Almeri Siqueira Quando o Sol Nasce na Primavera ADEVIPAR Rua: Eurico Zytkievitz, 9 - Sítio Cercado Curitiba - PR - BRASIL Fone: (41) 349-3645 Fone/Fax: (41) 349-1101 CEP: 81.900-180 e-mail: adevipar@softone.com.br Volume Único Novembro - 2000 , HOMENAGEM A autora deste livro homenageia a União Cívica Feminina Paranaense, na pessoa de sua insigne presidente, Sra. Dalila de Castro Lacerda que, juntamente com suas companheiras, apoiaram a Diretora do Departamento da Bengalinha Branca, Sra. Maria Regina de Melo Boscardin, tornando possível a realização do nosso maior e mais belo sonho: a construção de Nossa Casa - Nosso Lar para amparar os idosos cegos e carentes. AMADO INSTITUTO Velho casarão agonizante. Vivendo somente num sopro de vida. Está quieto, com a luz apagada, sem o alarido das crianças, sem o barulho dos jovens no vai-e-vem das escolas e do seu trabalho. Sei que você está triste, eu também estou bastante entristecida meu velho casarão de tantas histórias, de tantos sonhos realizados. Esperança das esperanças que hão de vir. Velho casarão, estou chorando contigo. Nunca imaginei um dia encontrá-lo tão abatido. Sozinho, abandonado e esquecido. Alguém deixou você ficar no estado em que está agora, sozinho, curvado, quase caído no chão. Meu velho amigo que me viu crescer, que me viu sair para a escola com minha primeira cartilha do ABC, caminhando e saltitando com ela debaixo do braço. Meu velho casarão que sorria feliz com minhas brincadeiras desajeitadas de criança travessa. E quando eu ia de castigo em um canto seu, você ficava chateado. Deixava de rir, dividia o choro comigo e balbuciava baixinho para que eu somente ouvisse: "não chore mais, enxugue essas lágrimas e depois vamos brincar de amarelinha". Eu esquecia a mágoa do castigo e voltava a sorrir contigo. Bem me lembro amado instituto, quando ganhei minha primeira e última boneca de louça, das mãos do Dr. Máximo Assinelli, naquele distante Natal. Eu saí correndo da sala de presentes em direção ao meu quarto, pois queria mostrar minha linda boneca para suas paredes e seu teto. Por sinal, você estava bonito também. Bem lavado e com uma leve pintura alva, e se mostrava alegre com a sua roupa de festa. Você ficou contente e parecia sorrir comigo! Lembra que eu contava minhas histórias para você, sentada na minha cama? Eu contava histórias tristes e alegres e nos entendíamos perfeitamente. Você era meu confidente. Era leal e éramos amigos prá valer. Depois, meu velho amigo, você me viu crescida, adulta e me lembro quando numa certa noite você me aplaudiu e verteu lágrimas de felicidade quando eu cheguei debaixo do seu teto, com meu diploma de faculdade na mão. Eu não tinha sequer um parente para me dar um abraço. E meu único amigo era você, meu velho casarão, que me desejou toda felicidade do mundo. Venci uma batalha difícil e durante todo meu desenrolar você me apoiou, meu velho casarão. É por tudo isto que te amo. Você é um pedacinho da minha vida, é parte do ar que respiro. Eu não vou deixar você sozinho. Eu não vou deixar você cair. Estarei ao seu lado. Não vou abandonar o velho e amigo casarão que viu nascer a minha primeira felicidade quando conheci o primeiro namorado; que viu estampada em minha face a alegria de ser uma menina-moça; que viu brotar na minha alma a primeira desilusão; que contemplou rolar pelo meu rosto as lágrimas do meu primeiro desengano com o amor, quando percebi meu sonho caído, esparramado pelo chão e senti minha primeira decepção como ser humano. Meu velho casarão, você tem muitas histórias para contar. Histórias de muitas vidas que brincaram nos seus pátios, corredores e salas. De vidas que você viu crescer e sonhar, e muitos foram os sonhos realizados em cada canto de sua construção, restando depois um aceno, um adeus, uma lágrima de gratidão, uma despedida silenciosa, uma saudade infinda por ter você, velho amigo, participado sempre de um ideal, um sonho, uma afirmação de um lugar ao sol. Porque quem morou contigo, quem ficou em cada canto seu, lembrar-se-á de ti com milhões de agradecimentos e saudades. E hoje, querido e velho casarão, você está reduzido a quase nada. Antes era tão forte, tão saudável, tão limpo e tão belo. Você era imponente e vê-lo hoje é uma tristeza. Você está tão doente. Tão enfraquecido, que o laudo dos engenheiros diz que você tem pouco tempo de vida, que está em estado terminal. Pobre amigo, o que fizeram com você? Está aí esperando desabar ao chão, sem um sorriso, mudo. Aquietado, esperando o trágico fim. Lembro-me que nós, aos pés da sua antiga fortaleza, não éramos nada. Nem mesmo uma insignificante poeira. Nós confiávamos na consciência humana. Lembro-me de quando o coração falava mais alto, deixava desabrochar o amor e a solidariedade para com os velhinhos, para com as crianças, para com os doentes e os que têm deficiência dupla, isto é visual e mental. E você, velho companheiro, falava mais que a nossa coragem. Você não deixava seus amigos sozinhos e assim, todos unidos em um grupo solidário, lutávamos juntos pela consecução do mesmo ideal: a sua subsistência, velho amigo. Hoje, te vejo velho casarão, e sinto saudades do tempo ido, do tempo em que eras belo e imponente. Do tempo sem retorno. Mas eu estou aqui, meu velho amigo, para o que der e vier. Eu sei que nada represento, sou menos que um grão de areia perdido no forte vendaval da fortaleza e do poder. Mas estarei ao seu lado, mesmo doente como você, pois estou com o meu coração partido. Estou doente física e espiritualmente, pois perdi amigos por estar na sua defesa, eu não o abandonarei. Estou quase sem amigos. Resta-me um apenas, disposto a lutar em sua defesa. Seremos dois soldados para te proteger da sanha destruidora dos seus inimigos. José Eronides Quirino e eu, que lhe devotamos imenso amor, seremos estes baluartes pois queremos vê-lo sorrindo novamente. Queremos ver você brincando com as crianças, sorrindo com os jovens e agasalhando nossos velhinhos. Queremos ouvir você contando histórias novamente. É este o ideal que temos. Velho casarão, jamais te abandonaremos e esperamos que alguém apareça para restaurar o seu teto, tão amigo e tão nosso. Um dia apareceu alguém que nos emprestou a luz dos seus olhos e não nos negou a sua visão. E pelos seus olhos pudemos ver e entender tudo. Pudemos sentir o peso da responsabilidade e do compromisso que estávamos assumindo. Esse alguém foi nossa presidente Dona Maria Cândida Abrahão que, assumindo a nossa casa, empunhou a bandeira da justiça. Calada, suportou o descaso e a ironia dos fortes e, com amor, trouxe a paz para nossa instituição, restituindo o direito de vida ao deficiente. Maria Cândida Abrahão, esperança nova do IPC. Esperança de nova restauração, esperança de nova vida nascendo. Maria Cândida Abrahão, reativando a fé e depositando em cada coração uma nova esperança. Foi ela que nos devolveu a paz, nos restituiu a crença perdida na honestidade e bondade do ser humano. Trouxe-nos de novo o sorriso e a segurança, tranqüilizando-nos. Dona Maria Cândida Abrahão foi a nossa maior guardiã. Foi a nossa confiança e enxergávamos através dos seus olhos. E é por isso que dizemos numa só voz: Deus lhe pague por tudo, bondosa amiga! Nosso destino mudou, em suas mãos tivemos uma administração invejável, sem nada nos faltar. Melhorou nossa alimentação; nossa farmácia estava abastecida; fazia encaminhamento dos doentes aos hospitais. Fez uma verdadeira limpeza no IPC, tendo a Prefeitura, através do seu serviço de coleta, retirado dois caminhões de lixo e entulho. Fez o encaminhamento da folha de pagamento com salário justo aos funcionários. Reativou o convênio da escola com a Secretaria de Estado da Educação. E tudo voltou ao normal em nosso velho casarão. O terrível pesadelo finalmente chegara ao fim. Ninguém nos perturbava e reinava a paz. Maria Cândida Abrahão, "o coração de ouro" como foi apelidada por nós, aceitara e vencera o desafio de dirigir a instituição. Foi com coragem, e acima de tudo com muito amor, que ela venceu, pois as suas armas foram o amor, a ternura e a compreensão, e era disto que nós e o velho casarão necessitávamos. Maria Cândida tinha tudo isto. Devolveu- nos a vontade de viver e reconduziu-nos aos convívio humano do qual estávamos, já que temerosos, bastante afastados. Devolveu- nos a alegria que fugira dos nossos semblantes. A luz da bondade brilhava de novo em nosso caminho. O meu amigo e velho casarão voltou a sorrir e a engalanar-se em sua pintura rosada. Obrigada, meu Deus, por existirem pessoas como vocês cruzando nossos caminhos. Obrigada, meu amigo José Quirino, sempre disposto a me estender a mão. Obrigada, Dona Maria Cândida, que no céu onde se encontra, chamada que foi pelo Pai Celeste, certamente na convivência com os anjos, intercede por nós, dando-nos forças para continuarmos a sua luta. PENSAMENTO No final da estrada de tantas sombras, encontrei um oásis. Um oásis que nos aquece com sua amizade, um oásis que nos ilumina e nos dá esperanças pela bondade do seu coração. Ao efetuar a compra deste livro, você está colaborando diretamente para minorar o sofrimento de deficientes visuais idosos e carentes. Esta não é uma obra literária, mas é feita de coração e de profundo sentimento. É um trabalho que não visa lucros financeiros. A sua finalidade é, isto sim, dentro de minha limitação, poder oferecer uma réstia de luz aos meus irmãos, cumprindo o mais precioso dos ensinamentos contidos no Livro Santo: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amo". Deus te abençoe hoje, amanhã e sempre. PREFÁCIO A honra de prefaciar um livro é muito grande. É emocionante. É um privilégio. Ao receber o convite de Almeri Siqueira para esta missão, eu confesso que me senti temeroso. Pensava comigo mesmo, será que terei condições de fazê-lo? E neste questionamento resolvi que sim, pois falar sobre Almeri Siqueira e sua obra não é uma tarefa difícil, já que ambas, autora e obra, são transparentes, puras e singelas, simples e agradáveis. Almeri escreve de forma clara e comovente retratando aquilo que lhe vai na alma. Toca-nos o coração e infunde-nos esperanças de um universo melhor e sonhado por todos. De Almeri Siqueira, o título "Meu Mundo" foi o primeiro passo, seguido de "Um Rosto Perdido na Multidão", vindo após a deliciosa leitura de "O Menino Pássaro". São livros que devem fazer parte de qualquer biblioteca. Portentosos na sua linguagem simples e por isso mesmo autênticos. Temos agora a oportunidade de enlevar-nos em mais uma leitura salutar: QUANDO O SOL NASCE NA PRIMAVERA deve ser lido com toda atenção e analisado. É mais um exemplo de vida que Almeri Siqueira nos dá, pois não vendo com os olhos, enxerga profundamente com a sensibilidade e com o coração. Parabéns, Almeri! Continue a presentear-nos com seus escritos e cumpra sua missão. Deus que é o juiz supremo, certamente julgar-te-á merecedora de suas graças. CONVERSANDO COM UMA PEDRA No meio do caminho tem uma pedra. Simplesmente tem uma pedra no meio do caminho. Tem no meio do caminho uma pedra dura, somente uma pedra fria, no meio do caminho. Pedra sem alma, sem vida, está no meio do caminho; pedra calada ali, no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra solitária no leito árido do chão. No meio do caminho tem uma pedra cega, surda e muda, e seu destino é este, o de estar sozinha no meio do caminho. Sem olhos para ver, sem ouvidos para ouvir, sem boca para falar e sem um coração para amar. Sem existência física para sentir dor. No meio do caminho fica quieta, silenciosa, é tão somente uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra, sem sentimento algum, não ama ninguém, fica ao léu no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra, sem ternura, sem carinho para dar, é uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra, sem uma pequenina centelha de amor, é só uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra que machuca, que fere e é somente uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra que tombou alguém que eu amo. Pedra ferina que está de armadilha no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra que derruba, que maltrata. Tem uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra que não conhece a grandeza de um sonho tão real. É uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra que não conhece o segredo de um coração. É uma pedra mórbida, cruel, no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra insensível, que desconhece a sublimidade de um amor, é apenas uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra que não conhece a limitação de um sentimento tão bonito, tão singelo, tão sutil e tão ardente, é unicamente uma pedra. No meio do caminho tem uma pedra que não conhece o mundo encantado da felicidade. É uma pedra inerte, no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra que não sabe que só pelo amor vale uma vida. É uma pedra no meio do caminho, uma pedra que não teve o dom divino de amar. No meio do caminho tem uma pedra, sem um relógio para acompanhar nas horas e nos minutos, o tic-tac de um coração que sente uma saudade infinda e anseia pelo retorno de um amor distante. É uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra que não oferece milagres, não é uma Santa. É um corpo sólido, inérveo, ali naquele caminho. No meio do caminho tem uma pedra que não é boazinha e nem má. É uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra surda que não me escuta, é uma pedra muda que não me responde. É uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra que nada entende e nada sabe. É uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tem uma pedra que a minha história vou contar. Você, pedra, machucou e feriu a criatura que eu amo acima de tudo, acima da minha própria vida. Sei que você não me entende, sei que não me ouve e nem me responderá mesmo que em sua defesa, pois você é somente uma dura pedra no meio do caminho. Talvez tenha sido sem querer que você o feriu, aliás, tenho certeza que não foi proposital, pois você não o viu chegando, não ouviu seus passos e não teve como avisá-lo do perigo de chocar-se contigo. Mas eu fiquei muito triste, pois a dor sentida por ele, meu anjo amado, doeu no meu coração. Eu sei que você não compreende a linguagem modesta do meu amor, do meu jeito simples de amar, mas é assim que eu amo. Simples e sinceramente. Não me esqueço porém que você é uma simples pedra que eu amo também; uma pedra no meio do caminho que feriu o meu amor e à qual me queixo, na esperança que você não o machuque de novo. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tem uma pedra livre, uma pedra solta, sem lei, sem dogmas, sem regras e sem horários para cumprir, e que no grande jogo da vida permanecerá ali, aquietada, no meio do caminho. Uma pedra que da mesma forma que meu amor, sobrevirá ao tempo ou no descanso eterno, e você, pedra, no meio do caminho. ESTOU DE MALA PRONTA Era manhã de dezembro e as ruas estavam enfeitadas, pisca- pisca ainda aceso jogando pingos de luz nos raios de sol. Manhã bela e em ritmo de festa. Ensaio de Natal. Sonhos mil voando de cá para lá sobre as asas livres da esperança de um dia bem feliz. Eu ali estava sentada na minha velha cama com a pintura descorada pelo tempo. Vinte anos se passaram. Quantas lembranças guardadas no cofre dourado dos anos. Quanta saudade adormecida em uma gota de lágrima. Quanta ilusão vivida na estrada da vida. E quanta realidade feliz desabrochou do meu sorriso de adolescente e já adulta. A saudade adormecida despertou ainda mais forte. A saudade do meu velho quarto, todo cor-de-rosa. Agora meu quarto está vazio e meu guarda-roupa não tem uma única peça. Meu livro de capa verde não está mais sobre minha mesinha de cabeceira. Tudo já estava guardado. A mala pronta, a cabeça mergulhada num mar de incertezas do novo amanhã, e o futuro uma incerteza. Tudo era talvez... não sei ... A menina que entrou aqui chegou desnutrida e sobre o corpo um surrado vestido de chita. Pés descalços, uma longa trança de cabelos negros jogada nas costas, nas mãos uma bonequinha de pano que representava sua única herança. A boneca de pano que mamãe me dera antes de morrer e subir ao céu. Um dia esta porta se abriu e eu entrei fugindo da rua e da esmola, pois sempre acreditei que Deus não abandona seus filhos. Agora estou de mala pronta. Hoje tenho entre os braços não mais uma bonequinha de pano, e sim, uma pasta amarela contendo vários diplomas, até o Diploma de Letras da PUC - Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Nas mãos, tenho a chave do meu apartamento que me espera lá fora e é por isto que estou de mala pronta. Estou indo para lá, para o meu lar, que tijolinho por tijolinho você, meu fiel amigo, ajudou a construir comprando o meu livro, o primeiro lançamento com o título de "Meu Mundo". Obrigada, meu desconhecido amigo, pois é graças a você que estou de mala pronta. A minha coragem é pouca e sinto medo de tudo, pois fui preparada para as Letras e não para a vida. Sentia-me como um bichinho assustado. Levantei-me um tanto vacilante, tomei a mala em minhas mãos e sem acreditar no que estava acontecendo, abri a porta e caí de cabeça nos braços do mundo. Agora estou aqui, sou mais uma carta do jogo da vida. No imenso cassino que é o mundo. Joguei e ganhei algumas vezes. Outras eu perdi. Mas apesar da minha pouca experiência e no cômputo geral, mais ganhei do que perdi, pois só tem sorte quem acredita nela: eu acredito muito na sorte e por isto ganhei muitos amigos, amigos que me estenderam a mão no grande jogo da roleta da vida - eis que o mundo abre alas para quem sabe caminhar. Todo ser humano aprende a caminhar na grande escola da vida. E a você, meu quarto amigo, não direi adeus, mas direi que nunca mais vou te esquecer, pois você está dentro do meu coração agradecido pela sua acolhida. Estou de mala pronta ... NOSSA CASA - NOSSO LAR Nossa Casa - Nosso Lar é um ninho de amor fraternal onde nos abrigamos no aconchego do calor humano. Encontramos neste lar um lugar ao sol e à sombra de uma árvore, mãe do afeto, de ternura, para descansar nossas vidas já cansadas pela idade, já no crepúsculo do tempo. Em Nossa Casa - Nosso Lar tem um jardim com lindas e perfumadas flores, das quais aspiramos o doce perfume. No centro do jardim tem um banco grande onde nos sentamos ao entardecer para saborear um chimarrão, para contar e ouvir histórias da vida de cada um. Do passado e do presente. Não se conta histórias do futuro que é uma incógnita e pertence a Deus. Com o futuro resta-nos somente sonhar e pedir ao Criador que seja de paz. Não sabemos tudo ou quase nada, temos sim a real certeza de que em cada vida existe sempre uma história. A história da Nossa Casa - Nosso Lar é muito feliz. Você, com sua presença só nos traz alegria e nosso coração transborda de felicidade, pois você nos transmite amor e paz. Não podemos vê-lo com nossos olhos turvos, mas podemos sentir o seu forte aperto de mão e o seu abraço amigo. Podemos ouvir sua voz e imaginar sua figura. Da mesma forma, podemos ouvir o gorjear dos pássaros ao amanhecer e ao entardecer quando se recolhem aos ninhos. Você, querido amigo, me faz acreditar no ser humano. Você que traz o alimento para matar a nossa fome, traz a água para saciar a nossa sede, a roupa para nos agasalhar do frio, o calçado para calçarmos e não machucarmos os pés, nossa cama para repousarmos, descansarmos nossas cabeças e corpos cansados e termos, por fim, um sono tranqüilo. No nosso cansaço está você, querido amigo, nos apoiando e oferecendo-nos sua mão angelical. Não fuja, não vá embora, não nos abandone, nós estamos aqui de braços abertos e mãos estendidas aguardando o presente do seu tijolinho para a construção definitiva da Nossa Casa - Nosso Lar. O alicerce nós já temos, que é a boa vontade de trabalhar no terreno dos corações bondosos de Dona Maria Regina de Melo Boscardin e do seu esposo, Doutor João Carlos Boscardin. Esse casal merecedor de toda nossa admiração conseguiu, somente com a coragem, muita esperança e fé em Deus, abrir as portas da Nossa Casa - Nosso Lar para idosos carentes e deficientes visuais. Deus os abençoe Dona Maria Regina e Doutor João Carlos. Deus abençoe você, querido amigo. Deus abençoe todos aqueles que de alguma forma colaboram conosco, e Deus abençoe também todos os moradores da Nossa Casa - Nosso Lar. AOS CORAÇÕES DE OURO Sempre estou pedindo. Sempre quero algo mais. E por que nunca agradecer? Há tantas pessoas em minha vida a espera de um simples e sincero obrigado. Por isso, quero agora agradecer às pessoas que tanto merecem. A todos deixo meu muito obrigado, através desta pequenina e singela página dedicada aos corações de ouro: À diretoria do Instituto Paranaense de Cegos, por me haver dado o estudo e um lar. À União Cívica Feminina do Paraná. Aos professores e diretores dos colégios por onde passei. A você, motorista, que me levou e me trouxe anos após anos aos colégios que freqüentei. A você, pedreiro, que com suas mãos calejadas construiu a minha escola. A você, carpinteiro, que fez minha carteira escolar, na qual passei o maior tempo de minha vida. A você, que construiu a igreja onde posso rezar para agradecer a bondade infinita de Deus por haver colocado em meu caminho essas criaturas, cujos olhos são os meus, para me ajudar a ver. Criaturas essas que são minhas pernas para andar, minhas mãos para eu escrever. Muito obrigado a você que fez o papel no qual eu posso ler e escrever o que me vai n'alma. A você que escreveu o livro sagrado, onde posso aprender os ensinamentos do meu Pai Celeste. A você, que através do avanço tecnológico, inventou o maquinário, como a máquina Braille e a de datilografia, o sorobã, o gravador, cuja utilidade é infinita na vida do deficiente visual e de todo o mundo. A você, voluntária, que através de seus olhos me ajudou a vencer as dificuldades das minhas tarefas escolares. Ontem, você me auxiliou a sair do embaraço das lições, hoje você me auxilia, extraindo a essência dos bons livros, para que eu possa semear em cada encruzilhada que passo a semente frutífera do ensino. A você, médico, que através da ciência, descobriu o remédio para aliviar a dor. A você, advogado, que