... Cadernos :: edição: 2001 - N° 18 > Editorial > Índice > Resumo > Artigo PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E O PROCESSO DE INCLUSÃO Andréa Tonini . Este trabalho desenvolveu-se no ano de 2000 em uma escola pública Estadual localizada em Santa Maria/RS, que aderiu à proposta de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns de ensino. Objetivou analisar como os profissionais da educação especial estão se estruturando nas salas de recursos para atender o processo de inclusão, bem como qual a aceitação e expectativa dos mesmos em relação a esse processo. A pesquisa desenvolveu-se em uma escola pública Estadual localizada em Santa Maria/RS, que aderiu à proposta de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns de ensino. A escolha da escola se deu a partir de três critérios: o tempo em que a escola está realizando a proposta de inclusão ; a presença de um número significativo de alunos com necessidades educacionais especiais incluídos no ensino comum ; a oferta de atendimento na sala de recursos. Esta pesquisa foi desenvolvida através de um estudo de abordagem qualitativa (descritiva), numa perspectiva etnográfica, que em educação preocupa-se em pensar o ensino e a aprendizagem sob o viés de um contexto sócio-cultural. A coleta de dados foi realizada por um período de dois semestres, visando um acompanhamento longitudinal do processo de inclusão, e se deu através de uma entrevista semi-estruturada, apresentada em forma de uma matriz de entrevista, e de observações participantes. Objetivamos com este trabalho, analisar como os profissionais da educação especial estão se estruturando nas salas de recursos para atender o processo de inclusão, bem como qual a aceitação e expectativa dos mesmos em relação a esse processo. Os sujeitos desta investigação foram 3 professoras das salas de recursos para deficientes mentais (Bianca, Tatiana e Salete ). Para que se tenha um conhecimento da escola, onde foi realizada esta pesquisa, serão apresentados alguns aspectos significativos da mesma. A escola pertence à 8ª Coordenadoria de Ensino Estadual, situando-se em um bairro perto do centro da cidade. No ano de 2000, tinha 1994 alunos matriculados, 151 professores, sendo que 104 ministrando aulas e os demais exercendo outras atividades. Em relação à distribuição de turmas, no turno da manhã a escola oferece 21turmas, incluindo 1 classe especial, 1 pré-escola, 7ª e 8ª série do ensino fundamental e ensino médio completo. No turno da tarde a escola oferece 21 turmas, incluindo 1 classe especial, 1 pré-escola, e turmas de 1ª a 6ª série do ensino fundamental. No turno da noite oferece 22 turmas, incluindo o Projeto ler , 1 turma de 8ª série do ensino fundamental e o ensino médio completo. As salas de recursos não estão incluídas nestas turmas, sendo que a escola tem 2 salas de recursos para deficientes mentais que funcionam em turnos opostos com professoras diferentes e uma sala de recursos para deficientes visuais com outra professora. Tomaremos como referencial teórico das salas de recursos ou classes de apoio à integração, como é denominado por Jiménez (1997), o modelo da Espanha pela sua influência em nosso país, visto no acervo bibliográfico a respeito da escola inclusiva no Brasil. Na Espanha, segundo Jiménez (1997), para potencializar e qualificar as classes especiais, a sua maioria passou de classes segregadas, fechadas, com um grupo permanente de alunos, a classes de integração, abertas, com um grupo de alunos que recebem apoio periódico. No Brasil, as classes especiais não passaram a ser classes de apoio e/ou recursos. O que aconteceu foi a introdução de novas classes denominadas salas de recursos ou apoio, que se assemelham muito com a proposta da Espanha de classes de apoio à integração. O professor de apoio, para Jiménez (1997, p.48) " é aquele que dedica a sua atenção profissional ao aluno com necessidades especiais, integrados em escolas de ensino regular", sendo este o conceito também proposto para as professoras de apoio desta escola. As salas de recursos para deficientes mentais na escola pública Estadual pesquisada, foram oficialmente regulamentadas em setembro de 1998, sendo que cada uma está sob a responsabilidade de uma professora. Isso não quer dizer que não trabalhem integradas, bem pelo contrário, todas as decisões são tomadas em conjunto. Apesar das salas serem regulamentadas somente em 1998, desde 1994 as professoras da classe especial, que são as mesmas da sala de recursos, realizavam um trabalho de apoio em turno diferente ao da classe especial com os alunos que tinham, segundo a professora Bianca, um maior potencial a ser desenvolvido para que depois fossem encaminhados para o ensino comum. Trata-se de um trabalho mais direcionado aos alunos que poderiam entrar no ensino comum, tipo de uma preparação para a inclusão, e não com os alunos que já estavam no ensino comum. Até porque antes de 1998, segundo a professora Bianca, "eram poucos que ingressavam no ensino regular". Bianca comenta sobre o início do trabalho na sala de recursos: Ela iniciou com o trabalho de apoio aos alunos da classe especial. Não seria apoio propriamente , mas de intensificar o trabalho que se realizava na classe especial mas em menor número de alunos, até individual muitas vezes, para que aquele aluno conseguisse desenvolver o potencial dele, que tinha e que a gente via que estava sendo desperdiçado em detrimento de outras situações inevitáveis dentro de uma sala de aula de educação especial. Temos inúmeros tipos de deficiência dentro de uma sala de aula. Tipos de deficiência então, que de certa forma, em momentos auxiliam, ajudam, é positivo, e em momentos é negativo também. Assim, o trabalho da sala de recursos, antes de ser regulamentado nesta escola, era complementar aos alunos não incluídos no ensino comum, mas que apresentavam habilidades, potencialidades para se desenvolver, que na classe especial, no grande grupo, não eram bem estimuladas devido a inúmeros fatores que interferiam, sendo necessária essa forma de atendimento em turno distinto para os alunos. Esse procedimento das professoras foi anterior a qualquer discussão sobre a inclusão, oriundas da Declaração de Salamanca ou da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN - 9394/96.). Ele se deu pelo fato de as professoras terem consciência do potencial latente de vários alunos da classe especial e do desfavorecimento da mesma para este desenvolvimento, onde há inúmeros alunos com vários tipos de deficiência, umas mais acentuadas, outras menos, que impossibilitam um trabalho mais individualizado e direcionado às aprendizagens escolares exigidas para seu ingresso no ensino comum. O termo "exigidas" deve-se ao fato de que, hoje, para um aluno ser incluído no ensino comum, ele passa por um processo de avaliação feito pelas professoras da classe especial. Esta avaliação é uma prova com os conteúdos do ano anterior do ensino comum, ou seja, se for incluído na 2ª série, fará uma avaliação da 1ª série, para que a escola, os professores mais precisamente, não tenham motivos, segundo a professora Bianca, " (...) para dizer que este aluno não está preparado, usando a avaliação dos próprios professores. O aluno, sendo aprovado nessa avaliação, está aprovado para o ensino regular". Para as professoras da classe especial, as profissionais que encaminham estes alunos para o ensino comum, não seria necessário este tipo de avaliação, pois, quando elas propõem este encaminhamento às coordenadoras pedagógicas e aos professores do ensino comum, eles têm o conhecimento de que o aluno tem condições, por inúmeras observações e avaliações ocorridas no decorrer do trabalho realizado na classe especial. Este procedimento, pode-se dizer que é uma medida cautelosa, uma estratégia por parte das professoras da classe especial, na tentativa de evitar qualquer questionamento sobre a capacidade desses alunos. Até hoje, todos os alunos que foram incluídos, com exceção de um, freqüentaram a classe especial, saindo desta diretamente para o ensino comum. Mesmo sendo uma iniciativa das professoras que encaminham esses alunos e não dos professores do ensino comum, essa atitude revela que ainda é o aluno que tem que estar apto para entrar no ensino comum, que tem que mostrar as suas habilidades e potencialidades e não ao contrário, a escola, o professor mostrar que tem habilidades e potencialidades para atender alunos com necessidades educacionais especiais, permanentes ou transitórias, em sua classe. Esta é uma concepção que está paulatinamente sendo modificada entre os professores. As classes especiais desta escola, recebem, além de alunos com deficiência mental, alunos encaminhados por outras escolas, geralmente escolas comuns de ensino, por repetirem mais de uma, duas, três, quatro vezes a 1ª ou 2ª série, passando a ser considerados alunos com distúrbios de aprendizagem. Sendo as classes especiais, muito procuradas devido ao reconhecimento do trabalho realizado em prol da inclusão, estão superlotadas atualmente. Em relação à função da sala de recursos, mais precisamente, do professor de apoio, Jiménez (1997, p.49) elenca algumas, que no decorrer da exposição, serão analisadas conforme o trabalho proposto pela escola. São elas: a) a elaboração de programas gerais, adaptados ao desenvolvimento individual e necessários para o concreto atendimento dos alunos que o necessitam; b) o seguimento desses programas com cada aluno; c) pôr em prática aspectos concretos dos programas que requeiram uma atenção individualizada ou em pequeno grupo, dentro ou fora da sala; d) a orientação dos professores de ensino regular responsáveis pelos alunos, no que se refere ao atendimento educativo concreto desses alunos com necessidades educacionais especiais, assim como outras orientações para prevenção de possíveis dificuldades que, de modo geral, possam surgir nos restantes alunos dos grupos; e) a elaboração de material didático; f) a colaboração com o prof. tutor, nas reuniões de orientação dos pais, com vistas a conseguir uma participação ativa no processo educativo dos filhos; g) servir de elo e elemento coordenador entre as equipes de apoio do setor e da escola. O atendimento na sala de recursos é realizado sempre em turno diferente do que os alunos têm aula no ensino comum, individualmente ou em grupos de, no máximo, quatro alunos, duas vezes por semana e com o tempo reduzido de, no mínimo, 1h e, no máximo, 2h, em função, de acordo com a professora Bianca, do grande número de alunos que se tem e dos níveis diferenciados. O grupo geralmente é formado conforme os níveis de desenvolvimento de cada aluno e não necessariamente por série, até porque não se prevê o reforço pedagógico. E, nos casos em que se trabalha individualmente, segundo a professora Bianca, "é em função da aceitação do aluno, da resposta do trabalho que ele dá, que é diferenciada se é no grande grupo, se é no pequeno grupo". Portanto, os grupos são flexíveis e rearranjados durante o ano conforme o trabalho e resposta do aluno. Em relação às salas de recursos, elas diferem no atendimento devido ao alunado que as compõem. A sala de recursos do turno da tarde, que é da responsabilidade da professora Tatiana, atende 6 alunos, sendo 1 aluno incluído no ensino comum, e os demais estão em processo de adaptação para a inclusão. O aluno incluído, ingressou direto na pré-escola, vindo a professora observar certas dificuldades (atenção, raciocínio e coordenação) e solicitar auxílio na sala de recursos, o que representa um avanço em termos de encaminhamento, pois, há alguns anos atrás, esse aluno seria encaminhado pela professora do ensino comum à classe especial. Esta sala de recursos difere em alguns aspectos das propostas atuais, pois as salas de recursos tiveram a sua origem com a finalidade de apoiar o aluno com necessidades educacionais especiais que estão freqüentando o ensino comum e não alunos com a possibilidade de freqüentar. Acreditamos que a escola tem que repensar essa questão e viabilizar outros meios para não descaracterizá-la, fazendo com que o período preparatório para a inclusão não ocorra na sala de recursos, onde já se tem muitas responsabilidades e coisas para fazer em função destes que estão no ensino comum. sala de recursos que funciona pelo turno da manhã, sob a responsabilidade da professora Bianca e, após, da professora Salete, atende 11 alunos incluídos no ensino fundamental, da 1ª a 4ª série. Em relação à proposta desta sala de recursos, a professora Bianca comenta: É trabalhar com os alunos sempre buscando não dar um reforço pedagógico, mas trabalhar as necessidades básicas para que ele venha conseguir acompanhar o grupo, o conteúdo, as disciplinas que ele vai avançando e trabalhar junto aos professores. (...) O objetivo é desenvolver ao máximo o potencial do nosso aluno, do aluno que está incluso no ensino regular, e para que isso aconteça se realiza um trabalho junto aos professores também. Na proposta está bem clara a questão do reforço pedagógico, pois a sala de recursos pode ser confundida, e muitas vezes é, entre os professores, como uma sala de reforço, que, aliás, existe nesta escola, atribuindo-lhe a função de um simples reforço de conteúdos, atividades e temas. Mas o objetivo é atender às necessidades educacionais especiais dos alunos e a dos professores em relação a eles. Como diz Jiménez (1997, p.49) " a função é a elaboração de programas gerais, adaptados ao desenvolvimento individual e necessários para o correto atendimento dos alunos que o necessitam". Um aspecto negativo para a professora Bianca, em relação ao trabalho com o professor, é justamente a questão de que "é difícil para o professor compreender que nós não trabalhamos com ele simplesmente o reforço escolar. Não se faz esse tipo de trabalho, não se faz os temas com ele". Em função desta idéia do reforço, a professora relata que os professores acabam exigindo mais dos alunos em termos de conteúdo. Isto demonstra que o processo de inclusão para os professores, é algo que precisa ser ainda muito trabalhado, pensado, discutido, pois todo o processo de inclusão desta escola quem está buscando, mostrando o caminho, são as educadoras especiais, que muitas vezes não o conhecem, tentando, assim, buscar junto aos professores alternativas. A forma que está ocorrendo o trabalho com os professores é através das dificuldades que eles enfrentam na sala de aula com o aluno, pois, para a professora Bianca "é a forma que eu encontrei de poder me comunicar e ajudá-los de certa forma, porque eu não sabia de que forma, como se fazer esse trabalho, uma vez que é algo novo, e que em função, volto a dizer, em função do tempo que a gente não tem". A questão do tempo é algo que realmente merece uma atenção especial por parte de todos os professores da escola, pois, se não há tempo devido à carga horária estar toda distribuída em atividades didáticas frente a aluno, como é a realidade atual desta escola, jamais se formará uma rede de apoio. Como Mrech (1999, p.1), ao apresentar algumas características de projetos de escola inclusiva: "colaboração e cooperação - na escola inclusiva tem que haver um privilegiamento das relações sociais entre todos os participantes da escola, tendo em vista a criação de uma rede de auto-ajuda". Na escola inclusiva, a relação professor de apoio e professor tutor, como é denominado por Jiménez (1997, p.49-50), deve ser de comunicação permanente, que abranja tarefas como: · Cooperação na elaboração das adaptações curriculares e/ou programas de desenvolvimento individual das crianças integradas. É interessante chegar à conclusão da necessidade de programar conjuntamente todo o plano anual de atividades escolares, para que a criança com necessidades educacionais especiais possa participar na dinâmica geral da classe. · Acompanhamento dos programas das crianças integradas. Na avaliação e seguimento conjunto dos programas, ir-se-ão adequando conteúdos, atividades e material, de modo a encontrar formas possíveis de aprendizagem e de contatos sociais para todas as crianças da sala. O que tem sido feito nesta escola em relação ao trabalho com os professores são orientações esporádicas em momentos informais, como na hora do recreio, entrada e saída dos professores na escola e, em alguns casos, observação e orientação na sala de aula que o aluno freqüenta. Desde 1999, quando a escola passou a receber estagiária do Curso de Educação Especial para Deficientes Mentais da Universidade Federal de Santa Maria, esse trabalho de orientação, observação e acompanhamento em sala de aula do ensino comum começou a ser viabilizado. Também ocorreu, após a entrada da professora Salete, que intercalou o seu horário na escola (20h) para atender os alunos na sala de recursos e alguns professores em sala de aula. Faz-se necessário lembrar que as professoras das salas de recursos o são também das classes especiais, em turnos diferentes, o que as impossibilita de realizarem um trabalho com os professores do ensino comum, porque ora estão atendendo a alunos na classe especial, ora estão atendendo outros alunos na sala de recursos. A escola tem que urgentemente repensar as prioridades do professor da sala de recursos, começando pela exclusividade deste profissional nesta sala/atendimento. Sobre a forma como está ocorrendo o processo de inclusão na escola, frente aos posicionamentos do que é uma escola inclusiva, começamos citando a opinião da professora Tatiana por ela realizar uma comparação do que foi antes e o que é agora: (...) eles iam mas iam de uma maneira mais tímida, tinha que "brigar" muito. Tu tinhas que lutar para ter o direito, o direito de ir. Hoje não, hoje é de uma maneira natural, quer dizer, há uma aceitação. Já se sabe que isso é um processo natural, que acontece. E antes não, antes eu tinha que chegar nuito delicadamente e pedir "pelo amor de Deus, eu tenho um menino que está indo bem, dá uma chance para ele, eu só quero uma chance", quando ele tinha o direito. Essas mudanças ocorreram por inúmeros fatores na escola, sendo o principal a experiência que cada professor que aceitou um aluno da classe especial em sua turma foi tendo e observando que eles, "alunos deficientes", conseguem se desenvolver e aprender, surpreendendo alguns professores, quando estes mencionam que "nem parece que foi da classe especial", por apresentar capacidades e habilidades iguais e/ou superiores aos alunos que nunca pertenceram a esta classe. A professora Tatiana considera que hoje eles são tratados com respeito, as diferenças são consideradas, são respeitadas, sendo essa a diferença para ela entre a integração e a inclusão. Também existe um outro fator importante atualmente: todas as professoras sabem que ele têm o direito, porque nós tínhamos que pegar leis e constituição e tudo mais para provar, porque, inclusive, até bem pouco tempo perguntavam para nós onde estava na lei essa parte ligada à educação especial. Aí parece que o pessoal se conscientiza. Com isto ela quer dizer que, hoje, os professores não questionam o porquê de eles terem que atender um aluno da classe especial, por ser do conhecimento de todos que é um direito garantido por lei. No caso da inclusão do aluno com necessidades educacionais especiais no ensino regular, o direito está na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9394/96, em seu art.58, que diz que esse aluno deve ser atendido preferencialmente na rede regular de ensino, mesmo que o termo preferencialmente não garanta esse direito, pois não é obrigatório. Claro que, ao considerar este fator como um dos que influenciou na mudança de comportamento dos professores, tem que se ter claro o porquê desta lei, deste direito. Baptista, apud Schmidt (2000), considera que as políticas de inclusão têm sido fortalecidas a partir de movimentos sociais pelo direito à cidadania e pelo acesso a uma escola pública de qualidade. Ou seja, pensarmos que a escola é inclusiva simplesmente porque inclui alunos com deficiência no ensino comum é reduzir a sua amplitude, por se tratar de uma reforma geral em termos de qualidade de ensino que deve ser oferecido a todas as pessoas, inclusive às que apresentam necessidades educacionais especiais. O que se percebe é que, aos poucos, a escola está "despertando", aos poucos a equipe diretiva começou a se preocupar, os professores começaram a aceitar, os pais dos alunos estão percebendo que este processo está ocorrendo na escola. Está sendo assim: gradativamente a comunidade escolar está se envolvendo neste processo. Em relação à contribuição do trabalho realizado na sala de recursos para o processo de inclusão, as três professoras acreditam estar contribuindo, mas que ainda há muitas coisas a serem feitas com a comunidade escolar, como podemos observar do depoimento da professora Salete: Acho que está contribuindo. Agora efetivamente vai estar quando estiver toda a direção, escola, funcionários, alunos, etc. Daí sim, eu acho que os mediadores da sala de recursos vão ter feito, ter desempenhado seu papel. É claro que esse papel é contínuo, sempre vai acontecer, eu tenho consciência, são casos e casos de adaptações. O trabalho do professor de apoio está mais voltado para o aluno na sala de recursos, pois, em função do tempo que as professoras têm disponível, deram prioridade ao atendimento das necessidades específicas apresentadas por eles, acreditando ser este o apoio no momento mais urgente e necessário para que o aluno tivesse êxito. Um aspecto que as três professoras consideram que precisa ser revisto é a disponibilidade das professoras das salas de recursos em dois turnos, num para acompanhar o aluno e no outro para acompanhar e trabalhar com os professores em sala de aula e com os demais membros da comunidade. Portanto, para as professoras das salas de recursos, o que deve ser feito, que ainda não foi, é um trabalho mais efetivo com os professores do ensino comum de planejamento em conjunto e acompanhamento mais efetivo em sala de aula, de orientação e esclarecimento para os pais dos alunos sem necessidades educacionais permanentes e para os alunos do ensino comum. Questionadas sobre as expectativas em relação ao processo de inclusão, as três professoras