomava um gole de brandy, sem dizer uma palavra. — Ethan! — Ela se encaminhou até ele, determinada a desco­brir o que havia causado esta mudança de comportamento. — O que houve? — Isto é você quem vai me dizer, Mia. — As palavras dele pa­receram disparos de pistola. Seus olhos demonstraram uma sus­peita terrivelmente familiar. — Sobre o que quer conversar esta noite? Você me disse que tinha alguma coisa muito importante para me dizer. — E tenho. — Continue — disse ele, pegando mais uma dose, depois mu­dando de idéia e colocando o copo em cima da mesa com tanta força que a bebida pulou para fora, com uma raiva que não pôde ser contida. Mia sabia que não poderia contar para ele daquela forma. — É difícil — começou, muito nervosa. — Não é algo que... — Não é algo que você possa simplesmente contar? Então, dei­xe-me ajudá-la, Mia. — Ele andou até ela e seus olhos mostravam tamanha malícia que por um segundo ela sentiu os dedos frios do medo apertarem se coração. — Ethan, você está me assustando. — Poupe-me do drama. Você sabe que eu nunca a machucaria. — Ele deu uma longa pausa, respirando profundamente. Ela per­cebeu o rosto dele contorcido de raiva. — Sabe onde eu estava? Por que cheguei tão tarde? Porque passei o dia sentado no escritó­rio de um procurador, ouvindo as explicações sobre a demora na venda da casa de Richard, ouvindo-o explicar-me como o ex-amante de Richard está questionando o testamento. Que ele pensa que, por ter morado com Richard por cinco anos e contribuído para pagar a hipoteca, ele tem direito a uma parte da herança. Ela ficou imóvel olhando para ele. — Você não me parece surpresa. — Não estou. — A garganta dela estava tão seca que precisou dar um pigarro antes de continuar. — Acho que Michael tem todos os direitos que alega... — Então, você o conhece? — É claro que o conheço. Era o companheiro de Richard... — Olhos angustiados procuravam os dele. — Ethan, lamento muito que tenha descoberto desta forma, desculpe nunca ter tido a cora­gem de contar a você antes. Ele queria que você soubesse, mas não tinha coragem. — Por quê? Ele achava que eu não iria entender? — Você talvez sim, mas seus pais nunca, nem em um milhão de anos, e Richard não quis colocá-lo numa situação constrangedora. Ele me disse como havia tentado contar a eles uma vez e como seu pai... Deve ter sido quando ele disse que havia dormido comigo. Disse-me que era mais fácil mentir, dizer a eles o que queriam ouvir. — Ele nunca dormiu com você, não é? — Já lhe contei sobre isto, Ethan. Richard estava fingindo, e agora você sabe o porquê. — Ethan chegou mais perto de Mia. — Ele nunca dormiu com você — repetiu, bem devagar, deliberadamente olhando para a barriga dela, fechando os olhos, como se a verdade fosse mais do que ele pudesse suportar. — O que ia me dizer esta noite, Mia? Que não está cem por cento certa? Que talvez o bebê não seja filho de Richard, afinal? Queria se ga­rantir por todos os lados para o caso de... — Para o caso de quê? — Para o caso de eu descobrir mais tarde. Caso eu pedisse um exame de DNA, ou se o bebê ficasse doente e eu descobrisse que ele jamais poderia ser filho de Richard. Deixar no ar que existe uma chance de que o bebê não seja dele a deixaria mais segura no futuro? É assim que sua mente tortuosa trabalha, Mia? Foi assim que planejou me enganar? Fazendo amor comigo, me atraindo até que eu ficasse tão apaixonado a ponto de concordar com tudo, de amar o filho de outro homem como se fosse meu, como se tivesse meu próprio sangue correndo nas veias dele... — Seu cretino... — Os olhos de Mia brilhavam de raiva e seu corpo tremia devido às palavras injustas que ouvia. — Como se atreve a dizer que nunca me machucaria? Você é um mentiroso, Ethan Carveile, porque você vive me machucando, vive me im­pingindo uma dor que eu não mereço. — Você é a