defende o inocente. Perdão para aquele que acusa um inocente. A você, jornalista, que leva a comunicação aos quatro cantos do mundo. Faça da comunicação um anelo de verdades e nunca um mero informativo, cheio de dúvidas e incertezas para o que ouve sua notícia. Nunca ofenda para não ser ofendido. Nunca ataque com a mentira para não ser atacado com a verdade. A vocês, papai e mamãe, por haverem dado a vida ao filho. Isto é, por haverem dado um homem para a defesa da pátria. Muito obrigado, oh Deus, por haver dado o ar para eu respirar livremente. O sol para me aquecer com seu calor. A fonte para saciar minha sede. A terra onde meus pés podem pisar firme no chão. O pão e o fruto para matar minha fome. A você, padeiro, que faz o pão. A você, lavrador, que planta o futuro. Muito obrigado por me haver dado o agasalho para proteger meu corpo. A árvore onde posso descansar debaixo de sua sombra. Muito obrigado por me haver dado o gorjeio do pássaro. O orvalho nascido da relva fria. A noite para meu descanso. Muito obrigado por me haver dado um sonho e muito mais, por me haver dado alguém para eu sonhar. Muito obrigado por ter colocado em meus lábios o sorriso. Por haver secado minhas lágrimas com o lenço da esperança. Por me haver dado a fé. Por me haver dado a amizade do meu semelhante. A você, meu desconhecido amigo, que me ajudou a atravessar por tantas vezes as ruas perigosas de nossa Cidade Sorriso. Muito obrigado por me haver dado a força do perdão para o meu inimigo. Muito obrigado por me haver dado a sublime missão de alfabetizar as criancinhas. Muito obrigado a você, por me haver ajudado a viver. Muito obrigado por tudo o que tenho e por tudo o que sou, meu Deus. Muito obrigado por me haver ajudado fechar as páginas deste pequeno livro, dedicado aos corações de ouro. O livro que será lido somente por você, meu amigo, contendo em cada linha uma gota de simplicidade. E em cada página uma chuva de ilusão, pois não sou nenhuma escritora, sou tão somente uma simples criatura que gosta de escrever, numa linguagem modesta aquilo que o coração dita, e que as mãos se encarregam de transmitir ao papel. O coração dita e a mão escreve. PÔR-DO-SOL Cai a tarde lentamente. Ao longe ouve-se o badalar de um sino anunciando a Ave-Maria, hora em que o povo cristão esquece as agruras da vida, volve os olhos para o céu, dá graças ao Criador, pelos benefícios que Suas mãos benignas lhes prodigalizaram. O astro rei está prestes a esconder-se no ocaso. Nuvens cor de púrpura circundam suas imediações, formando assim um espetáculo deslumbrante. Aqui e ali, pássaros de toda espécie regressam aos seus ninhos saltitando e trinando os mais expressivos gorjeios, como se também quisessem saudar o rei do universo. O sol, num derradeiro aceno, como querendo desejar boa- noite, projeta raios dourados sobre o mar que, acariciado por suave brisa, assemelha-se a um espelho de aço. Depois todo aquele esplendor se desvanece aos poucos. Surge então o luar vencendo as trevas, e uma imensa solidão envolve a natureza. No horizonte ainda há uma tênua claridade, vestígio saudoso do sol que acaba de descambar, deixando o adeus de um pôr-de- sol. MURMÚRIO DE UM CORAÇÃO O poema nasceu da harmonia, e da harmonia, a própria vida. É no murmúrio de um coração que surge o concerto infinito da saudade. Pois o coração é a chave que abre as portas da aurora da nossa vida. Ele é a harmonia de nossa existência. O coração, em seu murmúrio despretensioso, espalha pela relva seca da vida o orvalho do amor. É a borboleta dourada que vive a bailar sobre a flor do jardim da vida. Apesar de possuir o perfume da flor agreste, ela é uma flor humana que se alimenta do néctar do sonho. Entre murmúrios, o coração voa sobre as asas ligeiras e douradas do amor para buscar abrigo no ninho da ternura. Ali pousa, como uma borboleta, sobre a flor do carinho e vive do perdão e da crença em alguma coisa. Vive do aroma queixoso e murmurante de outro coração. Obrigada, meu Deus, pela minha existência, pois sei que vivo porque meus ouvidos escutam, felizes, o murmúrio compassado de meu coração. LÍRIO BRANCO A chuva cai de mansinho no telhado. O murmúrio das gotas d'água sobre a vidraça forma o ritmo alegre de uma canção. A voz da natureza traz-me paz e tranqüilidade. A tristeza desapareceu, mas o meu coração ficou calado, escutando, enquanto que a saudade bailava sem parar no meu céu sem estrela. Você estava parado na mesma calçada por onde eu passava, já todo molhado. Estava triste, assim como eu. Abriguei-o com a minha sombrinha e percebi que você tremia de frio, como uma frágil flor treme embalada pela água da enxurrada que corria na beira da calçada. Eu via as folhas do meu lírio branco despedaçadas, quase sem esperança de sobreviver. Sem pensar no depois, quase que instintivamente lhe estendi as mãos. Ofereci-lhe ajuda, aliás muito pouca, pois também nada tenho a dar para alguém, a não ser a boa vontade de ser útil. Convidei-o para vir comigo. Dei-lhe comida e agasalho. Aqueci-o com o calor de meu afeto. Afugentei a tristeza daqueles olhos com a alegria de minha ternura. Derreti a neve daquele coração triste com o sol de minha amizade. Fiz nascer uma estrela brilhante naquele céu tão escuro. Que pena, mas tudo não foi mais que um sonho. Quando acordei para a realidade, você já não estava ao meu lado. O vento do desamor passou agitado e levou o lírio branco. Hoje, só o que resta é a saudade e o seu perfume que ficou. Num sonho eu consigo transformar a minha solidão na esperança de que um dia a enxurrada do tempo me traga de volta o lírio branco. Esquecê-lo me é impossível, pois em todo eco da voz humana eu ouço o seu nome... SÓ VOCÊ Só você me trouxe a felicidade. Só você é o meu ontem. Só você é o meu amanhã. Só você é o meu tempo. Só você é o meu passado. Só você é o meu presente. Só você é o meu futuro. Só você é a minha esperança. Só você é o meu mundo. Só você é o meu amor. Só você é o meu entardecer. Só você é a minha saudade. Só você é a minha estrela. Só você me faz sonhar. Só você é a minha ilusão. Só você é a luz dos meus olhos. Só você é o meu destino. Só você é o meu sorriso. Só você é o meu dia que chega. Só você é o meu sol. Só você é a minha noite que vem. Só você é o luar de minha vida. Só você é o meu pensamento. Só você me devolve a calma. Só o seu nome me faz feliz. Só você não me deixa esquecer que a vida existe. Só você faz minha alma cantar. Só você é a minha estrada. Só você é a minha resposta. Só você é a minha coragem. Só você é a minha alegria. Só você é a minha chuva. Só você me deu a paz. Só você é a minha certeza. Só o seu retrato eu não posso ver. Só você é o meu sossego. Só você é a luz que brilha nas trevas dos meus olhos. UM LÍRIO NA TEMPESTADE O tempo passa, ou melhor, a gente passa pelo tempo. Mas o amor permanece sobre a terra. O amor integra a vida interior de cada criatura com sua vida exterior. Eu me concentrei num só ponto da vida. Apoiei-me em um lírio que encontrei perdido na tempestade. Amei-o e entreguei a ele minha alma, minha dedicação, meu coração, toda a minha ternura enfim. A vida passou a viver no mais dourado castelo de sonhos e aventuras. Eu e o meu lírio éramos duas flores cultivadas com carinho no jardim da felicidade. Ele e eu habitávamos no paraíso da compreensão. Construímos com o nosso amor um templo no mundo de nossas almas. As horas voaram sobre as asas do tempo. Enganosas e fugitivas. Logo se passaram três anos. O meu lírio foi perdendo o encanto. Foi ficando triste. Foi deixando para trás o doce encanto de viver. Foi perdendo seu perfume. Eu sempre estava ao seu lado, quer entre as nuvens douradas do devaneio, quer no esconder do sol de seus sonhos. Estava sempre presente. Presente em tudo, até na dura realidade da vida ou na poesia da vida, amando juntos a branca nuvem da lua onde repousam os sonhos dos poetas e dos amantes. Quer no lençol alvo da neblina que envolvia suavemente, com seu frescor, as folhas verdes do lírio ou seja no cair de uma tarde de verão, num céu muito azul, onde as estrelas vão nascer para enfeitar o infinito, eu estava ao seu lado em qualquer circunstância. Escutava sempre o seu nome, a sua voz no suspiro do vento, no murmúrio do mar, no gemido das estrelas... Sentada junto a você, sentia o calor de suas mãos aquecendo as minhas mãos frias e trêmulas. Eu sentia o frio do medo. Sim, medo do meu lírio ser arrastado pela tempestade do destino. Escutei tantas vezes aquele suspiro de imenso amor vindo das profundidades de sua entranha; fazia-me de surda e deixava que o seu suspiro fosse morrer no vazio de uma pergunta, talvez sem resposta. Eu amei tanto o meu lírio... sem saber que o amor também morre no coração da criatura humana. Cerquei de afeto minha flor predileta. Vivia somente para o seu amor. Antes de conhecer o meu lírio, vagava sozinha entre as ondas cruéis da praia da vida. Hoje penso nele e revivo os nossos sonhos. Sonhos do que fomos e do que agora sou. Eu ainda existo, mas ele talvez já me esqueceu. Talvez esteja derramando em outros ouvidos as mesmas frases mentirosas que outrora deixou jorrar em meus ouvidos. Sem dizer palavras, pois o silêncio falava por nós. Talvez neste momento o meu lírio esteja em outros braços, deixando seu coração bater junto a outro coração. Quando só eu era feliz ao seu lado, porque o amei tanto. Eu tenho o seu retrato, enquanto a outra tem apenas a presença. Tenho a sua saudade, enquanto a outra tem apenas a ilusão do seu amor. Sei que você ainda me ama. Enquanto ela vive a ilusão de ser feliz, eu vivo a realidade porque sou feliz. Minha imagem está gravada nas folhas do meu lírio, pois foi o temporal do ciúme que desabou sobre nós. O vento forte da dúvida carregou o meu lírio no meio da tempestade do nunca mais. A VELHICE A porta da vida vai se fechando. Mas vai se abrindo a rosa da esperança. Morre a tristeza do passado e nasce o amor do presente e do futuro. Misture em sua velhice uma dose de otimismo. Derrame fora do seu coração a angústia. Deixe abrir no jardim da sua lembrança a flor do afago de um filho, a carícia de um neto. O aconchego de uma amizade, a certeza de um sonho realizado, vivido na lembrança do primeiro beijo, do primeiro abraço, do primeiro amor e da primeira despedida. Num anseio de saudade, rola um oceano de recordações da criança que foi, da sua mocidade de ontem e da sua velhice de hoje. O velhinho de cabeça branca e já curvado pelos anos, desempenhou muito bem o seu papel no palco da existência. Cumpriu nobremente a sua missão em cada página da vida e, por isso, aguarda feliz o seu transporte para o outro lado do mundo. Para o além. A velhice não é o fim, é o começo de tudo, outra vez. A CONCHINHA Minha conchinha não é de ouro, mas feita pelas mãos da natureza. Minha conchinha cor-de-rosa brinca, como se fosse um ser vivo, entre os corais de minha esperança. Ela habita no oceano do meu hoje. Não sei se estará no meu amanhã. A conchinha adormece sobre o leito fofo da areia de minha saudade. Você é a pérola que repousa na minha concha. Você é meu único tesouro. Meu, somente meu. Ah, com que amor você navega tranqüilo no regaço da água transparente da minha ilusão. Com que anseio eu guardo, dentro da conchinha cor-de-rosa, o meu sonho. Porque somente o meu sonho é o meu tesouro, é a minha pérola. A CACHOEIRA A cachoeira rola, de vaga em vaga, como maravilhoso lençol branco estendido sobre um leito macio... A noite vem beijar a água cristalina da cachoeira. O vento curva os bambuais que velam o sono da noite. Eu vivo acalentando os meus sonhos no ritmo lento da cachoeira...A noite se apaga. A madrugada nasce. A luz das estrelas desmaia no infinito. A cachoeira rola no silêncio, espalhando por tudo a saudade de um sonho desfeito, enquanto a lua lentamente se esconde entre as nuvens. E o seu reflexo pálido, já distante, rasga como uma tesoura frágil, de prata, o seio da cachoeira adormecida. A noite foge sutilmente, levando o encanto da cachoeira, que era o luar. A noite leva em seus braços os sonhos, e deixa com o dia a saudade de um sonho bom. SEUS OLHOS Seus olhos são belos, seus olhos são vivos, seus olhos são dois oceanos que refletem ondas de bondade. ... Seus olhos são tranqüilos, seus olhos são serenos, seus olhos são suaves como a brisa, seus olhos são como um pôr-de- sol, seus olhos são aurora dos meus olhos, seus olhos são a razão do meu hoje, seus olhos são a esperança do meu amanhã, isto é, se me for permitido ver nascer outro amanhã através da luz de seus olhos. ... Seus olhos são inquietos, são travessos, estão sempre a sorrir, a brincar como duas borboletas bailando entre a natureza em flor. ... Seus olhos recebem lindas imagens de um mundo todo colorido, as quais sem demora transmite aos meus olhos sem luz. ... Seus olhos são duas estrelas luminosas que iluminam a noite escura dos meus olhos. ... Seus olhos são dois mensageiros de luz que guiam os meus passos. ... Seus olhos são francos, enérgicos, dizem-me tudo aquilo que eu não posso ver. A vida necessita de ar para continuar sua existência, assim, eu preciso de seus olhos para continuar a ver. ... Seus olhos tão verdes, tão castanhos, tão azuis, tão negros que nem a cor eu sei, sei apenas que são duas estrelas a dissiparem as trevas do meu caminho. ... Seus olhos são dois amigos que me ensinam a conhecer o mundo em que vivo. Eu vejo tantas coisas, e aprendo muito mais com os meus olhos. ... Seus olhos me dão a comunicação com os outros seres viventes. ... Seus olhos me fizeram fugir do meu mundo feito somente de sons, para viver no mundo de todos. ... Seus olhos não podem conhecer o pranto, porque seus olhos são tão bons, tão meigos, eles foram feitos para outros olhos ajudar a ver. ... Seus olhos são tão puros como duas gotas de orvalho, despertadas com o novo amanhecer. ... Seus olhos são dois botões de rosa que desabrocharam no jardim do amor cristão. ... Seus olhos são o porto seguro onde ancora minha barquinha do presente e do futuro. ... Seus olhos me dão paz, me dão confiança, me dão poesias para a vida. ... Seus olhos cruzaram por tantas vezes o meu caminho impedindo que eu tropeçasse em um obstáculo qualquer, seja na subida de um ônibus, seja na descida de uma calçada, seja no atravessar de uma rua. Seus olhos estão sempre presentes. Seus olhos que são a luz dos meus, são para mim um presente de Deus, por isso digo: Obrigado, Deus, por ter dado olhos perfeitos ao meu semelhante para ver e ajudar outros verem, por ter dado o ouvido para ouvir e ensinar outros ouvirem; por ter dado a voz para ensinar a outros falarem; por ter dado braços perfeitos para empurrar uma cadeira de rodas daquele que não pode andar; pernas perfeitas para ir em socorro daquele que não as tem. Esses olhos são de todo o povo de nossa Cidade Sorriso, que estão sempre presentes na vida da criança excepcional quando deles se solicita um amparo. VOCÊ EXISTE Você existe. Aprenda a lição do amor na escola da vida, pois tem nas mãos um mundo feito de amizade. Você existe. Por isso levante aquele que caiu, ame-o e seja por ele amado. Não faça de sua vida um mistério, pois ela lhe reserva tantas surpresas vindas da própria sorte. Você existe. O amor também existe e nasce do silêncio. Por isso, seja corajoso e encontre a felicidade no sorriso de quem lhe ama. Ajude outro a existir através de sua amizade. IMPREVISTO Era uma manhã alegre, apesar de ser segunda-feira. Pois segunda-feira é um dia monótono em que recomeça lento o labor diário da vida. As ruas estavam cheias de gente, sem um saber do outro. Seguiam em frente, cada um com seu destino. Uns para o escritório, outros para a fábrica ou para a escola. Uns para a igreja rezar ou ao cemitério, acompanhando um enterro. Nas calçadas, pessoas paradas, falando de tudo: inflação, política, briga de vizinho. Na vitrine, alguém olha alguma coisa que lhe interessa. É a segunda-feira da cidade grande. O rei sol beijava a terra, enquanto uma nuvem azul abraçava o céu. Tudo parecia estar certo. Tudo parecia estar bem. Tudo estava no seu lugar naquela segunda-feira. Via-se a alegria em cada coisa, em cada gesto, um sorriso. Realmente, tudo corria bem. O bilheteiro vendendo sua loteria. Um cego tocando seu acordeom na Rua das Flores. Os anunciantes gritando sua propaganda do dia nas portas das lojas. Surge alguém dentro de um prédio diante do elevador. Veste calça amarela, camiseta branca. Traz na mão uma sacola verde, com os dizeres "carteiro". É o correio. É a notícia que chega. Lá em cima, em cada apartamento, alguém espera ansioso uma carta. A carta de um filho ausente, a carta de um esposo em viagem, a carta de um noivo distante, a carta do vovô, a carta da vovó, a carta do papai, da mamãe... Puxa, uma criança exclamou: hoje é dia de meu aniversário e a titia nem se lembrou de mandar-me um telegrama. Não, ninguém esqueceu ninguém. Mas ninguém leu o subscrito do envelope. Ninguém leu a mensagem, alegre ou triste, que uma carta trouxe. O imprevisto aconteceu. A morte do carteiro no elevador do prédio. A manhã alegre de segunda-feira ficou triste, chorando com a esposa e filhos do carteiro, a morte trágica dele. Enquanto o elevador estragado descia com um corpo sem vida, uma alma subia ao céu, cantando com os anjos um hino de glória a Deus. É mais um profissional que morre no trabalho, em busca do seu pão. Com certeza é mais uma alma que está no céu, alimentada pela mão divina, Deus... A FÉ E UM SORRISO Aqui estou eu, parada diante da paisagem pendurada na janela, como um quadro imenso de fotografia, retratado na tela incolor de meus sonhos, plantando, no meu caminho de trevas, a semente da paciência e do bom humor, da tolerância, da fé e de um sorriso. Vou buscar, no celeiro da calma, a colheita da simplicidade, o fruto maduro da fé, o maná da esperança, da crença em um Deus. O solo deste plantio é o íntimo da nossa alma. Aqui estou eu, meu Deus, diante do mar, do sol, do céu. Não lhe peço nada de material, meu Deus. Quero apenas a fé no meu coração e um sorriso nos lábios. Não tenho dinheiro para dar a alguém, mas apenas um sorriso. Um sorriso, às vezes, vale mais que uma nota de mil cruzeiros. Quanta gente que tem muitos barões no bolso, não tem um sorriso nos lábios. Meu Deus, quero a fé, a esperança, porque através delas, vou ganhar o pão, trabalhando com mais amor. Aqui estou eu, meu Deus, mais um rosto perdido na multidão. Sou uma astronave solta no espaço, sem direção. Uma nuvem de solidão cobre o meu céu. A chuva cai em pingos de tristeza. A lágrima rola, de mansinho. Sempre existe alguém vagando a esmo, a procura de um lugar ao sol. Não tem direção. Não tem rumo certo. Tem uma saída para a multidão, mas não tem onde chegar... Ninguém espera por ninguém. É um estranho que vem, é um estranho que vai... Cada um com seu problema, cada um com sua vida. Por que então falar da vida? Por que falar de alguém? Se cada um é um acessório integrante da multidão? Alguém é alguém. A vida é a vida. Andando por aí sem sentido, sem resposta... Vem e vai por estranhos caminhos, escondido entre nuvens de incerteza. Por isso, do que adianta a gente perguntar: "Gosta da vida que tenho?" Se essa é a vida que se tem... Não deixe passar a vida inutilmente, em vão. Não a jogue num lance perigoso, numa aposta arriscada. A vida é sua. Boa ou má. Viva-a, portanto. A vida é minha, boa ou má, por isso, vivo-a Após ter vivido o hoje, posso me dar o luxo de sonhar... Você também pode, após tê-la vivido bem, com a fé no coração e um sorriso nos lábios. A vida é a vida. Vá vivendo então. O importante é viver o agora, que a gente tem na mão. O tempo presente do hoje. REFLEXO DE DEUS Antes de levantar-se do leito, pobre ou rico, lembre-se que Deus existe para todos. Olhe na janela e veja o astro-rei iluminando tudo, abrindo suas asas no espaço e derramando sua luz brilhante no universo. Minha alma se agita num turbilhão de idéias, de sonhos, numa fusão com a realidade. Cruza meu pensamento e então fico a remover as pedras do caminho de minha vida. Em cada segundo afasto mais uma e mais outra. O hoje me preocupa e o amanhã está nas mãos de Deus, por isso vivo o presente. O amanhã será uma surpresa. Sempre uma nova aurora traz uma esperança para o meu amanhecer, pois lá no fim da jornada há sempre alguma coisa esperando por nós. Então, o sol do amor ao próximo vem brilhar em nossas almas, afugentando a desesperança. Por que será que a vida de cada um é atingida algumas vezes por uma corrente negativa, quando foi feita para ser tão somente envolvida por correntes positivas? Por que ainda não descobrimos quanto ela é bela! Alguém está parado numa encruzilhada da vida, sem destino, sem seguimento e sem objetivo, vivendo apenas o agora, quando poderia viver um porvir risonho. Mas ele não acredita no depois. Você já pensou na descrença de um amigo ou de um desconhecido? Se ainda não pensou, pare e pense. A vida dele pode ser tão bela quanto a sua. Basta que você lhe estenda a mão. Agradeça a Deus, sem orgulho ou vaidade, dizendo-lhe: "Obrigado por me haver dado tudo em troca de nada" Eu tenho tudo, saúde, braços, mãos, pernas e pés perfeitos para andar. Tenho olhos para ver, mente sadia para pensar, ouvidos bons para ouvir, a palavra para transmitir e receber comunicações. Então, por que tornar-me um criminoso, um viciado, um ladrão, quando Deus me deu um corpo perfeito para trabalhar e ajudar àquele que não o tem? Por que então não luto para viver uma vida digna, quando o meu semelhante, com mais dificuldades, tenta e consegue vencê-las todas, com o trabalho honrado? Eu tentei oferecer-lhe alguma coisa? Ainda não tentei, mas é preciso tentar, devolvendo-lhe a crença em si mesmo, dando-lhe um pouco de fé através da religião. De mãos dadas devemos tentar despertar naquela criatura a confiança, um pequeno objetivo que seja. Fazendo alguém feliz, eis um objetivo que pode ser por nós atingido. No Dia da Páscoa, levanta-se a tela do mistério da morte e ressurreição de Cristo e Ele traz para o mundo a promessa da salvação eterna. E ela virá, pois existe em tudo o reflexo da bondade de Deus. Você existe, deixe a sua vida errada para trás e leve uma vida certa para frente. Nós precisamos de você e em cada ato seu está o reflexo de