demonstraram ter expectativas favoráveis, mas destacam duas questões para que o processo continue se efetivando, que são a concepção do professor em relação ao aluno incluído e as adaptações curriculares que vão acontecer ou não em função desta concepção. De acordo com Karagiannis et al (1999, p.31) o processo de inclusão, "é um novo paradigma de pensamento e de ação, no sentido de incluir todos os indivíduos em uma sociedade na qual a diversidade está se tornando mais norma do que exceção". É nesse sentido que começamos a fazer as considerações finais sobre os profissionais da educação especial e o processo de inclusão escolar, pois, para que os alunos com necessidades educacionais especiais se beneficiem deste processo, é necessário que ocorram mudanças de pensamentos e, conseqüentemente, de ações. É inegável o fato de que a escola precisa modificar-se em vários aspectos para atender aos alunos com necessidades educacionais especiais no ensino comum. Também precisa avaliar o que já foi feito de positivo e negativo até este momento, para poder planejar novas ações e aperfeiçoar as existentes que estão sendo favoráveis à escola, porque a cada ano estão ingressando mais alunos com necessidades educacionais especiais no ensino comum, envolvendo mais pessoas no processo (pais, alunos e professores). O educador especial para o processo de inclusão desta escola está sendo a âncora para tudo e todas as decisões passando a ser um profissional supervalorizado por considerarem-no o único mediador das questões advindas da inclusão, como as dificuldades escolares do aluno na classe, dificuldades que o professor encontra para atendê-los, entre outras que possam surgir. É certo que as escolas inclusivas deveriam ter outros profissionais de apoio para colaborarem com o professor e atender o aluno em suas necessidades específicas, mas o profissional com que atualmente a escola pode contar é o educador especial. O que pretende-se é que aos poucos, com muito estudo, informação, conhecimento e parceria, o processo ganhe autonomia em relação às professoras da Educação Especial. Que a equipe diretiva e os professores não se sintam tão dependentes e inseguros para tomarem decisões, passando toda a responsabilidade para essas professoras. A cada ano o processo está ganhando novas dimensões, o que preocupa um pouco a escola, mais precisamente os professores que estão envolvidos hoje com o processo, por perceberem que não é uma utopia, que os alunos, apesar de não terem as condições escolares adequadas para as suas necessidades, estão evoluindo e precisarão a cada ano que a escola se modifique pata atendê-los. Os professores, em sua grande maioria são oriundos de cursos de formação que não previam conhecimentos necessários para atender alunos com necessidades educacionais especiais, por terem como referência o aluno médio, e conseqüentemente, a homogeneização e inflexibilidade do ensino. Hoje, com o processo de inclusão, que requer inovações educacionais, sentem-se despreparados, precisando necessariamente de um apoio educacional para conseguirem avaliar os problemas e as necessidades oriundas dos alunos e da sua prática de ensino. A construção e manutenção de um espaço dialógico na escola é fundamental para o prosseguimento deste processo, assim como o trabalho de apoio, que deverá ser reestruturado para atender os alunos e professores em sala de aula, e para que sejam viabilizados, junto aos professores da sala de aula, programas de ação educacional para os alunos com necessidades educacionais especiais, visando sempre a um trabalho coletivo em sala de aula, pela influência que este tem para o desenvolvimento e aprendizagem de qualquer criança. O trabalho de apoio está muito direcionado aos alunos na sala de recursos, o que sem dúvida está contribuindo para o processo escolar destes alunos, mas não deve ficar restrito a eles e sim ser dinamizado principalmente para os professores do ensino comum. BIBLIOGRAFIA JIMÉNEZ, Rafael Bautista. Modalidade de escolarização. A classe especial e a classe de apoio. In: ___. (Cord.) Necessidades educativas especiais. Lisboa: Dinalivro, 1997, p.37-51. KARAGIANNIS, Anastasios; STAINBACK, Susan; STAINBACK William. Fundamentos do ensino inclusivo. In: STAINBACK, Susan; STAINBACK William (Orgs.) Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999, p.21-34. MRECH, Leny. O que é educação inclusiva? 1999. 3p. Disponível em: http://www.regra.com.br/educação Acesso em: 13 de abril, 1999. SCHMIDT, Saraí. Inclusão ou Exclusão. NH na escola. Novo Hamburgo, 29 de abril, 2000. Seção Sociedade, p.1-3. Cadernos :: edição: 2000 - N° 15 > Editorial > Índice > Resumo > Artigo O ENVOLVIMENTO DA FAMÍLIA NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO/INCLUSÃO DO ALUNO COM NECESSIDADES ESPECIAIS Renato Paula Vieira Lopes Reinoldo Marquezan . O aluno da Educação Especial é tão especial quanto qualquer pessoa. A família é a principal responsável pelas ações do seu filho com necessidades especiais. É ela que lhe oferece a primeira formação. Na integração/inclusão escolar, o aluno, com a orientação dos profissionais e da família, poderá adquirir competência profissional e pessoal. Este artigo é resultado do trabalho de pesquisa realizado para identificar o envolvimento da família no processo de integração/inclusão escolar da pessoa com necessidades especiais. Inspirados em experiências concretizadas na Europa e Estados Unidos da América do Norte, alguns brasileiros iniciaram, já no século XIX, a organização de serviços para atendimento a cegos, surdos, deficientes mentais e deficientes físicos. MAZZOTTA (1996). Durante um século, tais providências caracterizaram-se como iniciativas oficiais e particulares isoladas, refletindo o interesse de alguns educadores pelo atendimento educacional de pessoas com necessidades especiais. A partir de 1854, a Educação Especial começou sua trajetória no Brasil, com base nos estudos desenvolvidos na Europa, com modelos de internatos e de escolas especiais, e nos Estados Unidos, com a inserção de classes especiais na escola comum e as conquistas dos movimentos organizados de pais de pessoas com necessidades especiais, que levaram avante progressos na legislação, no amparo financeiro e na melhora dos serviços necessários a seus filhos. Na Suécia, toma a forma de "conselhos familiares" e, na França, a de "ação interfamiliar". Após 1960, começaram, no Brasil, a surgir as escolas especiais, os centros de habilitação e de reabilitação, as oficinas protegidas de trabalho, os clubes sociais especiais e as associações desportivas especiais. A Educação Especial surgiu, então, como cuidados assistenciais às pessoas com necessidades especiais, separados da educação comum. Atualmente, uma nova tendência propõe uma abordagem diferenciada para essa modalidade de Educação. A Educação Especial, em conformidade com a Política Nacional de Educação Especial do MEC (1994, p. 17), ... "...é um processo educacional que visa promover o desenvolvimento das potencialidades de pessoas com necessidades especiais, condutas típicas, altas habilidades, e que abrange os diferentes níveis e graus do sistema de ensino. Fundamenta-se em referenciais teóricos e práticos compatíveis com as necessidades específicas de seu alunado". O processo deve ser integral, fluindo desde a estimulação essencial até os graus superiores de ensino. Sob o enfoque sistêmico, a educação especial integra o sistema educacional vigente, identificando- se com sua finalidade, que é a de formar cidadãos conscientes e participativos. Os alunos da Educação Especial, segundo RAIÇA (1990, p. 10), ... são vivos, sentem, observam, têm as mesmas necessidades que as outras crianças. Não se pode confiná-los em um mundo à parte. O deficiente é produzido pelo ambiente de carências afetivas, sociais, econômicas e culturais. Nem um louco, nem um bobo. Um ser humano que requer, talvez, mais que os outros, orientação, apoio e carinho. Por natureza, toda pessoa tem suas necessidades. Aqueles que apresentam desvio físico, intelectual, sensorial, social e de comportamento muito acentuado, que não podem beneficiar-se dos programas da educação comum, necessitam de ensino ou serviços especiais, através da modificação ou apoio ao programa educacional comum, de maneira que eles próprios se tornem capazes de satisfazer suas necessidades. É preciso adequar a estrutura do ensino, os conteúdos e os métodos ao ritmo e as características do aluno, a fim de lhe facilitar a construção de conhecimentos. Neste contexto, surgem as propostas de educação inclusiva e de sociedade inclusiva, ou seja, a educação e a sociedade caminhando juntas para promover o que se chama de uma sociedade para TODOS, sem distinções de raça, cor, religião ou necessidades. No entanto, acredita-se que a sociedade não esteja preparada para promover a inclusão da pessoa com necessidades especiais. Por isso, devemos trabalhar, ainda mais, a integração/inclusão. Tanto no discurso geral como no discurso da escola, a integração das populações diferentes e das crianças deficientes é ponto pacífico. Se em ambos os discursos reconhece-se que esta integração na sociedade dos adultos ou na das crianças nem sempre é plenamente realizada, a integração daqueles que são diferentes dos outros é considerada em todos os casos como uma finalidade a atingir. VAYER (1989, p. 61). Os movimentos integracionistas/inclusivistas visam à plena participação de TODAS as pessoas em todos os setores da sociedade e a busca por parte de ambos - sociedade e pessoas com necessidades especiais - de maneiras práticas de correlacionar seus direitos e deveres na construção de uma sociedade para todos, objetivando o pleno exercício de uma cidadania, à qual todos nós temos direito. Para que este movimento ganhe mais força e venha a se concretizar, é preciso que a sociedade conheça melhor a realidade da Educação Especial, esse complexo universo que ainda é desconhecido, para melhor acompanhamento e interação. Neste sentido, hoje já se tem um melhor controle de fatores biomédicos, aconselhamento genético, planejamento familiar, detecção de problemas metabólicos, controle de fatores da mãe e outros, mas a população de crianças vulneráveis e com dificuldades de aprendizagem tende a aumentar por carências afetivas, falta de esclarecimentos, relações familiares perturbadas, entre outras causas. A conscientização da família, no sentido de que ela faz parte de um contexto social, que exerce influências sobre o indivíduo, preparando-o para o mundo escolar é essencial. Também a conscientização dos educadores não só em saber trabalhar com o aluno, mas também em promover o desenvolvimento familiar, de forma que a família se torne um agente ativo no processo de integração/inclusão, deve ser buscada. Segundo Miranda (1999, p. 44), Na efervescencência do momento pós-impacto do Documento de Salamanca sobre os círculos de debate brasileiros e internacionais que discutem os direitos das pessoas com necessidades especiais, bem como as formas de exercer e garantir esses direitos, notadamente nos anos de 1996 a 1999, uma série de pensamentos sobre a questão da inclusão se explicitaram, seja através de artigos publicados, seja através de eventos para discussão A família e a escola devem encontrar formas criativas e arregimentadoras de convencer a comunidade a participar, através de parcerias, da manutenção para a integração/inclusão. Quando há a conscientização das pessoas envolvidas, o destino toma seu rumo, ou seja, quando os alunos estão bem integrados/incluídos nas salas de aula, é por que isto está acontecendo. Algumas das questões mais preocupantes em relação à integração/inclusão, hoje, são que: - ao invés de os alunos especiais estarem integrados/incluídos, estejam segregados ou excluídos ; - a falta de preparação de professores de classe comum pode trazer prejuízos aos alunos especiais; - nem todos os portadores de necessidades especiais são aptos para a integração/inclusão, alguns precisam de atendimento individual e especializado; - a atenção dos governantes para com a educação é escassa; - a participação da família, que é de grande relevância, tem ficado aquém do necessário. A família é o primeiro e talvez o principal grupo social em que vivemos. É nela que aprendemos a construir nossa individualidade e independência. Por isso é muito importante o contato com outras famílias que enfrentam, ou não, problemas com necessidades especiais. Os pais precisam estar conscientes e mobilizados para participar, apoiar, trabalhar em conjunto, com união e harmonia. Devem também cuidar para que não haja, em relação ao filho com necessidades especiais, superproteção, posto que esta em pouco ou nada contribuirá para o desenvolvimento da autonomia da pessoa. Para SASSAKI (1997, p. 31), O princípio da normalização "tinha como pressuposto básico a idéia de que toda pessoa com necessidades especiais, especialmente aquela portadora de deficiência mental, tem o direito de experienciar um estilo ou padrão de vida que seria comum ou normal à sua própria cultura". A idéia inicial foi, então, a de normalizar, mas isto foi confundido com a noção de "tornar normais as pessoas com necessidades especiais". A partir da década de 70, a educação especial deu um salto, possibilitando que a pessoa com necessidades especiais tivesse mais oportunidades de sociabilidade, embora se todos têm suas necessidades, por que marginalizar o mais necessitado? Será que a sociedade está preparada para receber o mais necessitado, ou é a sociedade que está em déficit para normalizar esta situação? Às vezes é criado um mundo à parte para as pessoas com necessidades especiais. Porém elas podem ter sua casa, sua escola, seu trabalho, seu lazer como qualquer outra pessoa. Nesse sentido, muitos pais e educadores procuram fazer um trabalho de integração. Deve-se ter o cuidado para não excluir a pessoa com necessidades especiais. Num passado ainda próximo, a exclusão ocorria em seu sentido total, as pessoas com necessidades especiais eram excluídas da sociedade para qualquer atividade porque "antigamente" elas eram consideradas inválidas, sem utilidade para a sociedade e incapazes de trabalhar, características essas atribuídas indistintamente a todos que tivessem alguma necessidade especial. Se algumas culturas simplesmente eliminavam essas pessoas, outras adotavam a prática de interná- las em instituições de caridade, com doentes, idosos e outros. Essas instituições eram grandes e serviam, basicamente, para dar abrigo, alimentos, medicamentos e algumas atividades para ocuparem o tempo ocioso. As instituições foram se especializando para atender pessoas por tipo de necessidade, passando-se a praticar uma segregação institucional. A idéia era a de dispor, dentro das instituições, de todos os serviços possíveis já que a sociedade não aceitava receber pessoas com necessidades especiais nos serviços existentes na comunidade. Sempre que nos deparamos com casos diferentes na vida é que nossos valores irão se somar às grandes qualidades e nos tornaremos modelos para as decisões do futuro. Com o objetivo de identificar o envolvimento da família no processo de integração/inclusão escolar do filho/aluno com necessidades especiais, foi realizada uma pesquisa com dez famílias. Os resultados encontrados evidenciam que: a) Quanto ao envolvimento da família nas atividades escolares do filho/aluno, de dez casos, nove são conscientes de que os filhos serão beneficiados pelas atividades escolares. Dos nove, três são sabedores que o desenvolvimento é muito lento. Dos três, um diz que já fez tudo o que seria necessário para o desenvolvimento do filho com dezoito anos de idade. Então, fica na expectativa de que poderá despertar algum desenvolvimento. Uma família torna-se um caso à parte, porque a professora afirma que a aluna não tem condições de acompanhar e simplesmente os pais encaminham-na para classe especial sem outro atendimento. b) Quanto ao relacionamento da família com os professores, conclui-se que há relacionamento, pelo mínimo, com um membro da família. Portanto, as dez famílias pesquisadas têm relacionamento com os professores. No caso em que os pais encaminharam a filha da classe comum para a classe especial, a aluna relaciona-se muito bem com todos. A mãe participa das reuniões convocadas pelos professores. c) Quanto ao relacionamento da família com outras famílias: sete delas têm esse tipo de convivência normalmente. Das três que não interagem com outras famílias, uma sente o abandono do pai, a mãe alega que não tem como relacionar-se com outras famílias, pois a dela está incompleta. A família em que os pais têm mais idade é humilde e, às vezes, o filho é rejeitado pelos colegas. Assim, estes pais alegam ser difícil o relacionamento de seu filho com as outras pessoas. Em um caso, que a mãe é solteira, sente vergonha de relacionar-se com outras famílias. Estes resultados evidenciam que, entre as famílias pesquisadas, há envolvimento destas com a escola dos filhos, com seus professores e das famílias entre si. Esse envolvimento partiu da integração/inclusão que as famílias tiveram com a escola. Houve casos em que os pais, embora um pouco inibidos, conseguiram fazer um bom trabalho para seus filhos. Nos casos em que os pais estavam sempre ativos e participantes, foi observado um maior desenvolvimento dos filhos/alunos. Isso mostra que, no momento em que estavam envolvidas, independente da obrigação, desejo, inspiração, conseguiram alcançar os objetivos indicados para seus filhos. Independente da participação das famílias, todas ficaram satisfeitas com a atuação da escola. Por outro lado, destaca-se que a escola brasileira ainda não está suficientemente preparada para atuar com alunos de classe especial. Cada caso, é um caso diferente. Para o professor (a) é um grande desafio, mas com competência e a boa vontade da família, onde cada um colabora como pode, farão muito para a Educação Especial. Na certeza de que todos precisam de estímulo, apoio, compreensão e amadurecimento, principalmente as pessoas especiais, isto é, as pessoas que trabalham com os portadores de necessidades especiais, é que a comunidade deve elevar seu pensamento e ajudar os mais necessitados. Queremos concluir este trabalho ressaltando que a participação da família do filho com necessidades especiais é decisiva no processo de integração/inclusão e indispensável para um construir-se pessoal e participante da sociedade. As relações entre famílias de filhos com necessidades especiais oportunizam suporte recíproco para o fortalecimento necessário à convivência saudável entre seus membros. A escola, em conjunto com a família, deverá implementar as melhores estratégias de ensino-aprendizagem para que o aluno portador de necessidades especiais dela se beneficie e nela permaneça. Não se pode prescindir, no processo de integração/inclusão, das pessoas com necessidade especiais na participação do Estado. Participação na formulação e implementação de políticos, na alocação e destinação de recursos, na mobilização da sociedade. A integração/inclusão das pessoas com necessidades especiais é um processo que requer, para sua consolidação, a concorrência de múltiplos esforços e a participação de todos os segmentos da sociedade de forma que se crie uma consciência social. BIBLIOGRAFIA ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. BRASIL/MEC/SEESP - Política Nacional de Educação Especial, Brasília: 1994. MANTOAN, Maria Teresa (org.). A integração de Pessoas com Deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon, 1997. MAZZOTTA, Marcos J. S. Educação Especial no Brasil. História e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez Editora. 1996. MIRANDA, Sônia G. - Inclusão em debate: das políticas públicas ao currículo da escola. In Revista Cadernos de Educação Especial. Santa Maria: Editora UFSM, nº 13, 1999. MOREJÓN, Kizzy. A influência da figura paterna na construção da auto-estima da criança com necessidades especiais. Santa Maria: Monografia Especialização, 1999. RAIÇA, Darcy e OLIVEIRA, Maria Teresa Baptista de. A educação especial do deficiente mental. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda, 1990. RODRIGUES, Letícia do Amaral Burlamaqui. Inclusão Escolar: A Aceitação de Alunos com Deficiência Mental pelos Professores de Classes Comuns. Santa Maria: Monografia Especialização, 1999. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão. Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997. VAYER, Pierre. A integração da criança deficiente na classe. São Paulo: Manole, 1989. Arte: ampliando horizontes e formando cidadãos MARIA GABRIELA MIELZYNSKA De uma maneira ou de outra, as crianças se deparam com a necessidade de apreensão de significados e códigos desde o início das suas vidas, algo que também se traduz (por que não?) no contato destas com as mais variadas formas de arte. Esta necessidade de apreensão se torna ainda mais urgente quando há o ingresso na escola. Assim, se o processo se intensifica quando as crianças aprendem, entre outras coisas, a ler, a escrever, a adicionar e a subtrair – e se o escritor se comunica com palavras e o matemático com números –, o interesse infantil também se abre na escola ainda mais para as estruturas visuais da arte, estruturas criadas com a intenção da comunicação de significados sobre a maneira pessoal do artista de encontrar sentido no mundo que o rodeia. Ainda sobre a necessidade – e, melhor dizendo, a capacidade – que as crianças têm de apreender o mundo, de reparar nos mínimos detalhes e de olhar com atenção, devemos dizer que ela é infinita, algo que constatamos durante a nossa trajetória no ensino das artes. Em todo contato nosso – e de obras de arte por nós propostas – com crianças, estas nos chamaram a atenção para as cores, as formas e as estruturas visuais que constituem um quadro, por exemplo. Não pudemos deixar de concluir, então, que as interpretações dos pequenos das imagens e os trabalhos artísticos que vieram a desenvolver em cima destas interpretações refletiam um repertório imagético e cultural consideravelmente amplo. Partindo do pressuposto (mais do que aceito e comprovado) de que a arte é algo “universal”, podemos concluir que o desenvolvimento da sensibilidade, da criatividade, dos horizontes cognitivos e da compreensão da criança do seu patrimônio cultural – processo de suma importância para a sua formação enquanto sujeito social – ocorre por causa do desmoronamento das barreiras lingüísticas, culturais e religiosas que acontece no contato com as obras de arte. Em outras palavras, mesmo que não saibamos nada a respeito da vida de pessoas que viveram em tempos e lugares distantes, as obras de arte que estas pessoas criaram possuem o poder de, de uma maneira ou de outra, nos encantar no presente com suas soluções pictóricas. Deste “encantamento” surge o interesse nos significados das obras e, a partir dos significados, começamos a penetrar nos universos pessoais, sociais, políticos e culturais dos criadores... Ora, o que poderia melhor derrubar barreiras e preconceitos a respeito de qualquer assunto se não o conhecimento e o interesse por este assunto? Vejamos agora, passo por passo, como ocorre o desenvolvimento da capacidade das crianças de criar e “recriar” no contato destas com as artes – contato facilitado pela Arte Educação. Num primeiro contato com uma obra de arte, os alunos ficam geralmente interessados em saber “por que” o artista criou sua obra. O olhar que interroga o objeto observado se desenvolve atentamente e é seguido pela curiosidade em saber o que teria inspirado o artista, que contexto cultural influenciou suas escolhas e em que momento da História a obra foi criada. Uma vez identificado o tema, ou seja, o que se encontra representado na obra, os alunos procuram saber a respeito dos processos, do planejamento da composição e da sua elaboração, pensadas para que o quadro tenha uma determinada aparência: o “como” do fazer artístico. Ao mesmo tempo, surge o interesse em saber o que teria influenciado o artista, porque ele pintou de determinada maneira e qual seria o significado da obra em questão. Pescadores (Di Cavalcanti – 1951) Pescadores da Baixada (Mauricio de Sousa Produções – 2001) Dito isto, podemos reafirmar que o contato do aluno com as obras de arte através de reproduções em livros, cópias em xerox, transparências ou slides projetados durante a aula, exposições e projetos como o “História em Quadrões”, além de propiciar o conhecimento de obras que tiveram um impacto marcante sobre a nossa identidade cultural, possibilita e facilita uma reflexão sobre o próprio fazer artístico. Assim, no projeto “História em Quadrões”, por exemplo, ao utilizar reproduções de quadros de grandes mestres e suas releituras pelo “mais do que pop” Mauricio de Sousa, o professor estará facilitando o contato, a análise e a valorização de marcos da História da Arte pelos alunos e, ao mesmo tempo, estará incentivando a elaboração de novas interpretações tanto das obras abordadas quanto de outras. Ora, se através do “olhar”, do “ver”, do “adaptar”, do “transformar” e do “criar” a criança estará compreendendo e apreciando os métodos que o artista pode escolher para organizar as linhas, as formas e as cores presentes em seu quadro, sua própria criatividade, poder de observação e organização estética é que sairão ganhando. Quanto à metodologia para a abordagem das obras de arte pelos educadores, vejamos quais são os elementos mais essenciais a serem explorados: ? os elementos estruturais da linguagem plástica: cor, linha, forma, ritmo, volume, etc; ? as relações históricas e sociais da época em questão; ? as formas de representação: desenho, pintura, aquarela, mosaico, instalações e outros, em suma, os diferentes suportes e os meios com que são realizadas as obras. Vejamos agora, como exemplo, como será despertado o interesse infantil não apenas nas artes, mas também nos “universos” de onde estas nasceram no projeto “História em Quadrões”, parceria da Folha de S. Paulo, da Mauricio de Sousa Produções e da Associação Artensino para estudantes do Ensino Fundamental, envolvendo releituras de grandes obras realizadas, em primeira instância, por Mauricio de Sousa e, finalmente, pelos próprios estudantes. No projeto temos, em tela e tinta, releituras tanto de Botticelli e Rodin quanto de Van Gogh, Gauguin, Anita Malfatti, Portinari... Releituras que não deixam de levar em conta, além dos temas das obras- primas, as técnicas, as cores e as composições utilizadas pelos mestres em suas criações. A iniciativa busca “cruzar” dois universos: aquele visto por muitos como “carrancudo”, “tradicionalista” e “complexo” das artes plásticas e um universo a que praticamente todos aqueles que foram crianças no Brasil a partir dos anos 60 tiveram acesso e, mais do que isto, passaram a amar: o da Turma da Mônica. Deste cruzamento decorre o desmoronamento de qualquer preconceito que se possa ter, sendo criança ou adulto, em relação às artes e ao que estas representam. Ora, afinal de contas, como podemos não nos interessar por um artista que foi “reinterpretado” com a Mônica fazendo parte da releitura e nos apontando indiretamente para o original? Como alguém pode tachar de “dura” e “empostada” a representação de David da coroação de Napoleão como Imperador da França se, ao lado da obra do francês, temos uma releitura de Mauricio com Cascão sendo coroado? Como não ter interesse na “Mona Lisa” de Da Vinci se, ao lado da obra-prima, vemos, com composição e cores análogas, a “Mônica Lisa”? Não podemos nos esquecer de que cada professor deve desenvolver a sua metodologia didática conforme a sua experiência e o universo social e cultural da classe em que atua, de maneira que a programação dos trabalhos artísticos desenvolvidos pelos alunos possa ser enriquecida com elementos inerentes aos seus próprios universos. Enfim, depois de refletirmos a respeito de tudo o que foi dito acima, podemos ou não afirmar que o ensino da História da Arte nas escolas é de suma importância como princípio integrador de todas as disciplinas do currículo, sendo uma das principais conexões para viabilizar a interdisciplinaridade e transversalidade? Prof.ª Maria Gabriela Mielzynska é Mestre em Semiótica pela PUC-SP. O que é a Artensino A Artesino é uma ONG (Organização Não Governamental) que foi criada pela Prof.ª Maria Gabriela Mielzynska (Coordenadora do Curso de Pós-graduação em História da Arte da Fundação Armando Álvares Penteado e Mestre em Semiótica pela PUC-SP), tendo como objetivos a realização e a promoção de pesquisas, estudos, consultorias, cursos, conferências e a avaliação/ implementação de projetos vinculados à História da Arte. Nossa atuação mais efetiva junto aos profissionais das áreas de Educação Artística, História, Literatura e disciplinas afins acontece através de módulos-aula. Trata-se de kits contendo apostilas e imagens em slide sobre qualquer tema relativo à História da Arte. A metodologia dos módulos e suas técnicas didáticas são cuidadosamente preparadas de acordo com o público que o professor/cliente da Artensino deseja atingir (ou seja, alunos de Ensino Fundamental, Médio ou Superior) e com as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que se encontram exemplificadas no Art. 3: “os princípios do ensino em geral estão fundamentados na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”; e no Art. 30-II: “a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores fundamentais da sociedade”. Temos um Banco de Imagens com cerca de 30 mil slides de obras de artistas nacionais e internacionais, material que pode ser usado como estímulo ao aluno em sala de aula e, principalmente, como referência visual de assuntos que simplesmente não podem ser entendidos apenas por palavras (leia-se: artes visuais). Quanto às apostilas que acompanham o material visual, elas funcionam como dispositivos analíticos para a compreensão das imagens, a interpretação das suas estruturas pictóricas e o conhecimento do seu contexto social e histórico. Partimos do pressuposto que os alunos são “sujeitos ativos”, com olhares sensíveis e flexíveis que reelaboram o conhecimento, possibilitando-nos assim à utilização de diferentes formas de abordagem dos conteúdos desenvolvidos na História da Arte. Esta multiplicidade de opções tem como objetivo um percurso que propicie conhecimentos práticos e teóricos sobre a arte, o que, no indivíduo, colabora para o crescimento em igualdade de condições dos níveis cognitivo, afetivo e perceptivo. Sendo assim, cada módulo-aula é um estímulo gerador para o desencadeamento deste processo, que utiliza as nossas capacidades perceptivas para nos transportar quando sentimos, pensamos e nos expressamos sobre a nossa interação com o mundo. Os resultados pretendidos são uma maior originalidade, uma maior fluência e uma maior sensibilidade surgindo em quem participa do processo. ASSOCIAÇÃO ARTENSINO: Endereço: Al. Casa Branca 299 ap.100 / São Paulo CEP: 01408-001 Telefone: 0(XX)11 288-5461 E-mail: artensino@sti.com.br Site na Web: http://www.artensino.8m.com Responsável: Maria Gabriela Mielzynska. Nova escola Edição Nº 153 Junho/Julho de 2002 Índice Conheça a abordagem para a Educação Infantil que é considerada a melhor do mundo Paola Gentile Fotos Rogério Albuquerque . . Pinturas e esculturas produzidas em Reggio Emilia (acima)... s alunos com menos de 6 anos de Reggio Emilia, cidade no norte da Itália, nunca levam para casa tudo o que produzem na escola. As esculturas menores decoram vitrines do comércio local. Quando grandes, ganham destino ainda mais nobre: são colocadas em espaços públicos. Os desenhos são requisitados para ilustrar guias de pontos turísticos. E até o Teatro Ariosto, o mais importante da região, escolheu um panô pintado coletivamente por eles para ser a cortina de seu palco principal. Não, caro leitor, você não está diante de pequenos Michelangelos. Esses bambini tão talentosos sequer têm aulas de desenho — muito menos de pintura ou de escultura. Mas na escola que freqüentam, o tempo não é dividido por disciplinas ou atividades. Lista de habilidades a desenvolver também não faz parte da rotina. No entanto, a criatividade e a qualidade dos trabalhos desenvolvidos fizeram com que essa maneira peculiar de ensinar fosse considerada, há dez anos, a melhor do mundo pelos consultores da revista norte-americana Newsweek. E até hoje nenhum outro sistema atingiu o mesmo posto. Divulgação Divulgação Rogério Albuquerque ...as crianças em ação durante o desenvolvimento dos seus projetos e a coordenadora do Centro de Estudos e Difusão Reggio Children, Ana Maria Barrucci (acima): ênfase na linguagem visual, atenção aos interesses dos estudantes e liberdade para que todos decidam em conjunto o que vai ser estudado Não é preciso viajar para a Europa para conhecer um pouco mais dessa abordagem. A partir do dia 15 de julho, uma pequena parte da produção dos alunos italianos será exposta em São Paulo, depois de ter percorrido mais de uma centena de países. A mostra As Cem Linguagens das Crianças será o primeiro evento no Brasil do Centro de Pesquisa e Difusão de Reggio Children — como é chamado o sistema. A composição do nome, mezzo italiano mezzo inglês, se explica pela dimensão alcançada nos últimos anos por esse modelo, que serviu de inspiração para a Educação Infantil de países de realidades bem diversas como Suécia e Senegal, Dinamarca e Nova Zelândia, Espanha e Estados Unidos, entre outros. Abordagem sim, método não Os seguidores recusam a palavra método, pois afirmam que ela remete a procedimentos planejados para conquistar reações e aprendizagens pré-determinadas. "Chamamos de abordagem, pois temos como princípio respeitar a maneira de cada um aprender e, para isso, precisamos estar atentos aos caminhos que eles mesmos propõem", explica Ana Maria Barrucci, coordenadora do Centro de Pesquisa e Difusão. Com isso, quem procurar por um método Reggio Emilia não encontrará registro, mas irá se deparar com alguns princípios que podem ser incorporados e colocados em prática. Um deles é a crença de que o aprendizado nunca será o mesmo se alguém deixar de dar a sua colaboração. Por isso, a curiosidade e os questionamentos de todos têm valor e são decisivos na escolha dos temas dos projetos de ensino. Eles surgem da fala dos pequenos, registrada atentamente pelos professores e estudadas pela equipe pedagógica. Por isso, uma mesma experiência não pode ser repetida com diferentes sujeitos com a finalidade de produzir os mesmos resultados. A teoria que sustenta todo esse sistema, a Pedagogia da Escuta, foi sistematizada pelo educador italiano Loris Malagguzzi, que buscou fundamentos nos estudos em educação e neurociências dos anos 1960 e 1970 (leia o histórico no quadro). "Além de estar atento à fala, é preciso estar disponível e ter sensibilidade para ouvir as cem, as mil linguagens, símbolos e códigos que as crianças usam para se expressar", explica Carla Rinaldi, consultora científico-pedagógica de Reggio Emilia. Somente muita atenção conseguiria transformar a adoração pela estátua de um leão em projeto pedagógico; a multidão encontrada nas praias durante as férias de verão ou a dúvida sobre o equilíbrio dos objetos em tema de estudo. Ou ainda a sombra de um desenho de passarinho na parede da escola... O filósofo inglês David Hawkins, em um artigo sobre essas escolas italianas, afirmou que lá não existe um currículo para ser coberto, mas vários para ser descobertos. Uma das poucas restrições aos professores é nunca dizer nada que os alunos não possam ver, distinguir ou opinar. Registros detalhados Para melhor escutar, os colegas de Reggio Emilia trabalham em dupla — são dois pedagogos por turma, não um profissional e um auxiliar ou estagiário. Anotar, fotografar, gravar e filmar são parte fundamental da rotina. Essa documentação será analisada pela equipe para a proposição de novas experiências. "São eles que lançam a bola. Nós devemos pegá-la e devolvê-la, de modo que queiram continuar brincando conosco, criando outros jogos enquanto terminamos o primeiro", ilustra Ticiana Filippini, coordenadora dos educadores de Reggio Children. Essa observação talvez seja um dos aspectos mais difíceis dessa abordagem, pela multiplicidade de trabalhos que surgem. Em uma turma de 20 alunos podem existir quatro ou cinco projetos diferentes, desenvolvidos por grupos menores. Esses mesmos estudantes ainda exploram um segundo tema em dupla e trabalham com outras classes ou mesmo com toda a escola. E, apesar da profusão de atividades, cada tema deve ser trabalhado em profundidade. Nenhuma atividade termina em si mesma. A existência de várias etapas para concretizar um projeto leva o grupo a fazer conexão entre as experiências e a explorar diversas possibilidades. O projeto Retrato do Leão, por exemplo, um dos expostos na mostra, começou com a adoração pela estátua do animal da praça vizinha à escola. Ao decidir retratá-lo, foi agendada uma visita ao local para observação da escultura e interação com ela. Foram tirados moldes de suas formas, feitos contornos de sua sombra e desenhos de diferentes ângulos — até imaginaram como o leão estaria "vendo" a praça. Na classe, hora de confeccionar máscaras e fantasias, experimentar a sensação de ser o próprio animal, perseguir os colegas e ser perseguido por eles, interagir com sua imagem usando filmes e slides. Ao mesmo tempo, os alunos desenvolveram projetos da representação do bicho usando argila e pintura. Um projeto assumido por todos os estudantes da Escola Villeta foi a montagem de um parque para passarinhos, o Luna Park, pois eles haviam se penalizado com a falta de diversão para as aves da cidade. O esboço, a maquete e a montagem do projeto foram realizados somente depois da pesquisa em diversos moinhos e parques de verdade, para observar o funcionamento dos brinquedos que seriam criados, como a roda gigante e a fonte, entre outras atrações. Linguagem visual Aproximar-se da abordagem de Reggio Emilia significa descobrir tudo o que a linguagem visual pode oferecer. Não se estimula a ler e a escrever, mas isso não significa que a escrita não possa ser utilizada como mais uma das formas de expressão, quando houver necessidade. "A linguagem visual é espontânea na infância", afirma Ana Maria Barrucci. Fotos Divulgação . Esculturas decoram vitrines e turma em trabalho de campo: valorização do trabalho da criança Por isso, em todas as unidades de Reggio Emilia existe um profissional formado em Arte que fornece diversas opções de técnicas e materiais. Eles são coordenados por Vea Vecchi, ganhadora do Prêmio Lego no ano passado, considerado o Nobel da Educação, o mesmo recebido nos anos 90 por Loris Malagguzzi. Por que as produções têm tamanha qualidade e sofisticação? Ana Maria acredita que elas são fruto de um trabalho conjunto e do estímulo à observação: "A riqueza de detalhes está na soma da visão de vários indivíduos, que enxergam diferentes facetas da realidade a constroem coletivamente". Revista escola Edição Nº 170 Março de 2003 Índice A criançada vai se surpreender com a qualidade das fotos tiradas com essa engenhoca construída em sala de aula Meire Cavalcante que seus alunos achariam de construir sua própria máquina fotográfica? Transformar uma simples lata em uma câmera que funciona de verdade — e ainda por cima revelar as fotos — poderá ser para eles uma atividade mágica! Com a máquina em mãos, a turma vai sair a campo e descobrir novas facetas da comunidade em que vive. Depois, vai explorar conceitos de Física, aprender a ler imagens e estudar a história da fotografia. No laboratório, todos vão conhecer reações químicas que acontecem na hora da revelação. Seja na hora de montar o equipamento, de escolher os objetos para fotografar ou durante a revelação, é possível trabalhar conteúdos de diversas disciplinas. Crianças de todas as idades estão aptas a participar dessa atividade, desde que respeitadas as habilidades e capacidades de cada faixa etária. Nas instruções a seguir, observe o ícone . Ele indica que você deverá ter atenção redobrada naquelas etapas, pois elas envolvem o manuseio de produtos químicos e de materiais como tesoura, martelo, prego e estilete, que podem oferecer risco. Só para garantir, sugerimos que antes você realize sozinho todos os passos, para ter certeza de que tudo correrá bem quando for a vez da meninada. Boas fotos! Material necessário Para a lata: 1 lata vazia de leite em pó (12cm de altura e 10cm de diâmetro) para cada aluno 1 lixa fina 1 metro de barbante tesoura 1 pedaço de papel alumínio grosso (tampa de embalagem tipo Marmitex) cola fita adesiva prego martelo agulha de insulina (0,3mm) 1 folha de papel preto tipo Color set material para decoração Para o laboratório: 1 lata vazia de tinta (3,6 litros) 1 folha de papel celofane vermelho 2 soquetes (bocais) para lâmpada com fio, interruptor e plugue fita isolante 1 régua de ferro e estilete ou guilhotina papel tipo Color set, saco plástico ou lona pretos 2 lâmpadas de 25W 4 bandejas de plástico (25 x 30 x 8cm) 4 pinças de bambu varal pregadores de roupas de plástico 1 par de luvas cirúrgicas revelador universal para fotografia (em proporção 1/9 - 100ml de revelador em 900ml de água) fixador universal para fotografia (em proporção 1/3 - 250ml de fixador para 750ml de água) papel fotográfico preto-e-branco 18x24cm 1 lâmina de vidro do tamanho do papel fotográfico ou maior Como fazer A CÂMERA O LABORATÓRIO O FILME O CLIC A REVELAÇÃO A FOTO ATIVIDADE CRIATIVA, RENDIMENTO DOBRADO "Isso é impossível, professor!" Assim reagiu Clayton Vicente Ferreira, aluno da 8ª série da Escola Estadual Padre Luiz Sérgio Pacheco do Nascimento, de Francisco Morato (SP), quando ficou sabendo que iria aprender a fotografar com uma lata. E ele não foi o único a duvidar. "A gente achou muito esquisito. Mas ver a imagem aparecer na hora da revelação foi maravilhoso", lembra Érika Cristina Marçal, da 7ª série. A idéia foi do professor de Artes Pio de Souza Santana (na foto ao lado, feita por Érika), que convidou a organização não governamental Imagemagica para dar as aulas. Durante dois dias os educadores da ONG ensinaram várias técnicas para os alunos. Antes de produzir a lata, a garotada analisou diversas imagens e pesquisou sobre a história da fotografia. Na hora de fotografar, o tema foi livre. Depois, todos tiveram de justificar sua escolha, fazer um registro escrito e organizar uma exposição para a comunidade. Alguns retrataram os amigos. Outros, mostraram o lixo da região e a pichação no muro da escola. Pio conta que a experiência fez o rendimento e o empenho dos alunos aumentar não só em sua disciplina. "Uma atividade criativa pode despertar o interesse da garotada e ser explorada em conjunto por todo o corpo docente." A CÂMERA Ao preparar a lata, a principal preocupação deve ser vedá-la completamente à entrada de luz. Caso contrário, o papel fotográfico — sensível à luminosidade — será inutilizado. Para que isso não ocorra, é preciso revestir a lata por dentro com o papel preto. 1. Faça um furo na lateral da lata a 4,5cm da base. Martele de leve para não amassar, colocando um apoio de madeira por dentro. Lixe a parte interna, na região do furo, para que não fiquem rebarbas, e toda a parte externa para facilitar a decoração. 2. Com o barbante, tire as medidas da altura da lata e de sua circunferência. Recorte no papel preto um retângulo com essas dimensões. Faça nele uma pequena abertura, que deverá coincidir com o furo na lata na hora de revesti-la. Forre também o fundo e a tampa da lata. 3. Recorte um quadrado de 4x4cm de papel alumínio. Pelo lado de fora da lata, fixe-o sobre o furo com fita adesiva. Com a agulha, fure o alumínio, evitando tocá-lo por dentro ou por fora, para não deformar o orifício. Esse furo tem a mesma função do diafragma. Em uma câmera convencional, ele aumenta e diminui sua abertura para regular a quantidade de luz que entra. 4. Recorte no papel preto um retângulo de 5x6cm e fixe uma das laterais próxima ao furo no alumínio. Na outra ponta, coloque um pedaço de fita adesiva, como se fosse uma dobradiça. Essa "portinha" será o obturador. Nas máquinas de verdade, essa peça abre e fecha, regulando o tempo de exposição do filme à luz. 5. Chegou a hora de decorar a máquina! Pode usar tinta, colagem ou qualquer recurso que a criatividade mandar. Só tome cuidado para não deformar o furinho no alumínio. O LABORATÓRIO Assim como o interior da câmera, o laboratório fotográfico também precisa ser vedado à entrada de luz. A única luminosidade que pode existir lá dentro é a vermelha, que não sensibiliza o papel fotográfico e permite enxergar materiais e equipamentos. 