mentirosa, Mia. — Ele se aproximou e segurou os braços dela. — Mia, ele era gay, e você me fez acreditar que era seu amante, tentou me convencer de que esta criança era dele. É você que está me impingindo uma dor... — Não. — Ela tentou se livrar dele, mas ele segurava tão forte que ela deu um chute em sua perna, como um animal furioso, para se livrar dele. Finalmente ele a soltou e as lágrimas rolaram pelo rosto dela. — É tão difícil amar você, Ethan. Você torna tão difícil ser honesta, ser aberta. Você tem sempre tanta certeza de que to­dos querem enganá-lo, que o mundo está contra você, quando a verdade é tão boa e doce quanto deveria ser. Eu amei Richard, queria ter um filho dele, mas nunca dormi com ele, nenhuma vez, mas este filho é dele, Ethan. — Por favor, você não está falando coisa com coisa. — Se parasse para pensar um pouco, você responderia sua pró­pria pergunta. Este bebê tem o sangue de Richard correndo em suas veias. Era sua única esperança de sobrevivência! Pense um pouco, você é a pessoa supostamente racional aqui. Seu irmão ti­nha câncer. Todos os exames feitos na família deram um resultado incompatível com o dele. Estamos no século vinte e um. Você não precisa dormir com um homem para gerar um filho dele. — Cega pelas lágrimas, ela correu para o quarto e trancou-se, ignorando as batidas de Ethan na porta, chorando convulsivamente, enquanto Ethan exigia que ela abrisse. — Mia, vamos conversar... — Estou cheia de conversar, Ethan, cheia de ficar me defen­dendo. — Eu não sabia. — Sua voz parecia desesperada. — Quando fiquei sabendo que Richard era gay, o que poderia pensar? — Você deveria ter me perguntado. Deveria ter conversado co­migo antes de chegar às suas próprias e terríveis conclusões. — Mia, por favor! — Não! Não posso mais suportar isto, Ethan, não posso viver minha vida sempre na expectativa de suas acusações. Quero que me deixe em paz. — Deixe-me entrar, Mia. — A porta tremia com a força dos ombros dele enquanto ele gritava exigindo que ela a abrisse. — Deixe-me entrar! — Não posso, Ethan. Não posso continuar deixando você en­trar na minha vida e me magoar. — Não será assim, agora que já sei... — Agora que já passei em algum teste imaginário? Agora que já dei uma resposta satisfatória? Deveria ser considerada inocente até prova em contrário, não o oposto. Ia contar a você sobre o bebê esta noite, porque achei que merecia saber. Mas você entrou aqui, supondo o pior sobre mim novamente, e tirou-me a chance de ex­plicar da maneira que queria. A dor era tão profunda, o choro tão convulsivo, que demorou um momento até ela registrar que o nó em seu estômago não era de agonia. Ela colocou a mão no ventre, quase sem respiração. — Mia? Deixe-me entrar. Ela não respondeu, tentou se controlar desejando que aquele momento passasse. Mas justamente quando ela pensou que estava bem, que estava enganada, a dor voltou, ainda mais intensa, fazen­do com que se dobrasse para a frente; um grito abafado escapou de seus lábios quando ela percebeu o que estava acontecendo. — Mia? Percebendo algo de estranho, ele suavizou a voz, e a batida na porta foi mais por urgência do que por raiva. — É o bebê. — Destrancando a porta, ela ficou de pé, olhando sua expressão de pavor. — Não pode ser... — Ele passou a mão no cabelo, fechando os olhos arrependido. — É muito cedo. — É agora, Ethan. — Ela se dobrou para a frente, ao sentir outra contração. — Ligue para Garth, para o hospital, pegue o carro... Pela primeira vez, ele cumpriu as ordens, ajudou-a a descer as escadas, segurando-a com mais firmeza quando ela sentia as con­trações, até colocá-la gentilmente no banco do passageiro. — Foi minha culpa. Não devia ter dito nada, não devia ter en­trado em confronto. — Não é culpa de ninguém. — Ela se contorcia de dor. — Es­tava com dor nas costas de manhã e