Deus. SONHO DA NATUREZA Entre o verde das matas, das serras, nascem os rios que dão vida para todos nós. Cada lago, cada cachoeira, até mesmo o mar, nasce humilde e despretensioso. É um fio d'água, tão pequeno que foge assustado do calor do sol e, entre as pedras, vai se esconder. Ele cresce alegre e feliz. De repente, surge forte, grande, trazendo em seu leito muito amor. Vai criando, nas margens do caminho, uma árvore, faz nascer uma nova vida. Sacia a sede das plantas, dos homens, dos animais. Dá-nos saúde, dá- nos o pão. O sol, que cintila nos rios, faz secar as águas. Está perdendo o frescor das sombras das árvores. Nem mesmo uma pedra fria tem para se abrigar. O homem está usurpando o direito de viver. Deus criou as flores para enfeitar a terra, na vida existe uma semelhança muito grande entre os homens e as flores. Porém as flores são humildes, singelas e os homens são vaidosos, negligentes. As flores sonham com a vida. Os homens sonham com o progresso. Por isso a flor se sente ameaçada pela destruição. O homem se sente com a consciência sufocada pelo desejo de crescer sempre mais, de se tornar inatingível, nem que para isso destrua a si mesmo comendo o fruto envenenado pela química, deixando morrer o adubo natural da terra que lhe daria o fruto sadio, preservando a saúde e livrando-o da morte prematura. A árvore nasceu forte e bela, com o desejo de viver feliz e de fazer o homem feliz. Sob a sua sombra, descansam tranqüilos os seres humanos, os animais, os insetos. Para matar-lhe a fome, deu seus frutos. Deu à abelha a flor para fabricar o mel. Deu, para abrigo dos pássaros, os seus galhos. Deu ao homem o oxigênio para respirar. Mas, não se tornou sua escrava. Foi o próprio homem quem a escravizou, abreviando sua existência com o machado ou com a serra. Não sabendo ele ou não querendo saber que está abreviando a própria existência com a derrubada das árvores. A natureza toda clama por justiça ao homem. Mas ele está cego, surdo e mudo. Nada vê, nada ouve, nada responde. A primavera chegou, mas o homem não viu. Não enxergou o verde. Não sentiu o perfume da flor. Não ouviu o cantar alegre dos pássaros ao cair da tarde. Não falou com o sol, nem viu seu brilho, porque ele se escondeu por trás do véu negro da poluição que envolve a atmosfera. Talvez, ele se escondesse com vergonha de nós, por estarmos destruindo em cada minuto que passa, o sonho da natureza. Acabando com o verde, afastando a primavera dos olhos do homem, a mais bela estação do ano. Mas ele não quer ver, seus olhos estão fechados para o belo. O pássaro está perdendo seu teto, que é a árvore, onde se abriga do vento, do sol, da chuva. O homem ainda não percebeu que é muito triste não ter um teto para se esconder das intempéries. O pássaro não fala. Só cantando exprime sua dor, sem que o homem possa lhe entender. Mas se ele falasse, quanta coisa diria para o homem ouvir. Certamente lhe pediria contas das matas verdes onde ele nasceu. Da água fresca que bebia nos vales verdejantes. Dos frutos silvestres que lhe matavam a fome. Fatalmente, brotaria da sua voz outras perguntas: como tenta brotar no toco cortado, uma nova árvore? Por que o deixou sem morada? Por que derrubou a árvore que lhe dava sombra? Deixou secar o rio que matava sua sede? Por que fez murchar a flor que coloria sua vida? A dele e a nossa? Deus lhe deu por teto a amplidão, a mata. Não lhe roube o direito de voar livre pela floresta. Essas coisas o pássaro diria se pudesse falar, e a consciência do homem acordaria num burburinho de vozes, escutando tanta súplica, tanto apelo, tanto protesto, tanta pergunta sem resposta. E a sua mão, instrumento do Criador Celestial, deixaria de destruir o verde, que é o sonho da natureza. As cascatas trocaram seu sorriso por um fio d'água que o homem ainda não deixou secar. O beija-flor está agonizando por ter perdido sua flor predileta que gostava de beijar. O homem é o maior culpado pelo seu próprio sofrimento e pelo sofrimento da natureza. O homem está arrancando a paz e o coração da terra, que é a árvore. Deus criou a fauna e o homem no jardim da vida. Por isso, bendito seja aquele que sabe preservar o que é de todos nós, o nosso verde, amando a vida e servindo o amor. Que a natureza possa ainda fazer da vida um sonho e de um sonho, a realidade, diante dos olhos do homem. O CRAVO VERMELHO Aquele cravo vermelho, tão perfumado, tão belo, qual foi a mão que teve a coragem de arrancar-lhe uma folha? Não sei quem foi! Passeava calmamente por sobre a areia quente da praia. Vinha ao meu encontro um cavalheiro de meia-idade, com o vento brincando com seus cabelos grisalhos. Um tanto preocupada com aquele homem, continuei o meu passeio. O cavalheiro, com algumas rugas que tornavam ainda mais discreta sua beleza natural, trazia nos lábios um sorriso triste, mas fagueiro e fresco. Tão fresco e tão meigo como a brisa de um novo amanhecer. Eu vi no meu devaneio, aquele sorriso quase em forma de prece, misturar-se no vai e vem das ondas mansas do mar que, num murmúrio sutil, conta ao céu azulado a sua história triste ou alegre. Pois a gente nunca sabe o que se passa dentro das criaturas que passam simplesmente por nós, por acaso. Eu me divertia a brincar com a areia e as ondas. Nem mesmo via a tarde descer para me fazer companhia. Agora, no entanto, eu não estava sozinha. Bem perto de mim estava o estranho cavalheiro. Parou um tanto pensativo. Trazia nas mãos um cravo vermelho. Cumprimentou-me amavelmente e seguiu o seu caminho pela beira da praia. Súbito, o cravo caiu sobre a areia. Uma onda passa ligeira e carrega o cravo. A pequenina flor bóia na espuma branca da água. O cavalheiro não quer deixar a frágil flor abandonada à própria sorte, nem deseja que ela vá embora para o mar profundo. Lança- se atrás dela pela beira da praia. Vem uma nova onda e com ela o cravo, mas vem outra e leva-o. O cavalheiro fica triste, aguardando nova oportunidade. O pobre homem é muitas vezes enganado pela ondas. Porém, não desiste de insistir no resgate da flor tão querida. Por instantes, a flor flutuava, mas logo desaparecia. O cavalheiro pronunciou um nome quase em segredo. A noite vinha chegando. A lua já estava nascendo no azul do infinito quando veio uma onda fraca e calma trazendo a flor. Ela enroscou-se num caramujo que estava enterrado na areia e ali ficou, quietinha. Eu me abaixei sem nenhum ruído e apanhei o cravo vermelho, só então notei que era artificial. Tive medo que ele fugisse novamente e segurei-o firme nas mãos. O cavalheiro viu quando apanhei o cravo. Era a sua flor. Em prantos, me contou a história do seu cravo vermelho e o quanto ele significava em sua vida. Luciana, sua filha, ganhara de seus colegas o cravo na festa de seus quinze anos. Um ano após, Luciana morria afogada nas ondas desta praia. Luciana deixou para o seu pai somente a saudade e o seu cravo vermelho. QUE VONTADE DE VOLTAR! Que vontade de voltar! Que saudades de tudo o que deixei! A casinha pequenina, cantinho amigo feito de amor. Da noite nasceu o dia, do dia nasceu o sol, de você casinha pequenina, nasceu a minha paz e a vontade de viver. Que saudades eu sinto de você, casinha pequenina! Foi ali dentro que eu aprendi amar e ser amada. Que aprendi a sorrir e receber um sorriso. Encontrei ali a amizade e nessa amizade achei o meu objetivo de viver. Oh! Querida Afan! Que vontade enorme de voltar para você, para sentir aquele calor humano que só você saber aquecer. Sim, aquecer aquela criatura no seu amor fraterno que em você encontrou o verdadeiro sentido da vida, e a minha liberdade na reabilitação. Encontrei, acima de tudo, a fé, a esperança, a crença já perdida. Como é bom crer em alguma coisa ou em alguém! Eu busquei a luz naqueles olhos azuis, naqueles olhos verdes, naqueles olhos castanhos e naqueles olhos pretos, para os meus olhos sem luz. Mas aqueles olhos transmitiram a maravilhosa luz do saber para a minha mente, o que me é importante. Acenderam ainda em meus olhos espirituais a luz do amor ao próximo, luz esta que jamais se apagará. Que vontade imensa de voltar! Quantas saudades tenho da minha sala de trabalho, da dose de ânimo da tia Maria Olímpia me reanimando para a vida. Saudades do silêncio das crianças na hora da lição, saudades das estorinhas engraçadas da tia Gláucia no recreio, da bandinha, saudades da tia Dulce ao piano, da alegria franca e enérgica da tia Dalva, do sorriso meigo da tia Marise e das pequeninas confusões da nossa equipe de trabalho. Não posso esquecer também as vozes alegres daquelas senhoras das terças-feiras, que nos traziam o seu carinho durante uma tarde toda. O carinho que nunca deixa de ser uma oração a Deus. Hoje, recebi uma notícia que muito me entristeceu. Cheguei mesmo a chorar. A casinha da frente vai ser demolida. Que tristeza, eu gosto tanto de você! Você, casinha, era pequenina por fora mas grande por dentro! Deixei ali tantas recordações bonitas. Mas não é nada não, não vou deixar aqui um adeus, apenas um até breve. Você será reconstruída na minha saudade. Você foi e é um pedacinho da Afan e será um pedacinho de mim. PRISIONEIRA DAS TREVAS Consegui transformar meu mundo de trevas em um mundo cheio de luz. Consegui transformar o meu mundo de som em um mundo de belas imagens. Transformei o meu mundo incolor em um mundo colorido. Tudo nele é multicor e lindo, podem crer. Foi o destino quem o construiu. Fechei a vida num mundo feito de luz interior e de muita paz. Nasceu das trevas mas me trouxe muita luz espiritual. Acarretou muita claridade à minha mente e aos meus ouvidos. Posso ver tudo, embora vivendo na escuridão. Alguém me pergunta se eu vejo imagens nos meus sonhos. Eu as vejo, porque ficaram gravadas no meu espírito. Foi em um acidente que me tornei prisioneira das trevas. Na minha prisão tudo é uma constante adaptação. Adaptei também a vida nessa prisão perpétua e assim, sou feliz. Perguntam-me ainda, como posso amar. O amor nasce da amizade e da simpatia, vem da alma. Por isso não é difícil a gente amar. Eu sou uma prisioneira das trevas mas o amor me libertou... A POESIA DA VIDA Quem faz a vida é o indivíduo, segundo suas características psicológicas, a vida é poética ou amarga. A idade do homem também influi no modo de ver as coisas. Para a criança, a vida é eternamente risonha, porque é muito triste ver uma criança sem um sorriso nos lábios. Os adolescentes também encontram poesia no viver, mais do que os adultos. Estes, por já terem passado momentos de tristeza, perdem, em parte, aquele sonho que embalava os ideais de plena felicidade. As pessoas pessimistas acham a vida monótona, sem interesse de espécie alguma. No que os sonhadores vêem beleza e encantamento os pessimistas vêem banalidade e o lugar comum. Os sonhadores e os românticos adoram um pôr-do-sol ou uma alvorada, encantam-se com uma flor ou com um jardim florido, ficam embevecidos com uma criança que ri ou com uma campina verdejante, extasiam-se com uma música melodiosa ou com o gorjear dos pássaros, enquanto que os melancólicos se enfadam com as coisas belas da natureza, ou melhor, eles não as vêem. Passam pelo jardim sem sentir a flores, convivem com as crianças sem conhecê-las, ouvem belas músicas sem senti-las. Seus sentidos estão mortos para as belezas da vida. A poesia do melancólico é a tristeza, a poesia do sonhador é a própria vida. Existem aqueles que além de melancólicos são mais insensíveis que os pessimistas. Talvez os mais infelizes dos homens, não sentindo nem a presença de Deus. O poeta é aquele que vê poesia numa simples folha que cai, num fio de água que corre entre pedras, no balançar de um arbusto pelo vento, no cantar de uma cigarra, nas vozes dos animais ou num pequeno seixo solitário. A vida com poesia é como uma flor perfumada, inebria quem a vê e quem sente seu aroma. SE EU PUDESSE Penso, às vezes, em nossos sonhos e me perco na distância do passado. Penso na ilusão que vive por aí, solta pelo espaço, sem nunca ouvir falar na palavra prisão. Ela precisava estar presa no cárcere do esquecimento. Penso na amizade, no afeto que eu queria lhe dar, se pudesse. Penso no milagre do nosso encontro. Penso na fatalidade do nunca mais. Penso naquele rosto que ficou perdido na multidão, que me pareceu tão cansado. Ah! Se eu pudesse vê-lo. Seu eu pudesse ser o seu consolo... Se eu pudesse no mundo mandar, estaria juntando a felicidade para lhe dar. Se eu pudesse na vida mandar, estaria juntando sorrisos para lhe dar. Seu eu pudesse no pranto mandar, secaria toda lágrima para ninguém chorar. Se eu pudesse mandar no amor, ninguém ficaria sem alguém para amar. Sim, ninguém ficaria sem alguém para amar. Isto, se eu pudesse na vida mandar. Se eu pudesse mandar embora a solidão, ah!... se eu pudesse, ela estaria bem longe de todos os seres. E todo o mundo seria feliz, caminhando diante da vida, sem medo... PORTA DO CORAÇÃO A porta do meu coração está se fechando para o amor.. Meu coração é uma casa vazia, uma tapera assombrada com o fantasma da ilusão. Eco de amor não ouvido se perde na varanda escura da saudade. Está quase fechada a porta do meu coração. O amor se faz ausente no vácuo do meu coração. A presença da angústia é constante, invadindo a sepultura dos meus sonhos, desenterrando os ossos de uma ternura morta. Mas nem ossos encontrei, porque a minha ternura já havia se transformado num fantasma de ilusão. Alguém bateu sutilmente na porta do meu coração. Era o pranto. Os corredores vazios de minha alma enchem-se de soluços por saber que o seu amor é apenas um mundo de ilusão. Meu sonho está voando pelo espaço do seu desencanto. A agonia vem a cada instante bater na porta do meu coração, pedindo para entrar. Entre, não faça cerimônia, que é o seu lugar. Alguém que foi embora deixou-o só para você morar. Ontem, o Amor era o dono de meu coração. Hoje, ele passou a escritura para a Dona Tristeza morar. Meu coração, na ânsia louca de ser feliz, acreditou no amor que nunca existiu. Foi só fantasia, coração caduco... Deixe suas portas fechadas e declare greve ao amor. Deixe apenas em cada sonho desfeito um pétala de saudade. Sim, coração, somente uma pétala de saudade... INSPIRAÇÃO É tão belo descobrir em alguém ou em alguma coisa a inspiração! Eu busco inspiração em tudo. Num sorriso, na brisa que brinca com o meu rosto. No barulho das ondas do mar, num entardecer, numa flor que vem às minhas mãos. Na tristeza, na alegria, no segredo misterioso da noite, na lua que ficou gravada na minha mente. Na chuva que cai, nas estrelas, cujo brilho ainda continua vivo na minha imaginação Eu busco inspiração até no próprio chão que piso. Na paz, na esperança. Na palavra, na música, no amor, na coragem de viver, no mundo sem luz. Na ternura, na dedicação, na compreensão, na aventura. Eu busquei inspiração no seu suspiro, suspiro tão profundo que deixei morrer no vazio uma pergunta que nunca veio. Eu busco inspiração nos sonhos e na simples rotina do dia-a- dia e até mesmo na minha rua vazia. No silêncio mudo de seus passos que não surgem mais na calçada. Não sei porque você nunca mais passou por ela. Talvez tivesse mudado de emprego ou residência... Todos sabem que minha inspiração é você, só você não sabe. A minha inspiração nasceu de sua voz e de sua bondade. Sentada no sofá, sinto você ao meu lado, a brincar com meus cabelos. Mas nós nos julgamos apenas colegas. Por que então sentimos necessidade da presença um do outro? Só Deus sabe! Eu busquei inspiração nos passeios que fizemos juntos e então nasceu meu despretensioso diário, onde registrei nossos encontros, telefonemas e até as primeiras brigas. Nossa separação e a alegria do reencontro. Lembro-me que fui eu que perguntei: Está muito zangado? E você respondeu: "Foi tudo muito triste". Nossa amizade se tornou muito mais sólida e mais profunda. Hoje somos mais colegas e amigos do que fomos ontem. Sempre que estamos juntos, penso, por que a vida cruzou nossos caminhos, deixando-nos na mesma encruzilhada? Eu não sabia que você existia e nem você sabia de minha existência. Por que então Deus nos deu a graça de nosso encontro? Pergunta sem resposta... Eu quero que a nossa amizade se transforme numa inspiração constante, numa mútua compreensão. Eu fiz nascer de minha mudez a palavra. Da palavra nasceu minha inspiração, nasceu a crônica, nasceu o verso, nasceu o sentimento, nasceu você e tantas coisas mais. O conhecido e o desconhecido. O conhecido é você, que sempre me estendeu a mão. O desconhecido foi a descoberta do meu próprio eu-gente, para escrever para todos a minha mensagem de paz e de amor, pois a inspiração é a causa do meu viver. Ela vem da luz de seus olhos que me contam o que eu quero saber e onde eu quero ir. Que me ensinam tudo o que eu desejo aprender. Minha inspiração são vocês, e os dois mundos por onde passo. O mundo de imagens que ficou no passado e o mundo de sons que vive no meu presente. O ADEUS Abre-se o cortinado lá no horizonte e surge, lentamente, o fulgor de uma nova manhã. O céu está muito claro. As ondas das pequeninas nuvens se espalham no infinito, dando passagem para a brisa ir beijar os campos, enquanto que eu vou sozinha respirar o ar puro solto na amplidão. Hoje me sinto afogada nas ondas do mar da solidão. Vi fugir com a lua o seu vulto amado. Vi nascer com o sol do ocaso o nosso adeus. Luz do nosso amor vai se apagando e nascendo entre nós o crepúsculo da despedida, ou seja, o crepúsculo do último adeus. Os nossos instantes de paz, de ventura, dos sonhos que junto sonhamos, ficaram flutuando no vento do nosso adeus. Agora encontro em minha vida o vazio de sua ausência. Só Deus sabe o quanto amei você. Tudo quanto quero é esquecer o seu adeus. Oh! Quem me dera deixar debaixo do véu do esquecimento suas falsas promessas de amor, para depois vir o nosso adeus. Oh! Quem me dera morrer nos braços do tempo, esquecida da hora amarga e triste do adeus. Uma força oculta nasceu dentro de mim e não deixou que uma lágrima impertinente viesse rolar pelo meu rosto. Por que chorar, se foi você quem me disse adeus? Nosso amor foi como uma folha que reverdeceu na primavera da ilusão e depois secou, se perdendo no outono do adeus. Assim, vou vagando sem destino, aqui e ali, em busca de um outro amor. Desta vez com os pés no chão. Sabendo o que quero e como quero. Sei que além, muito além, existe alguém a minha espera. O tempo passou e você voltou. Agora está aqui diante de mim, me pedindo para ficar. Você deixou a distância adormecer o meu amor. Eu vou sempre em frente, deixando para trás somente o eco do meu adeus. Já estou cansada de viver na incerteza. Quero respirar livremente o ar que me é oferecido pelo vasto espaço da liberdade. Não quero, nunca mais, sentir na alma a agonia do adeus. A chuva do arrependimento caiu sobre a relva seca do seu coração tarde demais. Com o arrependimento veio uma lágrima orvalhar aqueles olhos negros que eram só meus. Mas eu fugi logo, sem nenhuma lágrima, só com o adeus... COCHICHO DA NATUREZA Aqui eu vivo contente. Quando surge a alvorada, o sol não tarda a nascer. Os passarinhos começam a cantar e a natureza acorda feliz. Desperto com ela e saio a passear pelo campo verde. O campo que me viu nascer, o campo que me fez sonhar. A terra vermelha como uma rosa me faz recordar minha infância que ficou para trás. A terra que também me viu crescer. A terra que o vento levanta a poeira vermelha que vem beijar meu rosto moreno, queimado pelo sol. Esta terra é dona do meu sorriso. Ela tornou ainda mais feliz minha vida. Como é tranqüilo o meu sertão. As horas são cheias de encanto. Em cada hora que passa, deixo para trás meu ninho de amor e levo somente recordações felizes. A relva brilhante enfeita a natureza, enquanto a chuva fina umedece a flor. Neste recanto solitário tudo me faz pensar em você. O campo que me trás a saudade de estar a seu lado, ao lado de nossa cascatinha, onde a água corre de mansinho por baixo das pedras. O meu sertão é belo. Sua mata está recamada de flores agrestes. Que vontade eu sinto de escutar o cochicho silencioso da natureza. Aqui tudo é perfeito. O orvalho da noite, a árvore que dá sombra, o fruto que vem dar sua vida para alimentar outras vidas. O lírio branco que canta baixinho sua beleza. A tristeza da violeta por ser tão insignificante. A natureza tão sossegada envolve na paz o meu espírito. Ela me faz sonhar e recordar você. Ouço sua voz até no gorjeio dos pássaros. O luar do meu sertão é o poema que a noite canta como uma canção para a natureza adormecer. Hoje eu fico a perguntar para a lua em que astro ou estrela se escondeu o nosso sonho de amor. O tempo passa, e eu fico na mesma encruzilhada esperando por você. Mas você não vem. Então ouço somente seu riso no cochicho da natureza. Sinto na flor o seu perfume. O vento também me traz o seu carinho. Como é bom ser gente para amar as criaturas e a natureza abençoada por Deus. Assim, em cada momento nosso coração recebe novas emoções, e renasce em nós um novo sonho. Onde você estiver, procure ser feliz, assim como eu sou feliz ouvindo o cochicho da natureza. MANHÃ DE SOL Que bela manhã de sol. O céu está muito claro. As nuvens desaparecem no infinito, deixando-o mais azul. O sol nasce pitoresco, derramando seu brilho pela amplidão solitária e fria. É a sua primeira saudação risonha: a alvorada. As folhas verdes ainda adormecidas despertam com o beijo ardente do astro-rei. As andorinhas aquecidas pelo seu calor começam vagarosamente seu devaneio em um dia claro e radioso. As cigarras pousadas sobre gigantesco pé de Ipê, coberto de flores amarelas, entoam sua canção matinal. Os pássaros também, em doces gorjeios, saltam de seus aconchegados ninhos para saudar com afago esta esplendorosa manhã de luz fulgurante. O cisne branco como a neve singra as águas serenas do riacho que, tal qual fio de prata, corta o vale verdejante. O reflexo do sol paira sobre os oceanos e mares, fazendo brilhar e rebrilhar as ondas verdes cor de esmeralda. Os raios dourados do sol sobre as águas dão uma miragem integral ao espectador deste espelho mágico. Por intermédio dele, o personagem busca dentro do seu eu a inspiração para interpretar diferentes papéis no palco misterioso do destino. O poeta busca no cenário da ilusão argumentos para