1. Para construir a luminária de luz vermelha, faça um furo no fundo de uma lata de tinta e passe por ele o fio elétrico do soquete (bocal). Com fita isolante, vede o furo para que não passe luz. 2. Fixe o soquete por dentro, deixando-o rente ao fundo da lata e distante da abertura, onde você prenderá com a fita adesiva oito camadas de papel celofane vermelho. A luminária deverá ficar um metro acima da bancada do laboratório. 3. Monte o laboratório em uma sala onde exista torneira e que seja pouco utilizada por alunos ou funcionários. Tampe todas as entradas de luz com papel, lona ou sacos plásticos pretos, presos com fita adesiva resistente. Fique de olho na lotação da sala. Na hora de revelar as fotos, trabalhe com grupos pequenos para não descuidar da segurança da turma. O "FILME" Para fotografar, é preciso carregar a máquina. Nessa experiência, porém, o próprio papel fotográfico terá a função de filme. Por isso, só será possível fazer uma foto de cada vez. Lembre-se: tudo deve ser preparado no laboratório escuro para não queimar o material. 1. Corte o papel fotográfico em quatro partes (você obterá retângulos de 12x9cm). Use guilhotina ou régua de ferro bem limpa e estilete. Evite colocar o dedo na face sensível do papel (a mais lisa), manuseando-o pelas bordas. 2. Utilizando fita adesiva no verso do papel, prenda-o dentro da lata, na posição horizontal, encostando-o na base, no lado oposto ao furo. 3. Tampe bem a lata e verifique se o "obturador" (portinha que impede a entrada da luz) está fechado. Somente depois desses procedimentos a máquina poderá ser levada para fora do laboratório. O CLIC! Para sensibilizar suficientemente o papel, o tempo de exposição à luz deve ser relativamente longo. Assim, tirar fotos de paisagens ou objetos é mais fácil, pois eles não se mexem. Uma pessoa deve ficar imóvel para ser fotografada. Caso contrário, o resultado parecerá a imagem de um fantasma. 1. Apóie a lata em uma superfície fixa. Em dia ensolarado, abra o "obturador" por cerca de 15 segundos; com tempo nublado, por volta de dois minutos. Se na revelação o negativo ficar claro tire outra foto com um tempo de exposição maior e vice-versa. 2. Ao terminar, mantenha o "obturador" fechado e só abra a lata quando estiver dentro do laboratório fotográfico, ao abrigo da luz. O passo seguinte é a revelação. A REVELAÇÃO Prepare o laboratório com a luz acesa antes de começar a revelar. Verifique se as latas fotográficas estão fechadas e se o papel fotográfico sem uso está protegido. Posicione as bandejas, peça aos alunos para usar luvas. Prepare você os químicos, pois os materiais são tóxicos e podem provocar alergia. 1. Apague a luz e ligue a luminária vermelha. Retire o papel da lata e mergulhe-o por 1,5 minuto* na primeira bandeja (do revelador). Balance-a de leve para o líquido envolver todo o papel. 2. Coloque o papel na segunda bandeja (com água) durante 30 segundos. Com a pinça própria, leve- o para a bandeja seguinte. 3. Deixe o papel dois minutos no fixador, agitando o líquido da mesma forma. Retire-o com a pinça apropriada e coloque-o na última bandeja. 4. Lave o papel na água corrente para retirar os químicos restantes. Deixe por cinco minutos. Em seguida, pendure no varal. *Observe se o papel precisa ficar mais ou menos tempo imerso no revelador. Se a imagem estiver muito clara, deixe mais. Se estiver ficando escura, retire logo o papel. 5. Pode acender a luz. Quando secar, voscê terá em mãos o negativo da foto. Depois de tudo pronto, não se esqueça de lavar com água os objetos utilizados. A FOTO No caso da foto em preto-e-branco, o negativo mostra a imagem fotografada em posição e escalas de cinza invertidas. Tudo fica ao contrário. Repare no negativo da menina: o rabo-de- cavalo está à direita. Depois de revelar o positivo, ele ficará à esquerda. As tonalidades de cinza também se invertem: o que é escuro fica claro e vice-versa. Na hora de fazer o positivo, apague novamente a luz e ligue a luminária vermelha. 1. Coloque o negativo com a imagem voltada para baixo sobre o papel fotográfico sem uso, esse com a face sensível voltada para cima. Sobre os dois, deite a lâmina de vidro. 2. Acenda a luz branca por sete segundos para sensibilizar o papel novo. Se o negativo estiver muito claro, acenda a luz por cinco segundos; se estiver escuro, deixe exposto por dez segundos. 3. O último passo é revelar o positivo, repetindo o procedimento feito com o negativo. Com isso, a foto está pronta para ser exibida na escola. Nova ESCOLA Título Edição Data Muita luz na festa de São João Assim como as tradicionais bandeirinhas, luminárias de papel feits por você e pelos alunos vão enfeitar o arraial da sua escola 173 junho/2004 Música para aprender e se divertir A iniciação musical na Educação Infantil e nas séries iniciais do Fundamental estimula áreas do cérebro da criança que vão beneficiar o desenvolvimento de outras lingugagens. Além, é claro, de ser um grande barato! 173 junho/2004 Poema pra Dalí Poema de Katia Canton ilustrado por André Davino 172 maio/2004 ´Maquete passo a passo Os truques utilizados no modelo que reproduz São Paulo estão ao seu alcance. Sem gastar muito, você pode montar diferentes ambientes em miniatura 171 abril/2004 Uma máquina fotográfica de lata A criançada vai se surpreender com a qualidade das fotos tiradas com essa engenhoca construída em sala de aula 170 jan fev /2004 O teatro ensina a viver A turma perde a timidez, amplia os horizontes culturais e trabalha bem em grupo quando a arte cênica faz parte do currículo 170 março/2004 Uma árvore de boas mensagens Fim de ano letivo pede festa. Que tal aproveitar a época para semear o respeito e a tolerência? 168 dezembro/2003 O cinema une arte e informática Turmas de 3ª e 4ª série já podem brincar de cineasta, produzindo curtas no computador: um projeto com vocação interdisciplinar 168 dezembro/2003 Paisagem de Brodósqui Poema extraído do livro Paisagens Brasileiras, de Fátima Miguez, ilustrado por Ivan Zigg 167 novembro/2003 Hip hop no sertão? A produção de artistas regionais é um excelente caminho para apresentar a arte universal 153 junho/julho de 2002 Mestres das paletas Use as obras de artistas famosos para ensinar a garotada a gostar de arte e a reconhecer estilos 149 janeiro e fevereiro de 2002 Novas linguagens Fotos, cinema e vídeo são produções da sociedade contemporânea que devem se exploradas com os estudantes no Ensino Fundamental 148 dezembro/2001 Emas Poema de Manoel de Barros, ilustrado por Siron Franco 144 agosto/2000 Sabedoria que vem da mata Tramas, cores e formas indígenas inspiram aulas de Arte, Matemática e Ciências 143 junho/julho de 2001 Uma cesta reciclada Jornal velho, um pouco de anilina e seladora. Está pronto um presente para o Dia das Mães 141 abril/2001 Ar reciclado Não jogue fora as garrafas de plástico. Use-as para fazer um cata-vento 140 março/2001 Artistas da cidadania Escola usa a arte para motivar os alunos e envolver a comunidade em campanha pela paz 139 janeiro e fevereiro/2001 Viagem pela arte brasileira Mostra do redescobrimento revela riquezas produzidas no país desde a pré-história 133 junho/julho de 2000 Morada do inventor Tal qual a professora do poema, desperte a criatividade dos seus alunos construindo de tudo com sucata 133 junho/julho de 2000 Todas as mulheres No dia das Mães, trabalhe a figura feminina e a afetividade 132 maio/2000 Dos livros para a sala Construa bonecos de personagens históricos para dar vida às aulas sobre o Descobrimento 131 abril/2000 Aulas que estão no gibi Ao criar histórias em quadrinhos, turma de alfabetização aprende a transmitir suas idéias utilizando o desenho e a palavra 130 março/2000 Ateliê de pintores mirins Incentivadas a dar asas à imaginação, crianças de 2 a 6 anos empunham pincéis, lápis de cor e massinha. Resultado: aprendem a se concentrar e a apreciar obras de arte 127 novembro/99 Retratos da vida Alunos de 3ª série descobrem que as obras de arte podem funcionar como espelhos da realidade, refletindo questões políticas e sociais 124 agosto/99 A pequena notável Do cassino da Urca para Hollywood, a trajetória de uma exuberante portuguesa, embaixatriz do samba na terra do tio Sam 119 fevereiro de 99 O ratinho que riu da roupa do rei Há três décadas surgiu O Pasquim, jornal que fez da ironia inteligente a melhor resposta para a ditadura 119 fevereiro de 99 Blitzkrieg e bomba atômica: é a 2ª Guerra Mundial Guerra-relâmpago, Holocausto, Hiroshima, marcos do mais longo e mais sangrento conflito do século XX 119 fevereiro de 99 Getúlio Vargas: revolucionário, ditador ou "pai dos pobres"? Em 20 anos na presidência - e com seu sacrifício final - Vargas marcou profundamente a vida brasileira 119 fevereiro de 99 História em forma de festa Das guerras medievais e das passagens bíblicas até as intrigas palacianas na África, o folclore pode render aulas fascinantes 119 fevereiro de 99 A feiticeira mistura seus pozinhos Um punhado de folhas, um palmo de crina de cavalo, argila, cascas, resinas, conchas...a professora Zuleica faz com materiais fáceis de achar, pincéis, lápis, tintas, papéis e massas de modelar tão bons como os das lojas 116 outubro/98 No escurinho do cinema Aquele filme que acabou de estrear em circuito nacional ou umclássico que você encontra na locadora podem ensinar muito a seus alunos 114 agosto/98 Aprendendo sobre o palco A montagem de peças de teatro amplia a cultura e estimula mudanças de comportamento dos alunos 111 abril de 98 Uma trama que prende os alunos Usando fios de lã como material, ensine para a turma técnicas simples de tingimento e tecelagem 110 março de 98 Ideais de igualdade, da França para a Bahia 1798: escravos de aluguel, artesãos mulatos, militares e burgueses sonham com uma revolução libertária e republicana 109 fevereiro de 98 Imigração japonesa comemora nove décadas Maior colônia nipônica fora do Japão, o Brasil incorporou uma série de costumes e tradições desse país que pode dar bons frutos em sala de aula 109 fevereiro de 98 Lei Áurea liberta mas não integra negro à sociedade Pressões externas e dos abolicionistas fazem a princesa Isabel oficializar o fim da escravidão 109 fevereiro de 98 Rui Barbosa, a Águia da primeira república Um dos principais personagens da implantação do regime republicano no Brasil, o político baiano tinha como principal objetivo modernizar a economia do país 109 fevereiro de 98 Sob a batuta do nosso mestre Pixinguinha A vasta e sensível obra desse compositor pode conduzir a aulas surpreendentes sobre o universo da MPB 109 fevereiro de 98 Ensine com as cores das plantas Sua turma vai vibrar com a produção de corantes naturais e se surpreender com a riqueza de tonalidades da cultura brasileira 107 novembro de 97 Os desdobramentos do origami 106 outubro de 97 Ti, o pica-pau avisador Conto inspirado numa lenda do povo tzeltal, de Chiapas, no México, adaptado por Ana Maria Machado e ilustrado por Ivan Zigg 104 agosto de 97 Arte é um importante trabalho educativo, pois procura, através das tendências individuais, encaminhar a formação do gosto, estimula a inteligência e contribui para a formação da personalidade do indivíduo, sem ter como preocupação única e mais importante à formação de artistas. No seu trabalho criador, o indivíduo utiliza e aperfeiçoa processos que desenvolvem a percepção, a imaginação, a observação, o raciocínio, o controle gestual. Capacidade psíquica que influem na aprendizagem. No processo de criação ele pesquisa a própria emoção, liberta-se da tensão, ajusta-se, organiza pensamentos, sentimentos, sensações e forma hábitos de trabalho. Educa-se. Cadernos :: edição: 2002 - N° 19 > Editorial > Índice > Resumo > Artigo SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE A INCLUSÃO Sonia De Fatima Thomasi Facco Lorena Inês Peterini Marquezan Claudio Emelson Guimarains Dutra . Este artigo tem o objetivo de mostrar os resultados de um trabalho realizado com um grupo de crianças o qual buscou o desenvolvimento da criatividade, auto-estima e autoconfiança. Elas estavam todas matriculadas na mesma escola, mas em séries diferentes. Eram crianças que sentiam grandes limitações no ato de criar através do desenho, da pintura, da construção com sucata e do uso de outros materiais, porém no decorrer dos trabalhos passaram a acreditar na sua potencialidade e a elaborar com mais cuidado e interesse os trabalhos que produziam. O referencial básico para a elaboração dos trabalhos plásticos estiveram ligados ao meio sócio-cultural no qual estas crianças estavam inseridas. Palavras chave: Criatividade, auto-estima, potencial. Introdução Delimitação Do Tema Este trabalho aborda a relação da criança com a arte, a partir do meio sócio-cultural no qual está inserida e a importância do arte-educador nos processos de desenvolvimento de suas potencialidades criativas, da auto-estima e da auto-confiança. Segundo Vygotsky (1984), temos um nível de desenvolvimento real e um outro chamado nível de desenvolvimento potencial, caso este nível potencial venha a ser valorizado e trabalhado na criança, certamente ela terá um melhor desenvolvimento no seu processo criativo e outros. O arte-educador tem aqui um papel importante, o de incentivar o trabalho criativo da criança proporcionando à ela uma nova visão de arte e ainda mostrando o quanto se pode ser livre no ato de criar, brincar e fantasiar. A perda do "lúdico" provoca na criança o envelhecimento precoce e a atrofia da espontaneidade. A arte é importante para a criança. Acredito muito no arte-educador que pratica sua arte e não naquele que só a entende na teoria, pois enquanto vivencia o fazer artístico, consegue perceber o quanto a arte pode mobilizar os seus processos internos. Olhando para abordagem Vygotskyana, temos que, o desenvolvimento da criança dá-se a partir do meio sócio-cultural no qual ela está inserida e, este meio, por sua vez tem uma influência muito forte no seu processo de desenvolvimento criativo. Na ótica de Vygotsky, o nível evolutivo real desenvolve-se mais facilmente sem a ajuda de outra pessoa, isto é, na relação criança/meio a partir das vivências que ela vai tendo durante o seu crescimento e desenvolvimento e temos o nível evolutivo potencial que através da formação da Zona de Desenvolvimento Proximal - ZDP, o arte-educador poderá agir como instrumento de ajuda neste nível, proporcionando à criança um melhor desenvolvimento mental, e o amadurecimento das funções psicológicas superiores, favorecendo o seu aspecto cognitivo, e assim, ela terá a oportunidade de ser estimulada através da ZDP. Segundo Vygotsky (1982) a atividade criadora é uma manifestação exclusiva do ser humano, pois só este tem a capacidade de criar algo novo a partir do que já existe. Através da memória, o homem pode imaginar situações futuras e formar outras imagens. Sendo assim a ação criadora reside no fato da não adaptação do ser, isto é de não estar acomodado e conformado com uma situação, buscando através do imaginário e da fantasia uma equilibração e a construção de algo novo. Esse processo do desenvolvimento do imaginário atinge seu amadurecimento na idade adulta, e seus frutos verdadeiros acontecem na fantasia madura. O imaginário, portanto, no sentido utilizado por Castoriadis, é algo que introduz o novo, constitui o inédito, a gêneses ontológica, a verdadeira temporalidade, a posição de novos sistemas de significados e de significantes, presentifica o sentido. E passa a ser imaginário radical o verdadeiro motor da sociedade e da história, porquanto, "a questão histórica por excelência é a da gênese do sentido, a produção de novos sistemas de significados e de significantes". (Córdova, p 27, 1994) Sendo assim, o homem usando o seu imaginário e fantasiando situações, vai desenvolvendo o seu processo criativo e a criança com a ajuda e a participação ativa do arte- educador, pode através deste imaginário concretizar idéias na sua trajetória de vida. Resultados da Experiência Vivenciada Esta pesquisa teve como área temática a "A pintura e outras modalidades expressivas, como facilitadoras do desenvolvimento potencial dos educandos", a arte foi o grande instrumento para ajudar a criança no seu processo de desenvolvimento e maturação do seu potencial criativo. Com isso buscamos preferencialmente, através da modalidade da pintura, perceber como a criança pode evoluir tendo a contribuição do arte-educador na ZDP, na qual ele pode proporcionar mais "informações" e "experiências" para que eles possam acrescentar, no seu nível de desenvolvimento potencial, novas possibilidades e, com isto, ter mais subsídios para a elaboração dos processos criativos. Para a realização deste projeto, trabalhou-se com um grupo de 18 crianças, sendo que destes, escolhi 3 para relatar mais especificamente os resultados. Para fazer este relato foram usados nomes fictícios para preservar a privacidade das crianças. Flor de Lótus (9 anos, 2º série ) Flor de Lótus tendo a presença do arte-educador na formação da ZDP e através da pintura foi ajudada a desenvolver seu processo criativo, e também, buscou-se mostrar à ela certos limites, usando apenas os materiais que estavam disponíveis naquele momento, pois esta criança tinha muita dificuldade em entender os limites básicos de convivência e de trabalhar apenas com os materiais propostos. Pode-se dizer que com o desenvolvimento dos trabalhos posteriores e do diálogo que era mantido no grupo, Flor de Lótus atingiu um nível razoável de entendimento e convivência no grupo no que se refere aos limites e sua criatividade sofreu um processo de crescimento tanto plástico como organizacional. No desenho abaixo podemos perceber a boa utilização do espaço e também a preocupação com a distribuição dos elementos, sendo que em trabalhos anteriores os elementos eram colocados de uma maneira confusa, desorganizada e tudo muito sujo. Dani ( 11 anos, 2ª série) Dani se mostrou muito prestativo desde o início do grupo, ajudou na seleção do material que estava na sala, fez um contato tranqüilo com as outras crianças e também com o arte-educador. Dani tem dificuldades na aprendizagem, escreve com bastante dificuldade, e isto é percebido no resultado plástico. Diante de uma das propostas ele mostra o primeiro trabalho concluído, porém não responde a mesma, a qual era para pintar superfícies e não era para usar tesoura, porém ele faz uso da tesoura e constrói uma carroça, sendo que esta faz parte do cotidiano de Dani, no lugar onde morra, muitas pessoas têm como instrumentos de trabalho a carroça puxada por cavalo, esses elementos estão amadurecidos no seu psicológico superior. Dani mostra aqui um elemento bem construído, onde ele sózinho construiu e recortou, pode-se dizer que aqui ele usou o seu imáginario e criativamente construiu, sem necessariamente precisar a ajuda do arte-educador. Com o passar dos encontros Dani mostra através dos trabalhos plásticos uma melhor utilização do espaço, um bom investimento na elaboração dos mesmos, uma boa composição, uma melhor organização dos elementos e mostra-se mais receptivo às propostas, não produz quantidade mas qualidade. Muitas das experiências são vividas com a ajuda do arte-educador, através da formação da ZDP. Lilo (12 anos, 2ºsérie) Lilo é uma das surpresas no grupo, quase adolescente, mas tem ainda muitas atitudes de criança. No nosso primeiro contato, ele observou muito, teve seus momentos de agitação, de empurra-empurra, mas tudo dentro da "normalidade" do grupo. Quando foi sugerida a primeira proposta, que era desenhar algo importante no seu cotidiano, ele disse que não sabia desenhar a sua bicicleta, foi neste momento que senti o quanto é importante o trabalho do arte-educador, pois deveria ajudar Lilo naquele momento de ansiedade e medo de arriscar. Sugeri que desenhasse as partes de uma bicicleta usando o seu jeito de desenhar, fez isso em duas folhas e veio mostrar, ele havia desenhado do jeito dele as peças da bicicleta, na primeira folha em tamanho minúsculo, e na segunda folha, em tamanho bem maior. Então sugeri que juntasse as peças e criasse a sua bicicleta, ele então fez o desenho abaixo, no qual pode mostrar o resultado do seu estudo em bicicleta. No caso de Lilo, o arte-educador se fez mais presente, pois o referido aluno necessitava da ajuda deste para contribuir com o amadurecimento de seu trabalho, incentivando sua auto-estima e também para ajudá-lo no desenvolvimento do processo criativo. Com o estímulo dado à Lilo, foi possível chegar a resultados de boa qualidade, onde ele fez uso do imaginário e das experiência vividas no seu meio sócio-cultural. Considerações Finais Na opinião de Rezende a "... fenomenologia pretende ter um método adequado ao estudo do fenômeno, entendido da maneira como ela o compreende, e não de outra"(apud, Dutra, 2001, p, 69). A fenomenologia permitiu chegar ao mundo vivido pelas crianças e, sendo assim podemos perceber as lacunas e tentar estar presente no momento da necessidade, cuidar de maneira especial do aqui e agora. Procurou-se ter, sempre que possível, muito presente o meio sócio-cultural das crianças, isto é a realidade familiar e dos seus arredores e também a realidade escolar, o qual tem uma importância significativa na formação do sujeito, considerando que o meio interfere diretamente sobre ele, isto é fato, pois a teoria vygotskyana tem o fator sócio-cultural como ponto de referência na construção do sujeito. A partir dessa pesquisa que se desenvolveu nos moldes da fenomenologia, gostaria de destacar itens importantes percebidos durante o desenvolvimento da mesma: - A criança em fase de desenvolvimento, necessita da presença de alguém com maior conhecimento que a ajude no momento de construção e formação pessoal, sendo que esta presença não é de uma maneira apenas física, mas sim de estar inteira e acreditando no potencial da criança. - O arte-educador tem um papel de extrema importância no desenvolvimento da criança, pois ele pode ser um dos mediadores entre ela e o mundo, dando à esta suporte para o