tive algumas contrações. Garth disse que havia uma possibilidade... — Você não me disse nada... — Você não me deu chance. A visão do hospital foi uma bênção, a equipe do hospital já es­perando com uma cadeira de rodas. — Só vou estacionar o carro. — Segurou as mãos dela. — Es­tarei com você num minuto. — Não! — Olhos determinados olharam para ele, tentando re­cuperar o controle. — Vá para casa, Ethan. — Ir para casa? — Ela percebeu seu olhar confuso. — Como você espera que eu vá para casa agora? — Vá para casa, Ethan — disse Mia, chorando. — Ligarei paia você quando tudo terminar. — Tenho de ficar com você, Mia. — A equipe começou a se movimentar e entrar no espaço reservado. — Se vamos ficar jun­tos, com certeza tenho de estar com você agora, tenho de estar por perto quando mais precisar de mim. — Mas não preciso de você, Ethan. — As portas se abriram e ela viu o rosto familiar do dr. Garth esperando por ela. — Precisamos entrar. — A voz de Garth era calma e segura. — É melhor sair, Ethan. — Nunca. — Ele sacudia a cabeça e ela sentiu por ele, por ver aquele homem forte e solitário aprisionado como um animal ferido. — Podemos falar um minuto a sós, Garth? — A voz dela estava surpreendentemente calma. — Só um minuto, por favor. Eu amo você, Ethan, sempre o amei, mas você não entende que eu não preciso de você. Não passei toda a minha vida esperando você voltar. A simples verdade é que vivi toda a minha vida do jeito que eu quis, tomei minhas próprias decisões, sozinha. — Mas esta manhã... — Esta manhã foi perfeita. Como devia ser, mas não estou prepa­rada para viver assim, Ethan. Eu mereço ser amada sem reservas. — Você é. — Não, você parece querer sempre que eu prove alguma coisa, Ethan. Um dia no futuro eu posso cometer um erro. E aí, Ethan? Hoje tenho justificativa para meus atos, hoje lamenta a dor que me causou porque é você que está errado. E se um dia eu estiver erra­da? O que acontecerá com o seu amor sem reservas? — Mia, não... — Por favor. — Ela levantou a mão, trêmula; não podia deixá-lo entrar em sua vida mais uma vez somente para ser expulsa no­vamente. — Se você realmente me ama, irá para casa. Respeitará minha vontade. — Não. Nunca mais me afastarei de você, Mia. Mas lhe darei espaço, se é o que deseja. — Ela ia protestar, mas ele a interrom­peu: — Ficarei ali. — Ele apontou para a sala de espera. — Não entrarei, mas se mudar de idéia... — Não disse mais nada, mas acenou com a cabeça quando Garth entrou, segurou a cadeira de rodas e a levou para dentro. CAPÍTULO ONZE Ethan também estava sofrendo. Ele queria ir até onde Mia estava, segurá-la, ajudá-la, estar com ela, mas não o fez. E pela primeira vez, não foi por orgulho e sim, respeito. Andando na pequena sala de um lado para o outro, sentia que ia explodir, e desculpas patéticas sobre seu comportamento borbulhavam em sua mente, mas sabia que era pouco, e talvez muito tarde. Afundando-se na cadeira com as mãos na cabeça, tentou li­dar com a dor que ele mesmo havia causado. — Ethan? — Ele a ouviu gritar e levantou-se. Seu primeiro ins­tinto foi correr na direção dela, ficar ao lado dela, mas queria fazer a coisa certa, por isso tentou se controlar. — Acho que querem sua presença. — Garth estava na porta, mas seu rosto não estava muito amigável. — Pensei que ela estivesse me xingando. Posso entrar? — Por agora sim, mas se ela pedir que saia, você terá de sair. — A voz dele era firme, e Ethan concordou. — E se eu pedir para sair, faça o mesmo. Ela não pode ficar com a cabeça perturbada agora. — Só sairei se Mia pedir. E que roupa é esta que está usando? — Nossa política é tomar o ambiente de hospital o mais pare­cido possível com uma casa, por isso evitamos uniformes e equi­pamentos de hospital ao mínimo possível. — Meu Deus, é por esta atmosfera hippie que estou pagando? E se acontecer