escrever aquele que será seu belíssimo poema. O cantor busca mais inspiração para realçar as trovas de seus versos entre ponteios sonoros de seu violão. O pintor sentado sobre uma pedra coberta de relva verdejante, tenta retratar na tela dos seus sonhos, a imagem da sua princesa encantada. Enquanto os namorados passeiam entre o roseiral florido, acariciados pelo vento perfumado do amor, as crianças tagarelas brincam de pega-pega, amarelinha, algumas cantando as maravilhosas canções populares: Cirandinha, Nesta Rua Mora Um Anjo, etc. O tanger do sino da pequena igreja da aldeia chama os fiéis para a Santa Missa domingueira. O coral entoa um hino cheio de fé, como um agradecimento a Deus por mais esta manhã de sol. Enquanto o sol brilha para todos, o coral entoa hinos de louvor ao Criador que, do alto do céu, derrama suas graças sobre os corações. O PASSARINHO QUE CONHEÇO Era um linda tarde de verão e o sol brilhava fulgurante. Minhas colegas do colégio e eu trocávamos idéias à sombra de formosa laranjeira. Contemplávamos no alto da árvore, um belíssimo passarinho que, pelo seu sonoro gorjeio, distinguimos ser um sabiá. O sabiá é elegante e belo, possui macia penugem e tem a cor escura quase o pinhão, com o peito mais claro de um azulado. O sabiá enfeita a natureza, acalentando com a melodia de seu canto os sonhos de todos os que o ouvem extasiados. Deus deu a vida aos pássaros e a amplidão para que possam gozar de toda a liberdade. Com suas delicadas asas pousam nas árvores mais altas, como que para fugir dos caçadores que não têm compaixão de tão bela avesinha. Deus também deu a voz a essas lindas aves, a fim de que, com seus lindos trinados, saúdem a alvorada, despertando assim o homem para que veja que já raiou um novo dia. Tenho pena do pássaro que vive engaiolado, mesmo que seja em gaiola de ouro na casa mais rica. Nada vale à liberdade. O canto do pássaro cativo é triste, da ave liberta é o canto da felicidade, é a melodia da esperança. Cada vez que ouço o canto do sabiá, lembrar-me-ei sempre daquele dia em companhia de minhas colegas, e nossa amizade ficará gravada com aquele canto melodioso e inesquecível. SOL DA PRAIA O sol já ia alto. O mar refletia seus raios luminosos que pareciam quebrar nas ondas, formando um tapete ondulado de cores que variavam do verde, passando para o azul e nas orlas das ondas brilhava um branco rutilante, cambiando todos estes tons com a sombra cinza esverdeada das vagas mais profundas. O ruído do mar era uniforme, as batidas das ondas se repetiam compassadamente, e o arrebentar das espumas era como uma gargalhada da natureza escarnecendo da luta eterna do mar contra as rochas e as areias da praia. De frente à praia, a alguns quilômetros, se desenhava uma ilha na qual só se notavam sobras pardacentas, sendo os contornos mais altos iluminados pelo sol formando franjas coloridas refletidas nas águas do oceano e esmigalhadas pelo seus movimentos, parecendo uma miríade de insetos luminosos. O dia era quente, mas a aragem vinda do mar balançava os galhos das poucas palmeiras que habitavam as areias da praia, fazendo a temperatura mais amena. O rumores vindos da cidade próxima confundiam-se com o canto das aves que, em vôos rasantes, pescavam o seu alimento. O QUE VEJO DA MINHA JANELA Venho à janela e contemplo a natureza. Vejo o nascer do sol no horizonte cor de anil. Debruçada sobre a janela, recebo os raios dourados do sol que vêm beijar meu rosto. Fico pensativa diante do espetáculo deslumbrante que a natureza traz aos meus olhos. Contemplo o bailado das borboletas por entre as flores. Em dado momento, voltei o olhar para um recanto do jardim onde existia um belíssimo lago azul, sobre o qual deslizava o vaidoso cisne branco como a neve. Tudo me parecia um sonho. Era maravilhosa aquela manhã, os pássaros cantavam anunciando a chegada da primavera. O ar estava perfumado pelas rosas primaveris. Estava encantada com o efeito daquela beleza perpétua. Foi quando alguém me desejou bom-dia. Volvi-me para o lado de onde vinha o doce eco daquela voz. Era alguém que trazia nas mãos um ramalhete de rosas. Respondi ao cumprimento amável e disse-lhe apenas muito obrigada pelas flores, pois gosto muito de rosas. Permaneci calada, meu coração pulsava violentamente. Olhei o céu distante, para que ele não percebesse minha emoção. Ouvi doce murmúrio de vozes infantis. Eram crianças que chegavam às margens do seu querido lago encantado, onde vinham brincar todas as manhãs, durante as férias. Crianças que traziam nos lábios sorrisos alegres e inocentes. Traziam consigo bonito castelo feito de sonhos e ilusões que faziam palpitar seus corações. Almas tão puras e angélicas, brancas como a neve, que envolviam minha alma numa doçura sem par. E no vai e vem, ora correndo com caminhãozinhos, ora jogando futebol, os menores com seus revólveres tentando imitar os mocinhos do cinema. Com aquelas brincadeiras, distraiam minha triste solidão, porquanto as crianças são a continuidade da vida. O PASSARINHO Ele é bonito, é engraçado, é pequeno. Sua vida lá fora é o seu canto, é o seu vôo livre cortando o céu nas asas do vento. O seu brinquedo preferido é o espaço. É a luz da natureza. Eu, aqui dentro, canto a saudade de um sonho distante, a desventura de um amor perdido. O pássaro vive feliz no seu mundo de paz. Seu lar são os ramos, o meu a solidão. Se está cansado repousa, sem luxo, nos braços de um galho qualquer, criando, ali, mil canções. E eu, aqui dentro, vivendo não seu para quê, sem vontade alguma de cantar. Passarinho, não fique triste com o meu desabafo, e continue sua canção, pois é a lei natural da vida: enquanto alguns cantam, outros choram. Enquanto um amor vai, outro vem. Vem contente, atrevido, a rir, a dizer: "Veja lá, não vá cair mais uma vez no abismo da decepção. Venha por este lado, o lado da realidade, porque o seu sonho é muito grande e o seu amor maior ainda. Cuidado, quando for passar pela ponte da felicidade. Se enxergar tão somente um mar de rosas, mas também um mar de espinhos, poderá ser feliz, subir pelo infinito dos sonhos, cantar e rir lá do alto. Que o sol da fé e da esperança fique perto ou mesmo dentro de sua mão". Como o vento sopra sobre as asas do pássaro, cuidado, para não cair das asas do sonho. O vento sabe equilibrar-se, e o coração, muitas vezes, se desequilibra e pode cair no solo do desencanto, machucando-se. Por isso, passarinho, continue voando livre, amando tudo, sem prender-se a nada. Eu amei uma só vez o nada, quando podia amar muitas vezes o tudo. Amei o nada, porque somente eu amei. Hoje, aprendi uma lição com o pássaro que canta na minha janela, ao amanhecer. A gente deve amar tudo para ser amado. Meu amigo passarinho, obrigada. MEU PARANÁ Vi os pinheiros no alto da montanha, gigantes e belos, na terra hospitaleira dos pinheirais, o meu Paraná, o nosso Paraná. Ouvi a gralha azul cantando nos planaltos verdejantes do Paraná. Vi o café nascendo na terra vermelha. O Paraná forte, que não esmorece diante das adversidades da natureza, sobre a planta do seu chão fecundo. Nem a geada, nem a neve prejudicam o vasto celeiro do Brasil que é o nosso Paraná. Debaixo da sombra dos pinheiros, abrigam-se, no prado verde, as flores. Flores vermelhas, brancas, amarelas, colorindo o campo todo. Enfeitando a natureza. Contemplo com os olhos da alma os pinheiros da montanha. São lindos, diz-me baixinho o coração. Mas as flores zombam deles, enchendo o espaço de sonoros risos. Quando o outono voltou vi na montanha outra vez os pinheiros vivos, bem verdes, cravados de pequenas pinhas, meneando ao vento seus galhos pensativos. Volvi o olhar ao campo outrora barulhento, onde escutei o riso zombeteiro das flores. Procurei-as em vão. Tinham morrido... Estavam ali os pinheiros humildes, mas gigantes e fortes, cobrindo, sem vaidade, as montanhas do Paraná! NÃO TEM AVALISTA Todo o homem, por alguns segundos, volta o seu pensamento a Deus. A vida não precisa levar calor ao mundo. A vida precisa levar luz ao mundo. A luz que vem de Deus, através da vida. O caminho da vida por onde passamos, tem somente um destino determinado, Deus. A esperança é quase a certeza de chegar lá, porque ela nasce da fé inabalável que temos em Deus. O tempo passa, tudo muda. O que fomos, o que somos, jamais seremos novamente. O que somos, afinal? Espuma que hoje ferve na torrente e amanhã desmaia. Como define o poeta: "Espuma que se desfaz com sopro". O que hoje é vida, amanhã pode fenecer. Os que hoje pulam, riem, cantam, falam, ouvem, enxergam, talvez amanhã não o façam. Isto porque nada somos, realmente. Por que então percorrer caminhos diferentes? O do orgulho, o da vaidade, o da ilusão, e não o caminho do céu? A própria vida é uma ilusão passageira. Por que o orgulhoso se afasta do mendigo, se os dois cruzam pelo mesmo caminho, tornando-se nada, transformando-se em pó? Qual a diferença, então? Nenhuma, pois a verdadeira diferença ninguém vê. Ela está no íntimo de cada um. Somente se manifesta nas virtudes, nos bons propósitos, no amor que está longe dos olhos materiais, os quais, geralmente, vêem as coisas vulgares da matéria. Não é difícil compreender a vida espiritual, a vontade de Deus, aprendendo, assim, o caminho do céu. Basta que cada um, pelo menos por um minuto diário, medite na sua condição de ser humano. Então, concluiremos que, na realidade, nada somos, que estamos na Terra de passagem. Para uns, a estrada é longa, para outros, breve. Mas o fim é um só. Preparação para outra vida, para a eternidade. Por isso, amigo, esteja sempre pronto, pois no céu não tem avalista. Não entra no negócio nem o carro, nem o telefone, nem o apartamento. Lá não vale nem carta de apresentação. No céu só vale a vida de fé, a vida de justiça, a vida de amor, a vida de perdão! A ÁRVORE Porque verga o meu corpo sobre a terra? Diz a árvore para o vento. Se apenas as manhãs me deixam orvalho? Se somente a chuva mata a minha sede? Árvore tímida agasalha seus frutos entre folhagens verdes, contra o frio da noite. Ergo-me humilde e calada, me rebaixa com os seus fortes açoites. Ó deixa-me viver, lançar fruto na terra, alimentar o faminto. Ó vento, não me tire a vida, deixa-me contemplar a magia das estrelas. O vento agitava sem dó o corpo ainda jovem da pobre árvore. Ah, se eu fosse bem criada com as minhas raízes grandes Você, vento, não me agitava assim. Não vê ó estrelinha, minhas folhas murchas, tão cedo vou pender ao chão. Pois não tenho garra forte para me fixar na terra. Em breve tempo desfolharei já morta, se chegar o próximo verão. Tem dó de mim, deixe-me ao menos desfrutar um momento de prazer que é ver nascer a minha última aurora, e deixa-me então morrer no fim do entardecer. Este é o meu último pedido. A árvore, retraindo os galhos, seu clima triste surgiu na aurora, não chegou ao entardecer. Teve pouco tempo de existência. Deu somente um florada, produziu somente uma leva de frutos, só a noite veio procurar por ela mas não a encontrou, achou ali tombada no chão. Sem flor, sem fruto, sem vida. Assim, infelizmente, é o homem, vence sempre o mais forte. A BORBOLETA E A ABELHA A borboleta e a abelha bailam sobre as flores, festejando- as. A borboleta e a abelha cruzam os ares, num vôo solitário, cada uma com um destino diferente. A borboleta, é amante da cidade, dos campos, dos jardins, das flores das casas. As borboletas enfeitam a natureza, dão colorido à vida. A abelha, loira como um cacho de trigo, vai a procura da flor agreste, da rosa, do lírio, e das flores silvestres, o néctar das flores em mel. Mel que cura a doença e alimenta o corpo. A borboleta e a abelha, por essas andanças da vida, encontram outros amigos como o vaga-lume e o grilo verde, na amplidão. Voando soltos pela amplidão, a abelha, a borboleta, o grilo verde e o vaga-lume, por este alado mundo, pontilhado de sonhos. Mundo caprichoso, que ora gira beijando a flor. E outra gira beijando a fonte, sob a brisa sonhadora. O dia desponta sacudido pousando afago sobre a planície com suas asas vaporosas. A abelha e a borboleta enchem-se de alegria, vão sem medo. Vão lúcidas voando para as matas, no seu mais doce porvir, partem felizes as borboletas amarelas, o grilo verde, a abelha loira, o vaga-lume, com sua lanterninha azul, pelo mundo rodante, em busca de um lindo porvir. Pois os bichinhos todos são amigos da gente e da natureza toda. A CHUVA A chuva caía em todos os lugares. Dando vida aos frutos da semente lançada ao solo, eu faço nascer a planta. Dou vida até para o deserto. Cada pingo meu, brilha como gota de pérola. A chuva brinca como uma criança. Pintando o sete dentro das nuvens. Ela tem um grande amigo para suas brincadeiras, que é o arco-íris. Os dois viviam correndo, escorregando no azul do firmamento. Pulando de cá para lá, entre os raios dos relâmpagos. O trovão, pai da chuva, reclama: - Chuva, minha filha, cuidado... O azul do espaço anda tão perigoso, cheio de tempestade. Com muito granizo. Mas ela não tem medo. Nem medo tem o arco-íris de forte temporal. Os dois apostavam corrida com os ventos. Metem medo nos granizos que são amigos do temporal. Um dia, a chuva parou para pensar: - Sou útil para a vida de todos os seres vivos. Vou conversar com o trovão, com o granizo, com o vento, com o temporal, para acabar com a guerra entre a natureza e o homem. Vou falar de paz, de amor, da vida na terra onde jamais seja atingida pela fúria do temporal. A ESTRELA Quando uma estrela surge na noite, nasce uma esperança naquele que está debruçado na janela, esperando para o dia seguinte uma melhor sorte. O jovem triste, olhos vermelhos e muito abertos, tomados pelo tóxico, esquiva-se atrás da cortina, e pede a ela uma mudança em seu destino. Crê que ela é sua estrela da sorte. Diz para si mesmo: meu Deus, eu sou perfeito, tenho olhos para enxergar, ouvidos para ouvir, braços para abraçar, posso caminhar até meu irmão em busca da felicidade, e deixo tudo isso escapar. Vejo em seu cintilar, um brilho de esperança. Quanta gente faminta de amor, com sede de carinho, quanto tempo perdido de uma mocidade inútil, sem nada fazer. Tantos amores há na terra, é preciso ouvir os apelos. Olhando aquela estrela, o jovem saiu do sonho infeliz das drogas para uma realidade mais feliz. Desejou esquecer o passado que destruía sua vida aos poucos, desejou esquecer as drogas e praticar o bem, e pensou: quando aquela estrela morrer com a aurora da manhã e o primeiro raio do sol surgir, estarei pronto para começar uma nova vida, livre das drogas e caminhar para o bem. A FOTOGRAFIA Nós nascemos, crescemos, e ao atingir o ponto em que começamos a entender, deparamos com cenas que comovem profundamente. São cenas de todos os tipos, muitas são horríveis e outras enternecedoras. Aquelas que nos ferem, sempre procuramos bani- las de nossas mentes, mas aquelas que trazem felicidades, temos o desejo de levá-las conosco para sempre. Mas sabemos que isso é impossível, pois com o correr dos tempos tudo tem fim, a mocidade e a própria vida. A única forma de manter sempre vivas as cenas que nos tocam muito de perto é a fotografia. Graças a ela podemos contemplar por muito tempo aquilo que muito significa para nós. Seja uma paisagem ou alguém que nos é muito caro. A maioria dos pais, para manterem sempre viva as imagens de seus filhos pequenos, fazem fotos de todo o jeito. Através delas podem acompanhar a evolução dos pequeninos. Quantas vezes nos encontramos amargurados e solitários, e isso nos traz enorme melancolia. Então, olhamos uma fotografia de alguém que nos proporcionou momentos felizes, ou a foto de um lugar em que tivemos bons momentos, tudo se afasta e podemos nos sentir mais aliviados. A fotografia é o cartão que registra nosso passado e vive conosco nosso presente. A LARANJEIRA Mostra na sua glória, um coração bondoso, sem vaidade. Mostra na sua beleza, esplêndida modéstia. Mostra nas grandezas de seus frutos, a simplicidade. Sem orgulho mata a sede e a fome do homem, que se julga grande na sua pequenez. A terra segura firme os seus pés, contra a fúria do vento no temporal, para que não tombe ao chão. O ar oferece-lhe o seu frescor, para que viva e não morra sufocada pelo calor, deixa o perfume dos seus frutos, das suas folhas no caminho, sacia a sede do viajante com o seu líquido precioso. Deixa sentado no seu galho o ninho do sabiá. Depois vêm mais aves hóspedes pousar na sua copa, alimentam- se com o seu fruto. Elas, na sua linguagem simples, dizem-lhe cantando: - Obrigada laranjeira amiga que me deu o seu galho para descansar, o seu fruto para matar a minha fome, que deu a sua sombra para me defender do calor do sol, dos pingos da chuva. Quanto ao homem que, na sua linguagem bonita e complicada, se fortalece com a sua vitamina e nem lhe diz "obrigado, meu pé de laranjeira!" A planície e a alta serra saúdam-lhe sem desdém e aguardam cheias de saudade a sua sombra amiga. O perfume da sua nova florada. A MÃO Mão firme, mão branda, mão franca. Mão que a neblina da sabedoria orvalhou. Mão que guarda sempre um gesto de bondade. Mão que voou das letras para o ideal de reabilitar o deficiente. Mão que leva o aprendiz para a luz da sabedoria. Mão que me conduziu para o entendimento, que apagou em mim a sombra da ignorância. Mão que me libertou da descrença. Mão que me ensinou a amar a vida, vida quase destruída por um copo de veneno. Mão que foi meus olhos por tanto tempo em minha juventude. Mão que das letras me transmitiu coragem e independência. Mão dinâmica e forte na reabilitação do deficiente. Mão que transmite cultura. Mão que prepara o deficiente para o trabalho. Mão mensageira que levou para a comunidade a mensagem do direito do trabalho do deficiente visual, para que vivessem no mundo de todos. Mão que levou o deficiente para ter o seu lugar ao sol. Mão que abriu o caminho do mundo para o deficiente caminhar sem medo de rejeição. Mão de mestre que nos ensinou a acreditar no hoje e no amanhã de nossas vidas. E é à mão do Professor Osni Macedo Saldanha que envio o meu muito obrigado, pois através de sua dedicação é que hoje somos gente, vivendo mais perto de outras gentes, competindo corpo a corpo com todos eles, caminhando para a realização de nossos ideais. Muito obrigada, Professor Osni. Que Deus lhe pague esse trabalho tão grandioso. ÀS MÃES Maio, mês das flores, das mais lindas rosas que enfeitam com infinita beleza o aspecto gracioso e gentil da natureza, espargindo pela amplidão seu suave perfume. O mês de maio traz ainda diante de nós outra flor ainda mais perfeita e angelical, que desabrocha com doçura e amor no jardim de nossos sentimentos. Ela é a rainha de todas as outras: é a flor mamãe. Mãe que acalenta nossos sonhos e embala nossas ilusões. Salve, pois, o segundo domingo de maio, consagrado a todas as mães do mundo. Mãe, nome sublime, ser que dá vida a outra vida, que é a jóia do lar. Mãe é o luzeiro seguro que nos guia na jornada perigosa de nossa vida de criança, de adolescente, da juventude expansiva e sonhadora, enfim, ela é a luz que ilumina toda a fase de nossa vida. A juventude moderna tem a imaginação repleta de curiosidade, sonhos e dúvidas que são satisfeitos pelos ensinamentos de nossas sinceras amigas, nossas queridas mães. Elas são nossas primeiras mestras, nos indicam o caminho seguro para um futuro brilhante. Mãe é o lírio divinal que enfeita nossa vida, pois é através da ternura maternal que venceremos os problemas terrestres. E com seus conselhos de amor chegaremos a um bom caminho. A NOITE A noite vem, inspirando versos para as estrelas. As estrelas, salpicadas de luz, cobrem a prata do céu azul. A lua, com sua luz pálida, cobre a relva adormecida. A névoa, cobre com o seu manto branquecento, mas bem leve, as frias montanhas. Tudo é silêncio. Somente o arco-íris desperta, debruçado sobre a amplidão depois que cai a chuva. A chuva se acalma enquanto a lua caminha errante pelas campinas com o seu pálido olhar. É hora de mistérios. Dançam as fadas peregrinas nos castelos assombrados. Brincam no mar as sereias e os peixinhos dourados. O vaga-lume, os saci-pererês brincam com o negrinho do pastoreio na floresta verde. Os montes altaneiros contemplam a luz austral. Abrem-se as flores dos laranjais, vertendo odores entre as sombras da noite. A brisa embala em seus braços o bosque, que sonha sossegado com as estrelas. O mundo também dorme, no colo quente da noite. Os passarinhos cochilam enquanto a luta vai se apagando, Desperta fagueira a estrela d'Alva. Ela traz encantos para a terra. A colina, o rio, o monte e a pequena fonte, descansam na noite. O carrossel da noite leva no seu giro o arco-íris para as nuvens azuis. O carrossel desce da nuvem azul trazendo a luz de um novo amanhecer. O amanhecer vem quebrar as sombras do horizonte, e a luz da manhã desperta o mar, ali termina os seus sonhos. A noite, para o espaço e para o tempo, é como a fada azul, um segundo de magia, escurece, ligando a vida ao sonho. De repente, vira a varinha mágica e desliga a vida do sonho para a realidade de um outro amanhecer. Então, ali estamos nós, com os pés no chão, aguardando as surpresas do dia seguinte e a esperança de um outro anoitecer. A NUVEM AZUL O sol vermelho se esconde entre o céu anil, torna-o cor-de- rosa onde uma nuvem azul em forma de um coração. Logo na boca-da-noite nasce uma estrelinha brilhante, em cima da nuvem azul para velar o sono do luar adormecido. No colo da nuvem azul, descansam os sonhos dos astros. Cada pingo d'água que cai da nuvem azul, revigora e fortalece o amor da natureza. O sereno beija a flor e nasce dela uma canção. A mulher gosta de flor, o homem gosta de trovar versos, ele chega despreocupado e oferece-lhe uma flor, ela, descuidada, pega a flor na mão e aproveitando uma deixa, olhando para a nuvem azul, trova seu versinho de poeta. E entre os dois que mal se conhecem, começa o amor, que é responsável por tudo, joga-lhes um sorriso e a estrelinha brilhante acena-lhes um adeus, e lá vão embora. Deixando de presente o mundo, o sonho, o amor, a nuvem azul num instante desaparece, mas deixa na sua passagem o homem, o mundo e o amor. ALÉM DAS NUVENS Vê-se no espelho da natureza, vê-se pela janela, a beleza do entardecer. A beleza do crepúsculo caindo