amadurecimento dos seus processos psicológicos. - A ZDP é um dos elemento significativos que contribuem com o arte-educador para o desenvolvimento e para a aprendizagem da criança As crianças tiveram um significativo progresso com os encontros como: - melhor organização na execução da tarefas. - houve crescimento na estruturação dos desenhos e pinturas. - envolvem-se por um tempo maior na elaboração das tarefas. - através da música e das histórias ouvidas, tiveram a oportunidade de exercitar a criatividade fazendo uma viagem através do imaginário. Segundo os pais e a administradora da escola, as crianças que fizeram parte deste projeto, tiveram uma melhora significativa de comportamento e desempenho, tanto em sala de aula como na convivência social. Diante deste último item, teve a solicitação por parte da escola e dos pais para a continuidade do projeto. Conclusão Ao receber o grupo de crianças senti neles uma grande expectativa, éramos totalmente desconhecidos eles vinham de uma realidade sócio-cultural um tanto deficitária. Chegaram muito curiosos, pois, não sabiam muito bem o que iria acontecer, era o nosso primeiro contato, estava eu aqui iniciando uma caminhada a qual daria suporte para aquele grupo poder desenvolver a sua criatividade, auto-estima e outras potencialidades inerentes ao ser humano. A primeira constatação foi quanto a sociabilização destas crianças, eram muito inquietas e agressivas, depois de alguns encontros, notava-se uma sutil mudança de comportamento destas. As proposta desenvolvidas estiveram sempre ligadas ao seu meio sócio-cultural. Procurou-se ao mesmo tempo, trazer presente questões como: respeitar o limite do outro, cuidar do trabalho do colega, ocupar apenas o seu espaço físico e cuidar do material para não desperdiçá-lo, pois o que tínhamos era em quantidade mínima. Tendo presente todo este contexto acima citado, percebi que através da arte este grupo de crianças obteve grandes conquistas, que estas aos olhos de alguns pode ser insignificante. Trabalhei com muita simplicidade, procurando ser uma grande escuta para cada um e valorizando as pequenas coisas feita por eles, tentando mostrar-lhes que cada um tem o seu jeito de desenvolver uma idéia e que todas são importantes. O uso da arte neste grupo foi de grande benefício como prevenção de saúde, pois enquanto estas crianças estavam ocupadas e sendo valorizadas pelas atividades desenvolvidas não estavam na rua ou vivendo na ociosidade. Eles participavam do grupo regularmente e por vontade própria, sendo que não havia obrigatoriedade na participação e nem mesmo havia a atribuição de notas ou conceitos, o pertencimento ao grupo dava-lhes um outro sentido de estarem ali, eles não estavam cumprindo uma obrigação escolar, eles encontraram neste espaço um ambiente onde sentiam-se valorizados, acolhidos, respeitados e escutados, eles podiam contar com alguém, o arte-educador, que estava ali por acreditar na potencialidade de cada um. Com esta experiência pude concluir que o arte-educador tem uma papel especial na educação, tanto em sala de aula quanto em projetos paralelos, pois ele esta trabalhando com uma segunda linguagem, que é a arte, através da qual podemos nos expressar e falar de nossos sentimentos. Quando faço referência ao potencial transformador que a arte possuí, me sinto bastante segura em fazer esta afirmação devido a minha formação em arte-terapia. Percebo o quanto a arte pode ajudar no desenvolvimento do ser humano em todas as fases do desenvolvimento, não quero dizer com isso que todo o arte-educador deva ser um arte-terapeuta, e não tenha a condição de estar transformando o outro através da arte. A constatação mais importante neste trabalho foi que a arte certamente contribui para o amadurecimento dessas criança, proporcionando assim uma melhor condição de aprendizagem, de auto-confiança, de auto- estima, de valorização de sua cultura, e do meio em que está inserido, resgatando neles os valores de cidadãos. Bibliografia ALENCAR, Eunice S. de. Como Desenvolver o Potencial Criador. Rio de Janeiro: Vozes, 1990. ALLESSANDRINI, Cristina Dias. Oficina Criativa e Psicopedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a aprendizagem escolar. Porto Alegre: Arte Médicas, 1998. BELLO, Suzan. Pintando sua alma. Brasília : Universidade de Brasília, 1998. CIORNAI, Selma. 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Cadernos :: edição: 2002 - N° 19 > Editorial > Índice > Resumo > Artigo A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR PARA A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Damiana Machado de Almeida Melânia de Melo Casarin . A presente pesquisa, buscou verificar a importância do brincar para a construção do conhecimento das crianças que fazem parte da educação infantil. Em outras épocas, e durante muito tempo, o brinquedo foi visto como atitudes de lazer, que poderia ser nocivo à moral, e à formação de um adulto íntegro. A criança era vista como "miniadulto" ou "adulto em miniatura". Não havia o reconhecimento da imaginação, da criatividade e das curiosidades como elementos da infância. Hoje, o brincar é resgatado na escola como um instrumento facilitador do professor no processo de ensino-aprendizagem. Palavras-Chave: Educação Infantil; Brincar; Conhecimento. Como Era Percebido O Brincar? Na antigüidade, as crianças participavam das mesmas brincadeiras dos adultos. Toda a comunidade participava das festas e brincadeiras, com a finalidade de estreitar os laços afetivos. Essas brincadeiras, jogos e divertimentos eram vistos sob dois prismas. Uma parte da sociedade aceitava este tipo de atitude, percebendo-as como meio de crescimento social, os outros recriminavam pois associavam aos prazeres carnais, ao vício e ao azar. Os humanistas do Renascimento perceberam as possibilidades educativas dos jogos e passaram a utilizá-los. Passou-se a considerar as brincadeiras e jogos como uma forma de preservar a moralidade dos "miniadultos", proibindo-se os jogos considerados "maus" e aconselhando-se aqueles considerados "bons" (WAJSKOP, 1995, p. 63). Houve uma preocupação com a moral, a saúde e o bem comum e passou-se a elaborar propostas baseadas no jogo especializado, de acordo com a idade e o desenvolvimento da criança. Foi com a ruptura do pensamento romântico que se deixou de ver a brincadeira apenas como um ato lúdico. Ela passou a ser valorizada no espaço educativo. Segundo WAJSKOP (1995), pesquisadores como Comenius, Rousseau e Pestalozzi, contribuíram para a valorização da infância. Baseados numa concepção idealista e protetora da criança, propuseram uma educação dos sentidos, utilizando-se de brinquedos e centrada na recreação. Iniciou-se, assim, a elaboração de métodos próprios para a educação infantil. Com essas idéias é que se passa a ver a educação das crianças pequenas como características particulares, não mais como a educação dos "adultos em miniatura". Os pedagogos Friedrich Fröbel, Maria Montessori e Ovide Décroly realizaram pesquisas a respeito da criança. Fröbel iniciou a educação institucional. Estes pesquisadores iniciaram a educação sensorial, utilizando-se de jogos e materiais didáticos. WAJSKOP (1999, p. 21) afirma que: ... foram os primeiros pedagogos da educação pré-escolar a romper com a educação verbal e tradicionalista de sua época. Propuseram uma educação sensorial, baseada na utilização de jogos e materiais didáticos, que deveria traduzir por si a crença em uma educação natural dos instintos infantis. Segundo Kishimoto, citado por SANTOS (1999), Fröebel foi o primeiro educador que justificou o uso do brincar no processo educativo. Ele tinha uma visão pedagógica do ato de brincar. O brincar, pelo ato de brincar desenvolve os aspectos físico, moral e cognitivo, entre outros, mas o estudioso defende, também, a necessidade da orientação do adulto para que esse desenvolvimento ocorra. Conseqüentemente, as escolas que adotam as teorias froebelianas permitem o brincar com atividades orientadas e também livres. Os brinquedos são vistos como suporte para a ação do brincar, proporcionando a aquisição de habilidades e conhecimentos. No século XIX, durante a Guerra Civil, aparece nas creches da época, o brincar supervisionado. Nesse período, apenas esse brincar era considerado educativo. Segundo Kishimoto, citado por SANTOS (1999, p. 30), no Brasil: Os jardins de infância froebelianos penetram nas instituições particulares, como inovação pedagógica, destinadas à elite da época, como forma de mostrar a modernidade da escola, que oferece um curso semelhante ao divulgado no então modelar sistema educacional americano. O movimento da Escola Nova, deu continuidade à concepção de criança lúdica, já implantada por Fröbel. WAJSKOP (1995), nos diz que Dewey, discípulo da Escola Nova, concebia a brincadeira como uma ação livre e espontânea. A brincadeira era vista como a expressão dos sentimentos, necessidades e interesses da criança. As idéias da Escola Nova ganharam força no Brasil na década de 20. Os jogos ganharam força e eram utilizados como meio de ensino. E Agora, Como Pensamos O Brincar? A partir das décadas de 60 e 70, a psicologia do desenvolvimento e da psicanálise contribuíram para que se visse a infância como o período principal do desenvolvimento humano, enfatizando o papel da brincadeira na educação infantil. Hoje, vista dentro de uma visão sócio-histórica, a criança está constantemente modificando-se por estar imersa na sociedade, interagindo com os adultos. Esse desenvolvimento ocorre através da interação e da experiência sociais. Desta forma, rompe-se com as idéias relacionadas as teses biológicas e etológicas que idealizam a criança e suas possibilidades educacionais. A criança, quando ingressa na educação infantil, começa a interagir com os ambientes, que nem sempre são condizentes com aquele que ela faz parte. Está inserida num ambiente diferente, com ritmos diferentes, com objetos, ações e relações ainda desconhecidos. Esta diversidade e heterogeneidade são elementos primordiais para o enriquecimento das crianças. Machado, citado por OLIVEIRA (2000, p. 27) nos diz que: "... a criança é um ser social, o que significa dizer que seu desenvolvimento se dá entre outros seres humanos, em um espaço e tempo determinados." Através da interação social, a criança se utilizará de instrumentos mediadores, a fim de transformar- se. Os problemas que lhe são apresentados, desde o nascimento, faz com que busque soluções imediatas. A diferença entre o ser humano e os outros mamíferos é a elaboração das funções psicológicas superiores, que o homem faz desde bebê. O desenvolvimento dessas funções se dá através das atividades desenvolvidas, utilizando-se de instrumentos e signos, que farão o papel de mediadores. Partindo da visão sociointeracionista o homem é um ser geneticamente social. Desta forma, o crescimento intelectual ocorre a partir da apropriação de conhecimentos culturais, conseqüentemente, dos processos de ensino e aprendizagem. Nesta visão sociointeracionista, a aprendizagem, o ensino e o desenvolvimento são vistos como etapas distintas, mas relacionadas entre si, onde cada um depende da superação do outro, onde a aprendizagem desencadeia o desenvolvimento que desencadeia a aprendizagem. Não basta estar em grupo para que ocorra a aprendizagem, o ensino ou o desenvolvimento. É necessário que ocorra interação entre os membros do grupo. VIGOTSKY (1989) afirma que a aquisição do conhecimento se dá através das zonas de desenvolvimento, a real e a proximal. A zona de desenvolvimento real é o conhecimento já adquirido, é o que a pessoa traz consigo. Já a zona de desenvolvimento proximal, só é atingida com o auxílio de outras pessoas "mais capazes", que já tenham adquirido esse conhecimento. O sociointeracionista não concorda com a visão da criança comparada a "um adulto em miniatura", pois a forma de pensamento da criança é diferente da do adulto. A criança não tem adquiridos os conceitos, estes são adquiridos a partir da interação com o meio, e com as pessoas desse meio. Os conceitos são resultados de movimentos intra e interpsicológicos. A aquisição desses conceitos permite que as experiências vividas pela criança sejam diferentes de meras experiências imediatas e que permaneçam e sejam utilizadas na constituição e desenvolvimento dos seres humanos. Para isso, Machado, citado por OLIVEIRA (2000, p. 37) esclarece que: A elaboração de conceitos pela criança irá depender da diversidade, não só quantitativa, mas, especialmente, qualitativa, das experiências interacionais que vivenciará nos espaços institucionais nos quais se encontrar. A função do adulto perante a criança não é apenas cuidar e proteger, mas, principalmente a de torná-la gradativamente independente, com valores, crenças, hábitos, etc. Para que isso possa ser concretizado, se faz necessário que se possibilite situações lúdicas. Machado, citado por OLIVEIRA (2000, p. 41) afirma ser necessário que: ... o fato de o jogo se manifestar sempre em uma situação de interação; do envolvimento dos parceiros se dar, necessariamente, por iniciativa dos mesmos; da orientação para o prazer, nas atividades realizadas; do esforço necessário, em contrapartida, para superar os desafios surgidos; da presença da regra, mesmo quando expressa como simples repetição de movimentos; do descompromisso com os objetivos aparentes do jogo; do caráter inédito e imprevisível de seu desenrolar; da associação imaginação/realismo nas atitudes e ações. O adulto interfere nas atividades lúdicas para impedir situações de perigo, de risco, age também para garantir a continuidade da brincadeira, fornecendo um conhecimento que as crianças ainda não atingiram. Dessa maneira a brincadeira é uma atividade onde as crianças assimilam e recriam as experiências dos adultos. Numa visão sócio-histórica, defendida por Vigotsky, a brincadeira é uma atividade específica da infância, onde a criança recria a realidade utilizando sistemas simbólicos. Essa é uma atividade social, com contexto cultural e social. Através da brincadeira, a criança pode experimentar novas situações e lhe é garantida a possibilidade de uma educação criadora, voluntária e consciente. WAJSKOP (1999, p. 32) afirma que "Do ponto de vista do desenvolvimento da criança, a brincadeira traz vantagens sociais, cognitivas e afetivas." O brinquedo proporciona mudanças no que se refere às necessidades e à consciência da criança. A criança, com o brinquedo, pode colocar hipóteses, desafios, além de construir relações, com regras e limites impostos pelos adultos. A valorização do brinquedo criou a brinquedoteca nos anos 60 na Europa, e no Brasil surgiu nos anos 80. A super-lotação das pré-escolas particulares e o espaço físico limitado fizeram com que aumentasse a procura pelas brinquedotecas. CUNHA (1994, p. 13) nos esclarece que: BRINQUEDOTECA é um espaço criado para favorecer a brincadeira. É um espaço onde as crianças (e os adultos) vão para brincar livremente, com todo o estímulo à manifestação de suas potencialidades e necessidades lúdicas. Muitos brinquedos, jogos variados e diversos materiais que permitem a expressão da criatividade. Embora os brinquedos sejam a atração principal de uma BRINQUEDOTECA, ela pode existir até mesmo sem brinquedos, desde que outros estímulos às atividades lúdicas sejam proporcionados. A brincadeira faz com que a criança construa a sua realidade, e perceba a possibilidade de mudança da sociedade, na qual ela faz parte. Existe uma compreensão do mundo e das atitudes humanas. Para Vygotsky, citado por WAJSKOP (1999, p. 35): ... a brincadeira cria para as crianças uma "zona de desenvolvimento proximal" que não é outra coisa senão a distância entre o nível atual de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou com a colaboração de um companheiro mais capaz. No processo da educação infantil, o papel do professor é primordial, pois é aquele que cria espaços, oferece os materiais e participa das brincadeiras, ou seja, media a construção do conhecimento. O professor é mediador, fazendo parte da brincadeira, ele terá oportunidade de transmitir valores e a cultura da sociedade. O professor estará possibilitando a aprendizagem da maneira mais criativa e social possível. O brinquedo, visto como objeto, suporte da brincadeira, permite à criança criar, imaginar e representar a realidade e as experiências por ela adquiridas. O Referencial Curricular Nacional Para A Educação Infantil (1998), que serve como guia para as creches e escolas de educação infantil, apresentando objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam diretamente com crianças de zero a seis anos, contempla a importância do brincar para a construção do conhecimento, nos dizendo que: Nas brincadeiras, as crianças transformam os conhecimentos que já possuíam anteriormente em conceitos gerais com os quais brincam. Por exemplo, para assumir um determinado papel numa brincadeira, a criança deve conhecer alguma de suas características. Seus conhecimentos provêm da imitação de alguém ou de algo conhecido, de uma experiência vivida na família ou em outros ambientes, do relato de um colega ou de um adulto, de cenas assistidas na televisão, no cinema ou narradas em livros etc. A fonte de seus conhecimentos é múltipla, mas estes encontram-se, ainda, fragmentados. É no ato de brincar que a criança estabelece os diferentes vínculos entre as características do papel assumido, suas competências e as relações que possuem com outros papéis, tomando consciência disto e generalizando para outras situações (p. 27). Jogos, com regras determinadas, não permitem que a criança se expresse e repense, requer apenas a repetição de atitudes condicionadas. Segundo Kishimoto, citado por SANTOS (1999, p. 24) "... um dos objetivos do brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-los." Desta forma, o brinquedo é visto como a representação das experiências, da realidade que a criança faz parte. Além disso, o brinquedo também pode ser visto como fruto da imaginação. É através dele que a criança pode representar o mundo imaginário que ela criou. Essa questão imaginária pode variar de acordo com a idade. Aos 3 anos a imaginação é carregada de animismo, dos 5 aos 6 anos a criança inclui nesse processo imaginativo elementos da realidade e na fase adulta passa a utilizar elementos culturais. Independente de cultura, raça, credo ou classe social, toda a criança brinca. Todos os seus atos estão ligados à brincadeira. As diferenças da brincadeira de criança refere-se aos conteúdos e materiais utilizados, pois serão escolhidos de acordo com a referência sociocultural da criança. As brincadeiras que são oferecidas à criança devem estar de acordo com a zona de desenvolvimento em que ela se encontra. Existem brincadeiras que devem ser estimuladas e outras que exigem um desenvolvimento diferente. Desta forma, podemos perceber a importância de o professor conhecer a teoria de Vygotsky. LINS (1999, p. 41) diz que: Partimos da hipótese de que pela brincadeira a criança realiza atividades essenciais para o seu desenvolvimento e que por meio deste brincar ela alcança as formas superiores mentais ao mesmo tempo que se torna participante efetiva de seu meio sócio-cultural. Vygotsky, citado por LINS (1999), classifica o brincar em algumas fases: No decorrer da primeira fase, a criança começa a se distanciar do seu primeiro meio social que é representado pela mãe e começa a falar, andar e se mover em volta. Nesta fase, o ambiente a alcança por meio do adulto. Este período estende-se até os 7 anos. A segunda fase é caracterizada pela imitação. A criança copia os modelos dos adultos. A terceira fase é marcada pelas convenções que surgem de regras e ações associadas a estas regras. Para o desenvolvimento da criança este é um grande avanço. Esta fase exige um grau maior de socialização, para que surjam novas soluções. A brincadeira é insubstituível, desde a primeira fase, para a aquisição de habilidades e hábitos sociais. A criança cria uma situação imaginária no brinquedo. Desta forma, o brinquedo proporciona a criação por parte da criança, e também é fruto da sua imaginação. Uma das características principais do brinquedo é a motivação que ele proporciona para a criação do mundo imaginário vital para o desenvolvimento global do ser humano. É a partir do brinquedo que a criança aprende a agir. VYGOSTSKY (1989) afirma que: É enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança ... É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos (p. 109). Durante muito tempo, o aluno foi um agente passivo e o professor um transmissor de conteúdos. O alto índice de fracasso e evasão na educação fez com que se reavaliasse essa realidade e comprovasse que deveria ser revertido esse quadro. Não seria mais o aluno que deveria adaptar-se à escola, mas a escola que deveria se adaptar à realidade da qual este aluno faz parte, às características e cultura que ele traz para a escola. Hoje, aprendemos que a construção do conhecimento deve partir sempre do aluno. Dessa forma, o aluno passou a ser um desafio ao professor e ao contexto escolar, de um modo geral. Antunes, citado por SANTOS (2000, p. 37) nos diz que: Seu interesse passou a ser a força que comanda o processo da aprendizagem, suas experiências e descobertas o motor de seu progresso e o professor um gerador de situações estimuladoras e eficazes. É nesse contexto que o jogo ganha espaço, como a ferramenta ideal de aprendizagem, na medida em que propõe estímulo ao interesse do aluno, desenvolve níveis diferentes de sua experiência pessoal e social, ajuda-o a construir suas novas descobertas, desenvolve e enriquece sua personalidade e simboliza um instrumento pedagógico que leva ao professor a condição de condutor, estimulador e avaliador da aprendizagem. Conclusões - Considerações, Na Atualidade, Acerca Do Brincar Na perspectiva sócio-histórica de construção do sujeito, os estudos vigotskyanos mostram que a criança interage, através do brinquedo, desde cedo, com a cultura em que está inserida. Com a intenção de aproximar o aluno da escola e mantê-lo motivado neste ambiente, deve-se utilizar recursos que diversifiquem a prática pedagógica, buscando tornar o espaço da sala de aula aconchegante, divertido, descontraído, propiciando o aprender dentro de uma visão lúdica, criando um vínculo de aproximação/união entre o professor e o aluno. Para isso, faz-se necessário que o professor conheça o processo de desenvolvimento da criança, assim como as etapas que ela deve conquistar. Deve conhecer, também, como ocorre o processo de aquisição de conhecimento, a partir da teoria de Vygotsky, que muito contribuiu para que se chegasse à visão que temos hoje a respeito da importância do brincar no ambiente da sala de aula. Esta pesquisa está direcionada a importância do brincar na realidade da Educação Infantil, embora se saiba que a utilização do brincar na prática pedagógica vai além dos muros da educação infantil, podendo ser utilizada durante todos os níveis de ensino. Não se pode esquecer do papel do professor como aquele que media as estratégias sociais, lingüísticas e cognitivas, num contexto educativo, fornecendo subsídios para a construção dos conhecimentos que serão adquiridos, servindo-se do brincar. Percebe-se, ao longo da história, a evolução da importância do brincar, de um simples ato de lazer para uma contribuição na área cognitiva auxiliando no processo de aprendizagem e na construção de referenciais de mundo. Não se pode deixar de mencionar a importância da brinquedoteca, um espaço destinado, especialmente, à atividade do brincar. A criação da brinquedoteca foi um marco legitimador e histórico da importância do brincar para a criança. É uma conquista para a sociedade e, em especial, para a criança que, assim, aprende de forma mais harmoniosa e lúdica. O resultado dessa pesquisa traz a convicção de que o ato de brincar, independente do espaço em que ocorra, deve ser valorizado por se constituir num instrumento de aquisição de novos conhecimentos e de aprendizado das regras e normas adultas vigentes na sociedade, contribuindo com a formação de um cidadão crítico e atuante. Referências Bibliográficas BRASIL. 