alguma coisa de errado? — O nascimento é um processo natural. Ele não tinha tempo para discutir, ela o estava chamando. — Garth, faça o seu trabalho. Sou eu que pago sua conta super-faturada, lembra-se? Ele entrou na sala e levou alguns momentos para enxergar na penumbra. Sentia o cheiro de incenso no ar e o som bizarro de pás­saros chilreando e viu dois homens massageando as costas de Mia, tirando o cabelo de sua testa suada, confortando-a de uma maneira que ele achava que somente ele podia fazer. — Ela está sofrendo — Ethan disse ao médico, ao ouvir Mia soltar um grito gutural apertando os olhos e trincando os dentes. — Ela está indo maravilhosamente bem — disse Garth, com um tom paternal que era a última coisa de que Ethan precisava. — Dê alguma coisa a ela... — insistiu Ethan, mas foi Mia quem o interrompeu desta vez: — Quero que seja natural. Ethan nunca havia se sentido mais apavorado, mais descontro­lado em sua vida. Todos naquela sala pareciam saber o que esta­vam fazendo, todo mundo tinha seu lugar, exceto ele. — Você está sentindo dor. — Não é dor. Não é nada, comparado ao que você me fez. — Desculpe. — Ethan jurou a si mesmo explicar tudo a ela quando estivessem a sós, mas parecia que ela tinha outra idéia em mente. — Se deixar você ficar, Ethan... — Ela se endireitou, após uma pausa em sua agonia, puxou sua camiseta numa tentativa bizarra de parecer decente. — Há sete anos você me deixou sem olhar para trás... — Pensei em você todos os dias. — Mentiroso. — Não. — Pegou a carteira no bolso do terno, abriu e mostrou a ela a foto dos dois juntos em seu primeiro encontro no restauran­te. Mais jovens, mais felizes, tão mais despreocupados. Os olhos dela encheram-se de lágrimas quando viu seu rosto naquela época mágica, quando o mundo parecia bom e gentil. — Quando conseguiu isto? — Antes de voltar a Sydney. Você sempre esteve perto de meu coração. — Mas então por que... ? Ela parou de falar dobrando-se para a frente devido à dor. Os enfermeiros retornaram, Ethan controlou a vontade de dizer um palavrão e mandar que saíssem da sala. — Que raio é isto? — Ele gritou quando ouviu um chilreado e ; pressionou o botão de desligar do aparelho de som, a única coisa í na sala que ele sabia como operar. — É o som relaxante de uma floresta. — Tortura na floresta, você quer dizer. — Ajuda a me concentrar — disse Mia, ofegante. Ethan balançou a cabeça e dirigiu-se a ela. Segurou-a com fir­meza até que a contração passou. — Concentre-se nisto — disse suavemente, olhando em seus olhos sem piscar, sem se mover, somente transmitindo-lhe apoio através de seu olhar. E de repente, eram somente os dois, o mundo desapareceu no cenário, um alívio temporário da dor, quando viu aquela boca de­liciosa se mexer, quando ele finalmente disse sua verdade. — Você está certa, Mia. Por que nunca consegui acreditar em você? Por que não acreditava que o amor pudesse ser tão simples? Porque nunca conheci o amor. Nunca o tive, nunca havia sido amado e nunca sentira falta dele, porque nunca o havia conhecido. E então você surgiu, a coisa mais doce e bela que jamais havia vis­to na vida, entrou no meu mundo e invadiu meu coração. Não pude acreditar que era tudo tão simples, que você simplesmente se apaixonava e vivia feliz para sempre. Lágrimas rolaram pelo rosto dela, de raiva, mas não dele, e sim pela solidão que ele havia vivido em sua infância e também de or­gulho, por ver aquele homem expor sua dor em frente a uma pla­téia tão hostil. — Devia ter contado logo, mas Richard e eu... Você tem de me deixar entrar, Ethan, tem de vir até mim e dizer-me o que está sen­tindo, o que está pensando, antes de tirar suas próprias conclusões. — Eu sei. — Então me diga o que está pensando, o que está sentindo. Pre­ciso saber, Ethan. — Que eu amo você. — Perplexo, ele a viu balançar a cabeça