lentamente sobre a amplidão, sobre a serra, branquejando pedrinhas brancas pelo chão. Sobre o vale quase adormecido, iluminado apenas pela luz pálida do sol que corre fagueiro pela tarde que termina, entra o crepúsculo na imensidão, trazendo o sono, a paz, o sonho, o descanso, para o lavrador exausto do trabalho. No seu repouso, ele refaz suas energias para o labor do dia seguinte. A vida rejuvenesce no orvalho de ser forte. Com o seu chapéu de palha quebrado na testa, com a sua enxada nas costas, volta o lavrador cantando para o seu lar. A ruga do seu rosto rouba-lhe a idade, enchendo de sombras a sufocá-lo, mas ele não perde a fé no dia-a-dia do seu trabalho. A noite aí vem descansar nos seus ombros. Um fio de prata, uma lágrima, resvala trêmula a cintilar como se o céu fosse uma primeira estrela, um primeiro crepúsculo, a mirar o meu rosto e me falar de poesia, a me falar da terra, a me falar de gente trabalhadora, a me falar do crepúsculo, a me falar de tudo, do luar do sertão, da vida sertaneja, do boiadeiro, do lavrador, do vaqueiro, que lutam com a terra, com a natureza, com o pasto para me dar leite e o pão. O alimento, afinal. A tarde vai para além das nuvens. Vem o crepúsculo trazendo em seus braços a noite criança. O PASSARINHO A casa era pequena. Mas tenho saudades dela. Ainda hoje lembro-me de tudo. Parece que vejo, sem ver, quem me dera voltar no tempo! Volto ao passado com o pensamento. Vejo cada coisa em seu lugar. O retrato de casamento de papai com mamãe, pendurado na parede. Na mesinha rústica da sala, a toalha de crochê feita por ela, e na toalha, o bordado da galinha amarela. Os bancos de táboa, o altarzinho enfeitado com flores colhidas em nosso jardim, oferecidas ao Menino Jesus. No canto do terreiro, uma grande caneleira onde eu armava minha rede. Sua sombra era imensa e me protegia do calor do sol. Nesse grande terreiro eu brincava com os cabritos, o leitão, o galo garnisé, com o terneirinho molhado, e corria também para pegar lindas borboletas. Como eu era muito solitária, fazia de conta que havia uma criança muito bonita que vinha comigo brincar. Ouvia então o canto dos passarinhos que talvez fossem tão solitários como eu. Tenho muitas saudades de meu casebre. Ele é a minha origem, ali vivi com minha mãe e minha avó que iam trabalhar na roça e eu ficava em companhia de meus bichinhos e meus amiguinhos de faz-de-conta. Lembro ainda da jabuticabeira cujo pé ficava no fundo do quintal. Ela ficava cheia de passarinhos que vinham comer seus frutos. Lembro de um que sempre ficava sentado quietinho em seus galhos. E eu perguntava: passarinho, por que fica aí tão quietinho, se você tem a mata livre para viver? Passarinho, você não tem do que sentir saudade, pois você tem a liberdade. Tem asas para voar e ir para onde quiser, não é como eu que vivo presa na cadeia das trevas. Mas é necessário viver, passarinho, e cada um vive como pode, dentro de suas limitações, por isso eu vôo nas asas dos sonhos. Continuo, então, com minhas lembranças, tudo aquilo que ficou gravado no passado de meus olhos: revejo a imagem da mata, dos campos, das flores, dos pássaros, das borboletas, da linda estação da primavera. Escuto ainda, ao entardecer, o canto alegre da saracura junto ao rio, o gorjeio da sabiá lá na palmeira grande. Os vaga-lumes que, em bando, vão por sobre a relva fresca, enquanto o vento balança as folhas dos coqueirais. E aquela gaiola sempre ficou vazia, pois passarinho foi feito para voar livre, não deve ficar preso nem mesmo em uma gaiola dourada. De repente, aquela casinha ficou vazia. Tudo se calou. Alguns comentam e passam de boca em boca: não moram mais ali nem a menina nem os passarinhos. Os passarinhos procuraram suas vidas em outros lugares, no silvestre. A menina, ninguém sabe, há quem diga que ela foi para longe, para um colégio de cegos. A casinha ficou fechada. Os vaga-lumes vêm para o terreiro contar mil estórias. Um vaga-lume contou para os amigos que no lago aparecem luzes estranhas, as folhas brilham, cobrem a serrania com pequenas estrelas. Mas, apesar da menina ter ido embora, a vida da natureza continuou. As borboletas azuis continuam voando pelo espaço. Os vaga-lumes são as estrelinhas da noite. O papagaio tudo escuta e sente saudades da menina que era tão amiga deles todos. E um grande besouro resmunga: "todos sentimos saudades da menina e dos passarinhos que ela tanto adorava". Isso tudo eu imagino e posso até rever todos os bichinhos levando sua vidinha da qual eu também tenho tantas saudades. SINCERIDADE A sinceridade é a mais bela flor que podemos colher no jardim da honestidade. Elsa, pensativa, andava pelas calçadas olhando vitrines. De repente, ela soltou um grito de felicidade, pois acabara de achar uma pulseira de ouro, caída no chão, na beira da calçada. Ela pegou-a de contentamento e espanto. Elsa era uma moça pobre e nunca possuiu uma jóia tão bonita. Ela olhava feliz para o braço moreno, enfeitado com a pulseira. Parecia um sonho, mas era uma realidade. Elsa logo pensou: " - Não tenho vestido bonito para usar com essa jóia tão linda. Vou vendê-la por um bom dinheiro. Com isto posso comprar uma casinha simples para mamãe. Nisto, Elsa viu uma senhora de meia-idade chorando. Foi ver o que lhe havia acontecido. Dona Mara disse a Elsa que perdera uma pulseira de ouro, presente da sua bisavó. Ela, mais que depressa, devolveu a pulseira que achara, a mulher ficou muito agradecida. O sonho da casinha ficou perdido no espaço. Mas Elsa ficou contente por ter sido sincera e honesta consigo mesma. ADEUS MEU VELHO SALGUEIRO Adeus, meu velho salgueiro, as campinas enchem-se de flores. Os passarinhos, sacudindo as plumas, enchem a natureza toda com o seu canto. Os pomares verdes se curvam com os seus dourados frutos. Fios de ouro, do sol, se perdem por entre serras. A noite de luar encontra seu rosto umedecido pelo orvalho frio do pomar. Só Deus, a noite, o céu, os astros, podiam contemplar a beleza daquele pomar, daquela casa pequenina, daquela cachoeira logo abaixo do pomar verde. A brisa traz o cheiro doce das flores e dos frutos. Brilhantes canções das aves campesinas sobre as árvores que rodeiam a cachoeira, animam o bailado das borboletas sobre a relva macia. Os anos se passaram, e eu passava junto com eles, o inefável gozo da minha meninice. Eu sentava junto à porta, brincava com as borboletas sob a luz da tarde. Quando a aurora chegava eu corria pelos campos úmidos, lendo em cada folha verde a história do meu dia anterior. O velho salgueiro me esperava contente, para me proteger com sua sombra, livrando-me do calor do sol da manhã. O lindo sol do outono. O meu sonho de criança, de brincar com as borboletas, com as flores, com o meu velho salgueiro, um dia chegou ao fim. A minha esperança morreu. O colorido da vida se apagou. Nunca mais vi um outono, um verão, uma primavera, pois fiquei cega para sempre, pois nunca mais voltei a enxergar a luz do dia. Hoje, não vejo a luz, vejo tão somente as trevas. Guardo ainda na lembrança o meu velho salgueiro. ANIVERSÁRIO DE 15 ANOS Hoje é o aniversário da menina: 15 anos. Uma lágrima rolou sem piedade pelo meu rosto. Lágrima de saudade ou de arrependimento, talvez. Nem sei... Então, levantei minhas mãos para o céu e bradei: - Meu Deus, nas folhas do meu livro, do meu coração ainda restou perfume e não faltou amor. Disquei o número de um telefone público e peguei o endereço com um visitante qualquer, cheguei na festa, dei um abraço na minha filha, um beijo na minha esposa, já com meia-idade, com o rosto cansado pelo desgosto. - Minha filha, trouxe-lhe de presente de aniversário, a minha volta para sempre em nosso lar. Para mamãe trouxe o meu beijo de infinito amor. Nunca esqueci nas minhas andanças por este mundo de meu Deus, o nosso velho álbum de fotografias, nunca esqueci, vocês estavam sempre presentes nas páginas amareladas do nosso álbum de família. Assim, eles viveram felizes. APESAR DE TUDO SOU FELIZ A andorinha chegava apressada, é primavera. Ela anuncia a chegada das flores. O canto alegre dos pássaros anuncia também a chegada da primavera. Mãos douradas, mãos maravilhosas, são leves como a luz e o vento. Mãos radiosas, caminhando com a luz e afagando as rosas. Flores que enriquecem com a luz e afagam as rosas. Flores que enriquecem o nosso viver tumultuado. A andorinha inquieta, vê surgir a primeira aurora de primavera. Toda manhã era uma nova beleza. Saudávamos uma nova surpresa. Sempre envolta na névoa flutuante e brincando com o sol, com a borboleta azul, com a abelhinha amarela que saltita na janela, após ter colhido o néctar da flor. A luz do sol da tarde vinha cobrir o ninho do passarinho, pendurado no galho da laranjeira. O passarinho voava pelo caminho. Eu corria para apanhá-lo, mas nunca o alcançava Quando eu chegava perto dele, ele levantava num vôo mais alto ainda. Tudo era alegria para nós dois. O campo, o céu, a nuvem azul, o ramo segurando na sua haste verde a flor. Os bichinhos vivendo livres, soltos na floresta. Tudo era felicidade. Tudo era harmonia. A minha fantasia de criança, o mundo encantado dos meus sonhos povoavam o ar na imensa altura. Na minha andança no campo, ora brincando com as flores, ora brincando com as borboletas, ora apanhando aqui e ali um fruto para matar a fome e a sede, aprendi uma coisa a mais, a linguagem das aves, dos animais. Eles sentem tudo o que nós sentimos. Dor, alegria, tristeza, sentem o abandono, o desprezo. Percorria o pasto orvalhado de pés no chão. Trazendo no corpo o meu vestido velho de chita e, na cabeça, o meu chapéu de palha. Andando por esses caminhos todos, eu vi quanto os homens são tolos, não vêem quanto o campo é melhor do que a cidade grande. Tudo é mais sincero. É mais puro. A flor que se admira. A água que a gente bebe O ar que se respira. Tudo é mais natural. Tudo é mais perfeito. As tardes de primavera, quando o sol vai entrando, a sua luz cor-de-rosa se esconde atrás das serras, ali encontra-se a verdadeira paz. O lavrador da terra ganha o pão com o suor do seu rosto. A minha imaginação é tão pequena para louvar coisas tão grandiosas. Descrever os vales risonhos, indo perecer no mundo afora o sonho fagueiro, solto no infinito, achei tudo tão belo. Como me sentia bem dentro deste imenso castelo. Onde pude viver por algum tempo, tendo somente a flor, o passarinho, a montanha, a relva verde, a borboleta por companheira. Viver assim tão livre, livre como a água corrente. Senti a graça de Deus em tudo, no aconchego do campo. Até que um dia me senti prisioneira para sempre, nas garras do fatal destino, perdi a liberdade do campo e da luz, na prisão das trevas, condenada pelo tribunal da cegueira. Apesar de tudo, ainda sou feliz, resta-me ainda A boca para falar, o ouvido para ouvir, as mãos para escrever, e os meus pés para caminhar! Por tudo isso, muito obrigada meu Deus. COMUNICAÇÃO Comunicação é luz que clareia as trevas de nossa mente. Comunicação é o veículo de entendimento entre as nações inimigas. Só ela tem o dom de por fim à guerra. Comunicação está nos versos de uma música, nas linhas de uma carta, no tilintar de um telefone ou num simples tocar de campainha. É a lei dos homens, pois é da comunicação que nasce o entendimento. A comunicação não tem destino, mas nos leva ao fim de cada coisa traçada por nós. É fácil se comunicar, até mesmo através de um sorriso. Se você deseja viver feliz, comunique-se com seus semelhantes, faça da comunicação um ideal e dele a realidade entre a humanidade. Não deixe seu sorriso perdido na solidão. A comunicação deixa sempre sua marca por onde passa. Procede corretamente, com inteligência, em todas as situações, pois a comunicação não passa em vão, o ódio enegrece o mundo, porém a paz descortina o horizonte do amor. É através da comunicação que levamos a todo mundo a mensagem do amor. DE PÉ NO CHÃO João-de-barro é um pássaro feliz. Um pássaro livre, não conhece a prisão do preconceito. Não precisa de sapatos e nem de uma grande mansão para fazer a sua morada. Não precisa de pintor para pintar sua casa. Nem de construtor para construí-la. Foi feita e decorada pelas mãos da natureza. João-de-barro, pássaro feliz, construiu a sua casinha com o barro e tem como alicerce uma árvore. O casebre verde não tem luxo. É bonito por si mesmo. As cortinas das janelas são verdes, feitas de folhas. As janelas são os espaços entre uma folha e outra. Por onde passa uma nesga azul do céu, um raio de sol e uma réstia de luar. O telhado do casebre verde é a copa da árvore. Como uma palma da mão estendida, aparando os pingos da chuva. João-de-barro é um pássaro singelo. Entra sem sapatos, de pé no chão, na sua casinha bonita, dádiva da natureza... O menino de rua é menos feliz do que o passarinho João-de- barro. O menino pobre, não pode entrar na escola descalço e nem rezar diante do presépio natalino. O natal é de todos, mas o papai Noel não. A escola é para todos, mas nem todas as crianças têm o direito de estudar. O pai do menino pobre, com as mãos calejadas, trabalha na areia e no cimento, nas construções de lindos prédios, mas o seu filho ali não pode estudar. Não tem um par de sapatos. Uma placa bem grande na entrada do prédio diz: "Criança descalça não entra na escola". A criança pobre não tem dinheiro para comprar um pão para matar sua fome, muito menos terá para comprar livros e sapatos. Que mundo cão, meu Deus! O menino de pé no chão não pode ver o presépio do Sr. Müller. O menino, derramando lágrimas, é empurrado pelo guarda como se fosse um bicho sarnento, ou uma doença ruim, foi levado com lágrimas e tudo da frente do presépio para fora. Somente porque estava descalço. Será que um par de sapatos vale mais do que um sonho de uma criança? Será que a oração de uma criança calçada com sapatos engraxados e tudo, vale mais do que a reza de um menino de pé no chão? Senhor Guarda, sei que você cumpre ordens, mas acima de qualquer ordem, deve estar a ordem do amor no seu coração. Essa notícia marcou para sempre em mim o Natal de 1984. DESPERTA CORAÇÃO A terra, a natureza toda desperta, desperta você também coração, anima-se. Aqui e ali, quando chega tarde, desperta um coração que sorri. Um bando de pássaros que gorjeiam. Uma flor que desabrocha. Uma borboleta que voa sobre a relva verde. Em tudo palpita beijo de puro amor. No delirante anseio de amor e ser amado. Que natureza maravilhosa, coberta por um doirado sol. Tudo isto brilha mais que a estrela do mar. O ouro segue a sua viagem fantasma, deslumbrador, seguido por falsa ilusão e nunca por um amor sincero. Desperta coração, deixe que o meu ouvido ouça a sua voz. E que meus olhos sintam o seu olhar. É tudo o que desejo. É o céu que se arqueia cheio de estrelas, é o tronco de areia do mar, onde repousa a sereia encantada. Os peixinhos dourados perguntam ao vê-la passar: O que leva ao seu lado? Para que lugar conduz? Onde entra coberto de treva e sai coberto de luz? Donde vem? Venho das trevas de um coração que despertou para a luz da vida, pois eu sou o amor. E somente o amor desperta um coração para a vida terrena e para a vida eterna. Pois só pelo amor vale a vida. DISTÂNCIA Quando estou distante de você, eu vegeto, não vivo. As horas de longa espera, o ponteiro do relógio não passa nos números, cada segundo marca um século da sua ausência. O ponteiro quase se esquece de andar. Fito o firmamento turvo, cheio de nuvens de saudade. O coração, fica escuro, como uma nave sem lâmpada. Fito a terra, é um vale sem flor. O universo enfim, é um abismo vazio. Fito a noite, não sinto a poesia no luar. A lua parece quase sem brilho, apagando-se no alto céu. Então, fico lembrando os momentos passados, lembro suas palavras, seu gesto, o seu modo de se vestir, até o seu jeito de andar. A aliança, o símbolo do nosso amor, brilhando em sua mão. Eu, brincando com ela, rodando-a em seu dedo. O seu sorriso, ainda guardado na minha lembrança. Lembro-me até o lugar, onde nos encontramos pela primeira vez, foi aqui em minha casa. Lembro-me dos seus cabelos crespinhos, do seu terno marrom. Lembro-me a beleza ideal do seu porte elegante. Lembro-me da cor dos seus olhos, só seu olhar que me parecia tão cansado. Lembro-me do nosso primeiro beijo. Quando pela fresta da janela, a estrela da noite vem banhar a minha fronte quase adormecida e cheia de saudade, julgo ver nessa luz misteriosa o seu carinho, no silêncio da noite, eu ouço a brisa murmurar o seu nome. Longe de você, a minha alma vegeta. Vive somente de saudade e lembrança, respirando a sua esperança da sua volta, amanhã. Pois ontem você foi e parece-me que já faz um ano. Hoje... quero sonhar o seu sonho dourado. Quero velar na minha saudade, o seu sono, Oh, cupido, mande que as horas fujam depressa, que desfilem em fio de esperança os instantes. O ponteiro do relógio, que os números passem depressa, marque logo a hora em que eu possa vê-lo. Tenho sede meu Deus, daquele olhar. Vegeto, não vivo, sem aquele sorriso, que a distância se torne tão perto, como o astro do infinito. ELEIÇÃO PARA QUE? A vida na cidade é cansativa. O tropel dos pedestres, em meio ao burburinho de vozes, deixa-me exausta. O egoísmo e o interesse enojam-me. A ronda da cidade é o descaso. Deixe isso prá lá. A lâmpada apagada, o barraco desabando, O estudante sem livro. O doente sem remédio. A multidão sem segurança. Os professores acampados em busca de um melhor salário. Os sem-terra acampados em busca de um pedaço de terra para plantar. O policial mal pago. A violência subindo cada vez mais. O INPS saco sem fundo. O IPE, com uma só linha aberta para marcar consulta pelo telefone. Nem precisa dizer, está sempre ocupado. A criança sem leite, com pouca merenda escolar. O pobre sem pão. O mato invadindo a cidade. As calçadas cheias de buracos. Ferrinhos plantados na calçada para que o cego bata a canela. Os carros parados sobre as calçadas representam um grande perigo para o cego. Ratos invadindo as casas. Matando uma criança de três meses apenas com uma mordida. O imposto subindo sempre. Creches, hospitais, instituições filantrópicas fechando por falta de verba. A loteria esportiva e a loto subindo os preços do seu cartão. A farmácia do Inamps, mais um engano fatal. Remédio, só aspirina e alguns poucos AS. Quando não, para variar, alguns xaropes. O homem sem trabalho. O BNH, um ótimo tema para novelas. Sunab, para defesa do consumidor, bonito conto de fada. Que nunca mais ei de esquecer. Olha aí! Nós, de novo na boca da urna. Será que agora já aprendemos a votar? Ainda não acredito muito. Olha aí! O Brasil na copa outra vez. O gol onde está? No pé de quem? Não sei. Mas o nosso dinheiro está lá. No meu pé e no seu pé, eu sei que não está o gol. Quanto sonho, meu Deus! Eta Brasil feliz. Quanta mentira... Quanto fingimento No sorriso de algumas pessoas. Em outras, um sorriso triste, cheio de tédio. Festas, carnavais, a cidade grande está cheia. Enquanto isto, corre dinheiro, como água na fonte, e todos esses desperdícios, os bairros alagados durante as enchentes. O chopp correndo solto na Marechal, no Reveillon de fim de ano. O velhinho solitário não consegue uma vaga no asilo. A doce brisa da esperança renasce em nossa mente com a chegada da nova eleição. Ela passa, tudo continua igual. Nada muda. A cidade continua no mesmo ritmo, matando em cada dia que se finda a flor da nossa ilusão. Os políticos estão certos. Eles fazem suas campanhas para o voto. O errado somos nós que ainda não aprendemos a votar. Na cidade grande é preciso aprender a sorrir sem mentira, sem falsa ilusão. EM FRENTE AO RIO As águas correm a correnteza abaixo. Levando em cada fio de água, um verso, mirando em cada fio, o céu azul. O outono rodopia como uma gota d'água nas folhas verdes. Enquanto rolam sonhos, no dourado rio do sol. Abro a janela da casinha amarela, banhada pelo sol, fico então calada, admirando o imenso jardim por onde passa, lá no fundo do mesmo, o leito sossegado do rio. Tendo as suas margens cobertas por pequeninas flores. Flores abertas, outras ainda em botão, de diversas cores, Azul, amarela, cor-de-rosa, branca e vermelhas. Olho no espaço deserto e contemplo o lugar onde passamos juntos. Na margem do rio, banhado no arrebol, no imenso clarão da aurora de mais uma manhã de outono. As horas se passaram. O dia acabou. O vento trouxe no seu zumbido a luz da primeira estrela que nasceu no azul do horizonte. Ali você me deixou sozinha, abandonada na estrada do tempo. Ficou o rio, a estrela e eu. Você se foi, para onde não sei! ENTARDECER Doce brisa da tarde. Hora preguiçosa do findar do dia. A aragem perfumada pelo odor das flores vem sobre as asas de ouro do ar, banhado pela amplidão. O monte afastado brinca com os últimos raios do sol. O monte, conta-me e chora o quanto padece com o frio da noite. O drama da luz da prateada luz da lua. A tarde rosa vem colorir as altas serras com o sorriso das flores. O tempo deslumbra o quadro das estações do ano. As flores, os pássaros, os lagos azuis, o prado verdejante, as serranias, as borboletas festejam entre sorrisos o entardecer. As ovelhinhas pastam no matagal fresco e verde, esperando o seu pastor levá-las de volta para o curral, onde se abrigam do gélido frio da noite. Basta ver um entardecer no campo para entender o gesto simples, mas sincero, dos animais e dos pássaros, à procura dos seus ninhos para se resguardarem do frio, despedindo-se do entardecer e saudando com o seu balido triste, o crepúsculo que vem. A ovelhinha repousa tranqüila no seu berço verde de capim. O pranto do sol e do vento espantam o entardecer que foge para se esconder no seio da nuvem azul. Olhos belos, fitos no espaço, no fulgente azul anil, não se afaste miragem amiga, repousa tranqüila numa só gota de luz. Não, não posso, não me peça nada, preciso ir com o meu último raio de luz, adormecer para sempre no seio da nuvem, não se desespere, olhar tristonho, logo vem a lua, junto com a poesia, para embalar seu sono no leito do sonho da ilusão... Olhos tristes, não fiquem tão tristes assim. O entardecer foi embora, mas vem aí a lua para conversar, até para brincar com você. Enquanto todos os astros dormem, os passarinhos também repousam nos seus ninhos, as flores descansam, os lagos e as fontes adormecem nos