1998. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília. vol.1. CUNHA, Nylse Helena Silva. 1994. Brinquedoteca: um mergulho no brincar. 2.ed. São Paulo: Maltese. LINS, Maria Judith Sucupira da Costa. 1999. O direito de brincar: desenvolvimento cognitivo e a imaginação da criança na perspectiva de Vygotsky. In: XIII CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DA OMEP. Paraíba. Anais do XIII Congresso Brasileiro de Educação Infantil da OMEP. p. 41-47. OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de (org). 2000. Educação infantil: muitos olhares. 4.ed. São Paulo: Cortez. RIO GRANDE DO SUL. 1998. Secretaria da Educação. Departamento Pedagógico. Divisão de Ensino Fundamental. Padrão referencial de currículo: 2a versão, educação infantil. Porto Alegre. SANTOS, Santa Marli P. dos (org). 1999. Brinquedoteca: o lúdico em diferentes contextos. 4.ed. Petrópolis: Vozes. _____ (org). 2000. Brinquedoteca: a criança, o adulto e o lúdico. Petrópolis: Vozes. VYGOTSKY, L. 1989. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. WAJSKOP, Gisela. 1995. O brincar na educação infantil. Caderno de Pesquisa, São Paulo, n.92, p. 62-69, fev. _____ 1999. Brincar na pré-escola. 3.ed. São Paulo: Cortez. Cadernos :: edição: 2002 - N° 20 > Editorial > Índice > Resumo > Artigo O SIGNIFICADO DO JOGO E DO BRINQUEDO NO PROCESSO INCLUSIVO: CONHECENCO NOVAS METODOLOGIAS NO COTIDIANO ESCOLAR João Pedro Alcantara Gil Carine Scheeren Helen Denise Daneres Lemos Simone De Mamann Ferreira . O presente artigo pretende discutir o significado do jogo e do brinquedo como metodologia dentro do processo de inclusão de crianças com necessidades especiais em escolas de ensino fundamental - educacação infantil e séries iniciais . Procura relatar os diferentes modelos históricos da deficiência na sociedade, bem como as progressivas relações entre o jogo e a educação nesses períodos. Trata brevemente de alguns conceitos como necessidades especiais e necessidades educativas especiais, sobre inclusão e suas inúmeras particularidades, assim como conduz a algumas conclusões obtidas pelo grupo de pesquisadores neste trabalho. Palavras Chave: jogo, brinquedo, metodologias Nos últimos tempos, tem se desenvolvido grande interesse muitos projetos e trabalhos acadêmicos, envolvendo metodologias que mais se identificam com o universo infantil: os jogos e os brinquedos. Herdeiros de uma sociedade onde o brincar é radicalmente diferenciado do trabalhar sob o aspecto da seriedade e da dificuldade, fomos arrebatados por uma série de preconceitos que nos impedem de explorar a brincadeira como recurso indispensável ao aprender. Quando SAMPLES (1990:24) refere-se ao brinquedo, evidencia tal experiência por parte da criança como sendo essencial ao seu crescimento físico e psíquico e totalmente desvinculado ao que os adultos consideram como certo ou errado dentro do processo de aprendizagem. Segundo o autor : “brincadeira” foi-se ampliando até abranger a idéia de “ trabalho alegre”. Pesquisas recentes destacam o papel do jogo na formação completa da criança. Inúmeras bibliografias são oferecidas a respeito do assunto, entretanto, com algumas exceções, ainda não existem reflexões aprofundadas sobre os resultados efetivados desses recursos dentro da sala de aula. As escolas, bem como os professores do futuro, não serão iguais aos atuais. A emergência de mudanças no mundo nos leva a tal conclusão. As escolas deverão estabelecer novos perfis , transformando muitas de suas idéias e aprendendo a viver com as incertezas que a realidade lhes impõe. Uma dessas grandes incertezas vivenciadas pela escola atualmente é a inclusão de crianças com necessidades especiais junto à classe ditas “normais”. São grandes as dúvidas e receios por parte dos profissionais em educação. Percebe-se a enorme confusão até mesmo na conceitualização e diferenciação de termos como necessidade educativa especial , necessidade especial e dificuldade de aprendizagem. A palavra inclusão é muito falada, mas pouco compreendida. As diferentes formas de desenvolvimento do processo inclusivo ainda são fatores desconhecidos pela maioria dos professores que tentam trabalhar da melhor maneira possível, mas totalmente desamparados em termos de referenciais não só dentro da escola como também fora dela. A idéia de desenvolver jogos e brinquedos para pessoas com necessidades especiais não é nova. Nem foi nossa intenção desenvolver um trabalho inédito. Entretanto, sentimos urgência em investigar o verdadeiro significado dos materiais lúdicos juntos a esses alunos, bem como sua capacidade de diminuir as diferenças existentes dentro dos grupos observados. Pode o brinquedo e o jogo serem facilitadores do processo inclusivo? Terão estes recursos possibilidades concretas de aceitação entre as crianças especiais, as crianças “normais” e professores dentro da sala de aula? Podem ser significativos enquanto causadores de novas experiências no convívio , no aprendizado e no desenvolvimento de valores éticos como o respeito às diferenças, espírito de equipe, criatividade, responsabilidade e imaginação? Qual o papel do professor no processo de desenvolvimento dos jogos? Possibilitarão o desenvolvimento da auto - imagem desses alunos e de seus colegas? São tantas as perguntas e outras tantas as possibilidades de resposta. É importante que se conheça os jogos e os brinquedos, suas alternativas de exploração e suas especificidades, assim como o histórico social das crianças especiais com as quais se esteja trabalhando ,a fim de realizar uma pesquisa eficiente e que propicie resultados confiáveis que possam estabelecer novos rumos do trabalho pedagógico com alunos incluídos. Este artigo propõe-se a discutir e analisar essas questões que foram referenciais para todo o trabalho desenvolvido no projeto de pesquisa. Para tanto é imprencindível que se percorra um caminho histórico sobre a condição da deficiência na sociedade, bem como sobre o desenvolvimento da ludicidade no processo educativo que se deu paralelamente a essa evolução. HISTÓRICO DA DEFICIÊNCIA : ALGUNS CONCEITOS A compreensão sócio - histórica da deficiência em âmbito mundial sugere o entendimento de como alguns conceitos foram evoluindo até hoje , servindo de referência para a análise do processo inclusivo sob os diferentes pontos de vista expressos na atualidade por diversos pesquisadores e autores. Inicialmente têm-se o entendimento de JOVER (1999) sobre a Educação Especial como uma forma de ensino composta por uma série de recursos e serviços educacionais especiais estruturados com a finalidade de apoio, acréscimo e em alguns casos, substituição de serviços educacionais comuns, garantindo uma educação formal de crianças com necessidades especiais. CARVALHO (1998,p.119),entende por deficiência: (...) qualquer perda de função psicológica, fisiológica ou anatômica. Tem como características: anormalidades temporárias ou permanentes em membros, órgãos ou outra estrutura do corpo, inclusive os sistemas próprios da função mental. São exemplos a perda das funções biológicas visuais, auditivas, motoras, decorrentes das mais variadas causas. A deficiência pode ser sub-dividida em real ou primária, que são as reconhecíveis biologicamente e também tidas como necessidades especiais , e as secundárias, produtos de preconceito e estereótipos sociais. Tais deficiências são circunstanciais e derivam ou de deficiências reais ou mesmo , sem a existência de uma deficiência primária. A criança com deficiência é reconhecida por apresentar transtornos na aprendizagem, manifestações de conduta, problemas emocionais produzidas pela interação entre suas características e as dificuldades impostas pelo meio físico e social. Esse grupo, embora bastante heterogêneo, após 1978 passou a ser reconhecido pela expressão Necessidades Educativas Especiais. (...) o que significa um aluno com Necessidades Educativas Especiais? Em linhas gerais , isso quer dizer que o mesmo apresenta algum problema de aprendizagem ao longo de sua escolarização, que exige uma atenção mais específica e maiores recursos educacionais do que os necessários para os colegas de sua idade. Aparecem portanto, nesta definição, duas noções estreitamente relacionadas ao problemas de aprendizagem e os recursos educacionais. Ao falar de problemas de aprendizagem e evitar a terminologia da deficiência , a ênfase situa-se na escola, na resposta educacional. (MARTIN & MARCHESI, in COLL et alii, 1995, p.11) As Necessidades Especiais podem ser compreendidas como toda a privação de um indivíduo, decorrente da ausência de condições orgânicas e psicológicas , estruturais ou funcionais que se apresentam no dia a dia. Para SASSAKI (1997,16): O termo Necessidades Especiais não deve ser tomado como sinônimo de deficiências (sejam visuais, auditivas, físicas, mentais ou múltiplas).(...) Podem resultar de condições atípicas tais como: autismo, dificuldades de aprendizagem, insuficiências orgânicas, superdotação, problemas de conduta, distúrbios e déficit de atenção com hiperatividade, distúrbio obsessivo compulsivo, síndrome de Tourette, distúrbios emocionais, transtornos mentais. Historicamente a condição da deficiência produziu diferentes relações e as mais variadas conceitualizações, que foram sendo modificadas de acordo com os modelos econômicos, religiosos e sociais que algumas sociedades desenvolveram para poder florescer em sua época. Para cada período, percebe-se claramente estas alterações e quanto ainda hoje a questão corporal em nossa sociedade é influenciada por estereótipos produzidos no passado. Nas sociedades primitivas, pela sua própria constituição baseada no nomadismo, era exigido de seus integrantes as condições para uma sobrevivência individual bem maior do que nas sociedades subseqüentes. As pessoas que não se enquadravam no padrão social considerado “normal”, seja em decorrência de problemas na sua concepção ou nascimento, seja fatores externos como guerras, acidentes naturais, entre outros, eram consideradas empecilhos ou “peso morto” , sendo por isso geralmente abandonadas ou relegadas ao isolamento, sem que isso fosse considerado errado pelas demais pessoas. Acontecia uma espécie de seleção natural onde apenas os mais fortes sobreviviam e se estabeleciam. As concepções da sociedade grega são distintas entre os espartanos e os atenienses. Esparta cria uma sociedade voltada para a guerra e o culto ao corpo e à sua força e com isso era perfeitamente aceitável o descarte de pessoas fora dos padrões vigentes para a época. Se, ao nascer a criança apresentasse qualquer característica que pudesse diferenciá-la dos padrões ideais, era eliminada com o objetivo de aprimorar a qualidade da sociedade espartana, que valorizava a beleza e a força física da figura feminina, visava desenvolver nas mulheres as personagens principais na geração de seus futuros guerreiros. Outra concepção é a de que a mente desenvolvida para a retórica ,a argumentação e a reflexão é superior ao trabalho físico que devia ser realizado pelos escravos, ou seja , pelos responsáveis pela manutenção da elite grega. Para Aristóteles “o ócio é uma necessidade tanto para adquirir virtude como para realizar atividades políticas.”. A dicotomia corpo-mente tão evidenciada no período greco-romano passa a repercutir sob o âmbito da teologia no período feudal, repercutindo profundamente até mesmo em sua terminologia que passa de corpo /mente para corpo/alma. Os indivíduos considerados anormais ganham o direito à vida, mas são estigmatizados ,visto que o modelo moral do cristianismo/catolicismo vê as diferenças como sinônimos de pecado. Nesta divisão a alma é a parte considerada digna, merecendo atenções e cuidados, por sua vez, o corpo ora é considerado o “templo da alma”, ora é visto como “oficina do diabo”, o que provoca conflitos profundos e difíceis de serem superados. A medida que a Idade Média avança ,a relação da diferença física com o pecado começa a intensificar-se, entretanto , é necessário que se perceba que esta relação surge muito antes ,em sociedades como a judaica que já coloca no Antigo Testamento referências a esse respeito. A Bíblia no Novo Testamento também refere-se aos cegos , surdos, aleijados e leprosos como pessoas que tenham cometido algum pecado e por esse motivo sofriam tais “penalidades” físicas. Portanto é compreensível que a Igreja Católica tenha manipulado a sociedade medieval neste sentido. Tanto que os castigos impostos ao corpo tais como as flajelações, a fogueira e as torturas da Santa Inquisição representavam a purificação dos pecadores, intensificando a idéia de que o corpo era o reflexo de tudo o que a alma cometia de errado. Com o início da Idade Moderna e a ascensão da burguesia, o Capitalismo se afirma como forma de produção mundial , onde o trabalho passa de artesanal para manufaturado e posteriormente para maquinofaturado, sendo o ritmo de produção ditado pela máquina. Portanto surgem novos padrões que entram em conflito com os impostos pela Igreja. Estes ideários, principalmente representados pelo liberalismo e pela afirmação crescente do pensamento científico, reforçam as bases para que se dê a Revolução Francesa e a implantação dos pilares desta revolução social pela indústria automotiva de Henry Ford, aos poucos traz aos deficientes físicos uma oportunidade de trabalho, onde podem exercer certas funções de acordo com suas limitações físicas. Entretanto, essas atividades não beneficiavam o homem como um todo ,pois forçavam os trabalhadores a produzirem de forma seriada, em grande quantidade e sempre da mesma maneira, isto é, sem que necessitassem usar toda a sua capacidade mental e física. Atualmente o capital é tido como o novo “Deus” da humanidade e produzir para o capital consiste na melhor forma de atuar dentro da sociedade. Vive-se hoje em uma realidade que dá mais ênfase à questão do mercado – competitivo e discriminatório - do que à problemas sociais. Isso esclarece a segregação e exclusão de uma parcela significativa da população mundial representada pelos idosos, desempregados, negros, mulheres, deficientes, etc. que são considerados em muitos casos um “peso para o sistema”. É em meio a este contexto que algumas alterações no tratamento de pessoas portadoras de deficiência começam a acontecer. De conceitos e versões grosseiras sobre deficiência e seus “tratamentos” no passado, lentamente a moblilização social passa a oferecer novas concepções, que geram outras atitudes e valores éticos, o que pode produzir novas relações com portadores de necessidades especiais. Segundo SASSAKI (1997,27): Os conceitos são fundamentais para o entendimento das práticas sociais. Eles moldam nossas ações. E nos permitem analisar nossos programas, serviços e políticas sociais, pois os conceitos acompanham a evolução de certos valores éticos, como aqueles em torno da pessoa portadora de deficiência .(...) Os conceitos Inclusivistas surgiram a partir do que hoje poderíamos chamar de Pré-Inclusivistas. O Modelo Médico da Deficiência surge como um desses conceitos e trata o deficiente como um doente que necessita ser curado ou tratado constantemente por outras pessoas o que o caracterizará como uma pessoa “inválida”, incapaz de exercer sua cidadania através de seu trabalho e sua participação dentro da sociedade. Esse conceito mantém sua forte influência até mesmo entre os defensores dos direitos dos deficientes . Também é responsável pela não aceitação da própria sociedade em alterar suas estruturas e atitudes visando a inclusão de pessoas portadoras de deficiência para que estes tenham condições de desenvolver-se em termos pessoais, profissionais e educacionais. Outro conceito é o da Integração Social que começa a surgir com o intuito de vencer a exclusão contra os portadores de deficiência. No final da década de 60 surge o princípio da Normalização que defende a idéia de que todo portador de deficiência tem o direito de experienciar um estilo de vida tido como normal ou comum a sua própria cultura. Por volta dos anos 80 desenvolve-se outro princípio, o de Mainstreaming que procura integrar os alunos deficientes em várias classes comuns sem que ele pertença a nenhuma destas. Esses dois princípios foram importantes para a obtenção de novas experiências e conhecimentos de integração. Neste sentido, o modelo de integração social nada mais é do que a busca de uma inserção do deficiente a uma sociedade que lhe exige certas capacidades para a sua sobrevivência. SASSAKI (1997,34), considera que a integração: (...) tem consistido no esforço de inserir na sociedade pessoas com deficiência que alcançaram um nível de competência compatível com os padrões sociais vigentes.(...) desde que ele esteja de alguma forma capacitado a superar as barreiras físicas , programáticas e atitudinais nela existentes. A integração social não toma a sociedade como responsável principal neste processo, pois é o portador da deficiência que deverá adequar-se à estrutura oferecida, ou seja, deverá moldar-se aos mais diversos procedimentos e papéis sociais que lhe forem exigidos, para que possa ser aceito. No que se refere à Inclusão parte-se da premissa de uma mudança na sociedade como primeira etapa para que o portador de necessidades especiais, seja aluno ou não, possa construir seu desenvolvimento e desempenhar o seu papel de cidadão. O conceito de Inclusão defende a idéia de que todas as crianças podem aprender e fazer parte de uma vida escolar e comunitária. Há uma valorização das singuralidades e uma visão positiva em relação a estas como oportunizadoras de novas aprendizagens. Criar uma realidade inclusiva resulta na mudança de toda a sociedade para que esta possa atender as necessidades de cada indivíduo. A inclusão é para SASSAKI (1997,41): (...) um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui , então, um processo bilateral no qual as pessoas ainda excluídas e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos. Relacionando o processo inclusivo à instituição “ESCOLA” podemos definir que ela será Inclusiva quando procurar educar todos os alunos em salas de aula regulares, isto significa permitir a educação e a freqüência de todos na escola regular ,bem como oferecer a todos uma série de desafios e oportunidades que sejam adequadas às suas habilidades e necessidades. O primeiro passo para a escola ser inclusiva é o reconhecimento e a aceitação das diferenças individuais, pois as necessidades educativas especiais pressupõe outras estratégias de ensino- aprendizagem que não as usadas rotineiramente com a maioria dos alunos. Sobre a Escola Inclusiva STAIMBACK (1999, XII) afirma: (...) Ela é um lugar do qual todos fazem parte, em que todos são aceitos, onde todos ajudam e são ajudados por seus colegas e por outros membros da comunidade escolar, para que as suas necessidades educacionais sejam satisfeitas (STAIMBACK,1999,XII) Segundo a UNESCO (1994.P.61,apud Revista Integração): O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos por meio de currículo apropriado , modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade. A escola Inclusiva se adapta para que todas as crianças, deficientes ou não tenham as mesmas oportunidades de aprendizagem. Incluir é respeitar e aceitar a individualidade, as diferenças de cada um e aprender com elas. Porém, aceitar e respeitar não é suficiente. É necessário criar condições para que a inclusão aconteça para todos. Dentro desse processo existem inúmeras formas de trabalho junto aos alunos especiais. A proposta desta pesquisa foi buscar nos jogos e brinquedos a estimulação de relações interpessoais mais dinâmicas e livres de preconceitos entre alunos – alunos, professores – alunos e funcionários – alunos. A partir da proposta inclusiva, apresentamos um histórico sobre os jogos, as concepções de alguns autores a respeito destes recursos e a análise feita pelas pesquisadoras em função do significado efetivo do jogo dentro do ambiente inclusivo. JOGO E BRINQUEDO: HISTÓRICO, CONCEPÇÕES E ALGUMAS CONCLUSÕES. Os aspectos formativos do jogo foram inseridos tardiamente no universo escolar, visto que sempre foi considerado como uma tarefa desvinculada do trabalho, sendo este o objetivo principal da escola. Entretanto sabe-se que o jogo tem um papel importante nas relações entre brinquedo e trabalho na escola, pois torna concreta a idéia do aprender divertindo-se. Desde a antiguidade o jogo tem um sentido social, muitas vezes vinculado ao aspecto religioso, tendo a simulação lúdica como forma de expressão cultural. Os jogos poderiam destacar-se no teatro, na mímica, na dança e eram efetuados geralmente por escravos que eram assistidos por expectadores. Para os gregos, romanos e astecas o jogo era tido como um espetáculo, um ato oferecido aos deuses como presente. Com o surgimento do cristianismo o jogo passa a ter uma conotação repressiva e controladora, pois tudo era considerado como pecado empobrecendo os ideais lúdicos do jogo e do brinquedo. Para KISHIMOTO (1999, P. 28): Durante a Idade Média o jogo foi considerado “não sério” por sua associação ao jogo do azar, bastante divulgado na época. (...) O Renascimento vê a brincadeira como uma conduta livre que favorece o desenvolvimento da inteligência e facilita o estudo. É uma nova forma de perceber o jogo e a criança passa a ser dotada de valor positivo, de uma natureza boa que se expressa espontaneamente por meio do jogo, perspectiva que irá fixar-se com o romantismo. Através da consciência poética do mundo, esta fase da história humana passa a reconhecer na criança uma natureza semelhante à alma do poeta e a considerar o jogo sua forma de expressão, onde a imitação e a brincadeira são dotadas de espontaneidade e liberdade. No século XVIII passa-se a observar as brincadeiras infantis e a capacidade imitativa da criança, onde o conhecimento desta torna-se via de acesso às origens humanas criando-se uma equivalência entre povos primitivos e a infância para se entender a mesma como a idade do imaginário, da poesia, de forma semelhante aos povos do tempo mitológico. Esta teoria é denominada Recapitulação. Surgem, neste período, novas intenções pedagógicas onde o jogo se expande como elemento do processo educacional por meio dos princípios inovadores, sugeridos por Rosseau, Pestalozzi e especialmente Froebel. Em tempos atuais os estudiosos do assunto tentam equilibrar jogo e educação, para que o contexto formativo não seja superado pelo lúdico, sem que este perca suas características de liberdade, prazer e diversão. Para que se possa entender o papel do brinquedo como fator de desenvolvimento da criança é necessário que se acompanhe sua autogênese desde os primeiros meses do bebê, visto que é nesse período que desperta a necessidade de convivência com a fantasia para que possa reestruturar suas relações com o mundo. (...)o brinquedo oferece ao bebê uma longa série de experiências da etapa do desenvolvimento a que me referi e a todas as posteriores. O brinquedo possui muitas das características dos objetos reais, mas pelo seu tamanho, pelo fato de que a criança exerce domínio sobre ele, pois o adulto outorga-lhe a qualidade a algo próprio e permitido, transforma-se no instrumento para o domínio de situações penosas, difíceis, traumáticas, que se engendram na relação com os objetos reais. Além disso, o brinquedo é substituível e permite que a criança repita, à vontade, situações prazenteiras e dolorosas que, entretanto, ela por si mesma não pode reproduzir no mundo real.