com raiva segurando o ventre. — Da próxima vez que alguma coi­sa acontecer, perguntarei a você... — Não é suficiente, Ethan. Preciso saber o que está se passando aqui. — A mão dela batia no peito dele, seus olhos imploravam para entender. — Preciso saber como se sente. Não posso viver tentando adivinhar o que se passa na sua cabeça. Preciso que me deixe entrar. Ele não entendia muito bem o que ela queria que fizesse e ten­tou encontrar rapidamente as palavras certas. De repente entendeu que podia verbalizar suas dúvidas, dividir com ela. — Quero criar este bebê como se fosse meu. Quero ser um pai para ele, mas ainda quero que saiba a verdade sobre seu real... — Pode ser ela e não ele — corrigiu Mia. — Ela me parece tão bom quanto ele. Só quero ficar ao seu lado e de alguma maneira compensar o tempo perdido. — E? — Seu tom de voz não foi suave e sim de comando — Não tem mais nada para me dizer? Existe mais alguma coisa que eu precise ouvir agora? Ele hesitou. Perplexo, olhou para o enfermeiro em busca de uma inspiração. — Creio que Mia precisa de um pequeno incentivo agora, Ethan. Talvez seja um bom momento para dizer o que ela quer ouvir, o que realmente precisa para ajudá-la a superar este momento tão turbulento. — Ah, é isto... — Com um sorriso no rosto, ele se aproximou, segurou-a nos braços e sussurrou em seu ouvido. Seu toque, seu abraço, sua mera presença eram tudo o que ela precisava naquela hora. Envolvendo-a em seus braços amorosos, segurando-a enquanto ela passava pelo momento mais turbulento de sua vida. O único homem que podia fazê-la sorrir, até gargalhar, no momento mais difícil de sua vida. — Apresse-se, meu amor. Temos champanhe no gelo. CAPITULO DOZE Segurando aquele precioso embrulhinho, admirando aquela bo­quinha rosada abrindo-se para protestar, os olhinhos azuis desa­fiadores olhando-o com raiva e os pequenos punhos dela cerrados exigindo outra refeição, Ethan sentiu seu coração pular. Mia pegou sua filha e a alimentou, quase sem conseguir acredi­tar que depois de todo este tempo ela estava finalmente lá, em seus braços. Olhou para Ethan e quase perdeu o fôlego. Ele também estava lá. Mais exausto do que nunca, com olheiras, sem gravata, o temo desalinhado, mas estava lá, e pelo olhar amoroso, ela podia perce­ber que era de verdade. — Ela tem o cabelo do Richard. — Seus dedos fortes passavam a mão com delicadeza em seus cachos, o rosto demonstrando toda a emoção. — Você estava errado quando falou aquele dia na sala de parto. — A voz de Mia era doce, olhou para o bebê em seus braços e sentiu muita paz. — Você sempre foi amado, Richard realmente o amava. — Você contou a ele sobre nós, sobre aquela noite? — Algumas semanas depois de ter acontecido — ela admitiu. — Meu pai havia perdido o emprego, estava tudo tão difícil, pre­cisava confiar em alguém. Mas não acho que tenha ajudado muito. — Ela riu suavemente. — Agora entendo por que isto fazia Ri­chard sentir-se tão desconfortável. Não era porque você era seu irmão, e sim porque ele se sentia culpado pelo nosso rompimento. Talvez por isto tenha se afastado de você. — Deve ter sido difícil para ele carregar este segredo todos es­tes anos. — Talvez esta tenha sido a sua maneira de consertar tudo. — Seus dedos acariciavam as bochechas da menina. — De alguma maneira ele sabia que um bebê nos aproximaria, que, mais cedo ou mais tarde, você descobriria que era dele e que... Ethan concordou, as possibilidades eram infinitas; a verdade era muito difícil de encarar às vezes, mas ao olhar para aquele rostinho inocente, teve certeza que tinha de acontecer, que o amor muitas vezes é um presente grande demais para ser compreendido, mas é um presente, e ele o dividira com ela. — Não deveria ligar para seus pais? — A voz dela demonstrava apreensão, medo de deixar o mundo real invadir, mas tinha que