leitos, e a lua bem desperta e faceira, na doçura de um beijo materno, fala-me ainda dos tempos idos, rasga-me a tela da razão que vem, e depois foge mais sutil, assim vai meu suspiro refletir muito além. Olhos tristes, não fiquem tão tristes assim, a aurora logo vem e de pois dela virá outro entardecer. EU Eu amo seus olhos, mesmo sem vê-los. Eu amo o seu lindo olhar, cheio de mistério. Eu amo o seu rosto, o qual posso beijar. Eu amo seus lábios, onde mora a bondade, onde repousa o perfume como o vale das rosas. Entre o festivo pôr-do-sol, sua voz amiga é um doce hino. Eu amo o seu colo macio, onde deito minha cabeça para descansar do árduo trabalho do dia.]Eu amo seus braços fortes, onde adormecem os meus pensamentos. E voam meus sonhos doirados para mais perto do seu coração, como a abelha no seu vôo festivo vai buscar o néctar da flor. Eu amo o seu sorriso, que é tão puro, tão sincero, como o sorrir de uma criança. Um sorriso alheio a tudo, ao mundo, alheio aos preconceitos. A criança é cheia de crença, cheia de fé, cheia de esperança. Eu amo as palavras de infinita bondade que sabe dizer a quem sofre. Eu amo os carinhos que as suas mãos me transmitem. Eu amo a sua paciência que me faz crescer espiritualmente. Sua voz, para mim é uma esperança. Leva o meu pensamento além do arco-íris, além das estrelas, além do céu. Eu me calo e jogo um beijo no seu rosto, enquanto ouço a sua doce voz. Eu amo os seus sonhos, porque junto com você, eu também sonho. Entre nuvens azuis mora o nosso amor. Eu amo a beleza da sua alma. Sim, eu amo a sua face tranqüila e linda... Eu amo a paciência que pende do seu semblante, como a chuva de estrelas. Eu amo o seu coração onde sempre guarda, para quem erra, o perdão. Eu amo a sua fé, eu amo você. FLOR DO IPÊ Os anos passaram. O velho tempo trouxe entre suas asas os fios prateados nos seus cabelos loiros. Lentamente, a neve da saudade cobriu sem mais esperar, os fios prateados dos seus cabelos, tornando-o muito branco. Tão branco como flores de algodão. É, o tempo passou, ele não espera ninguém. Ele deixou somente lembranças de um passado feliz. Durante esses anos todos, nasceram novas floradas no nosso pé de ipê, que ali ficava majestoso, diante da Catedral. Ah, quantas primaveras!... Nosso pé de ipê saudou, oferecendo-lhe de presente, um galho de lindas flores amarelas. A primavera passou. Passou, carregando a cor viva do meu pé de ipê. A primavera da minha saudade também ia embora, de mansinho, deixando no galho seca da minha ilusão, a flor apagada da lembrança. Pois foi numa florada do ipê que você foi embora, mais uma primavera chegou e partiu. Veio o verão queimar com o seu sol ardente, a esperança do meu coração, a esperança da sua volta. Assim passou o tempo. Veio o inverno e mais outro inverno. Mas você não veio. O inverno é muito triste. As flores morrem, as campinas, antes verdejantes, ficam sem vida, secas, sem cor. Os meus sonhos foram aos poucos morrendo, igual à última flor do nosso pé de ipê. Você não voltou, ficou perdido no inverno do meu esquecimento. É verdade, a borracha do tempo tudo apaga. Você ficou no arquivo do tempo. Nem o próprio tempo pode devolver você para as alvas páginas do livro dos meus sonhos. A minha primavera voltou e, novamente, o pé de ipê floresceu. Você também voltou. Voltou para conversar comigo. Mas não teve coragem. Pediu notícias minhas através de um amigo. Que pena... eu queria lhe dizer frente à frente, que tudo acabou. Aliás, o que talvez nunca começou. Quanta ilusão perdida..., quantos sonhos desfeitos. Foi tudo o que restou entre nós dois. A doce quimera de um sonho, a quimera de uma ilusão mal vivida. A primavera ficou. O pé de ipê está aí. Coberto de flores outra vez. Eu aqui, estou sozinha, mas feliz, lá do meu jeito, e você lá do seu jeito. Como? Não sei. Talvez, até, feliz... FELICIDADE Felicidade é possuir a vida. Felicidade é poder ver o desabrochar da flor. Felicidade é poder sentir o perfume da flor. Felicidade é poder apreciar a beleza e a pureza da rosa, do lírio e de todas as flores. A rosa vermelha, a rosa amarela, a rosa branca, a rosa cor- de-rosa. Como é lindo ver uma rosa se abrindo... Com suas pétalas macias como pedacinhos de veludo vermelho. Felicidade é sentir o perfume do cravo vermelho, e vê-lo pendurado tão pequenino e corajoso entre as folhas verdes. A adália faceira sorri com amor para o cravo tão pequenino. Felicidade é sentir no olhar sincero de um amigo a sua amizade. Sentir no seu gesto, a ternura. Felicidade é como um pássaro livre que voa daqui para ali, É bastante difícil alcançá-lo. É difícil mas não impossível, basta ter perseverança. Felicidade é poder ver os pingos da chuva caírem sobre a terra. Felicidade é poder ver o sol brilhar. Felicidade é poder ver o floco de neve cair no chão. Ver, vindo solto no espaço, como uma leve pluma. Ver as geadas matarem as bactérias, livrando-nos da doença, conservando a saúde do homem. Felicidade é ver a gota de orvalho brilhando com a luz do sol sobre o prado verde. Felicidade é poder mover os braços, mover as pernas, ver, falar e ouvir. Felicidade é poder pensar, felicidade é ter o alimento para saciar a fome. É ter o agasalho para se proteger do frio. Felicidade é ter um teto para se esconder das intempéries do tempo. Felicidade é possuir a água para matar a sede. Felicidade é possuir o ar para respirar. Felicidade é possuir o chão debaixo dos pés para equilibrar- se. Felicidade é possuir um coração que bate dentro do peito para a gente poder amar. Felicidade é poder amar a Deus sobre todas as coisas. Somos felizes porque aprendemos a amar. Felicidade é ter amor no coração. FLOR DO LUAR A flor do luar floresce somente na noite de lua cheia. O campo verde parece um imenso mar. As pequenas montanhas foram ondas paradas e muito verdes. Por onde escorrem fios prateados do luar. A espuma de lua cheia vai morrendo lentamente por entre a relva orvalhada. Lá no alto da colina nasce uma flor prateada, do tamanho da lua chia. E da flor prateada jorram raios de luar que vão beijar em grandes copas verdejantes das árvores. Enquanto o vento embala, sobe a sua doce canção de ninar, as pétalas de flor do luar. A noite estava linda. Toda iluminada pela luz pálida do luar. O lago transparente de águas cristalinas que ali estava ao pé da colina, refletia luz da lua cheia em suas águas, como se ele fosse um grande espelho. A flor ficou pasma ao ver surgir da beira do lago um moço muito bonito. Um moço alto, loiro, de olhos verdes, pele corada, todo vestido de branco. O moço, de olhar tímido mas cativante, aproximou-se da flor. A flor do luar sentiu-se importante, pois pela primeira vez ela viu alguém. Um moço bonito, de nome ainda desconhecido, mas que importância tem o nome? O importante era que ele estava ali, diante dela, admirando- a Certamente ele era igualzinho a ela, amante da noite de lua cheia. O moço ficou calado e a flor calada também. Ela ficou admirando aqueles olhos verdes, ele apreciando a incomparável beleza da flor. Sentindo o seu suave perfume. A lua cheia, passageira da noite, ia e vinha durante a sua passagem enfeitar a paisagem da natureza. Foi num desses vai-e-vem que tudo aconteceu. Floresceu novamente a flor do luar, em uma noite de lua cheia. O moço loiro voltou e falou com a sua dama da noite. - "Como é o seu nome"? A flor jogou-lhe um sorriso e respondeu: - "Não está vendo? Chamo-me flor do luar. - "O meu nome é um tanto diferente de outros nomes, pois me chamo homem-peixe". A flor sorriu outra vez e disse: - "Que engraçado o seu nome". - "É realmente um nome bem diferente. É apenas um apelido", respondeu o moço loiro. Ele foi se inclinando devagarinho e deu um beijo na flor do luar. Ela, imediatamente se transformou em uma linda moça morena, clara de cabelos, e olhos negros como uma noite sem luar. Começou o namoro entre os dois. Viveram horas felizes, pois se amavam intensamente. O moço sem nome fez um pedido para a flor do luar: - "Quero encontrar com você somente na lua cheia. Quero marcar o nosso casamento para uma noite de lua cheia". - "Eu também só posso me casar numa dessas noites", respondeu a flor. Assim ficaram combinados, se casariam na próxima lua cheia. O cartório e a igreja ficavam dentro de uma gruta de pedra branca, construída pelas mãos da natureza. A gruta estava toda enfeitada de flores e iluminada pela luz dos vaga-lumes. O padre era um lírio branco. O juiz era um cravo vermelho. Bateu doze hora no relógio da torre. Era meia-noite. Todos estavam postos diante do altar para celebrar o casamento. O juiz abriu o livro para as assinaturas, e o inesperado aconteceu; Um raio forte de luar inundou a gruta. A noiva desapareceu com o buquê e tudo, dentro do raio de luar. Pois ela não era gente nem flor, era uma estrela caída da constelação. Por encanto da mata, ela se transformou em uma flor do luar. E a fada da noite a transformou em uma linda moça. O homem-peixe também não era um apelido. Ele era um peixe de verdade. Só porque era muito orgulhoso e vaidoso, querendo ser o mais bonito peixe do lago, também dono do mesmo. O lago lhe deu o castigo de em toda lua cheia tornar-se um homem. Quando bateu meia-noite o encanto acabou e o peixe morreu ali mesmo, pois não havia água ali. FLOR DO VALE AZUL Que lindo céu azul-cetim! Maravilhoso regato de pequeninas ondas tranqüilas. Verdes campinas, por onde os pássaros povoam os montes. Pássaros, cheios de graça, cheios de beleza, de raro esplendor. Rejeitam diamantes mil por um vôo livre. Por uma existência aberta. A natureza contempla entre risos a sombra do ingazeiro. A flor do vale azul contempla sua fronte curvada no espelho na água corrente e dá graças a Deus por ser uma flor tão bela e sem orgulho, sem vaidade, vendo crescer na humildade a sua beleza sem igual. Que bom seria se o coração humano fosse humilde, igual ao coração de uma flor. Quero correr os desertos, quero correr as cordilheiras, quero matar a sede, quero matar o meu cansaço na água cristalina da cachoeira. Quero, ao descer de pés descalços as montanhas banhadas pela luz que o luar espelha, ouvir no distante vale soar a viola na choça. Ver descer da colina do vale azul, o lavrador pela encosta dos montes, quanto os pássaros, em revoadas, voltam gorjeando para o seu antigo ninho. Cantam trovas alegres, os lavradores, caminhando pela estrada estreita, para chegar até a choça de capim. Bebendo no ar ofegante o aroma do roseiral. Quero no rancho, à noite, ao clarão do fogo vermelho. Ouvir os tropeiros contar histórias, aventuras acontecidas pelos caminhos da vida. Quero paz, quero harmonia, liberdade, inspiração. Que a poeira da cidade me atrofia o coração. HOJE Hoje é Natal! Sim, hoje é Natal. Hoje é 25 de dezembro. O papai Noel vem no carro aberto dos sonhos. O carro da ilusão carrega o bom velhinho, vestido de vermelho e barbas brancas. O carro vem carregado de doirados sonhos e passa em todas as ruas possíveis e imaginárias. Passa por ruas iluminadas. Passa por chafariz luminoso. Passa por calçadas enfeitadas com pinheirinhos e tudo. O velhinho de vermelho, barba branca, passa distribuindo ilusão no casebre e no palacete. O velhinho vai embora. Entra na cidade e no subúrbio. O carro dos sonhos encontra diante de si uma larga encruzilhada. Na encruzilhada esquerda está escrito na placa: "Rua da Ilusão". Na encruzilhada direita, está escrito: "Rua da Esperança". Na rua que segue em frente está escrito: "Rua do Desengano". O papai Noel parou o seu carro e pensou: "Já distribuí presentes lindos nos palacetes. Já distribuí presentes menos bonitos nos subúrbios". Nas periferias da favela, ficou feliz com o seu brinquedo de plástico e sua bruxinha de pano. Ela mora ali, na Rua da Ilusão, onde quase não mora ninguém. O seu casebre é humilde sim, mas ela vive feliz. A criança que mora lá na Rua da Esperança, no lindo palacete, ficou feliz com o seu brinquedo importado e à pilha. Pois tudo o que espera quase sempre ela alcança. Como é fácil fazer uma criança sorrir! Seja pobre ou rica. Ela é sempre uma criança. Como é triste ver ou fazer uma criança chorar no Dia de Natal! O homem bom tem plantado no coração a semente do amor. O homem mau tem plantado no lugar do coração, o vazio do nada. O coração de um guarda de nossa Cidade-Sorriso, que eu não quero nem escrever seu nome, é feito do nada. Pois somente o nada merece ficar dentro do seu peito, em lugar do seu coração. Guarde bem o seu dinheiro do seu salário no cofre da sua pequenez. Enxotado a pontapés, empurrado com suas mãos fortes e imundas pela maldade, o menino esfarrapado e sujinho, descalço, pobre menino de rua que vive abandonado e nem um sapatinho rasgado tem para por nos pés, para visitar o presépio luxuoso da firma rica, onde você, guarda desumano, trabalha. Empurrou a criança da frente do presépio rico, o qual estava cuidando, como se o menino de rua fosse um cãozinho vira-latas, e jamais gente como você ou como seu filho. Nem mesmo comoveu-se com lágrimas do menino. Seu guarda, o menino da rua também sonha com o papai Noel, sonha com a noite de Natal, com o presépio enfeitado, com pinheirinhos iluminados, com o sapatinho na janela, igual você um dia sonhou. Hoje, o Natal de sua infância está com certeza enterrado na Rua do Desengano. Por isso, nem mesmo comove-se com o choro do menino, diante da ilusão inocente do Papai Noel, que o garoto trazia escondido no seu sonho de criança. Desculpe, seu guarda, se porventura um dia chegar em suas mãos esta folha de papel, pois entre suas linhas está estampada a mágoa que meu coração sentiu ao escutar no noticiário do rádio e da televisão o acontecido. Pois fui uma criança pobre também, e nem por isso deixei de sonhar com o Papai Noel, como esse menino de rua sonhou. JOVEM Jovem tarde, está embalada no berço de ouro do sol, ardendo em chamas. Tarde desmaia lentamente e rola na areia da praia, entre os braços de mil fadas azuis. A luz da primavera beija a face deste dia que vai se acabando. A lua guarda a sua hora de nascer, as estrelas esperam ansiosas para festejar a sua noite de Natal. Hino de amor e paz envolvidos em flocos de névoas se eleva no ar. O presente que cada estrela espera, é o nascimento de uma nova estrelinha no céu. Os astros iluminados vêm descendo num doce sorriso, num doce sonhar, o meu descanso. Eu gosto de você, tarde tranqüila. Eu sonho junto com seu sonho. Oh, tarde... Vejo em você a claridade de uma estrela. Estrela pequenina que nasce do ventre puro da nuvem, sob o véu e a sombra do mistério, nítido da perpetuação da vida e do início do nada que somos. A tarde nasce e morre. A noite nasce e morre. A estrela nasce e morre. Nós também nascemos e morremos, no profundo mistério de Deus. A jovem tarde reclina a sua cabeça em seu peito pálido de um raio de lua, e adormece para sempre. Sem nunca mais despertar. Foi junto com aquela jovem do meu sonho um dia ver nascendo sobre a amplidão, uma tarde de primavera. Ali adormecida, pálida, entre as rosas do céu. Está a filha do dia, a filha da aurora, a jovem tarde de primavera, envolta no manto azul da nuvem, dorme sorrindo, sem poder ver a nova noite chegar. O orvalho da noite que veio gelou sua face. Umedeceu os olhos da colina, gelou a alma da montanha. Acordou os raios que também tremiam de frio. Eles se escondem no mar e também na neblina, como uma bola de ouro que se esconde do minerador, no leito de espuma. A luz do prado verde vai se apagando. As asas da praia, da lua cheia, rasgando o céu para repousar no colo da nova noite. A jovem tarde agita sua trança dourada, o sol se esconde nas nuvens e os astros agasalham-se ao seu redor para a jovem tarde de primavera, que ali viria recolher-se para o seu repouso final. As águas corriam para adormecerem nas cabeceiras dos rios. As aves passavam cantando no espaço em busca dos seus ninhos, pois a tarde estava findando. Os peixinhos, no silêncio, entre a luz do dia que se acaba, vão acomodar-se no fundo do mar. Miragem sublime, da sombra das nuvens e da luz do dia se apagando, Numa fusão de delírio, nas ondas azuis do mar. Oh, tarde que se foi... Oh, noite que vem... Com o rosto molhado de orvalho, com gotas brilhantes cobrindo a relva adormecida. Eu, a contar-lhe estórias mil, ao ouvido, assim ouvindo também, na beira da praia, dos peixinhos o seu segredo que ali está, tão perto de mim, deitada na área fria, a conchinha cor- de-rosa. A tarde foge quase desmaiada, na sombra da noite, logo desaparece, e a brisa da aurora, rola e desperta no leito de um amanhecer. A jovem tarde, de primavera, sumiu-se nos braços do vento, e a sua imagem desfez-se no anoitecer. Assim é a vida, nasce num sorriso e morre numa lágrima. Como a jovem tarde de primavera, nasceu no dia e morreu na noite. MADRUGADA Quando é alta madrugada, as rosas, os lírios, a floresta com todos os seus bichos, e brisa, dormem no imenso leito do espaço. As abelhas espreguiçam-se e acordam aos poucos, com a noite sonora do cantor da amplidão, o amigo sabiá. Lá estão as abelhinhas cantando felizes para as matas, colhendo o néctar das flores para fazer o saboroso mel. A ventania sopra sacudindo as flores. As abelhas ficam tristes, se calam. O seu trabalho produz pouco. A chuva começa a cair. Os pirilampos rastejam-se entre os pingos d'água. A flor do maracujá, o jasmim, o golvo, o manacá, tomam grandes pingos d'água, com a sua boca grande como se fossem pequenas gotas de orvalho. Então, os passarinhos procuram agarrar-se nos galhos das árvores para escutar a chuva pesada que cai, correndo sobre a relva da campina. A mãe-d'água, com suas tranças longas e loiras, brinca com o lambari na beira da fonte. O colibri chegou na beira da fonte para brincar com a mãe- d'água e com o lambari dourado. Todos ficaram brincando com as folhas de espuma d'água corrente, como se as bolinhas de espumas fossem flocos brancos de neve. Na face da fonte clara, espalha-se o rei dos astros, o sol, que voltou a brilhar após a chuva. Cobrindo com os seus raios de luz, as calçadas, dominando com seus raios fortes, o prado verde, os mares, o espaço, tudo enfim. As borboletas azuis estão em festa cobre o tapete verde da relva, já quase seca pela luz quente do sol. Enquanto as andorinhas rasgam o véu do crepúsculo, flutuando na névoa seca do entardecer, então, felizes como crianças. Levadas pela mão do meu esposo, corro para as ondas da praia, para brincar com os meus pés e minhas mãos, na água fresca do mar e sentir na minha pele o beijo morno do sol. Foi embora a noite. Foi embora a madrugada. Veio um novo amanhecer, nasceu um novo sol. No quintal do hotel, tremem com o vento, as frutas douradas do pé de maracujá, como grandes bolas de ouro... O meu esposo comprou, da dona do hotel, uma fruta de maracujá e colocou na minha mão, para que eu a conhecesse. Eu acho as frutas bonitas, mas prefiro comê-las. As outras frutas ficaram penduradas no galho do pomar sombrio. À tardinha, já quase noite, voltamos para o mar. Os barqueiros traziam seus barcos carregados de peixes, que eram apanhados à flor d'água, já prestes a ancorar na beira do mar. Eu, com o coração disparado de medo, entrei pela primeira vez em um barco para dar uma volta por cima das ondas. O barqueiro e o meu esposo sorriam do meu medo, confesso que gostei da minha nova aventura. Enquanto eu passeava no barco, os passarinhos se cruzavam num só gorjeio, sob o azul do céu. Então, ao longe, eu escutava o canto mole do pescador que vem remando tão cansado a sua canoa. Algumas delas eram pintadas de azul, de verde, amarelo, vermelho e branco, deixando o mar colorido. Então, lá vem o colibri, o lambari, a mãe-d'água para ouvir quietinhos, o segredo da sereia com o mar tão colorido pelos barcos. O vaga-lume, por sua vez, passeia com a sua lanterninha azul acesa pela areia fria do anoitecer. Eu, na minha eterna noite de trevas, me aprofundo cada vez mais na essência da vida, e sinto mesmo sem ver, o quanto é bom existir. Possuir, enfim, uma vida. Deus, obrigado porque ainda posso viver. MUNDO CÃO Mundo cão, voraz, é por algum instante Conceder ao deficiente respirar ao menos o ar livre da esperança. Mundo cão, coração de pedra. Mundo cão, arrojado, desditoso e sem amor, sem justiça. Vai escrevendo no livro do tempo, lendas e histórias de vidas. Mundo cão, fatal destino dos vagos sonhos. Mundo cão do ontem, mundo cão do hoje, do amanhã, não sei. Mundo cão que tudo sufoca. Sufoca a ilusão, sufoca o sonho da criatura ser gente. Mundo cão, medíocre, que retrai o direito da gente viver. Mundo confuso, quadro que desenha a miséria humana. Os satélites da fome povoam o céu deste mundo cão, o hino da injustiça soa no badalar dos sinos desamor. Mundo cão, vazio de justiça. Pão para quem tem fome, ninguém guardou um pedaço de pão para um pobre faminto. Ninguém julgou que o pobre pensativo vela à noite, à luz débil da fome, tremendo de frio, estendido no chão de um grosseiro casebre, espalhado por este mundo cão. Quanto dinheiro foi gasto na construção e no lançamento do satélite brasileiro? Eu não sou contra o progresso. Sou contra a fome, a doença, a miséria insustentável do desempregado. Por que será que o homem aprende na escola da vida somente somar, multiplicar e nunca aprende a dividir? Pois o papel da humanidade é crescer, crescer cada vez mais, diante dos olhos deste mundo cão. Nas manchadas folhas da vida, foi apagada a palavra fraternidade com a borracha do egoísmo. Mundo cão, que não lembra de ninguém. O povo humilde apenas guarda deste mundo cão, a mágoa. Mundo voraz, nossa gente humilde coberta pela desgraça, sufoca a esperança de ser feliz. NA BEIRA DO MAR Horizonte transborda no fulgor do sol. A gaivota corta o céu no seu vôo livre de verão. A nuvem se espalha na onda azul do mar. Os pássaros, abrindo suas asas, alegres, voam e revoam ao redor das rochas, banhadas pela luz do sol vermelho. Ali na praia, misturam-se o gorjeio das aves, com o cântico arrastado do pescador. A aurora chega e as ondas se mantêm transparentes, mantêm vivo o cardume dos peixinhos dourados. Enquanto o bote verde-amarelo do seu Joaquim corre solto sobre as ondas azuis, como se fosse um peixe grande. Sentindo essa beleza toda, fico a pensar. Por que não sou uma conchinha cor-de-rosa que guarda