(ABERASTURY, 1992 p.15). Quando a criança passa a exercer papel social dentro da escola, muitas de suas experiências são novamente vivenciadas dentro das brincadeiras. A observação realizada identificou os objetivos educacionais, bem como, a relação das crianças entre si durante os jogos e brincadeiras. Em cada brinquedo sempre se esconde uma relação educativa. Ao fazer seu próprio brinquedo, a criança aprende a trabalhar e a transformar elementos fornecidos pela natureza ou materiais já elaborados, constituindo um novo objeto, seu instrumento para brincar. Outras vezes, ela se aproveita de artigos nem de longe concebidos como brinquedo, adaptando-se às suas necessidades e experiências lúdicas.(OLIVEIRA, 1984 p.48). Para a criança, a brincadeira é a melhor maneira de se comunicar, um meio para perguntar e explicar, um instrumento que ela tem para se relacionar com outra criança. Para MARINHO (1992), a presença do amor e da agressão nas brincadeiras infantis correspondem às tentativas de descoberta do EU da criança. Portanto, o amor e a agressão são componentes estruturantes na formação da sua personalidade. Além de ser um espaço de conhecimento sobre o mundo externo, é na brincadeira que a criança também pode conviver com seus sentimentos internos. A presença da agressividade, portanto, não deve ser censurada; pelo contrário, é importante que seja preservado esse espaço para que a criança possa expressar seus sentimentos em momentos em que não está realmente zangada, pois embora possa haver conflitos entre o amor e o ódio, ela sabe que esse espaço é o da brincadeira e que pode terminar o jogo no momento que quiser. Enquanto o adulto interpreta o brinquedo como uma fuga dos problemas e da rotina desgastantes do dia a dia, onde ele relaxa e esquece das obrigações, a criança utiliza o brinquedo para experimentar o mundo, saciar a curiosidade, aprender a vencer seus medos, enfim, desenvolver-se criativamente para enfrentar novas situações que a interessem. A criança está aprendendo a viver no mundo dos adultos, age “como se fosse” o objetivo da brincadeira. A brincadeira é um espaço de aprendizagem onde a criança atua além do seu comportamento cotidiano e das crianças de sua idade. Na brincadeira, ela age como se fosse maior do que é, realizando simbolicamente o que mais tarde realizará na vida real. A riqueza do brinquedo decorre de sua capacidade de instigar a imaginação infantil. E não, como muitos acreditam, da possibilidade de imitação de gestos, informações, atitudes e crenças vinculadas na situação de brinquedo.(OLIVEIRA, 1984 p.67). O brinquedo ajuda a criança a descobrir-se como ser único e que merece atenção. O brinquedo também participa de seus momentos mais dolorosos. Serve como catalisador de um sentimento de raiva, frustração ou perda. Os sentimentos negativos não são bem compreendidos pelas crianças, exceto quando brincam, pois ali, na brincadeira não precisam sentir-se culpadas pelo medo ou raiva que guardam consigo. O brinquedo as ajuda a elaborar papéis que terão de exercer no futuro. É uma invasão ao mundo dos adultos, mas com aspecto desinteressado que só a imaginação pode oferecer. O brinquedo é instrumento que lhes possibilita a expressão criativa de seus sentimentos em relação ao mundo que as rodeia e que ainda não compreendem. Segundo BETTELHEIM (1988),o brincar da criança não está somente apoiado no presente, mas paralelamente responde questões do passado e tenta projetar-se no futuro. Se uma menina brinca com bonecas, pode estar não só resolvendo conflitos atuais como também antencipando um futuro papel a ser vivido no futuro. O brincar de boneca sugere a representação de sentimentos às vezes, antagônicos, como o amor pela mãe e o ciúmes de um irmão. Através dessa expressão lúdica a criança poderá extravasar seu conflito de forma saudável, sem sentir-se culpada por demonstrar seus sentimentos negativos. A atividade lúdica infantil inclui também brincadeiras que não têm qualquer técnica em particular, sendo simples exercícios. Pode-se notar que, desde quando são bem pequenas, ainda bebês, as crianças se dedicam a jogos de repetir ações como sacudir um chocalho, balançar objetos pendentes sobre o berço ou jogá-los no chão repetidas vezes. O movimento repetido exerce profundo fascínio nesta fase. Afirma-se com isso que os jogos de exercício são a primeira forma de brincadeira da criança. Através dos jogos de regras, a criança cria condições de superar as próprias limitações, visto que a repetição provoca a segurança de que aprendeu o exercício, logo depois passa a explorar novo exercício até conseguir dominá-lo e novamente expandir sua capacidade. Os jogos como “faz-de-conta” abrem espaço, progressivamente, para os jogos com regras. O jogo com regras é, por isso, a atividade do ser socializado, sendo muito difícil para uma criança de três ou quatro anos participar de um deles. O jogo é uma ação livre, sentida como fictícia e situada fora da vida comum, capaz não obstante, de absorver totalmente o jogador, ação despojada de qualquer utilidade que se realiza num tempo e num espaço estritamente definidos; desenvolve-se com ordem, segundo regras estabelecidas e suscita, na vida, relações de grupo que, saborosamente, se rodeiam de mistério ou que acentuam mediante o disfarce o quão estranhos são ao mundo habitual.(LEBOVICI E DIATKINE, p.14). Para VYGOTSKY (1984),o brincar é definido pela situação imaginária criada pela criança, e que tende a suprir necessidades que mudam conforme a idade. Com o crescimento surgem novas necessidades que poderão ser satisfeitas através da capacidade imaginária da criança. Vygotsky entende a brincadeira como uma atividade movida pela imaginação, atividade consciente, que se desenvolve conforme seu crescimento. Isto significa que as crianças muito pequenas ainda não possuem tal capacidade. Vygotsky dá importância à ação e ao significado no brincar. Segundo ele, uma criança com menos de três anos não consegue envolver-se em uma situação imaginária, pois é só brincando que ela pode começar a compreender o objeto não da forma que ele é, mas como gostaria que fosse. É na brincadeira que o objeto perde sua característica real e passa a ter o significado que lhe dão. Já na idade escolar torna-se uma atividade mais limitada que possui um papel específico e tem um significado diferente, do dado por uma criança menor. É visto com isso, que o brinquedo cria relações do imaginário com o real. A criança só desenvolve a consciência de se EU a partir da consciência que tem do OUTRO e também a partir da linguagem, que lhe propicia subsídios para interagir com o mundo que deseja descobrir. A consciência não está dada desde o início e não surge espontaneamente da natureza: a consciência é gerada pela sociedade, nela se produz. Portanto, é possível formular uma teoria materialista da criatividade, contanto que se leve em conta que é a ação criativa social o ponto de partida, e que a imaginação é produto do meio e não de mentes prima pela aprendizagem essas aquisições se encontram unidas a todos os problemas relativos à construção sensório-motora e mental .(NEGRINE, 1994, p.32 –33) Para Wallon (NEGRINE, 1994,p. 29- 30) : O jogo para as crianças é expansão , e nesse sentido, se opõe à atividade “séria” que é o trabalho. (...) A compreensão infantil é tão somente uma simulação que vai do outro a si mesmo, e de si mesmo ao outro. A imitação como instrumento dessa fusão representa uma ambivalência que explica certos contrastes nos quais o jogo encontra alimento. Segundo BROUGÈRE (1998, 114 ) são duas as concepções que estão presentes na recreação escolar: Na primeira, reconhece-se um valor educativo ao jogo, sob a reserva de não deixá-lo à espontaneidade da criança na outra consiste em conceber este momento de liberdade concedida à criança como um momento educativo enquanto tal e sem qualquer intervenção adulta, especialmente nos níveis físico e social: Ao estudar o brinquedo e os materiais pedagógicos, enquanto estruturadores do conhecimento e do saber, pode-se chegar a diversas conclusões. Brinquedos, jogos e materiais pedagógicos não trazem em seu contexto um conhecimento pronto e definido, trazem ao contrário, um conhecimento potencial que pode ou não ser descoberto pelo aluno. Todo o material pedagógico não deve ser contemplado como algo igual para todos. É , na verdade , um recurso dinâmico que altera-se em função do simbolismo e da imaginação de quem o utiliza. O aspecto interpessoal do material lúdico pode ser positivo, desencadeando novas relações sociais entre as pessoas, ou negativo, podendo causar estagnação entre relações de outro grupo social. Cada material pedagógico carrega consigo uma carga histórica não só dos que o utilizam (professor- aluno) como também da cultura de uma determinada época. Chegamos, enfim, a algumas conclusões sobre o uso de jogos e brinquedos em sala de aula com alunos incluídos, partindo de atividades em oficinas pedagógicas com turmas comuns. · AUMENTO CONSIDERÁVEL DA ORALIDADE DOS ALUNOS: · A escola orienta suas atividades na forma de trabalho e seriedade que ela própria corporifica (...) O trabalho resulta em respostas “certas”, “corretas”. (...) Em minha vida, · Influenciados pelas dinâmicas de grupo onde eram introduzidos os jogos, muitos foram os casos de crianças que elevaram consideravelmente seu vocabulário e suas manifestações orais junto aos colegas, não apenas em casos de crianças incluídas, mas também aquelas crianças que geralmente pouco se manifestam dentro da sala de aula. · A timidez de um aluno - que muitas vezes é reforçada pelo professor como em atitudes de chamar sua atenção frente aos colegas da classe - durante as aplicações dos jogos foi reduzida em grande parcela, pois através do jogo a criança não se sente constrangida e nem ameaçada, afinal ela está simplesmente participando de uma brincadeira com seus colegas e não há motivo algum para se envergonhar. · MAIOR CAPACIDADE DE CONCENTRAÇÃO: · Uma das principais características do jogo e do brinquedo é a grande aceitação em sala de aula em relação a outros recursos metodológicos como: livros ,quadro-negro, folhas mimeografadas, etc. · Isso se deve ao simples fato de que o jogo e o brinquedo, como todo material concreto, é facilmente assimilado pela criança. · Sendo assim, percebemos que a partir de um jogo, o tema no qual o professor deseja trabalhar, será melhor aceito pelos alunos, já que a concentração dos mesmos estará diretamente voltada ao assunto em questão. Procuramos, portanto, adequar os jogos aos conteúdos que estavam sendo apresentados aos alunos, servindo também como atividades de fixação. · MAIOR COOPERAÇÃO ENTRE COLEGAS: · que geralmente percebe-se entre colegas é sentimento de competição e rivalidade, isto se explica pelo fato de vivermos em um mundo competitivo, onde somos educados, desde crianças, para sempre sermos os melhores e os mais fortes. · No entanto, com a aplicação dos jogos houve mais interação entre os colegas e um maior sentimento de união. Sendo a característica metodológica principal dessa pesquisa o fato de não retirarmos os alunos com necessidades especiais da sala de aula para levá-los para as salas de recursos, observamos o surgimento de reações polêmicas e de resistência por parte de alguns profissionais da área de Educação. O objetivo principal desse projeto de pesquisa é investigar o significado do jogo e do brinquedo como alternativa válida ou não dentro do processo inclusivo. Houve portanto, muitas resistências em várias escolas ,o que percebemos nas avaliações realizadas. Os jogos foram explorados de diversas formas em várias ocasiões, de acordo com a realidade percebida pelas pesquisadoras. Isto significa que um jogo pôde Ter suas regras modificadas quando necessário para atendermos aos interesse de um ou outro grupo. Tomamos o cuidado também de adequarmos nossos jogos a cada necessidade especial, para evitar constrangimento às crianças que, por exemplo, tivessem uma limitação que as impedisse de jogar. Sabe-se que cada indivíduo, seja portador ou não de alguma necessidade especial, possui alguma dificuldade que se destaca em relação ao outro. Por esta razão, nossa pesquisa conclui que a melhor forma de trabalhar com o aluno incluído é dentro da sala de aula, com toda a turma, pois é através de um jogo adaptado às necessidades especiais deste aluno, que ele terá chances de se destacar frente aos demais ,ser respeitado e visto como alguém capaz de participar e, porque não dizer, de superar suas dificuldades. As crianças incluídas tiveram uma sensível valorização de sua auto-estima e seus atos passaram a Ter maior consideração perante seus colegas. Não notamos em nenhum momento, qualquer comportamento discriminatório por parte das crianças tidas como “normais” aos colegas especiais. Fica claro que este é um longo caminho a ser percorrido e que transformar a sala de aula em um local aberto à ludicidade é uma tarefa bastante árdua, em vista da própria formação docente, das condições estruturais das instituições e da visão equivocada de que brinquedo é tudo menos coisa séria. É necessário que o jogo deixe de ser visto apenas como um recurso de emergência no final de uma aula conturbada para ocupar o seu papel principal: ser o eixo do processo inclusivo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ABERASTURY, A. 1992. A Criança e Seus Jogos. (2), Porto Alegre, Artes Médicas, 88p. BETTELHEIM, B. 1988. Uma Vida para seu Filho. Rio de Janeiro, Campus. BIANCHETTI, L .& FREIRE, I . M.. . Um Olhar Sobre a Diferença. Porto Alegre, Papirus, 221 p. BROUGÉRE, G. 1998. Jogo e Educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 218 p. CARVALHO, R. E. 1998. A Nova LDB e a Educação Especial. (2), Rio de Janeiro, Editora WVA,142 p. _______________________ 1998. Temas em Educação Especial. Rio de Janeiro, Editora WVA,194 p. COLL, C. e PALÁCIOS, J. e MARCHESI, A. 1995. Desenvolvimento Psicológico e Educação. Necessidades Educativas Especiais e Aprendizagem Escolar. (3), Porto Alegre, Artes Médicas. GIL, J. P. A . 1999. Para além do Jogo. Tese de Doutorado, Santa Maria, UFSM. JOVER, A. 1999. Inclusão: Qualidade para Todos. Revista Nova Escola, São Paulo. KISHIMOTO, T. M. 1999. Jogo, Brinquedo, Brincadeira e Educação. (3), São Paulo, Cortez Editora, 183 p. MARINHO, R. 1992. Professor da Pré-Escola. (2), São Paulo, Vol I. NEGRINE, A . 1994. Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil: Simbolismo e Jogo. (1), Porto Alegre, Prodil. OLIVEIRA, P. S. 1984. O que é Brinquedo?. (2), São Paulo, Brasiliense. SCHWARTZ, G. M. 1998. O Processo Educacional em Jogo: Algumas Reflexões Sobre a Sublimação de Lúdico. Licere Revista do Centro de Estudos de Lazer e Recreação (1) EEF/UFMG, Minas Gerais. SASSAKI, R. K. 1997. Inclusão: Construindo uma Sociedade Para Todos. Rio de Janeiro, Editora WVA, 174 p. SANTOS, M. P. 2000. Educação Inclusiva e a Declaração de Salamanca: Conseqüências ao Sistema Educacional Brasileiro. In Revista Integração, nº 22, MEC. Secretaria de Educação Especial. SKLIAR, C. 1997. Educação e Exclusão: Abordagens sócio-antropológicas em Educação Especial. (2), Porto Alegre, Mediação , 153 p. STAIMBACK, S. & W. STAIMBACK , 1999. Inclusão: Um guia para Educadores. Porto Alegre, Artes Médicas, 451 p. Cadernos :: edição: 2003 - N° 22 > Índice > Artigo Atenção à diversidade e qualidade do ensino César Coll . Apresentação Em agosto de 2003, nos dias 21, 22 e 23 foi realizado em Porto Alegre o “SEMINÁRIO INTERNACIONAL CONSTRUINDO O CONHECIMENTO EM DIVERSIDADE”. O evento foi promovido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRSRS, com participação da Associação Gaúcha de Apoio às Altas Habilidades/ Superdotação (AGAAHSD), Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas Portadoras de Deficiência e Altas Habilidades no RS (FADERS), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/Campus Guaíba). Teve o apoio Editora Artes Médicas, Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul, Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre e Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul. O evento foi coordenado pelo Prof. Dr. Claus Dieter Stobäus, da Faculdade de Educação de PUCRS. O Seminário teve a presença do professor e pesquisador espanhol da Universidad de Barcelona César Coll. O Doutor Coll, uma autoridade mundial em Psicologia e Educação, proferiu duas conferências sobre os temas: “Práticas de avaliação e construção de conhecimento na aprendizagem escolar” e “Atenção à diversidade e qualidade de ensino”. Na conferência “Atenção à diversidade e qualidade de ensino”, o autor faz uma profunda reflexão sobre como a escola pode enfrentar desafios e atender a diversidade com qualidade. Esta conferência foi coordenada e comentada pela Profª. Drª. Maria Inês Naujorks, que faz a introdução a seguir. A revista Cadernos de Educação Especial, tem o privilégio de apresentar, na íntegra, a reflexão desenvolvida pelo Dr. César Coll. Prof. Reinoldo Marquezan, Presidente da Comissão Editorial Introdução César Coll inicia a conferência destacando a problemática do fracasso, do abandono e evasão escolar como um fenômeno mundial. Este fato é indicador da baixa qualidade da Educação. Alguns grupos sociais são mais atingidos. A escola, para atender os distintos grupos sociais, deve identificar os diferentes constructos que interferem na aprendizagem e que podem ser de natureza cognitiva, emocional, afetiva, conativa, entre outras. Para que se efetive a aprendizagem o autor afirma que deve ocorrer um complexo atitudinal envolvendo todos esses constructos. Considera três concepções sobre a natureza das características individuais da aprendizagem: estática, onde a aprendizagem é determinada geneticamente; situacional, onde o meio determina a aprendizagem e interacionista, onde o equipamento genético e as experiências educacionais interagem . Questiona a respeito de como alcançar o maior grau de ajuste possível entre, por um lado, educação e ensino e, por outro, as características individuais. Destaca que não devemos confundir necessidades específicas de aprendizagem com necessidades educacionais especiais. Todos os alunos, segundo o autor, têm necessidades específicas de aprendizagem. Já em relação às necessidades educacionais especiais, o especial deve centrar-se na ação pedagógica a ser utilizada para atender as demandas educacionais do aluno. Respondendo ao questionamento anterior, isto é, como ajustar o ensino às características e demandas individuais do aluno, contemplando a diversidade, o autor do Ensino Adaptado. Para que o ensino adaptado seja coerente e articulado, a escola necessariamente deve implementar algumas ações importantes. 