fazê-lo. — Não acha que deve comunicar a eles que são avós? — Não! Não vou ligar para eles duas vezes! Escolha uma data e ligo. Mato dois coelhos com uma cajadada só. — Escolher uma data? — Para o casamento. Ela ruborizou-se. — Ethan, você não precisa casar comigo. O que me disse na­quele dia... — Você estava totalmente consciente. Se você tivesse escolhido uma maneira de dar à luz menos bárbara do que aquela, poderia pôr a culpa nos remédios, mas considerando-se que foi um parto natural, você não tem desculpa. — Enrolou a manga da camisa, mostrando as marcas de unhas em seu antebraço. — Se bem me lembro. — Não me lembre disto. Foi terrível... — Foi perfeito. — Ele deu um sorriso. — Agora, tudo o que tem que fazer é escolher a data. Já escolhi o lugar. — Ah, já escolheu, não é? Pensei que conversaríamos sobre tudo de agora em diante. — Então não há lugar para um romance, para uma surpresa? — Ok, então onde fica este lugar maravilhosamente romântico que você escolheu? — Nossa floresta. Onde construiremos nosso hotel aconche­gante e totalmente adaptado ao meio ambiente, nosso paraíso par­ticular. Onde criaremos vários bebês gordos e felizes durante o dia e faremos mais bebês durante a noite. É claro, se tiver uma idéia melhor... — Não! Quero dizer, não tenho uma idéia melhor, parece ma­ravilhoso. — Seus olhares se encontraram quando ele se aproxi­mou e aninhou aquelas duas mulheres preciosas em seus braços fortes e protetores. — Já pensou no nome? Mia assentiu com a cabeça. — Esperança. — Olhando para Ethan, tentou entender sua rea­ção, o que ele realmente achava da idéia. — Esperança. Ele não hesitou ao dizer esta palavra, como havia acontecido ao final de seu discurso para a congregação na igreja. Nunca mais hesitaria ao pronunciar "esperança" com tanto amor ao seu redor. Próximos lançamentos Jéssica Compra-se uma esposa — Helen Bianchin Nic Leandros sabe que a maioria das pessoas quer apenas seu dinheiro. Então, quando ele descobriu que a linda Tina Matheson está grávida de seu irmão mais novo, ele tem certeza de que o preço dela será alto... No entanto, Tina tem de concordar com as suas condições: Nenhum herdeiro. Leandros nasceu fora de um casamento; eles se casarão pelo bem da criança... Entre o amor e a vingança — Jacqueline Baird Charlotte Summerville não passava de uma bela alpinista social - e Jake D'Amato estava determinado a fazê-la pagar por isso. O plano era simples: a vingança seria na cama! Na verdade, as intenções de Charlie eram puras e inocentes - como ela. No entanto, ela se viu de repente casada com um ho­mem que parecia desejá-la e odiá-la... e agora ela estava grávida do filho dele! Já nas bancas Procurando você — Miranda Lee O empresário Mike Stone tem um mês para se casar — ou perderá um acordo comercial que vale bilhões! Ele acredita que pode contratar uma espo­sa e acaba caindo nas mãos de Natalie Fairlane, dona, de uma agência de eventos. Ela, por sua vez, fica tentada com a proposta de Mike e acaba se oferecendo para o serviço. Paixão No CALOR DO amor — Penny Jordan Silas Carter é um bilionário americano e solteiro, convidado para todas as festas de celebridades. O amor não está nos planos dele, mas um casamento de conveniência sim! Julia Fellowes é bonita, bem-relacionada e a esposa perfei­ta para Silas. O prazer de levá-la para a cama será somente um bônus. Destino marcado — Anne Mather Oliver Ferreira desejava Grace mais do que a qualquer mulher que já conhecera. No entanto, não podia tomar o que não era dele... Grace trabalhava para Tom, o irmão de Oliver; na verdade, havia rumores de que ela era a amante de Tom. O bom senso e a experiência diziam para Oliver ficar afasta­do... Mas a paixão era mais forte do que a razão — e Oliver sabia que era apenas uma questão de tempo antes de ele se tornar sua amante proibida...