dentro de si os sonhos dos peixinhos dourados? Pobre espuma azul do mar, por que não sou a gaivota que levanta as asas num vôo festivo pelo arrebol? Buscando no crepúsculo do entardecer a inspiração, Envio os meus sonhos sobre as asas do meu devaneio para o espaço e fico com meus pés presos na realidade, aqui no chão. O sol fulgurante desmaia numa luz pálida derramando sobre o céu, a madrugada. Madrugada esplêndida, que retalha o véu da noite. Eu ainda deitada no meu leito, reflito, como será o meu hoje, ali na beira do mar? Será que saberei agradecer ao meu Deus por tudo o que me concede, pela beleza do mar, pela existência da vida? NA BOCA DA NOITE A boca da noite é a hora em que o dia se debruça na crista das nuvens. Ela vem descendo sobre as montanhas, cuja luz do sol se esconde no horizonte, deixando as montanhas sob uma sombra cor-de-rosa. O sabiá canta quase num soluço, como cordas de violino, deixando um eco mavioso sobre as campinas. O riacho murmura baixinho, enquanto um bando de andorinhas, farfalhando suas asas, formam juntos o eco de uma canção. No embalar das nuvens vem a noite, como o abrir de uma grande boca sonolenta, e o cisne selvagem, saltando sobre as águas, formam gotas de orvalho no carro do luar. Os laranjais em flor, entre os dedos da noite, formam fios perfumados que desejam se cruzar com a aurora recém-nascida. O caminho de ambas se encontram numa penumbra de luz. As sombras prendem-se então num pedacinho de lua e enrolam- se no véu tênue da neblina. É hora do sossego, depois de um longo e agitado dia. É a hora da calma onde todos voltam do trabalho em busca do repouso merecido. Nesse momento, então, desce suavemente sobre a terra o frescor da noite, que nos faz sonhar e relembrar tanta coisa já passada, tanta coisa já vivida. É na boca da noite que relembro os folguedos da minha infância, brincando aqui e ali, sentindo-me feliz, sem perceber que hoje já não é igual. Os pedregulhos da vida são tantos que nem para o riso há mais lugar. Mas é na boca da noite que começa o repouso do dia que passou, tão cheio de dificuldades. E então, nesse momento tão grandioso, é que podemos realmente nos lembrar da presença de Deus. NA PÁGINA DE UM ÁLBUM O viajante deixa em terra distante, sua lembrança. Viajante que arremessou a sua vida sozinho por terra e por mar. Levando na alma a esperança e a saudade que consome assim, aos poucos, os seus olhos nas folhas de um velho álbum de retrato. Ele arrasta a alma ferida no caminho do coração, sem constância no amor. Nas ondas da vida, o seu barco foi perdido, seu corpo despedaçado. Talvez ao ler o telegrama do acontecido, alguém diria: - "Coitado, o pobre viajante teve um destino ingrato". O viajante se punha a pensar: Eu sou filho da solidão, vivo somente de saudade, trazendo comigo apenas o velho álbum solitário. Longos dias sem sol. Noites de incessantes chuvas frias, alma cansada, perdida nas trevas do caminho. Ando à toa no mar, nas estradas, como uma árvore seca, sem nunca dar fruto. O viajante era um homem que vivia sempre sozinho. Homem sem Deus, sem fé, sem pão, sem lar. O verão passou outra vez. Veio outra primavera com um sorriso aberto. Sorriso que baila sobre os ramos verdes. Num palpitar de lindas flores e belos sonhos, dourava o sol de setembro, aquecia a areia da estrada sem ninguém, assim como eu, pobre viajante esquecido. Já em terra, sentado à beira do mar, ali sozinho folheando as páginas de um álbum já amareladas pelo tempo Encontrou na página do velho álbum o retratinho de sua filha, Miraí, retratinho tão desbotado, tão esquecido, mas ali ainda está guardado. Olhando a fotografia, sentiu uma saudade imensa da menina, então pensou: - "Oh, Senhor, que ampara o errante, que lhe estende a mão, ajuda-me a voltar ao meu lar". Mas como voltar, sem endereço? Não lembra mais o número do telefone, pois faz tanto tempo que está esquecido em sua mente. Virou o retratinho desbotado e, nas suas costas, estava escrito o número do telefone e a data de aniversário de sua filha Miraí. O AMANHECER NO CAMPO A noite foge. Surge um novo dia, as sombras se escondem por entre as nuvens. Todo espaço é luz, é vida. Deixo o meu leito, deixo o colchão macio e o meu cobertor azul, tão quentinho. Vou com o meu cachorrinho malhado respirar o perfume do campo, sentir no meu rosto a brisa fresca da manhã, Ouvir a risada alegre dos marrecos na lagoa, e segurar entre as minhas mãos uma flor agreste. Com os cabelos desalinhados, voando com o vento, com os pés descalços e ombros descobertos, recebo sobre a minha pele morena o beijo do sol e o carinho suave do vento. Com os meus pés orvalhados pelos capinzais, seguia o meu caminho por entre os matos verdes, junto com as borboletas e os colibris. Brincávamos sem vaidade, sem distinção entre gente e os bichinhos. Éramos realmente felizes com as nossas brincadeiras. De repente, apareceu mais um na nossa brincadeira. Sentou-se num galho de árvore. Era o meu lindo sabiá, meu poeta sem poesia rimada, que canta sem luxo para eu ouvir a mais linda canção, entre a minha estrada pedregosa, saudando o arrebol. Após a minha volta, ouço junto à janela, os gorjeios dos pássaros, num hino de paz, entoando o seu bom-dia para toda a natureza. Sinto, da janela, o doce aroma dos laranjais em flor. Mesclam os sonhos da aurora com os fios coloridos da mais viva manhã. Vem comigo, não hesite. Tenho pressa de falar-te, tenho tanto o que contar-te, que esta noite mesmo, depois de uma manhã feliz, vem a noite e você venha ouvir o gorjeio dos passarinhos e ver o nascer do sol. Então, você dirá contente, como é bom ver um amanhecer no campo. O LÍRIO DO VALE Os anos se passaram em uma velocidade estonteante. Sem um lugar definido, percorreu o mundo, como um jato do tempo. O avião do tempo semeou pelo espaço a sementinha da lembrança, saudade, crença, esperança e do amor. A sementinha safada e desinquieta voou para o coração do homem, como o colibri voa e senta-se na pétala da flor. O lírio do vale, na sua pureza e no seu perfume, sorri feliz para o colibri que descansa sossegado sobre a flor do lírio. O amor também é assim, vem sossegado, sem alarde, e entra no coração da gente sem pedir licença. Então, tudo se transforma. Tudo se torna belo. O mundo e tudo o que nele há torna-se lindo, como um pôr- do-sol, como a penumbra de um crepúsculo ou um raio de luar. A beleza singular de um lírio florescendo no vale, sob a sombra cor-de-rosa de um vagaroso entardecer. A gente sente tudo ou a gente vê tudo. A vida é sem dúvida bonita. O mundo é bom. O homem não é mau. O amor é a base infinita da criação humana. O lírio do vale é a criação perfeita da natureza. A natureza é o amor, é a criação sublime de Deus. A flor do lírio enfeita a campina verdejante. O amor enfeita e purifica o coração do mundo. O MENINO E A NOITE Olha a noite! Olha a noite! Ela vem sorrindo abraçar a natureza e o menino. Olha a noite! Ela vem repousar contente, no colo da mãe- terra. Olha a noite! O horizonte está azulado como uma imensa pedra de anil. As estrelas vêm nascendo uma após a outra, tímidas diante da nobreza da lua rainha. A noite está bastante fria. Pois é a noite de junho. Os bancos velhos da praça estão quase solitários. Num banco mais afastado, lá no cantinho da praça dorme sobre ele, enrolado em jornais velhos, o menino esmoleiro da Rua Quinze, que alguma noite dorme debaixo da marquise e, outra noite, no banco da praça. O pobre menino muda somente de lugar. Mas não muda a sua condição de vida como gente, como ser humano. Existe alguém que ainda zomba do menino Euzébio, quando o mesmo está pelas calçadas, apenas por prazer de escutá-lo dizer palavras em gíria. Pois é a única coisa que Euzébio aprendeu pelas andanças da vida. A sua escola é o mundo. Com o sapatinho rasgado, com a roupinha desbotada, com um boné velho quebrado na testa, com um monte de jornais debaixo do braço, ele percorre as ruas da nossa Cidade-Sorriso. Batendo de porta em porta, vendendo jornal para ganhar um mísero trocadinho para comprar um minguado pão para matar a sua fome. Talvez o menino jornaleiro ganhe um pequeno salário para entregar jornal, isto eu não sei. Mas se o menino jornaleiro ganha alguma coisa, é muito pouco, pelo aspecto visual que se apresenta nas ruas. Que destino, que vida o menor abandonado leva debaixo do nosso céu brasileiro. O menino Euzébio vive de lembranças do passado, da vida que tinha na chácara do seu pai. Euzébio não era um menino da noite. Quando pequenininho, ele tinha um lar. Euzébio brincava, corria com os bichos que eram seus amiguinhos. Com o patinho, com o gatinho branco que parecia uma pequenina bola de neve. Com a vaquinha maiada, com as flores e com as borboletas. Era feliz o menino Euzébio. Não conhecia a maldade da cidade grande. Mas a má sorte bateu em sua porta. Numa tarde de setembro, caiu um imenso temporal. O pai de Euzébio que plantava sua roça foi morto por um raio. Sua mãe faleceu quando Euzébio nasceu. Agora, seu pai é o dia. Sua mãe é a noite. Seus irmãos são os passarinhos, o céu e as estrelas. Os passarinhos vêm dormir todas as noites na árvore da praça. Euzébio conta a história do seu dia para o tico-tico. O menino e o passarinho adormecem cansados no colo da noite, pois o teto de Euzébio é a marquise ou então o banco da praça. E a casa dos passarinhos é o pé de ipê com flores amarelas. Quem acolhe uma criança, a mim acolhe. Frase importante vinda da boca do homem mais sábio do mundo. Quem será esse homem? Ele é o nosso Deus. O homem não acolhe uma criança somente, acolhe o seu dinheiro. O menino da noite, Euzébio, é um exemplo de coragem. Venceu as agruras da vida. O homem rico podia investir mais no menino da noite. No menino da rua. No menino da calçada. Mas isto não acontece. O mais importante é o seu dinheiro. Jamais o bem estar de outra vida humana. O sorriso de uma criança tem muito pouco valor para ele. Quando esse sorriso amigo vale tudo. Euzébio não esperou pelo dinheiro alheio. Nem pela bondade do coração humano. Quando completou dezessete anos, ele foi à luta, desafiando a vida. Começou a trabalhar de jardineiro nas casas ricas da cidade. Já não dormia debaixo de marquise e nem do banco da praça. Tinha arranjado um lugar na pensão humilde de dona Sebastiana. Euzébio fez seus documentos e matriculou-se no curso supletivo de uma escola pública. Logo completou o primeiro grau. Euzébio não tinha nem um livro, nem caderno, fazia suas tarefas escolares num papel de embrulho que dona Sebastiana trazia embrulhando as compras de comida da pensão. Euzébio um dia comia bananas. No outro dia, comia pão seco, pois não tinha dinheiro para comprar as duas coisas. Euzébio fez à noite o curso de datilografia. Mais tarde, ele conseguiu um emprego no escritório de um advogado. Depois de empregado, foi adiante com seus estudos. Euzébio foi crescendo diante da vida. Hoje, Euzébio é o mais alto funcionário da Petrobrás. Euzébio não se tornou um ladrão, não é um moço da noite. Talvez nem conheça por dentro uma penitenciária. Tem um lar digno e uma família feliz. Você, menino da noite, poderá ser um Euzébio da vida. Estudando, você pode conquistar a sua independência e o seu lugar ao sol. MENINO E A ROSA A rua era muito movimentada. Os pedestres acotovelavam-se na calçada ainda molhada de chuva. Mas era uma rua alegre e feliz. Aqui e ali brilhavam gotas de chuva recém saída, pois agora o sol já voltara a brilhar. De repente, surge não sei de onde, um garoto destes de rua, completamente maltrapilho e desnutrido. Os seus cabelos eram pretos e crespos, eram tão pretos como uma noite sem luar. Tinha os olhos verdes e grandes como duas pedras de esmeraldas. Esse olhar era tão rápido como um piscar de um pirilampo. Lá ia o garoto, pés descalços, sua pele era muito pálida, feições que transmitem todo o sofrimento daquela pequena vida, pois não teria mais que cinco ou seis anos. Mas ele nada via, pois sua atenção estava voltada para a linda rosa que trazia em suas mãozinhas magras e sujas. Era uma grande rosa delicada, cujas pétalas pareciam finíssimas, de veludo vermelho. O garoto acariciava a rosa com muito amor. Num dado momento, beijou a rosa com muito amor, ele caminhava depressa por entre a multidão, com medo que lhe tirassem a rosa. Era o seu tesouro, sua jóia preciosa, seu único brinquedo, e segurava com muito cuidado entre seus magros dedos aquela linda rosa vermelha. Alguém comentou: menino safado. Talvez roubou essa rosa de algum casarão onde não devia ter entrado. O menino não deu ouvidos ao comentário. Continuou seu caminho, carregando com muito cuidado aquela rosa que era para ele uma preciosidade, e perdeu-se no meio da multidão. Ninguém nunca soube de onde vinha nem para onde iria. Nem o destino daquela linda rosa vermelha. O PASSARINHO VERDE Era tão pequeno, mas tão bonito. O meu coração ainda palpita quando lembro dele. Quando falou ou escrevo alguma coisa, que me aproxima dele como por exemplo: Quando escrevo sobre um entardecer. Quando escrevo sobre uma manhã de sol ou falo sobre uma flor. Imagino, então, o meu passarinho verde voando diante dos meus olhos. Eu amo o ermo. Eu amo a paz que espalha no mundo, no gorjeio solitário do passarinho. Eu vivo presa na saudade do meu teto de sapé. Tenho saudade do meu passarinho verde que cantava como ele só, Na cunheira do meu ranchinho de sapé. Passarinho, deixe o seu ninho, vamos correr as matas, correr os campos, pois estão cobertos de flores. Passarinho, é primavera, leve o seu hino para saudar a bela estação. Passarinho verde, junte ao seu gorjeio a minha desilusão. Quem sabe você guarda no seu gorjeio um sonho esquecido ou um fio de esperança distante. Escuta, passarinho, estas horas que as sombras deixam as alturas, Lá cantam saudando o novo dia, as flores e os lagos azuis. Os vaga-lumes cansados da ronda na noite anterior correm sobre a relva molhada, em bando buscam um lugarzinho seco para repousar. Enquanto o vento minuano uiva, queixoso na sombra dos coqueirais Os passarinhos que ali vagueiam, mirando o ranchinho de sapé, Quase deserto, repetem de boca em boca que ali reviveram os mais belos sonhos de então. E à noite, fechada a porta do ranchinho, tecendo ali mil planos, contaremos histórias mil, sentando junto ao fogão Enquanto o passarinho verde fica cismado no seu ninho, lá na cunheira do ranchinho de sapé. O passarinho verde conta a sua história da prisão, estava sentado em um toco, com as asas quebradas, um menino me pegou, colocou-me na gaiola, eu sarei e, na primeira oportunidade, voei para a mata e vim parar na cunheira do ranchinho de sapé. Assim vivo feliz. Eu não tive a mesma sorte, amigo passarinho, Estou presa na cadeia das trevas, fui presa pelo destino, por isso Fico feliz quando ouço o seu gorjeio na cunheira do meu ranchinho de sapé. O PRESIDIÁRIO A luz se apagou, são nove horas. Toca o silêncio. A cela está gelada Pois a noite está fria... O presidiário está calado Não tem com quem conversar Pois o cimento não fala. O presidiário fica mudo, preso somente nas lembranças Que ficaram lá fora. Vivendo aqui dentro só de saudade Saudade da velha palmeira caída. Saudade do pequeno córrego que corria ao lado dela para Entrar na cascatinha que ficava nos fundos da sua casa. Hoje, um velho casarão abandonado e esquecido. Saudade do pessegueiro que ficava em frente da janela da sala Onde cantava o sabiá nas tardes de verão. Quanta lembrança... Lembrança de ver espalhada na água da cascatinha, a imagem esbelta e tão feminina de Belinha. Vê-la na luz da estrela. Vê-la na folha do álbum de retrato. Vê-la na florada do pessegueiro. Vê-la brincando com a folha da roseira, entre as delicadas mãos. Belinha, que saudades de ver e acariciar os seus cabelos negros E suas tranças longas soltas aos ombros. Beijar seus lábios cor de pitanga madura. Saudade de ver seus olhos pretos, como a noite de luar, Mirando-me dos pés à cabeça. Ah, Belinha, se eu pudesse mudar tudo! Não, não posso mudar nada. Tenho mesmo é que esperar a contagem lenta do tempo. Sem nenhuma mágoa dentro do peito. Guardar por tanto tempo a doce lembrança do passado, o qual, agora, deixa-me arrastar a vida, por muitos anos, no mistério deste cárcere. Sem sonho, sem luz, sem ideal, sem amor. Ser ladrão não compensa, Belinha. Mas nunca é tarde para recomeçar uma nova vida. Quero outra vida, digna por você, Belinha. O RELÓGIO Quando estou longe de você eu não vivo, eu vegeto. O relógio sorri dos meus instantes sozinha, momento perdido. Os ponteiros que marcam as horas e os minutos, não passam dos segundos, marca séculos de ausência, se esquece de andar. Olho o céu, é uma estrela sem luz. Olho a terra, é um mundo sem flor. O universo é um abismo sem sol. Um espaço vácuo sem brilho. Então, lembro-me dos momentos que estou ao seu lado. Lembro-me do nosso lar. Lembro-me da sua conversa amiga. Fico contente quando é hora de voltar para você, voltar para a nossa casa. Guardo com carinho o seu sorriso no meu coração e a sua voz na minha mente. Que vontade de voltar. Lembro-me de tudo, o lugar do sofá onde você está sentado. Onde está guardada a sua guitarra e o nosso toca-discos. Ouço você tocando a sua guitarra e cantando o seu hino preferido. Sinto em minhas mãos o seu cabelo macio. Lembro de seus olhos, com um olhar tão meigo, conduzindo-me por todos os lugares por onde vou. Olhar doce, terno, amoroso. Os ponteiros dos minutos não andam. Espero ansiosa a minha saída da escola, mas nunca chega as cinco horas. Que vontade de voltar... Sim, voltar para você, voltar ao nosso lar. Quando a estrela orvalhada da noite vem beijar meu rosto, sinto os seus lábios. De cada estrela com essa luz misteriosa, sinto em seu brilho um carinho seu. No silêncio da noite, na minha oração, eu entrego o seu nome para que chegue até Deus, o qual lhe dará saúde e vida. O relógio não entende que eu, estando longe de você, minha alma não vive, vegeta. Longe de você, vive em mim a saudade, a lembrança, respirando em cada segundo os seus menores desejos... Vivendo em seus sonhos dourados os meus sonhos. Meu Deus, mande às horas que andem. Mande às horas que fujam, que passem por um fio de instantes. O ponteiro que passe marcando logo a hora em que posso voltar. Tenho sede do seu beijo, Preciso do conforto do seu abraço. Tenho sede, Senhor, meu Deus, daquele sorriso. Amo o meu esposo, Orlando Paulino Siqueira, acima da minha própria vida. Obrigada, meu amor, pelo conforto que tem me dado em nossa convivência por todos estes anos. Pelo marido que tenho, Obrigado, meu Deus. O SABIÁ O sabiá canta em frente a minha janela. Ele canta sentado sobre o galho de uma laranjeira. Será o anjo do entardecer que passa sobre a colina verdejante, entoando o hino do fim do dia, agradecendo ao nosso Deus por tanta maravilha. Nos coqueirais, os passarinhos com seus trinados, suspiram uma prece, anunciando outro anoitecer. A neblina cai, umedecendo as penas do lindo sabiá, e ele se esconde sossegado em seu ninho. Foi-se o sol da tarde, e no fulgor dourado de suas asas de ouro, dorme tranqüilo um sono bom. Hoje fiz um bom ato, uma boa ação, por isso de coração limpo, ouço o suave canto do sabiá, como uma oração. Além disso, o seu canto desperta na alma do sonhador um lindo poema. Verso que vagueia no peito solitário do trovador com o coração buscando em cada estrela uma fantasia para amenizar sua vida, pedindo a Deus a paz que este mundo não lhe pode dar. E o sabiá canta sua alegria ou então, quem sabe, sua tristeza, sob a sombra do laranjal. Mal dizendo ou exaltando a boa ou má conduta do homem com a natureza, que é o lar dos passarinhos. Quem não gosta de escutar o canto suave do sabiá? Quem pode entender o seu linguajar, suas queixas em seu doce trinado? Somente a saudade entende o seu gorjeio. A flor, num suspiro diz: - Vem sabiá, quero escutar o seu canto no declinar do sol, quando a noite chegar; também ao raiar da aurora, nos primeiros rubores da claridade do dia. Como seria bom se toda a humanidade entendesse o gorjeio de um pássaro. ONDE ESTÁ? No vento, na chuva que cai, no deserto, na cidade grande, no sol, em uma estrela, onde está? Num grito de agonia, no arco-íris, além das nuvens, nas tristezas, na alegria, em um sorriso, numa lágrima, no gorjeio do passarinho, na boca do faminto, na beleza de uma rosa, onde está? Na sarjeta, no sorriso de uma criança, onde está? Na tarde que morre, na madrugada que trás em seus braços um novo amanhecer, onde está? No abandono do solitário, na noite que vem, no relâmpago, no raio de luar, na pétala de flor, nas ondas do mar azul, onde está? Na neblina da manhã, no véu das sombras, na miragem da praia, no alto do oceano, no fruto doirado e fresco, nas ciências, nas letras, onde está? No pingo do orvalho, na réstia do sol, no ideal, na realização da vida, No tempo, no espaço, no passado, no presente, no futuro, Oh, Deus, você está aqui e em toda parte. OUVINDO ESTRELAS Eu ouço as estrelas. Sei que não perdi a razão. Eu digo, no entanto, que para ouvi-las é necessário Saber amar. Abro a janela, e vejo as estrelas recém- nascidas. A estrela pequenina quer falar de amor, quer falar de sonho, por isso a estrelinha fala comigo, porque eu amo e sonho também. As estrelas cintilam no céu enquanto o sol saudoso despede- se com a sua luz. Os raios solares, pálidos de espanto, ainda pelo céu antes muito azul, o seu dono. O sol amigo, no seu último aceno, diz um adeus saudoso para a pequenina estrela. Converso com as estrelas. E elas me entendem, porque falamos na mesma língua, a linguagem do amor. Apesar da estrela ser pequenina, ela ama o astro-rei, o sol. Eu converso com as estrelas quando falo no amor. Quando falo de saudade. Quando transporto meu devaneio nas asas douradas dos sonhos. Somente amando é que você poderá ouvir e entender estrelas. Ama, que você será capaz de falar com as estrelas, pois a linguagem da estrela é simples como a linguagem do amor, basta somente amar para entendê-lo. Eu amo, e no devaneio do meu amor, fico ouvindo estrelas. PÃO A QUEM TEM FOME Vida, você me tem curvada a seus pés Procurando em cada passo vacilante, sem rumo, sem destino certo, A procura de tudo, e encontrando somente o nada. Procuro terra, encontro rocha. A semente transforma-se em