1. Estrutura e organização do ensino. (O que em nossa realidade seria a elaboração e implementação do Projeto Político Pedagógico da Escola); 2. Ordenação curricular do ensino; 3. Organização do ensino na escola. (Nesta ação o autor destaca a importância da função de tutoria, o que em nossa realidade seria o ensino individualizado); 4. A ação educativa/docente em sala de aula. O ensino adaptado deve ser destinado a todos os alunos já que todos apresentam dificuldades específicas de aprendizagem. Entretanto alguns desafios devem ser vencidos. Esta modalidade de ensino exige muito dos professores e das escolas. Os professores devem ser capazes de distinguir em que aspectos os alunos são diferentes e qual a natureza e o alcance dessas diferenças. Deve também conseguir ajustar à ação educativa às diferenças individuais. Já as escolas devem ser capazes de gerar mais recursos pois o ensino adaptado é muito dispendioso, o que se transforma em um obstáculo para sua implantação. A organização dos aspectos didáticos e o desenvolvimento de metodologias específicas em sala de aula requer ainda muitos estudos e pesquisas, a muito o que se produzir neste sentido. A organização curricular tradicional dificulta o ensino adaptado, pois currículos amplos com volume excessivo de conteúdos dificultam a implementação de estratégias que respondem à diversidade. A limitada capacidade da escola de implementa o ensino adaptada decorre, em parte, da falta de políticas públicas eficientes, capazes de suprir as demandas necessárias para este fim. (formação continuada de professores, recursos materiais, debate social sobre a qualidade de ensino na escola básica entre outros). Finalizando, o autor refere que as políticas públicas para a educação básica não devem apenas se preocupar em garantir o acesso à escola. A permanência neste implica em um ensino adaptado contemplando as diferenças individuais, tornando cada vez mais democrático a todos os alunos. Apesar da dúvidas serem muitas e poucas as certezas, estas reflexos contribuirão para que repensemos a função social da escola acreditando que ela possa ser um espaço de inclusão e cidadania. Profª Drª. Maria Inês Naujorks, professora adjunta do Departamento de Educação Especial e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maira. Tópicos: Introdução; Anotações sobre a qualidade do ensino na educação básica; A diversidade dos alunos: natureza, âmbitos e alcance; Os sinais educativos diante da diversidade dos alunos; Medidas e vias de atenção à diversidade no quadro de um ensino adaptador; Considerações finais: alcance e dificuldades de um ensino adaptador. Tese: A qualidade de um sistema educativo está estreitamente relacionada – sobretudo nos níveis correspondentes à educação básica – à sua capacidade de satisfazer as necessidades educativas e de formação de todos os alunos; ou seja, à sua capacidade de diversificar e de ajustar a ação educativa às características individuais e à ampla gama de capacidades, interesses e motivações demonstrados por alunos e alunas diante da aprendizagem escolar. Essa tese encontra sua justificativa em uma série de argumentos relativos: - À função da educação básica na sociedade atual e ao conceito de qualidade da educação; - À natureza e ao alcance da diversidade dos alunos e aos âmbitos dessa diversidade mais relevantes para a aprendizagem escolar; - Aos processos psicológicos envolvidos na aprendizagem escolar e no ensino; - Às estratégias de enfrentamento da diversidade dos alunos pelos sistemas de educação formal e escolar. 1. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA QUALIDADE DO ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA Interesse e preocupação crescente pela qualidade do ensino, com uma forte inclinação a identificá-la com os resultados e com o nível de aprendizagem alcançado pelos alunos. “Desde o início da década de 90, as políticas nacionais em matéria de educação caracterizam-se por uma preocupação crescente com a qualidade e a pertinência, especialmente no que se refere à educação básica. muitos acham que os sistemas educativos não funcionam de maneira satisfatória e que fazem o que deveriam fazer para que os alunos aprendam corretamente o que devem aprender e para que estejam bem preparados para assumir futuramente as responsabilidades que lhes caberão como adultos nas famílias, no trabalho, na comunidade e na sociedade em gera”. (Informe Mundial sobre a Educação da UNESCO, correspondente a 1998.) A preocupação com a qualidade tem sua origem, em boa parte, em fatores como: - A persistência de taxas relativamente elevadas de abandono, faltas e fracasso escolar em todos os países; - A constatação de que a generalização do acesso à educação básica não implicou uma democratização efetiva da educação: correlação estatística entre os resultados escolares e a origem sociocultural dos alunos; - A pressão para adaptar-se a um ambiente econômico cada vez mais competitivo, como conseqüência do novo cenário internacional – globalização, sociedade da informação – e a convicção de que nesse cenário o nível de formação da população é um fator estratégico de primeira ordem. A preocupação não é apenas com a qualidade, mas também com a relevância: o que os alunos devem aprender e o que se deve ensinar a eles para que possam assumir e exercer plenamente seus direitos e suas responsabilidades como adultos em sociedades democráticas? - Forte vinculação da qualidade com o rendimento escolar: os níveis de aprendizagem dos alunos como indicador de qualidade do ensino e, por extensão, da qualidade do sistema educativo em seu conjunto. Qualidade e rendimento escolar: de que conceito de qualidade estamos falando? O conceito de qualidade remete à idéia de perfeição ou excelência no desempenho ou no cumprimento de uma função. Qual é a função da educação básica que um sistema educativo deve cumprir com perfeição, com excelência, para ser considerado “de qualidade”? A resposta a essa pergunta é de natureza especialmente ideológica no sentido de que é tributária de uma certa maneira de entender as relações entre a educação e a sociedade ou, mais concretamente, entre a educação básica e a organização e funcionamento da vida social. Dois modelos distintos de relações entre educação e sociedade: - A educação básica como instrumento para conseguir o maior ajuste possível entre as características e disposições “naturais” dos alunos – capacidade de aprendizagem, motivações, interesses, expectativas, etc. – suas trajetórias pessoais e profissionais e as necessidades da ordem socioeconômica imperante. - A educação básica como instrumento compensador das diferenças individuais e das diferenças sociais, econômicas e culturais de origem dos alunos, como fator de mobilidade e progresso social e como instrumento de coesão e integração social. Dois conceitos distintos de qualidade: - A qualidade entendida como a capacidade do sistema educativo de adequar as trajetórias pessoais e profissionais dos alunos às necessidades da ordem socioeconômica imperante, com uma preocupação especial com a seleção e a promoção dos alunos “naturalmente predestinados” a ocupar os postos de maior responsabilidade. - A qualidade entendida como a capacidade do sistema educativo de “planejar, proporcionar e avaliar o currículo ótimo (entendido como o conjunto de experiências de ensino e aprendizagem) a cada aluno no contexto de uma diversidade de alunos que aprendem” (Wilson, 1992). Duas avaliações distintas do rendimento escolar como indicador da qualidade: - A comparação dos níveis médios de rendimento escolar dos alunos como medida da qualidade do ensino oferecido por um sistema educativo, por uma escola ou por um professor em particular. - O “valor acrescentado” – diferencial de rendimento entre o nível inicial e o nível final – do ensino oferecido por um sistema educativo, uma escola ou um professor em particular como medida da capacidade do sistema de compensar as diferenças individuais, sociais, econômicas e culturais de origem dos alunos, e como indicador de qualidade. 2. A DIVERSIDADE DOS ALUNOS: NATUREZA, ÂMBITOS E ALCANCE As aproximações psicológicas e psicopedagógicas ao estudo da diversidade dos alunos e de sua incidência sobre a aprendizagem (Cool e Miras, 2001). Os âmbitos ou dimensões do funcionamento psicológico em que se produzem as diferenças entre os alunos com maior incidência sobre a educação e a aprendizagem escolar; - Os pressupostos básicos sobre a natureza e o alcance das diferenças entre os alunos; - Os propósitos e as intenções do estudo das diferenças; - As fontes das diferenças. Âmbitos de diversidade com maior incidência sobre a aprendizagem escolar: - Prioridade aos fatores e aos processos cognitivos e à sua incidência sobre os resultados da aprendizagem dos alunos: inteligência, aptidões intelectuais, amplitude e organização dos conhecimentos específicos de domínio, estratégias de aprendizagem, conhecimentos e habilidades metacognitivas, etc. - Processos e fatores afetivos e emocionais: motivação e tipos de motivos e de metas diante da aprendizagem escolar, enfoques de aprendizagem, expectativas, autoconceito acadêmico e auto-estima, padrões atributivos dos êxitos e fracassos na aprendizagem, etc. (Gustafsson e Undheim, 1996; Snow, Corno e Jackson III, 1996) Taxonomia dos fatores e de processos psicológicos em torno dos quais se configuram as características individuais dos alunos (Corno e Snow, 1986; Corno, Snow e Jackson III, 1996). - O âmbito do cognitivo: conhecimento declarativo e conhecimento procedimental (aptidões mentais gerais e específicas, destrezas intelectuais, conhecimentos específicos de domínio, estratégias, táticas, crenças, etc.); - O âmbito afetivo: temperamento e emoção (aspectos temperamentais, disposições de ânimo, fatores de personalidade gerais e específicos, valores e atitudes, etc.); - O âmbito do conativo: motivação e volição (mecanismos de controle da ação, orientação para o êxito, orientação para si mesmo e para os outros, orientação para a carreira, estilos pessoais, interesses, etc.); Os alunos abordam as situações de aprendizagem escolar equipados com complexos atitudinais, integrados por fatores e processo pertencentes a esses três âmbitos, que incidem de maneira coordenada e complementar sobre: - A qualidade da aprendizagem (fatores e processos cognitivos); - A qualidade da aprendizagem (fatores e processos afetivos); - A direção e o controle da aprendizagem (fatores e processos conativos). - As características dos alunos vinculadas ao âmbito cognitivo não são, em absoluto, as únicas que influem nos processo e nos resultados da aprendizagem escolar. - Nenhuma característica dos alunos por si só e isolada das outras é determinante para a aprendizagem escolar. Pressupostos básicos sobre a natureza das características individuais ........................... 3. OS SISTEMAS EDUCATIVOS DIANTE DA DIVERSIDADE DOS ALUNOS Como conseguir o maior grau de ajuste possível entre a educação e o ensino, por um lado, e as características diferenciais dos alunos, por outro? - A seleção dos alunos; - A diversificação de objetivos e conteúdos e segregação dos alunos em vias formativas diferenciadas; - Adaptação do tempo de aprendizagem; - Compensação de carências e dificuldades de aprendizagem; - Ensino adaptador. A seleção dos alunos capazes: - Existem alunos que possuem as aptidões necessárias para a aprendizagem escolar e outros que não, e neste último caso não há muito o que fazer; - A consideração da diversidade dos alunos consiste em identificar – diagnosticar – aqueles que, por falta de aptidões, não poderão aproveitar sua escolarização – ou desde o início ou a partir de um certo nível –, e afastá-los do sistema ordinário para não desperdiçar recursos e esforços. - Essa estratégia foi abandonada “oficialmente” na educação básica, mas continua vigente nos níveis educativos posteriores e está fortemente enraizada na psicologia intuitiva. É o reflexo de uma concepção estática das diferenças individuais. A diversificação de objetivos e de conteúdos: - Compactua com a idéia de que existam alunos que não dispõem das capacidades para atingir os objetivos e para aprender os conteúdos estabelecidos em caráter geral; - A reação diante da diversidade dos alunos consiste em identificar – diagnosticar – as capacidades dos alunos e em orientá-los para vias formativas com objetivos e conteúdos diferenciados e ajustados às suas capacidades; - Na educação básica, essa estratégia está na base de modelos de ensino segregado ou diferenciado. Nos níveis educativos posteriores continua plenamente vigente. Responde basicamente a uma concepção estática das diferenças individuais. A adaptação do tempo de aprendizagem: - Postula que, do ponto de vista educativo, a diferença mais importante entre os alunos reside no ritmo e na rapidez com que conseguem aprender os conteúdos escolares; - A consideração da diversidade dos alunos consiste em adaptar o tempo dedicado às atividades educativas ao ritmo e à rapidez de aprendizagem dos alunos; - Essa estratégia está na base da prática das repetições de séries (permanência dos alunos no mesmo ciclo ou série quando não atingem os objetivos estabelecidos em caráter geral para todos os alunos). Integra elementos das concepções estática e ambiental das diferenças individuais. A compensação de carências e dificuldades: - Postula que alguns alunos, por suas características individuais – incapacidades psíquicas, sensoriais, motrizes, transtornos de personalidade – ou pelo ambiente sociocultural do qual provêm, apresentam carências e limitações para a aprendizagem; - A consideração da diversidade dos alunos consistem em compensar, mediante tratamentos educativos específicos, essas carências e limitações; - Essa estratégia está na base das atividades ou classes de recuperação e dos programas de educação compensatória. Integra elementos das concepções ambiental e interacionista das diferenças individuais. O ensino adaptador: - Todos os alunos, independentemente de suas características pessoais e de sua origem sociocultural, devem ter acesso, durante a educação básica, às experiências educativas consideradas essenciais para o seu desenvolvimento e sua socialização; - A consideração da diversidade dos alunos consiste em uma adaptação das formas de ensino em função de suas características individuais, mas preservando os mesmos objetivos e conteúdos; - A adaptação das formas de ensino deve contemplar todos os níveis e fases do projeto, do planejamento e do desenvolvimento da ação educativa. É o reflexo de uma concepção interacionista das diferenças individuais. Ensino adaptador e aprendizagem escolar: O ensino adaptador é coerente com - Uma visão da aprendizagem escolar como o processo de construção de significados e de atribuições de sentido – com seus avanços e retrocessos, com seus bloqueios e dificuldades, que os alunos realizam sobre os conteúdos escolares; - Uma visão do ensino como o conjunto de ajudas que professores e colegas proporcionam aos alunos, em cada momento do processo de construção, e graças aos quais podem continuar avançando em sua aprendizagem. - Na perspectiva construtivista de orientação sociocultural, o ensino adaptador não é um valor acrescentado ao ensino, mas sim um meio pelo qual o ensino, entendido como ajuda, torna-se possível. Construção do conhecimento, ensino adaptador e necessidades educativas especiais: - Todos os alunos requerem ajudas específicas para aprender; todos têm necessidades educativas específicas que devem ser satisfeitas para avançar em sua aprendizagem; - Alguns alunos têm necessidades educativas que só podem ser satisfeitas mediante a utilização de recursos especializados ou variações importantes no planejamento, na organização e no desenvolvimento das formas de ensino: neste caso, falamos de necessidades educativas especiais. O que é “especial” nas NEE não são os alunos, mas sim as formas de ensino – recursos, organização, apoios, ajudas, etc. – utilizadas para satisfazê-las. 4. MEDIDAS E VIAS DE ATENÇÃO À DIVERSIDADE NO QUADRO DE UM ENSINO ADAPTADOR Exigir a atenção à diversidade sobre o princípio que rege a ação educativa obriga a tomar decisões que favoreçam a adaptação do ensino à diversidade dos alunos em todos os níveis que intervêm na configuração das práticas educativas escolares: desde a ordenação e a organização dos ensinos até o desenvolvimento de atividades de aprendizagem na sala de aula, passando pelos níveis intermediários de planejamento e decisão. Estrutura e organização dos ensinos - Estabelecer um currículo essencialmente comum para todos os alunos durante a educação básica; - Postergar a separação dos alunos em vias educativas diferenciadas ao final da educação básica. Ordenação curricular dos ensinos - Adotar um modelo de currículo aberto e flexível que permita uma ampla margem de adaptação às escolas e aos professores; - Postergar as decisões sobre creditação ao final da educação básica, e vincular as decisões sobre promoção/repetência a razões pedagógicas. Organização dos ensinos na escola Medidas ordinárias de atenção à diversidade: - Adaptação do currículo às características dos alunos da escola (Projeto Curricular da Escola) - Alunos da escola (Projeto Curricular da Escola) Medidas específicas de atenção à diversidade: - Plano de ação tutorial - Plano de orientação acadêmica e profissional Medidas extraordinárias de atenção à diversidade: - Agrupamentos flexíveis: desdobramentos, reforços, etc. - Decisões sobre promoção/repetência - Modalidades de integração dos alunos com NEE - Programas de diversificação curricular A ação Educativa na sala de aula Medidas ordinárias de atenção à diversidade: - Atividades de ensino e aprendizagem diversificadas e diversificáveis - Materiais didáticos e curriculares diversificados e diversificáveis - Conjunto de ajudas e apoios variáveis, em quantidade e qualidade, na realização das atividades Medidas extraordinárias de atenção à diversidade - Adaptações curriculares significativas de alcance individual - Adaptações curriculares significativas de alcance grupa A chave da maior ou menor capacidade de um sistema educativo de satisfazer as necessidades educativas de um grupo de alunos diversificado quanto a capacidades, motivações e interesses não reside em nenhuma dessas medidas ou vias em particular, mas sim na articulação de todas elas em uma estratégia de conjunto caracterizada - pela consideração das características mais relevantes dos alunos nos âmbitos cognitivo e conativo em uma perspectiva acorde com a concepção interacionista das diferenças individuais; - pela incorporação da idéia de que a função irrenunciável da educação básica é facilitar a todos os alunos e alunas, sem exceção, o acesso às experiências educativas e às aprendizagens consideradas essenciais para o seu desenvolvimento e a sua socialização; - pela continuidade, coordenação e coerência das atuações e decisões que se situam nos diferentes níveis de configuração das práticas educativas escolares: desde a organização e a estrutura do sistema educativo até a ação educativa na sala de aula; - pela existência de recursos especializados na atenção à diversidade – serviços ou equipamentos de orientação educativa e psicopedagógica – que apóiem as escolas, os professores e os alunos nos casos mais complexos e extremos de necessidades educativas especiais; - pela persistência, nos âmbitos da escola e da sala de aula, das medidas e vias mais “normalizadas” (comuns e específicas) antes de aplicar as mais segregadoras (extraordinárias); 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O ALCANCE E AS DIFICULDADES DE UM ENSINO ADAPTADOR O ensino adaptador não tem como foco unicamente os alunos com dificuldades de aprendizagem ou com necessidades educativas especiais; todos os alunos devem ser objeto de uma adaptação das formas de ensino que lhes permita avançar ao máximo em sua aprendizagem. O ensino adaptador exige muito dos professores, mas também da administração educativa e da sociedade, que devem garantir aos professores e professoras condições de trabalho (espaços, tempos, instalações, reconhecimento etc.) e os recursos específicos (de formação, serviços especializados, materiais, etc.) de que necessitam para adaptar as formas de ensino á diversidade dos alunos. A maior parte das medidas e vias de atenção à diversidade que se utilizam atualmente nas escolas são do tipo organizativo, enquanto que aquelas relacionadas à metodologia do ensino na sala de aula ainda são muito limitadas e pouco exploradas. Algumas tradições pedagógicas baseadas na organização do currículo em torno de matérias e disciplinas acadêmicas, e que utilizam fundamentalmente metodologias próprias de uma formação especializada (expor, ouvir, tomar notas, fazer provas), são particularmente refratárias à implantação de um ensino adaptador. A existência na educação básica de currículos excessivamente amplos quanto ao número de disciplinas e matérias e ao volume dos conteúdos constitui-se em um sério obstáculo ao ensino adaptador. A capacidade das escolas de atender satisfatoriamente às necessidades educativas extremas de alguns grupos de alunos é claramente limitada. Esses alunos requerem, muitas vezes, uma atenção em diversos âmbitos (social, sanitário, cultural, familiar, etc.) que vai além das possibilidades reais de atuação e de compensação da educação escolar e exige a implementação de políticas mais amplas, que incluam a educação, mas que não e limitem a ela. Considerações introdutórias Referências bibliográficas COLL, C. (2002). La atención a la diversidad en el proyecto de Ley de calidad o la consagración del “orden natural de las cosas”. Aula de Innovación Educativa, 115, 73- 79. COLL, C. e Miras, M. (1990). Características individuales y condiciones de aprendizaje: la búsqueda de interacciones. In C, Coll, J. Palacios e A. Marchesi (Comps.), Desarrollo Psicológico y Educación. II. Psicología de la educación escolar (p. 331- 353). Madrid: Alianza. COLL, C.e Miras, M. (2001). Diferanças individuais y atención a la diversidad en el aprendizaje escolar. In C. Coll, J. Palacios y A . Marchesi (Comps), Desarrollo psicológico y educación. 2. Psicología de la educación escolar (p. 331-353). Madrid: Alianza. CORNO, L. E Snow, R. E. (1986). Adapting teaching individual differences among learners. In M. C. Wittrock (Ed.), Handbook of Research on Teaching (p. 605- 629). New York: MacMillan. CRONBACH, L. J. (1967). 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