grão de ouro, no juro bancário. Linguagem bonita, lançado pela campanha da fraternidade: "Pão para quem tem fome". Criaturas que da esperança vivem. Não muito tarde conhecem a injustiça. Há falta de dividir o pão. Mas a imagem que eu busco, por quem meu ser suspira é a fada do bem, invocando entre preces, a justiça para o homem humilde do campo, transformando o brilho da estrela em uma chuva mansa, umedecendo a terra seca. Após a chuva dividir a luz do sol, em fatias de coragem para um novo plantio do trigo no terreno da perseverança e do ânimo, O lavrador, cheio de sonhos, torna-se um andarilho com a enxada e a foice nas costas, andando de um canto para o outro deste Brasil, em busca de um pedacinho de terra para plantar. Lá ele ganha, é espantado pelo dono da terra que tem muita terra para ser plantada, mas o seu egoísmo é bem maior, quer tudo para si Nem que deixe sua terra criando mato e bicho, para o pobre homem não tem nada. Volta o lavrador com fome e com o seu sonho desfeito. Não haverá pão para matar a sua fome. Então, por que esse slogan: "Pão para quem tem fome"? Por que não dá terra para quem quer plantar Mas, ao invés de terra, o lavrador ganha a sombra do desengano. Deixa a fronte pálida voltada para uma pequena flor que ele nem viu crescer. De olhos tristes e pensativos, ele vê a flor mas não sente o seu perfume nem admira a sua beleza, tinha seus olhos quase em brilho, o reflexo da injustiça, de uma aurora sem porvir. Somente podridão, lama, impureza, guardava num desalento profundo. Ali está a negra estrada dos vícios que os decaídos contribuíram. Quantos artifícios estão ali ao alcance de suas mãos. O lavrador iludido acha que encontrou o jeito de ganhar o pão para matar a sua fome. O homem cansado dos desenganos da vida, pensou: "Amar... porque? É perda de tempo. Vou colher os vermes da estrada, e desabar de um pedacinho de sonho que alguém, por descuido, deixou cair. A estrada é livre, a rua é minha também". Crendo no que pensava, na desilusão, estragou a vida no lodo do vício e da loucura. Um homem sem terra, sem pão, sem um casebre para morar, é um desgraçado a mais na cadeia para o povo sustentar com os seus pesados impostos. Dê terra e semente para quem tem fome, pois futuramente virá o pão. RECORDAÇÃO A saudade invade meu ser. Ela fica solta dentro do meu eu. Então, fico pertinho de você. Perto de tudo, até do meu sonho. A realidade é triste, depois do sonho. Quando vem bater em nossa porta, apenas recordação. Viver no mundo das lembranças é preferível do que viver no vazio do nada. Sem sonho, sem nunca ter sentido saudade. Sem jamais recordar coisa alguma. Pois é melhor ficar perdida no deserto dos sonhos, Do que não ter nada para lembrar. À noite, minh'alma voa para o mundo encantado dos sonhos, Enquanto soluça baixinho no alvo leito da saudade. Somente lembranças, recordações. À noite, no meu devaneio, a amplidão fica espantada com o domínio Seguro da luz pálida da estrela. Um anjo soluça espantado No ombro de uma estrela, vendo a grandeza do meu sonho, Como se eu fosse alguém para sonhar, Para lembrar, enfim, de alguma coisa. O importante de tudo isso é a alegria E o rumor de festas em torno de cada ilha, onde baila de asas abertas o pássaro somado à felicidade. A luz do luar cai sobre aquela casa branca. O seu cortinado cai sobre o alvo leito de Rosinha. De repente, um relâmpago desprende-se das nuvens, corta o espaço. O rumor de uma chuva se levanta. Serena, sorrindo, Rosinha aparece na porta. Esperando o seu amor entrar para se esconder do temporal. Qual nada, isto não aconteceu. Pois foi somente um sonho. Ela despertou e viu apenas o retrato do seu amor antigo Na moldura pendurada na parede. Rosinha vive hoje tão somente de recordação. SEMPRE CONTENTE Vivo sempre contente. Não sofro. Sou feliz. A tristeza das coisas más não me abalam. Ainda existe tanta coisa boa para a gente ser feliz. O infinito é nosso. O céu, as estrelas, e até a lua que homem já conquistou, pisando firme sobre o seu chão. Ela não é mais dos namorados, mas dos cientistas. É uma conquista a mais para o homem. A natureza toda é bela. Deus deu para o homem, de presente, olhos para ver. Deu a mim, de presente, os olhos de cada um de vocês para me ajudarem a ver tudo. E vejo o mundo através dos olhos de vocês. Lágrimas não tenho. Tenho, sim, o amor de vocês. No meu coração rola a esperança de um mundo melhor, onde jorre a água viva da paz. Cada um de vocês é um afluente do meu mar, no qual se derrama a água pura da confiança. A onda forte, com certeza, matará a violência e a onda mansa trará a paz. Somos um pedacinho do mundo, por isso podemos cultivar nele a planta do bem viver. Vamos esquecer a tristeza, o talvez, o quem sabe, o não sei, para viver a vida sempre contente, com a certeza da amizade de cada ser humano. Vivo sempre contente porque confio em você, e sei que tenho o seu amor. Você, leitor amigo, já me deu prova disto, lendo o meu livro e afastando as dificuldades que impediam o meu caminho. Continuo caminhando, sempre contente, porque no fim da estrada você está a minha espera. Obrigado, meu Deus, por me haver dado amigos! SIMPLESMENTE UMA LEMBRANÇA Sentado no sofá azul, lê ou finge ler um jornal. No canto da sala está um piano esquecido. Ele, fica ali, mudo, iluminado apenas pela luz de um pequeno abajur. O piano está coberto por um cetim escarlate. Eu olho você uma vez mais e saio sem dizer nada. Você olha-me e fica calado. Ninguém diz nada para ninguém. O silêncio continua em tudo. Nem uma folha de samambaia que está pendurada na parede em um canto da sala se agita. A sala é ampla e muda. Eu olho pela janela, mil estrelas salpicam o céu. O pé de maracujá está ali parado, fora da janela, triste e solitário. Sem flor, seu galho está vazio, sem o sabiá. Eu saio e volto e as coisas estão ali paradas no mesmo lugar. Só você não está. Está sim, no seu lugar, a saudade. Então, eu me ponho a pensar: No nosso amor que ficou distante e no sonho que ficou para trás Vou levando a vida, junto com a sua voz, com o seu sorriso, com o seu olhar, ou a vida vai me levando com uma simples lembrança de tudo. Até nem sei... não sei que luz estranha me vem ao coração Dizendo-me que você um dia volta, pelo mesmo caminho por onde foi. Traz consigo todos os pássaros, todos os astros é tanta luz e tanta música solta no ar, que nem sei se é a luz que canta ou se são os pássaros que gorjeiam. Vejo nascer uma outra manhã, e o sol brilhar na vidraça da janela. O sol convida-me para ir buscar você lá no fim da estrada. Eu vou e levo dentro do peito um ninho de rouxinol que canta um hino de amor. Os passarinhos danados voam, vão cantando, vão cantando. Mas não conseguem lhe encontrar. Sentam na relva ainda orvalhada, ficam tristes, pensativos, sem cantar. Então, eu e o amor nos espelhamos no imenso espelho de uma simples lembrança... Vou sozinha, caminhando pela estrada da vida, e carregando na mala do desengano, simplesmente a bagagem da lembrança. De tudo, nos restou apenas a saudade. SOL DE PRIMAVERA O sol está brilhando lá fora, neste lindo Sábado de primavera. À tarde vem vindo mansa e tranqüila, sem nenhuma nuvem no céu azulado. O riacho está brincando com o galho do salgueiro que está sentado na sua margem No qual um bando de pássaros, pousados em sua copa, gorjeiam hinos de paz e muito amor. A flor cheirosa espalha-se faceira nas águas cristalinas do riacho. A brisa, com suas asas leves e douradas, passeia pelo espaço, refrescando o calor da tarde primaveril. A gente coloca um vestido branco e vaporoso, e vai para o parque festejar com os passarinhos a bela tarde de primavera. O sabiá canta com sua voz afinada, igual ao de um violino, e as borboletas bailam no seu ritmo cadenciado, como uma criança no vai e vem do carrossel. No banco, não muito distante do carrossel, alguém estava sentado com um livro na mão. Aqueles olhos verdes, atentos na leitura, devorava letra por letra, página por página, do livro azul. Aquele senhor, já grisalho, com certeza era o pai da menina loirinha, que brincava no carrossel Enquanto o colibri beijava uma rosa, nascida talvez por acaso no canto do parque. Então, me pus a pensar, quanta beleza, quanta simplicidade havia naquele gesto. Um quadro tão singelo, de pureza e de paz. Ah, quem dera que isto ainda pudesse comover o coração do homem. Quem nos dera ver a presença de Deus no desabrochar da primavera. Quem dera sentir a Deus, no sorriso da flor. No despontar de uma nova manhã. No gorjeio da terra saudando a natureza. Oh, Deus, faça-me sentir a sua presença em cada primavera. Em cada dia que nasce em minha vida. Senhor, meu Deus, muito obrigado por ainda eu sonhar com a primavera. SOMENTE UMA ROSA No meio do jardim havia uma rosa coberta de espinhos. A rosa não gostava de seus espinhos e suspirou: - Ah! Quem me dera Ter lindas folhas sem espinhos! Quem me dera Ter folhas de ouro! A fada das flores ouviu seu desejo. No dia seguinte, ao amanhecer, a rosa estava coberta de folhas de ouro, sem nenhum espinho. Era a rosa mais bonita do jardim. O sol batia nas folhas e elas brilhavam, reluziam, jorrando perfume das pétalas coloridas. A rosa dizia: Que maravilha! Como brilham as minha folhas! Agora sou feliz! Sou uma rosa sem espinhos! UM PEDACINHO DO CÉU Um pedacinho do céu. Um punhadinho de estrelas. Eu sou como um vale na tarde fria. Sou somente um vale. Que esqueço uma plantinha aqui e ali, com os poucos raios de sol que recebo. Tudo ouço na minha sombra. Quase sem luz. Ouço o soluço do sino. Guardo calada o seu segredo. Guardo na neblina do cansaço, a queixa do trabalho. Depois, escuto feliz um hino entoando glória ao trabalho. É pobre a minha sombra, é pequenino o meu espaço. É névoa o meu sonho, é espuma a minha esperança. Mas, a resignação doura e perfuma o meu dia. A tristeza foge com o término do dia. A noite vem adormecer no meu colo, tenho a ilusão de receber o único prêmio que é o céu repousando sobre mim, e mil pirilampos velando seu sono, num recolhimento profundo, a Deus agradeço em poder agasalhar na minha pequenez de um vale na sombra do céu e as estrelas, isto é, um pedacinho do céu, com um punhadinho de estrelas no meu colo. Agradeço, Senhor, meu Deus, por este pedacinho do céu, por este punhadinho de estrelas. UM RANCHINHO, SEU CARINHO E NADA MAIS A natureza sem tinta, sem pincel, pintou num passo de mágica a campina tal qual ela está. Deu cores aos animais, no frescor da relva. Cavalos pretos, malhados e brancos, esponjam-se nos tapetes verdes da relva macia. Entre as flores do mato está um ranchinho coberto de sapé. Está pendurada sobre o grelho da peroba uma rede de cipó. Aberta a noite, embalada pelo vento do sertão, alguém nela adormece. Nunca a maldade entrou naquele pequenino coração. Assim como a mentira nunca passou no livre coração do passarinho. Nunca o ódio manchou o livre coração da cascata. O seu murmúrio foi sempre doce e feliz. Nem a inveja passou no suave perfume da flor. Havia inocência e pureza nas brincadeiras da borboleta. Havia ali o cuidado amigo do cachorro deitado sob a sombra da laranjeira. O astro da noite encantada deixou seu úmido clarão sobre o ranchinho de sapé, envolto em um carinho e nada mais. As estrelas não deixaram por menos, espalharam um punhadinho de ouro sobre as rosas do verão que desabrochavam com a aurora, perfumando o ranchinho de sapé. Aqui eu fico com o seu carinho e nada mais. Você veio afagar o sonho da minha mocidade em flor. Assim, ali estava a minha vida de adolescente. Agasalhada no meu ranchinho de sapé. Sentindo em meu redor candura, paz, bondade e muito amor. A ilusão surgiu na viva fantasia do meu pequeno mundo. Prendendo o sonho à natureza, em uma estreita harmonia. Eu me sentia conduzida nas asas dos devaneios, numa inspiração sem fim. Voando para o cimo das serras altaneiras, onde o arrebol sacudia montanhas de ouro, derramando raios dourados no lago azul de minha imaginação. Eu invoquei os pássaros que vêm desenhando a sombra do entardecer no meu lindo sertão, a fim de que mostrassem nos ermos, um remanso feliz, onde pudesse minha livre imaginação e os meus sonhos de adolescente. Falo de um casebre à beira de uma cascata, oculto entre as folhagens e flores do laranjal, do jardim de rosas brancas, vermelhas, amarelas, do arrulhar dos pombos no amanhecer, da gangorra, no seu levanta e abaixa movida pelo peso das crianças do vizinho. A gangorra fixada no pomar aguarda contente a volta da gurizada. Hoje, ficou somente sonho e o amor que restou pela natureza. Eu vivo a voar com os meus pensamentos no espaço do tempo. Vejo a flor roxa do pé de ipê na beira do rio pequeno, onde a criançada banhava-se ao entardecer. Enquanto o sabiá cantava no galho do ipê, a relva parecia um tapete de veludo, desenhado em flores vindas com o vento e desabrochadas nas campinas. Nessa fusão de cores, misturava-se a flor cor-de-rosa vinda do pessegueiro. A flor branca das laranjeiras. Era belo o meu ranchinho, seu carinho e nada mais. Vivendo ali entre as folhagens verdes, na beira da cascata. À noite, no terreiro, eu via cair o raio de luar sobre meu corpo estendido na rede de cipó. Havia em tudo uma perfeita harmonia, dos astros, dos pássaros, da vida, criação de Deus e da própria natureza. O orvalho da noite molhava os meus cabelos, os meus pés descalços. O perfume do mato cobria o meu rosto como se fosse um imenso lençol verde. Da rede, via-se ao longe o cimo de um pequeno outeiro, banhado pela luz do luar, tudo ali transmitia paz. O rio, a estrada solitária, as sombras dos vales pareciam dormir. Nada perturbava o sossego do silêncio; de quando, ouvia-se à distância, o latido dos cães soltos nos campos. Pouco a pouco, um rolo de fumaça desprendia das chaminés, subia formando nuvens escuras no espaço, desaparecendo depois no ar. Os galos cantavam anunciando aqui e ali, a chegada da madrugada. O ranchinho logo ficava todo iluminado. A chama brilha, zune, estala em rubras labaredas, o fogo quase lambe o sapé. As aves que dormiam no poleiro se escondiam entre as folhas da aragem fria. Eu agasalhava-me do frio na beira do fogo, contemplando a última chispa se apagar. Eu adormeci. Meus sonhos continuaram a voar para o céu. Senti que ainda tinha ilusão que vivia em cada sonho, que era realmente uma adolescente feliz. As flores silvestres, adormecidas, sonhavam junto comigo. Os passarinhos, calados, embalados pela aragem fresca da noite, adormeciam também. As velhas árvores guardavam suas sombras entre os seus galhos, para as manhãs seguintes e ardentes de sol. A noite acabou. Acordou com um novo amanhecer. Com as mesmas colunas, com os mesmos cães vadios, latindo ao redor do ranchinho, com as mesmas cores das matas, com a mesma luz como pó de ouro, cobrindo a natureza. Ali era o meu ninho de felicidade que agasalhava o meu ser. Ser que morava num pequeno paraíso, apesar de ser um pequenino ranchinho. Tudo era calmo. Eu ficava na janela vendo o roceiro passar lá na estrada, com seu chapéu de palha na cabeça e a enxada sobre os ombros. O infinito, muito azul. Sem nenhuma nuvem, luzes em forma de pequenos raios sobre o campo. O espaço era todo meu. Sim, era meu e das borboletas que brincavam com os pingos de luz como se fossem crianças também. Como se fossem também uma adolescente sonhando com o seu primeiro vestido de baile, vestido dos seus quinze anos. Após travessuras, sentavam aqui e ali para descansar na fina e branca areia da cachoeira. Uns meses se passaram como relâmpago. Nem sempre o céu azul da nossa existência permanece azul e calmo, sem nuvens, sem névoa. Parece que a tempestade prefere as mais lindas manhãs para colher o sol, e cobrir a terra com a escuridão e nuvens negras. Foi numa dessas manhãs que me tornei prisioneira das trevas. A nuvem negra da cegueira cobriu para sempre a luz dos meus olhos. Nunca mais pude ver a neve cair, formando flocos de algodão sobre a relva verde do meu sertão. Nem a geada cobrir a grama pequenina. Nunca mais pude contar as estrelinhas. Nunca mais pude ver a água cair na cachoeira. Nem brincar com as borboletas. Nem ver o sorriso de uma criança. Nem o colorido de uma flor. Nem um pôr-do-sol. Mas sou uma criatura feliz, porque Deus me deixou ouvir a chuva cair. Deixou eu ouvir a melodia da voz humana. O gorjeio dos pássaros e o cantar do galo. Obrigado, meu Deus, por eu escutar todo os sons e dentro dele pode construir o meu mundo. Por isto, digo: sou feliz. Só o que me restou na minha lembrança foi o ranchinho, seu carinho e nada mais. VERDE VALE A terra estende-me os seus braços. Apoia-se em seu colo. O vento beija-me a fronte. O riacho mata-me a sede. A flor enfeita-me e cobre-me com o lençol do seu perfume. As manhãs de sol e de luz radiante aquecem-me o corpo e iluminam as minhas trevas. O orvalho, tímido ainda, se esconde entre as folhagens verdes. O verde vale é embalado pela inquietação da fria noite. Oh, deixa-me viver, crescer, sem o açoite da neve. Sem me desfolhar a geada. Oh, deixa-me ver a magia das estrelas que aninha a vida do verde vale no espaço de um só dia. Mas os homens agitam suas mãos violentas, e entre elas a sua afiada ferramenta para destruir a minha vida. Sem piedade tombam o verde vale. Que pouco a pouco tinge-se de imenso pavor. Oh, brisa amiga, não vê o meu corpo dilacerado, que muito cedo pendem minhas pequeninas arvorezinhas ao chão? E, em breve tempo, desfolhada, já morta, diz à árvore: - "Não verei nunca mais chegar a primavera". Oh, homem, tem piedade de mim... Deixa-me desfrutar o meu momento final que é nascer na primavera e no verão morrer. Brutal mão assassina, não ouviu as minhas queixas. Nem nas minhas dores prestou atenção. E a árvore, retraindo os seus galhos, suas folhas, se inclinou lentamente tombando ao chão. A árvore surgiu na primavera, mas não chegou no outro verão. Teve pouco tempo de existência, somente a aurora veio visitar-lhe e ainda a encontrou. A noite veio, procurou por ela, mas a encontrou no chão. O homem que pouca consciência tem com a natureza, destruindo-a logo, verá apenas a legenda triste do verde vale, e verá o seu funesto fim, pois o homem não cansa suas mãos na destruição das matas, destruindo os verdes vales. Não sei, num futuro breve, onde o homem irá buscar o oxigênio para respirar? Certamente, na árvore seca da sua inteligência. UM SORRISO O sorriso sincero é tão lindo quanto a primavera em flor. Sorriso solto e livre como os pássaros, cantam aberto em seus ninhos. As flores presas no vai e vem dos ramos, sorriam contente com o seu sorriso. O sol ardente de setembro dourava a areia do caminho. A rosa, num sorriso, desabrochava suas pétalas do botão. Nos seus lábios florescia um sorriso aberto que jorrava amor até neste mundo de cão. Nós nos encontramos e nos amamos apenas num sorriso de vinte anos depois. Eu era ainda uma menina, com catorze anos de idade, quando ouvi pela primeira vez o seu sorriso. Você pegou a minha mão, levou-me até a portaria do colégio para conhecer a sua esposa. Então, ela abraçou-me e disse: "Que menina bonita! Como são lindos os seus cabelos longos e tão pretos como uma noite sem luar". Ela perguntou-me: "Você estuda?" "Sim, eu estudo na terceira série ginasial". "Você tem família aqui em Curitiba"? "Não, não sei onde andam os meus pais. Desde que fiquei cega nunca mais encontrei os meus pais, pois fiquei internada em colégio para cegos, em Porto Alegre. Penso que eles vivem no Norte do Paraná. Eu vim de Porto Alegre há alguns anos atrás". Dona Maria, era o seu nome. Ela disse-me num sorriso: "A partir de hoje você terá uma nova amiga e uma casa para passear nos domingos e passar suas férias de fim de ano". "Obrigada, Dona Maria. Eu sinto necessidade de Ter uma família amiga na qual eu me sinta apoiada, como se fosse o meu lar". Dona Maria beijou o meu rosto e, sorrindo, me disse: "Domingo eu venho buscar você para almoçar em minha casa". Eu fiquei vibrando de alegria. Contando os dias e os minutos para chegar logo o domingo. Finalmente chegou o dia do meu passeio em casa dos meus novos amigos. Após o almoço fomos para a Igreja da Cruzada Nacional. Eu cantei o hino Jardim de Deus. Dona Maria era professora da escola dominical das crianças, ficou contente comigo e pediu-me que voltasse a cantar todos os domingos. Eu aceitei. Assim, continuou nossa amizade por muito tempo. Passaram-se as estações do ano. Isto, por muitos anos. E chegou um outro novo ano. O álbum do tempo abriu as páginas das nossas vidas. Abriram-se as flores da nossa última primavera que juntos passamos no último Domingo primaveril. Como o viajante triste deixa em seu caminho uma lembrança, eu levei a saudade dos meus amigos, ficaram gravados seus nomes nas páginas do álbum da minha vida. Eu nunca mais os encontrei. O que eu lamentava bastante, pois por minha falta de tempo foi que se deu o nosso afastamento. Eu cursava na época, duas faculdades, a Faculdade de Letras e a Faculdade de Canto, na Escola de Belas Artes. Estudava inglês e ainda dava aula para poder viver. Por tudo isso, nunca mais nos encontramos. Meu afastamento daquela gente tão querida, tão amigos, deixou dentro de mim uma imensa saudade. E assim, vinte anos se passaram. Durante esse período de tempo fiquei noiva várias vezes e não me casei com ninguém. Depois de formada, me dediquei inteiramente às crianças da minha escola. Assim fui arrastando por vinte anos a alma ferida, sem constância no amor. Depois, veio a fatalidade naquele lar. Dona Maria faleceu e eu não soube a notícia da sua morte. Mais um ano se passou. Quando uma certa manhã de Domingo o telefone tocou, Eu atendi, era o Sr.Orlando Siqueira, pois assim eu o chamava. Ele não me contou da morte da esposa. Somente convidou-me para ir à Igreja. Eu lhe respondi que não podia, pois no Domingo seguinte haveria uma reunião do Conselho Deliberativo, no Instituto Paranaense de Cegos do qual eu participava. E assim, mais um mês se passou. O Sr.Orlando veio à minha casa e contou-me da morte da esposa. Logo pediu minha mão em casamento. Pois, segundo suas palavras, Dona Maria gostava muito de mim, por isso ele desejava tomar-me por esposa. Eu aceitei o seu pedido e nos casamos no dia treze de dezembro de 1985. Hoje, vivemos bem felizes, com a graça de Deus.